covid
Buscar en
Revista Paulista de Pediatria
Toda la web
Inicio Revista Paulista de Pediatria Associação de insegurança alimentar e nutricional com fatores de risco cardio...
Información de la revista
Vol. 34. Núm. 2.
Páginas 225-233 (junio 2016)
Visitas
2252
Vol. 34. Núm. 2.
Páginas 225-233 (junio 2016)
Artigo de revisão
Open Access
Associação de insegurança alimentar e nutricional com fatores de risco cardiometabólicos na infância e adolescência: uma revisão sistemática
Association between food and nutrition insecurity with cardiometabolic risk factors in childhood and adolescence: a systematic review
Visitas
2252
Naruna Pereira Rocha
Autor para correspondencia
narunarocha@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Luana Cupertino Milagres, Juliana Farias de Novaes, Sylvia do Carmo Castro Franceschini
Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa (UFV), Viçosa, MG, Brasil
Este artículo ha recibido

Under a Creative Commons license
Información del artículo
Resumen
Texto completo
Bibliografía
Descargar PDF
Estadísticas
Figuras (2)
Tablas (2)
Tabela 1. Avaliação das publicações sobre insegurança alimentar e nutricional e fatores de risco cardiometabólicos na infância e adolescência
Tabela 2. Resultados encontrados nos artigos sobre insegurança alimentar e nutricional e fatores de risco cardiometabólicos na infância e adolescência
Mostrar másMostrar menos
Resumo
Objetivo

Abordar a associação entre insegurança alimentar e nutricional e fatores de risco cardiometabólicos na infância e adolescência.

Fontes de dados

Os artigos foram selecionados pelas bases de dados Medline, Lilacs e SciELO, sem limite de data de publicação. Envolveram crianças e adolescentes e foram usados os descritores: segurança alimentar e nutricional, diabetes melito, hipertensão, síndrome metabólica, estresse e dislipidemia. Os termos foram usados em português, inglês e espanhol. A busca foi feita de forma sistemática e independente por dois revisores.

Síntese dos dados

A exposição à insegurança alimentar no período da infância e adolescência variou de 3,3% a 82% nas publicações selecionadas. A exposição à insegurança alimentar esteve associada a estresse, ansiedade, maiores chances de internações hospitalares, deficiências nutricionais, excesso de peso e consumo de dietas inadequadas com ingestão reduzida de frutas e hortaliças e aumento do consumo de carboidratos refinados e gorduras.

Conclusões

A insegurança alimentar e nutricional esteve associada à presença de fatores de risco cardiometabólicos nas publicações avaliadas. A infância e adolescência constituem uma fase da vida vulnerável às consequências da insegurança alimentar, o que torna de extrema importância a garantia do acesso regular e permanente aos alimentos. Por ser essa associação complexa, algumas dificuldades são encontradas, tais como a sinergia existente entre os próprios fatores de risco, a avaliação de grupos heterogêneos e a extrapolação dos dados para outras populações, além da influência dos fatores ambientais.

Palavras‐chave:
Segurança alimentar e nutricional
Diabetes melito
Hipertensão
Síndrome metabólica
Estresse e dislipidemia
Abstract
Objective

To address the association between food and nutrition insecurity and cardiometabolic risk factors in childhood and adolescence.

Data source

Articles were selected from the Medline, Lilacs and SciELO databases with no publication date limit, involving children and adolescents, using the descriptors: food and nutrition security, diabetes mellitus, hypertension, metabolic syndrome, stress and dyslipidemia. The terms were used in Portuguese, English and Spanish. The search was carried out systematically and independently by two reviewers.

Data synthesis

Exposure to food insecurity during childhood and adolescence ranged from 3.3% to 82% in the selected publications. Exposure to food insecurity was associated with stress, anxiety, greater chance of hospitalization, nutritional deficiencies, excess weight and inadequate diets with reduced intake of fruits and vegetables and increased consumption of refined carbohydrates and fats.

Conclusions

Food and nutrition insecurity was associated with the presence of cardiometabolic risk factors in the assessed publications. Childhood and adolescence constitute a period of life that is vulnerable to food insecurity consequences, making it extremely important to ensure the regular and permanent access to food. Because this is a complex association, some difficulties are found, such as the synergy between risk factors, the assessment of heterogeneous groups and extrapolation of data to other populations, in addition to the influence of environmental factors.

Keywords:
Food and nutrition security
Diabetes mellitus
Hypertension
Metabolic syndrome
Stress and dyslipidemia
Texto completo
Introdução

A abordagem da insegurança alimentar e nutricional (InSan) tem ganhado destaque nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. O conceito de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) foi estabelecido por meio da Segunda Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional realizada em 2004 no Brasil e consiste no direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, econômica e socialmente sustentáveis.1 Situações em que há violação de qualquer um dos itens caracterizam a InSan.

