covid
Buscar en
Revista Paulista de Pediatria
Toda la web
Inicio Revista Paulista de Pediatria Uso indevido de drogas e função sexual em adolescentes com doenças crônicas
Información de la revista
Vol. 34. Núm. 3.
Páginas 323-329 (septiembre 2016)
Visitas
1639
Vol. 34. Núm. 3.
Páginas 323-329 (septiembre 2016)
Artigo original
Open Access
Uso indevido de drogas e função sexual em adolescentes com doenças crônicas
Substance misuse and sexual function in adolescents with chronic diseases
Visitas
1639
Priscila Araújoa, Márcio Guilherme Nunes Carvalhob, Marlon van Weeldenc, Benito Lourençob, Lígia Bruni Queirozb, Clovis Artur Silvab,
Autor para correspondencia
clovisaasilva@gmail.com

Autor para correspondência.
a Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP, Brasil
b Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, SP, Brasil
c Medical Faculty, Amsterdã, Países Baixos
Este artículo ha recibido

Under a Creative Commons license
Información del artículo
Resumen
Texto completo
Bibliografía
Descargar PDF
Estadísticas
Tablas (4)
Tabela 1. Uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas, e assédio moral em adolescentes com doenças crônicas e controles saudáveis
Tabela 2. Dados demográficos e marcadores de puberdade em adolescentes com doenças crônicas e em controles saudáveis
Tabela 3. Dados demográficos, marcadores de puberdade e assédio moral em adolescentes com doenças crônicas, de acordo com o uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas
Tabela 4. Doenças crônicas em adolescentes e terapia medicamentosa de acordo com uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas, os resultados são apresentados em n (%)
Mostrar másMostrar menos
Resumo
Objetivo

Avaliar o uso indevido de álcool/tabaco e/ou de drogas ilícitas em doenças crônicas (DCs).

Métodos

Estudo transversal com 220 adolescentes com DCs e 110 controles saudáveis, incluindo: dados demográficos/antropométricos; marcadores de puberdade; questionário modificado de avaliação da função sexual, abuso de álcool/tabagismo/drogas ilícitas e assédio moral; e o uso do instrumento CRAFFT (car/relax/alone/forget/friends/trouble) pelo médico para o abuso/dependência de substâncias de alto risco.

Resultados

As frequências de uso de álcool/tabaco e/ou drogas ilícitas foram semelhantes em ambos os grupos (30% vs. 34%, p=0,529), assim como as frequências de assédio moral (42% vs. 41%, p=0,905). Uma análise mais aprofundada apenas em pacientes com DCs que usaram álcool/tabaco/droga ilícita versus aqueles que não usaram mostrou que a idade mediana atual [15 (11‐18) vs. 14 (10‐18) anos, p<0,0001] e os anos de escolaridade [9 (5‐14) vs. 8 (3‐12) anos, p<0,0001] foram significativamente maiores no grupo que fazia uso das substâncias. As frequências de Tanner 5 (p<0,0001), menarca (p<0,0001) e espermarca (p=0,001) também foram significativamente maiores em pacientes com DCs que usaram álcool/tabaco/drogas ilícitas, assim como a atividade sexual (23% vs. 3%, p<0,0001). A tendência de baixa frequência de terapia com medicamentos foi observada em pacientes que usaram substâncias (70% vs. 82%, p=0,051). Observou‐se uma correlação positiva entre o score no CRAFFT e a idade atual em pacientes com DCs (p=0,005, r=+0,189) e controles (p=0,018, r=+0,226).

Conclusões

A idade mais avançada foi demonstrada em pacientes com DCs que relataram uso indevido de drogas lícitas/ilícitas. Em adolescente com DCs, o uso das substâncias resultou em maior propensão à prática de relações sexuais. Nosso estudo reforça que esses pacientes devem ser sistematicamente avaliados pelos pediatras em relação a padrões de comportamento de saúde relacionados com drogas.

Palavras‐chave:
Alcoolismo
Tabaco
Drogas ilícitas
Assédio moral
Adolescente
Doença crônica
Abstract
Objective

To evaluate alcohol/tobacco and/or illicit drug misuse in Chronic Diseases (CDs).

Methods

A cross‐sectional study with 220 CDs adolescents and 110 healthy controls including: demographic/anthropometric data; puberty markers; modified questionnaire evaluating sexual function, alcohol/smoking/illicit drug misuse and bullying; and the physician‐conducted CRAFFT (car/relax/alone/forget/friends/trouble) screen tool for substance abuse/dependence high risk.