Pode‐se observar a relação da InSan não apenas no contexto do baixo peso e/ou da presença de doenças carências, como amplamente debatido pelos pesquisadores, mas abordando uma “nova” associação do tema com a presença de fatores de risco cardiometabólicos desenvolvidos ainda no período da infância e adolescência, tais como obesidade, resistência à insulina, diabete tipo II, hipertensão arterial sistêmica, dislipidemias e inflamações.2‐4

Tais fatores de risco podem ser classificados em tradicionais (modificáveis ou não) e não tradicionais. Os fatores tradicionais não modificáveis contemplam idade, sexo e história familiar precoce para doenças cardiovasculares, enquanto os modificáveis englobam dislipidemias, hipertensão arterial, diabete tipo II, tabagismo, sedentarismo e excesso de peso. Os denominados não tradicionais abordam a avaliação de alguns marcadores de risco cardiometabólicos, tais como citocinas inflamatórias, proteína C‐reativa, interleucina‐6, leptina e adiponectina.5

Alguns estudos têm demonstrado associações positivas entre a presença de InSan e pior estado de saúde em crianças e adolescentes.6‐8 Dentre esses desfechos, destacam‐se problemas comportamentais, psicossociais, no desenvolvimento e maior acometimento por doenças agudas e crônicas.9 No entanto, não se conhece o mecanismo preciso pelo qual a InSan afeta negativamente a saúde desse grupo.10

Nessa perspectiva, após verificada a escassez de estudos brasileiros sobre o tema, foi feita uma revisão sistemática para avaliar se a insegurança alimentar e nutricional está associada à presença de fatores de risco cardiometabólicos na infância e adolescência, com o objetivo de fornecer subsídios para intervenções na saúde pública. Os principais elementos a serem modificados nessa problemática poderão auxiliar no planejamento de futuros estudos de intervenções voltados para crianças e adolescentes em situação de InSan.

Método

A estratégia de busca dos artigos incluiu pesquisas em bases eletrônicas. Usaram‐se as bases eletrônicas Medline (National Library of Medicine, Estados Unidos) via PubMed, Lilacs (Literatura Latino‐americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e SciELO (Scientific Eletronic Library Online). A identificação e a seleção dos artigos em todas as bases de dados pesquisadas foram feitas simultaneamente por dois pesquisadores em um mês, entre agosto e setembro de 2014.

As palavras usadas como descritores foram: segurança alimentar e nutricional, diabetes melito, hipertensão, síndrome metabólica, estresse e dislipidemia. Todos os descritores foram usados em português, de acordo com os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), e em inglês, de acordo com Medical Subject Headings (MeSH). Os termos também foram usados em espanhol para contemplar um maior número de estudos publicados na área. O descritor segurança alimentar e nutricional foi combinado aos outros descritores com o uso dos operadores booleanos representados pelos termos conectores AND, OR e NOT. Dessa forma, foram usadas as seguintes combinações: segurança alimentar e nutricional AND diabetes melito, segurança alimentar e nutricional OR diabetes melito e segurança alimentar e nutricional NOT diabetes melito. Essas combinações foram usadas sempre associando o descritor segurança alimentar e nutricional aos demais.

Os fatores de risco para doenças cardiometabólicas (diabetes melito, hipertensão, síndrome metabólica, estresse e dislipidemia) foram usados como descritores, uma vez que as doenças crônicas geralmente não estão instaladas em crianças e adolescentes. Entretanto, pode ser encontrada a presença de fatores de risco que levam ao desenvolvimento dessas doenças.

A revisão buscou estudos que avaliaram crianças e adolescentes, por ser esse um dos períodos de maior vulnerabilidade a privações dos alimentos e ocorrência de distúrbios referentes ao crescimento e desenvolvimento fisiológico e que podem cursar com prejuízos à saúde.11,12 Dessa forma, foram incluídos os artigos que associaram a InSan a pelo menos um fator de risco cardiometabólico em crianças e/ou adolescentes.

Como critérios de exclusão, destacam‐se estudos feitos com adultos, idosos, gestantes, grupos de crianças/adolescentes com baixo peso ao nascer, que apresentavam doenças congênitas assim como os artigos de revisão de literatura e/ou revisão sistemática, dissertações, teses, consensos e documentos de organizações nacionais e internacionais, repetidos em bases de dados diferentes e publicados em idiomas diferente de português, inglês e espanhol.