Results

The frequencies of alcohol/tobacco and/or illicit drug use were similar in both groups (30% vs. 34%, p=0.529), likewise the frequencies of bullying (42% vs. 41%, p=0.905). Further analysis solely in CDs patients that used alcohol/tobacco/illicit drug versus those that did not use showed that the median current age [15 (11–18) vs. 14 (10–18) years, p<0.0001] and education years [9 (5–14) vs. 8 (3–12) years, p<0.0001] were significant higher in substance use group. The frequencies of Tanner 5 (p<0.0001), menarche (p<0.0001) and spermarche (p=0.001) were also significantly higher in patients with CDs that used alcohol/tobacco/illicit, likewise sexual activity (23% vs. 3%, p<0.0001). A trend of a low frequency of drug therapy was observed in patients that used substances (70% vs. 82%, p=0.051). A positive correlation was observed between CRAFFT score and current age in CD patients (p=0.005, r=+0.189) and controls (p=0.018, r=+0.226).

Conclusions

A later age was evidenced in CDs patients that reported licit/ilicit drug misuse. In CDs adolescent, substance use was more likely to have sexual intercourse. Our study reinforces that these patients should be systematically screened by pediatricians for drug related health behavioral patterns.

Keywords:
Alcoholism
Tobacco
Illicit drugs
Bullying
Adolescent
Chronic disease
Texto completo
Introdução

A adolescência é uma fase de desenvolvimento caracterizada por alterações biológicas e sociais.1,2 Padrões de risco podem iniciar‐se nesse período da vida e incluem abuso de substâncias (álcool, tabaco e drogas ilícitas)1 e comportamentos sexuais de alto risco.3 Fenômenos danosos da vitimização entre pares, como o assédio moral, também são um problema relevante em adolescentes saudáveis 4 e naqueles com doenças crônicas (DC).5

É interessante notar que a prevalência de condições crônicas tem aumentado na população pediátrica6 e 10% dos adolescentes sofrem de DC.7 No entanto, que seja de nosso conhecimento, o uso indevido de substâncias avaliado por uma ferramenta de triagem8 e a avaliação de assédio moral e função sexual não foram simultaneamente estudados em uma população de adolescentes com DC.

Portanto, os objetivos do presente estudo foram avaliar a uso indevido de álcool, tabaco e/ou drogas ilícitas em pacientes adolescentes com DC e controles saudáveis. As possíveis associações entre o uso indevido de substâncias em pacientes com DC de acordo com a função sexual, assédio moral, dados demográficos, marcadores de puberdade, grupos de DC e uso de terapia medicamentosa também foram avaliadas.

Método

Um estudo transversal foi feito de fevereiro a dezembro de 2014 e envolveu 220 adolescentes consecutivos ambulatoriais (idade atual de 10 a 19 anos, de acordo com critérios da Organização Mundial de Saúde) com DC pediátricas. Todos eles foram acompanhados na Unidade de Adolescentes do Hospital Universitário e nenhum deles recusou‐se a participar. O grupo controle incluiu 110 adolescentes saudáveis (taxa de 2:1), sem DC, consecutivamente admitidos no ambulatório e encaminhados de centros de cuidados primários e secundários para a Unidade de Adolescentes do Hospital das Clinicas. Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética local do Hospital. Todos os adolescentes e seus pais assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Este estudo incluiu um questionário modificado, aplicado para avaliar a função sexual,9 uso de álcool/tabaco/drogas ilícitas e assédio moral. A versão em português do teste de triagem CRAFFT (sigla mnemônica de carro, relaxar, sozinho, esquecer, amigos e problemas – car/relax/alone/forget/friends/trouble/Center for Adolecent Substance Abuse Research [CRAFFT/CEASAR]) foi aplicada em ambos os grupos.3,8 Também foram avaliados dados demográficos/antropométricos e marcadores de puberdade.

Um estudo piloto foi feito em 30 adolescentes consecutivos saudáveis e com DC, que foram testados e retestados em 1 a 2 meses. O pré‐teste avaliou a compreensão do indivíduo em relação às questões, à consistência e coerência das respostas e ao tempo necessário para responder ao questionário. O questionário modificado incluiu 14 perguntas com a opção de resposta “sim/não” ou idade/número de vezes sobre a função sexual,9 assédio moral e uso de álcool/tabaco/drogas ilícitas. A avaliação da função sexual incluiu:9 idade da primeira relação sexual, relações sexuais no último mês, uso de contraceptivo masculino (camisinha) na primeira atividade sexual, uso atual de contraceptivo oral e de emergência, conhecimento da atividade sexual por parte dos pais e número total de parceiros sexuais. O uso de álcool/tabaco e substâncias ilícitas (drogas inalantes [cheirar cola, aerossol e solventes] e drogas ilícitas [maconha, estimulantes, cocaína, crack e metanfetamina], nitratos, LSD, opiáceos, heroína, metanfetamina e ecstasy) também foi avaliado: idade de início do consumo de álcool, número de dias de consumo de álcool nos últimos 30 dias, idade de início do tabagismo, número de dias em que fumou cigarros nos últimos 30 dias, idade de início de drogas ilícitas e número de dias em que usou drogas ilícitas nos últimos 30 dias. A avaliação do assédio moral, que é definido como uma exposição recorrente à agressão emocional e/ou física, foi obtida por uma resposta “sim/não” à pergunta (“Você já sofreu assédio moral?”). O questionário era estritamente confidencial e foi aplicado na ausência de representantes legais, parentes e amigos.

A versão em português do teste CRAFFT conduzido por médico (CRAFFT/CEASAR) foi usada e consistiu em nove questões desenvolvidas para avaliar adolescentes com alto risco de uso indevido de álcool e drogas.8 Esse questionário é dividido em duas partes. A parte A inclui três perguntas sobre o uso de álcool, maconha/haxixe ou outra substância nos últimos 12 meses. Se o adolescente respondeu “Não” a todas as três perguntas, apenas a questão relacionada com “carro” da parte B deve ser feita. Se o adolescente respondeu “Sim” a uma das perguntas de abertura, todas as perguntas da parte B devem ser feitas. A parte B continha seis questões, que são sinais de uso de substâncias problemáticas. Um ponto foi dado a cada resposta “Sim” na parte B do questionário. O escore variou de 0 a 6. Uma pontuação total ≥2 indicou alto risco de abuso de substâncias/dependência e necessidade de avaliação adicional.3,8

Com relação aos dados sociodemográficos e antropométricos, idade atual, sexo, anos de escolaridade, peso e altura foram avaliados. Índice de massa corporal (IMC) foi definido pela seguinte fórmula: peso em quilogramas/altura em metros ao quadrado. A classe socioeconômica brasileira foi classificada de acordo com a ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa).10

Características sexuais secundárias foram classificadas de acordo com os estágios puberais de Tanner.11 A idade da primeira menstruação (menarca) e idade da primeira ejaculação (espermarca) foram registrados com base na recordação.

As doenças crônicas, com duração de doença superior a três meses, foram classificadas em: alérgicas/imunológicas, cardiopulmonares, dermatológicas, endocrinológicas, gastroenterológicas, hematológicas, neuropsiquiátricas, renais e doenças reumáticas. O uso de terapia medicamentosa também foi avaliado.

A confiabilidade teste‐reteste do questionário modificado foi verificada para a população com DC e controles saudáveis com o índice Kappa. Os resultados foram apresentados como média±desvio padrão (DP) ou mediana (intervalo) para as variáveis contínuas e número (%) para variáveis categóricas. Os dados foram comparados por teste t ou Mann‐Whitney em variáveis contínuas para avaliar diferenças entre adolescentes com DC e controles e entre os subgrupos. Para as variáveis categóricas, as diferenças foram avaliadas por testes qui‐quadrado de Pearson ou exato de Fisher. O coeficiente de correlação de Spearman foi usado para as correlações entre o escore CRAFFT e idade. O nível de significância foi estabelecido em 5% (p<0,05).

Resultados

O índice kappa para o teste‐reteste foi 0,850, o que demonstra confiabilidade excelente para as respostas dos adolescentes.

As frequências de uso de álcool, tabaco e/ou drogas ilícitas foram semelhantes em ambos os adolescentes com DC e controles saudáveis (30% vs. 34%, p=0,529). A frequência de consumo de álcool nos últimos 30 dias foi significativamente menor em adolescentes com DC em comparação com os controles (6% vs. 27%, p=0,005). As drogas ilícitas foram usadas por três pacientes com DC (maconha, cocaína e/ou nitratos) e três controles (maconha) (p=0,404). Não foi observada diferença na frequência do tabagismo (p=0,114). O escore CRAFFT ≥2 foi semelhante nos dois grupos (4% vs. 5%, p=0,575). A frequência de assédio moral foi semelhante em ambos os grupos (36% vs. 39%, p=0,905) (tabela 1). A mediana da idade no início do hábito de fumar foi de 14 anos (11‐15) em adolescentes com DC e 14 anos (7‐15) nos controles saudáveis. A mediana da idade no início do uso de drogas ilícitas foi de 14,5 anos (14‐15) em adolescentes com DC e 14 anos em controles saudáveis.

Tabela 1.

Uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas, e assédio moral em adolescentes com doenças crônicas e controles saudáveis

Variáveis  Doenças crônicas (n=220)  Controles
saudáveis (n=110) 
p‐valor 
Uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas  66 (30)  37 (34)  0,529 
Uso de Álcool  66 (30)  37 (34)  0,529 
Idade do início do uso de álcool, anos  14 (6‐17)  14 (7‐18)  0,935 
Consumiu álcool nos últimos 30 dias  4/66 (6)  10/37 (27)  0,005 
Uso de tabaco  5 (2)  7 (6)  0,114 
Uso de drogas ilícitas  3 (1)  3 (3)  0,404 
Escore CRAFFT nos últimos 12 meses (0‐6)  0 (0‐5)  0 (0‐5)  0,712 
Escore CRAFFT ≥2  9 (4)  6 (5)  0,575 
Item CRAFFT
Carro  41 (19)  17 (15)  0,474 
Relaxar  6/36 (17)  5/27 (19)  1,000 
Sozinho(a)  1/36 (3)  2/27 (7)  0,572 
Esquecer  1/36 (3)  4/27 (15)  0,155 
Família/amigos  8/36 (22)  7/27 (26)  0,733 
Problemas  6/36 (17)  0/27 (0)  0,033 
Assédio moral  80 (36)  43 (39)  0,905 
Função sexual
Atividade sexual  20 (9)  16/109 (15)  0,126 
Idade de início da atividade sexual, anos  15 (8‐16)  14 (10‐17)  0,859 
Relação sexual no último mês  3/20 (15)  6/16 (38)  0,146 
Preservativo na primeira atividade sexual  19/20 (95)  13/16 (81)  0,303 
Uso de contraceptivos orais em meninas  2/13 (15)  3/13 (23)  1,000 
Uso de contraceptivos de emergênciaa  1/13 (8)  6/13 (46)  0,073 
Pais sabem sobre a atividade sexual  9/20 (45)  11/16 (69)  0,154 
Número total de parceiros sexuais, número  1 (1‐16)  1 (1‐5)  0,586 

Os resultados são apresentados em n (%) e mediana (intervalo), teste de triagem CRAFFT (carro, relaxar, sozinho, esquecer, amigos, problemas).

a

Um controle saudável usou contraceptivo oral antes da atividade sexual.

Uma correlação positiva foi evidenciada entre o escore CRAFFT e a idade atual em pacientes com DC (p=0,005, r=+0,189) e controles saudáveis (p=0,018, r=+0,226), da mesma forma que entre o escore CRAFFT e os anos de escolaridade em pacientes com DC (p=0,015, r=+0,164), e controles (p=0,039, r=+0,197). Observou‐se uma correlação positiva entre o escore CRAFFT e idade de início de uso de álcool em pacientes com DC (p=0,021, r=+0,286) (tabela 1).

A média da idade atual foi semelhante entre adolescente com DC e controles saudáveis [14 (10‐18) vs. 14 (10‐18) anos, p=0,778], bem como a frequência do sexo feminino (65% vs. 67%, p=0,742), anos de escolaridade [9 (3‐14) vs. 8 (4‐12) anos, p=0,857], classes socioeconômicas brasileiras B ou C (95% vs. 94%, p=0,365) e entre estágios de Tanner 3, 4 e 5 (p=0,582). A mediana da idade da menarca foi significativamente maior no grupo anterior [12 (8‐16) vs. 11 (9‐15) anos, p=0,009]. Nenhuma diferença foi evidenciada na idade da espermarca em ambos os grupos (p=0,642) (tabela 2).

Tabela 2.

Dados demográficos e marcadores de puberdade em adolescentes com doenças crônicas e em controles saudáveis

Variáveis  Doenças crônicas (n=220)  Controles
saudáveis (n=110) 
p‐valor 
Dados demográficos
Idade atual, anos  14 (10–18)  14 (10–18)  0,778 
Sexo feminino  144 (65)  74 (67)  0,742 
IMC, kg/m2  21 (12‐39)  21 (13‐29)  0,091 
Classe socioeconômica B e C  211 (95)  103 (94)  0,365 
Escolaridade, anos  9 (3‐14)  8 (4‐12)  0,857 
Marcadores de puberdade
Tanner 3  53 (24)  23 (21)  – 
Tanner 4  52 (24)  29 (26)  – 
Tanner 5  77 (35)  46 (42)  0,582 
Menarca  113/144 (78)  65/74 (88)  0,091 
Idade da menarca, anos  12 (8‐16)  11 (9‐15)  0,009 
Espermarca  38/76 (50)  23/36 (64)  0,168 
Idade da espermarca, anos  12 (10‐15)  13 (8‐14)  0,642 

Os resultados são apresentados em n (%) e mediana (intervalo); IMC, índice de massa corporal.