A identificação e a seleção dos artigos nas bases de dados foram feitas por dois pesquisadores de forma independente e sistemática, que fizeram a seleção inicial pelos títulos das publicações levantadas pelos descritores e, posteriormente, pelos resumos obtidos por busca eletrônica. Após a seleção das publicações pelos títulos e resumos, uma nova análise foi feita pelos dois pesquisadores, que determinaram de forma consensual os estudos a serem lidos na íntegra e incluídos na revisão. Foram rastreadas as referências dos artigos selecionados, com vistas à inclusão de outras pesquisas de potencial interesse.

A avaliação da situação de insegurança alimentar e nutricional nos artigos selecionados foi considerada a partir de dados obtidos por questionários e/ou perguntas estruturadas, aplicados para as crianças, adolescentes ou pais/responsáveis e/ou a partir de dados sociais e econômicos das famílias avaliadas. A InSan foi identificada pela leitura das publicações por situações que contemplassem a presença da sensação física de fome e/ou insuficiência alimentar por motivos relacionados a renda e/ou ruptura nos padrões de alimentação, resultante da falta de alimentos e/ou avaliação do consumo alimentar.

Para avaliação metodológica das publicações, buscou‐se responder à pergunta “A insegurança alimentar e nutricional estaria associada à presença de fatores de risco cardiometabólicos em crianças e adolescentes?” Diante da indagação, foram exploradas todas as associações entre a situação de InSan e estado nutricional, parâmetros bioquímicos, estado geral de saúde e consumo alimentar, abordados pelos estudos identificados.

Resultados

A busca pelos descritores resultou na identificação de 352 artigos na área de interesse. Foram excluídas 342 publicações (158 publicações não estavam relacionadas ao tema, não respondiam ao objetivo do trabalho, não avaliavam crianças nem adolescentes, 88 eram artigos de revisão, teses ou dissertações, 54 artigos repetidos em bases de dados diferentes, 42 referentes a consensos, comentários de especialistas ou documentos de organismos governamentais). Apenas 10 artigos atenderam aos critérios estabelecidos, três deles obtidos por meio da busca nas referências bibliográficas das publicações pré‐selecionadas (fig. 1).

Figura 1.

Artigos selecionados para avaliação do conteúdo.

(0.21MB).

Dos estudos avaliados, oito artigos tinham o delineamento transversal e todos apresentavam amostras internacionais provenientes da América do Norte, Europa e Ásia. Por meio da busca pelos descritores, nenhum artigo nacional que avaliasse o tema pretendido foi identificado.

A abordagem da InSan associada a algum fator de risco cardiometabólico é relativamente nova na área científica. Pode ser notado o interesse dos pesquisadores na temática da InSan relacionada às alterações crônicas do estado de saúde no período da infância e adolescência após 200213 (tabela 1). Nenhum estudo abordou a relação existente entre a presença de InSan e fatores de risco cardiometabólicos não tradicionais (citocinas inflamatórias, proteína C‐reativa, interleucina‐6, leptina e adiponectina).

Tabela 1.

Avaliação das publicações sobre insegurança alimentar e nutricional e fatores de risco cardiometabólicos na infância e adolescência

Autor/ano  Delineamento  Amostra  Idade  Variáveis nutricionais  Classificação do estado nutricional  Instrumento para avaliar segurança alimentar e nutricional 
Weinreb et al., 200213  Transversal  408 pré‐escolares, crianças e adolescentes  2,5 a 17 anos  Não avalia  Não fazem  Community Childhood Hunger Identification Project e perguntas diretas para crianças acima de 9 anos 
Cook et al., 20047  Coorte com corte transversal.  11.539 cuidadores de crianças  Crianças <36 meses.  Peso e altura  Não relatam  U.S. Household Food Security Scale (U.S. HFSS) 
Molcho et al., 200617  Transversal  8.424 crianças em idade escolar  10 a 17 anos  Não avalia  Não fazem  Insegurança alimentar e nutricional definida por meio de duas perguntas estruturadas 
Martin et al., 200715  Transversal  212 crianças e 200 pais ou responsáveis  Crianças de 2 a 12 anos  Peso e altura  Curvas do Centers for Disease Control and Prevention  USDA Food Security Module 
Jiménez‐Cruz et al. 200716  Transversal  Grupo em 2001: 1.200 crianças. Grupo em 2003: 1.452 crianças  Crianças de 6 a 11 anos  Índice de massa corporal e perímetro da cintura  Curvas do Centers for Disease Control and Prevention  Community Childhood Hunger Identification Project, adaptada para as crianças mexicanas 
Gundersen et al. 20086  Transversal  841 crianças e adolescentes  3 a 17 anos  Peso, altura, Índice de massa corporal, estresse  Curvas do Centers for Disease Control and Prevention  USDA Core Food Security Module (CFSM) 
Chen et al., 200918  Longitudinal  764.526 crianças  Crianças nascidas entre 1997 e 1999  Baixo peso ao nascer referida  Não relatam  Insegurança alimentar e nutricional imputada por meio de dados do baixo peso ao nascer, status econômico, estado nutricional materno e renda familiar 
Kirkpatrick et al., 201010  Longitudinal  5.809 crianças e 3.333 adolescentes  1° grupo: 10 a 15 anos e 2° grupo: 16 a 21 anos  Não avalia  Não fazem  Insegurança alimentar e nutricional avaliada por perguntas administradas à pessoa mais experiente 
Marjerrison et al., 201120  Transversal  183 famílias com crianças e adolescentes  <18 anos
Média: 11,8±3,99 anos 
Índice de massa corporal e hemoglobina A1c  Não relatam  Household Food Security Survey Module do Canadian Community Health Survey 
Sharkey et al., 201214  Transversal  50 mães e 50 crianças  6 a 11 anos  Peso, altura e Índice de massa corporal  Curvas do Centers for Disease Control and Prevention  Instrumento desenvolvido por Connell et al.,24 (2004)a 
a

O instrumento desenvolvido por Connell et al. (2004)24 conta com nove questões direcionadas para a criança responder.

A prevalência de InSan encontrada nos domicílios com crianças e adolescentes variou de 3,3% a 82%10,14 (tabela 2). Diversas metodologias foram empregadas para identificar a situação de InSan. Os estudos usaram instrumentos específicos voltados para a família,6,7,13,15,16 instrumentos desenvolvidos para respostas obtidas pelas crianças e/ou adolescentes14 e perguntas específicas estruturadas sobre a questão alimentar.10,13,17 No artigo de Chen et al.,18 a insegurança alimentar foi imputada por meio de algumas variáveis, como o status do peso ao nascer, poder econômico e período do ano. Entendeu‐se que as famílias que viviam em situação de pobreza teriam maior possibilidade de apresentar InSan.

Tabela 2.

Resultados encontrados nos artigos sobre insegurança alimentar e nutricional e fatores de risco cardiometabólicos na infância e adolescência

Autor/ano  Associação dos resultados  Etnias  Prevalência de insegurança alimentar e nutricional  Limitações 
Weinreb et al., 200213  Crianças em idade pré‐escolar: insegurança alimentar e nutricional e pior condição de saúde (OR:2,8), eventos da vida (OR:8,5), tamanho da família (OR: 3,2), baixo peso (OR:1,42). Crianças em idade escolar: insegurança alimentar e nutricional e baixo peso ao nascer (OR:1,35), condições de saúde (OR:3,4), eventos da vida (OR:8,8)  Sim  Pré‐escolares: 59,2% de insegurança alimentar e nutricional
Escolares: 66% 
Sim 
Cook et al., 20047  Insegurança alimentar e nutricional e estado de saúde relatado como “Justo/pobre” (OR=1,90; IC95%: 1,66‐2,18). Insegurança alimentar e nutricional e hospitalizações desde o nascimento (OR=1.31; IC95%: 1,16‐1,48). Não houve associação entre insegurança alimentar e nutricional e variáveis de risco de crescimento (OR=1,09; IC95%: 0,94‐1,25)  Sim  21,4% dos domicílios com insegurança alimentar e nutricional  Sim 
Molcho et al., 200617  Insegurança alimentar e nutricional e menor ingestão de frutas (OR: 0,66; IC95%: 045‐0,87), hortaliças (OR: 0,68; IC95%: 0,49‐0,87), pão integral (OR: 0,66; IC95%: 0,42‐0,90), maior consumo de batatas fritas entre as meninas e meninos (OR: 1,62; IC95%: 1,39‐1,85 e OR:1,33; IC95%: 1,05‐1,61 respectivamente). Insegurança alimentar e nutricional e sintomas mentais, somáticos (OR: 2,42; IC95%: 2,06‐2,78) e sintomas emocionais (IC95%: 1,47; IC95%: 1,47‐1,23)  Não  Classes sociais baixas: 15,3%
Classe média: 15,9%
Classes sociais elevadas: 14,8% 
Sim 
Martin et al., 200715  Não houve associação entre excesso de peso e insegurança alimentar e nutricional (OR: 1,41; IC95%: 0,67‐2,99). Renda insuficiente e obesidade (OR: 0,4; IC95%: 0,18‐0,92). Risco de sobrepeso e insegurança alimentar e nutricional (OR:1,34; IC95%: 0,53‐3,36)  Sim  51,4% dos domicílios em insegurança alimentar e nutricional  Sim 
Jiménez‐Cruz et al. 200716  Insegurança alimentar e nutricional maior entre crianças de pais com etnia indígena (68%; p<0,001)  Sim  46% no grupo de 2001  Não 
  Insegurança alimentar e nutricional foi maior entre as crianças menores de 9 anos (71%; p<0,001)    58% no grupo de 2003   
  Crianças sem obesidade abdominal e maior prevalência de insegurança alimentar e nutricional (78%, p<0,001)       
Gundersen et al. 20086  Estresse e insegurança alimentar e nutricional em nível familiar (OR: 0,05; IC95%: −0,27‐0,37), insegurança alimentar e nutricional e estresse cumulativo (OR:0,02; IC95%: −0,01‐0,005)  Sim  44,5% dos domicílios com insegurança alimentar e nutricional  Sim 
Chen et al., 200918  Insegurança alimentar e nutricional e diabetes melito (OR:1,87), doenças hereditárias do metabolismo (OR:1,94), anemia por deficiência de ferro (OR:2,68) e sintomas mal definidos referentes à nutrição, metabolismo e desenvolvimento (OR:2,02)  Não  Não é apresentado o valor de insegurança alimentar e nutricional, o estudo associa renda à insegurança alimentar e nutricional  Sim 
Kirkpatrick et al., 201010  Insegurança alimentar e nutricional e maiores chances para apresentar pior estado de saúde (OR=1,91; IC95%: 1,33‐2,74)  Não  10 a 15 anos: 3,3%  Sim 
  Insegurança alimentar e nutricional não se associou a condições crônicas de saúde diagnosticadas (OR=1,22; IC95%: 0,75‐1,99)    16 a 21 anos: 3,9%   
Marjerrison et al., 201120  Insegurança alimentar e nutricional e maior taxa de hospitalização (OR, 3.66; IC95%: 1.54‐8.66). A concentração média de hemoglobina A1c foi maior nas crianças com insegurança alimentar e nutricional  Não  21,9% de insegurança alimentar e nutricional  Sim 
Sharkey et al., 201214  Insegurança alimentar e nutricional maior consumo de energia total, cálcio, calorias proveniente de açúcar de adição (ß=4,8, erro padrão=2,2, p=0,032; ß=4,4, erro padrão=1,9, p=0,028 e ß=8,4, erro padrão=2,0, p<0,001)  Não  82% das crianças com insegurança alimentar e nutricional  Sim 
  Índice de massa corporal não esteve associado ao estado de InSaa       
a

Dados não mostrados.

As publicações foram heterogêneas em relação às faixas etárias avaliadas, que variaram de observações de InSan do nascimento até os 17 anos, bem como o tamanho das amostras estabelecidas, que foram desde 50 até 764.526 indivíduos.14‐16 Dos estudos que avaliaram as faixas etárias relativas à infância e à adolescência, nenhum considerou as observações feitas separadamente por grupos de crianças e adolescentes, visto que apresentam diferenças quanto ao estado de crescimento, desenvolvimento e maturação.19 Essas diferenças podem influenciar na presença dos fatores de risco cardiometabólicos.

Apenas seis estudos mencionaram o uso de variáveis antropométricas que contribuiriam para identificar o estado nutricional associado à situação de insegurança alimentar.6,7,14‐16,20 Dentre as variáveis antropométricas avaliadas, apenas peso, altura, índice de massa corporal (IMC) e perímetro da cintura foram citados. Martin et al. 15 usaram o peso das crianças associado ao peso dos pais para identificar os fatores de risco cardiometabólicos (excesso de peso), com vistas a observar se as crianças que têm pais obesos teriam maior probabilidade de apresentar excesso de peso e se essa associação seria definida por características familiares ou decorrente da exposição à InSan. Sharkei et al.14 observaram que o IMC das crianças e adolescentes não esteve associado a InSan. Em relação ao perímetro da cintura, Jimenénez‐Cruz et al.16 verificaram que as crianças sem obesidade abdominal tinham maior prevalência para InSan (78%) em comparação com as que apresentaram perímetro da cintura adequado (22%).

Metade dos estudos classificou a população avaliada em grupos étnicos.6,7,13,15,16 As etnias identificadas foram hispânicos, brancos, populações indígenas e não indígenas, pretos e brancos. No estudo de Weinreb et al.,13 a população declarada como hispânica apresentou maior prevalência de InSan grave. Cook et al. (2004)7 encontraram que os hispânicos apresentaram maiores valores de InSan (31,2%) e Jiménez‐Cruz et al.6 observaram que as crianças declaradas como indígenas tiveram maior possibilidade de conviver com a InSan.

Dos artigos avaliados, nove relataram limitações para identificar qual o mecanismo de relação entre InSan e a presença de fatores de risco cardiometabólicos.6,7,10,13‐15,17,18,20 As análises feitas pelas publicações demonstraram que a associação entre insegurança alimentar e pelo menos um fator de risco cardiometabólico foi encontrada em nove artigos. Entretanto, Martin et al.15 não encontraram associação entre InSan e as variáveis analisadas (tabela 2).

Molcho et al.17 encontraram associação entre InSan e consumo de dieta não saudável, em que a população com insegurança alimentar apresentou menor consumo de frutas, hortaliças e fibras e maior ingestão de gordura. Cook et al.7 observaram que as crianças que viviam nessa condição tiveram mais chances de ter o estado de saúde prejudicado e de hospitalizações por presença de doenças agudas/crônicas. Chen et al.18 demonstraram que crianças e adolescentes que viviam em situação de pobreza eram mais atendidas ambulatorialmente por doenças relacionadas ao metabolismo, deficiências nutricionais e diabetes melito.

A associação entre InSan e níveis de estresse ou ansiedade vividos pelas famílias também esteve presente e demonstrou estar relacionada à preocupação constante do acesso adequado do consumo de alimentos.6

Todos os estudos diferiram em relação aos objetivos. Tinham em comum apenas o tema da InSan e a avaliação de pelo menos um fator de risco cardiometabólico. As associações abordadas foram InSan e excesso de peso,16 InSan e diabetes melito,20 InSan e consumo alimentar inadequado,14 InSan e estresse.6

Buscando compreender os vários mecanismos da associação entre InSan e os fatores de risco cardiometabólicos na infância e na adolescência, podem ser observadas algumas possíveis explicações para essa relação (fig. 2).

Figura 2.

Associação entre insegurança alimentar e fatores de risco cardiometabólico na infância e adolescência. Adaptada da Ref. [3].

(0.35MB).
Discussão

Os achados deste estudo evidenciaram que a insegurança alimentar e nutricional pode estar associada à presença de fatores de risco cardiometabólicos na infância e adolescência, tais como obesidade, estresse, desordens metabólicas e consumo de dietas inadequadas.10,16‐18

A prevalência de insegurança alimentar entre os estudos avaliados foi elevada.13‐16 Essa prevalência chama a atenção, pois por algum momento o grupo avaliado passou por privação alimentar em uma fase da vida.

Poucas publicações abordaram a associação entre a InSan e os fatores de risco cardiometabólicos, especialmente no público infanto‐juvenil. Essa limitação pode ser devida à não instalação das doenças crônicas nesse público. No entanto, alguns fatores de risco podem ser observados e se persistirem podem levar ao desenvolvimento de algumas comorbidades. São imprescindíveis o diagnóstico e o tratamento precoce.21

Muitas são as possíveis causas dos efeitos adversos da InSan na infância e adolescência. Jiménez‐Crus et al.16 relatam que a presença da InSan associada às alterações do peso no início da vida pode predispor a riscos no futuro para obesidade, resistência à insulina, diabete, hipertensão, níveis elevados de colesterol e síndrome metabólica.

A oferta de uma dieta balanceada e apropriada durante o período da infância e adolescência é fundamental para reduzir os problemas da saúde.17 Vale ressaltar que a presença de insegurança alimentar por si só, pode acarretar fatores de risco para um pior estado de saúde e para o desenvolvimento de problemas comportamentais como estresse emocional, psicológico e de ansiedade.7,18

Weinreb et al.13 ressaltam que a presença de InSan pode resultar em problemas de ansiedade e estresse nas famílias. O estresse sofrido pelas crianças também pode resultar em níveis mais elevados de doenças. Essa relação é estabelecida porque as concentrações de hormônios relacionados ao estresse (cortisol, epinefrina, noradrenalina e glucagon) aumentam durante condições adversas e a hipersecreção aguda ou crônica dessas substâncias pode levar a alterações metabólicas e à inflamação.22 O estresse também contribui para maus hábitos alimentares e níveis mais baixos de atividade física, ambos associados ao sobrepeso e à obesidade, que são fatores de risco para o desenvolvimento das doenças cardiometabólicas.13

O estudo da InSan associada ao desenvolvimento de doenças crônicas ainda é escasso, como demonstram os artigos. Quase todas as publicações desta revisão chamam a atenção para a dificuldade de identificar por quais mecanismos a InSan elevaria os riscos de desenvolvimento de doenças crônicas.6,7,10,13‐15,17,20

Buscando compreender essa relação, Seligman e Schillinger3 relataram que a InSan consiste em um fator cíclico que acaba por trazer implicações na incidência de doenças cardiometabólicas. De forma geral, as famílias que sofrem com insegurança alimentar e nutricional recorrem a estratégias compensatórias durante os períodos de ausência ou redução dos alimentos, o que leva à perda ponderal e hipoglicemia. Em momentos de fartura, pode haver o consumo excessivo de alimentos que levam ao ganho de peso e hiperglicemia. Esses comportamentos, associados à situação de estresse e ansiedade, podem desencadear obesidade, hipertensão e diabetes.

Martin et al.15 destacam que momentos com padrão alimentar alternado entre a ausência ou redução dos alimentos com períodos de fartura resultam em consequências metabólicas. Essa situação está relacionada a menor consumo de nutrientes, visto que o consumo de frutas e hortaliças decresce, e pode afetar a expressão de algumas doenças crônicas desencadeadas pela deficiência de nutrientes.18

A heterogeneidade dos estudos em relação a idade, grupos étnicos e metodologia de investigação da InSan associada a fatores de risco cardiometabólicos leva a dificuldades para comparações e extrapolações dos resultados para outras populações. A maioria das pesquisas feitas na área de SAN é do tipo transversal, não esclarece a relação de causa e efeito entre a presença de insegurança alimentar e saúde das crianças e adolescentes.10

É importante observar que cinco artigos consideraram a etnia da população avaliada, mas nenhum explicou qual a importância dessa informação. Dentre os vários fatores de risco para o desenvolvimento das doenças cardiometabólicas, a história familiar positiva, a obesidade, o sedentarismo, a etnia e os fatores psicossociais podem ter possíveis relações e ser potencializadores do problema.23

Diante da complexidade e das limitações sobre o entendimento da relação de InSan e fatores de risco cardiometabólicos, mais pesquisas são de extrema relevância para possíveis reformulações das políticas públicas e sociais de saúde que reduzam os efeitos adversos da InSan sobre a saúde.18 É preciso avançar nos conhecimentos da área de insegurança alimentar e nutricional e reconhecer os vários fatores de risco que essa situação acarreta na saúde de milhares de crianças e adolescentes que convivem com a pobreza e a fome. Essa temática deve estar presente nos consultórios dos especialistas em saúde que, em geral, não questionam e não avaliam a questão alimentar de seus pacientes e não consideram a relação entre InSan e efeitos adversos na saúde.13

Conclusão

A insegurança alimentar e nutricional se associa à presença de fatores de risco cardiometabólicos em crianças e adolescentes. Por se tratar de uma associação complexa, algumas limitações são encontradas para explicar o mecanismo exato de como a alteração ocorre e a direção dessa associação, tais como a sinergia existente entre os próprios fatores de risco cardiometabólicos, a avaliação de grupos heterogêneos, a extrapolação dos dados para outras populações e a influência dos fatores ambientais.

Os estudos demonstraram que a insegurança alimentar se associa à pior qualidade da alimentação com redução da ingestão de frutas e hortaliças e ao aumento do consumo de carboidratos refinados e gorduras, deficiência de micronutrientes, com pior estado de saúde e situações de estresse. Diante dessa abordagem da insegurança alimentar e nutricional, os profissionais de saúde devem estar atentos para avaliar a associação entre a InSan e os fatores de risco cardiometabólicos, bem como suas consequências para a saúde das crianças e dos adolescentes. A identificação e o tratamento precoce da InSan e dos fatores de risco associados podem possibilitar a prevenção de agravos futuros.

Financiamento

O estudo não recebeu financiamento.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
Brasil - Conselho Nacional de Segurança Alimentar.
Relatório Final da II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, pp. 17-20
[2]
J. Kaur, M.M. Lamb, C.L. Ogden.
The association between food insecurity and obesity in children ‐ The National Health and Nutrition Examination Survey.
J Acad Nutr Diet., 115 (2015), pp. 751-758
[3]
H.K. Seligman, D. Schillinger.
Hunger and socioeconomic disparities in chronic diseases.
N Engl J Med., 363 (2010), pp. 6-9
[4]
L.M. Dinour, D. Bergen, M.C. Yeh.
The food insecurity‐obesity paradox: a review of the literature and the role food stamps may play.
J Am Diet Assoc., 107 (2007), pp. 1952-1961
[5]
F.M. Gazolla, M.A. Bordallo, I.R. Madeira, C.N. Carvalho, P.F. Collett-Solberg, A.P. Bordallo, et al.
Fatores de risco cardiovasculares em crianças obesas.
Rev HUPE., 13 (2014), pp. 26-32
[6]
C. Gundersen, B. Kreider.
Bounding the effects of food insecurity on children's health outcomes.
J Health Economics., 28 (2009), pp. 971-983
[7]
J.T. Cook, D.A. Frank, C. Berkowitz, M.M. Black, P.H. Casey, D.B. Cutts, et al.
Food insecurity is associated with adverse health outcomes among human infants and toddlers.
J Nutr., 134 (2004), pp. 1432-1438
[8]
M. Kursmark, M. Weitzman.
Recent findings concerning childhood food insecurity.
Curr Opin Clin Nutr Metab Care., 12 (2009), pp. 310-316
[9]
B. Niclasen, M. Petzold, C.W. Schnohr.
Adverse health effects of experiencing food insecurity among Greenlandic school children.
Int J Circumpolar Health., 72 (2013), pp. 1-7
[10]
S.I. Kirkpatrick, L. McIntyre, M.L. Potestio.
Child hunger and long‐term adverse consequences for health.
Arch Pediatr Adolesc Med., 164 (2010), pp. 754-762
[11]
D.F. Pedraza.
Grupos vulnerables y su caracterización como criterio de discriminación de La seguridad alimentaria y nutricional en Brasil.
Rev Bras Saude Matern Infant., 5 (2005), pp. 367-375
[12]
E. Eisenstein, K.S. Coelho, S.C. Coelho, M.A. Coelho.
Nutrição na adolescência.
J Pediatr., 76 (2000), pp. S263-S274
[13]
L. Weinreb, C. Wehler, J. Perloff, R. Scott, D. Hosmer, L. Sagor, et al.
Hunger: its impact on children's health and mental health.
Pediatrics., 110 (2002), pp. 1-9
[14]
J.R. Sharkey, C. Nalty, C.M. Johnson, W.R. Dean.
Children's very low food security is associated with increased dietary intakes in energy, fat, and added sugar among Mexican‐origin children (6‐11 y) in Texas border colonias.
BMC Pediatrics., 12 (2012), pp. 1-12
[15]
K.S. Martin, A.M. Ferris.
Food insecurity and gender are risk factors for obesity.
J Nutr Educ Behav., 39 (2007), pp. 31-36
[16]
A. Jiménez-Cruz, M.B. Gascón.
Prevalence of overweight and hunger among Mexican children from migrant parents.
Nutr Hosp., 22 (2007), pp. 85-88
[17]
M. Molcho, S.N. Gabhainn, C. Kelly, S. Friel, C. Kelleher.
Food poverty and health among schoolchildren in Ireland: findings from the health behaviour in school‐aged children (HBSC) study.
Public Health Nutrition., 10 (2006), pp. 364-370
[18]
L. Chen, M.L. Wahlqvist, N.C. Teng, H.M. Lu.
Imputed food insecurity as a predictor of disease and mental health in Taiwanese elementary school children.
Asia Pac. J Clin Nutr., 18 (2009), pp. 605-619
[19]
E.R. Faria, F.R. Faria, S.C. Franceschini, M.C. Peluzio, L.F. Sant Ana, J.F. Novaes, et al.
Insulin resistance and components of metabolic syndrome, analysis by gender and stage of adolescence.
Arq Bras Endocrinol Metab., 58 (2014), pp. 610-618
[20]
S. Marjerrison, E.A. Cummings, N.T. Glanville, S.F. Kirk, M. Ledwell.
Prevalence and associations of food insecurity in children with diabetes mellitus.
J Pediatr., 158 (2011), pp. 607-611
[21]
M.A. Silva, I.R. Rivera, M.R. Ferraz, A.J. Pinheiro, S.W. Alves, A.A. Moura, et al.
Prevalência de fatores de risco cardiovascular em crianças e adolescentes da rede de ensino da cidade de Maceió.
Arq Bras Cardiol., 84 (2005), pp. 387-392
[22]
P.H. Black.
The inflammatory consequences of psychologic stress: relationship to insulin resistance, obesity, atherosclerosis and diabetes mellitus, type II.
Medical Hypotheses., 67 (2006), pp. 879-891
[23]
R.D. Filho, T.L. Martinez.
Fatores de risco para doença cardiovascular: velhos e novos fatores de risco, velhos problemas! Arq Bras Endocrinol Metab.
, 46 (2002), pp. 212-214
[24]
C.L. Connell, M. Nord, K.L. Loftton, K. Yadrick.
Food security of older children can be assessed using a standardized survey instrument.
J Nutr., 134 (2004), pp. 2566-2572
Copyright © 2015. Sociedade de Pediatria de São Paulo
Descargar PDF
Opciones de artículo