Uma análise mais aprofundada apenas de pacientes com DC em relação ao uso de álcool/tabaco/drogas ilícitas mostrou que a mediana da idade atual [15 (11‐18) vs. 14 (10‐18) anos, p<0,0001] e anos de escolaridade [9 (5‐14) vs. 8 (3‐12) anos, p<0,0001] foram significativamente maiores naqueles que usaram as substâncias acima referidas. As frequências de Tanner 5 (p<0,0001), a menarca (p<0,0001) e a espermarca (p=0,001) também foram significativamente mais elevadas no grupo anterior, da mesma forma que a atividade sexual (23% contra 3%, p<0,0001) (tabela 3).

Tabela 3.

Dados demográficos, marcadores de puberdade e assédio moral em adolescentes com doenças crônicas, de acordo com o uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas

Variáveis  Uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas (n=66)  Não uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas (n=154)  p‐valor 
Dados demográficos
Idade atual, anos  15 (11‐18)  14 (10‐18)  <0,0001 
Sexo feminino  43 (65)  101 (66)  0,951 
IMC, kg/m2  21 (17‐38)  21 (12‐39)  0,275 
Classe socioeconômica B e C  62 (94)  149 (97)  0,457 
Escolaridade, anos  9 (5‐14)  8 (3‐12)  <0,0001 
Marcadores de puberdade
Tanner 3  13 (20)  40 (26)  – 
Tanner 4  15 (23)  37 (24)  – 
Tanner 5  36 (55)  41 (27)  <0,0001 
Menarca  42/43 (98)  71/101 (70)  <0,0001 
Idade da menarca, anos  12 (9‐16)  12 (8‐15)  0,348 
Espermarca  18/23 (78)  20/53 (38)  0,001 
Idade da espermarca, anos  12 (10‐14)  12,50 (10‐15)  0,668 
Função sexual
Atividade Sexual  15 (23)  5 (3)  <0,0001 
Idade na primeira atividade sexual,  14,50 (8‐16)  15 (14‐15)  0,702 
Relação sexual no último mês  3/15 (20)  0/5 (0)  0,539 
Preservativo na primeira atividade sexual  14/15 (93)  5/5 (100)  1,000 
Uso de contraceptivos orais em meninas  2/11 (18)  0/2(0)  1,000 
Uso de contraceptivos de emergência  1/11 (9)  0/2 (0)  1,000 
Pais sabem sobre a atividade sexual  6/15 (40)  3/5 (60)  0,617 
Número total de parceiros sexuais, número  1 (1‐6)  1 (1‐16)  1,000 
Assédio moral  24 (36)  55 (36)  0,685 

Os resultados são apresentados em n (%) e mediana (intervalo), teste de triagem CRAFFT (carro, relaxar, sozinho, esquecer, amigos, problemas); IMC, índice de massa corporal.

Dos nossos 9 pacientes com DC com escore CRAFFT≥2, doenças reumáticas foram encontradas em 8 (três pacientes com artrite idiopática juvenil e um de cada um dos seguintes, dermatomiosite juvenil, lúpus eritematoso sistêmico de início na infância, síndrome de Sjögren, arterite de Takayasu e púrpura de Henoch‐Schõnlein) e um paciente com doença alérgica (asma).

As frequências das condições crônicas em pacientes que faziam uso de álcool/tabaco/drogas ilícitas em relação àqueles que não usavam foram semelhantes (p>0,05). Uma tendência de baixa frequência de terapia medicamentosa foi evidenciada em pacientes que usavam substâncias em comparação com aqueles que não usavam (70% vs. 82%, p=0,051) (tabela 4).

Tabela 4.

Doenças crônicas em adolescentes e terapia medicamentosa de acordo com uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas, os resultados são apresentados em n (%)

Variáveis  Uso de álcool, tabaco e/ou drogas ilícitas (n=66)  Não uso de álcool, tabaco e/ou drogas ilícitas (n=154)  p‐valor 
Doenças crônicas em adolescentes
Imunológicas  3 (5)  2 (1)  0,160 
Dermatológicas  3 (5)  3 (2)  0,367 
Endocrinológicas  12 (18)  33 (21)  0,715 
Gastroenterológicas  2 (3)  11 (7)  0,352 
Neuropsiquiátricas  7 (11)  20 (13)  0,822 
Alérgicas/cardiopulmonares  9 (14)  23 (15)  1,000 
Renais  5 (8)  5 (3)  0,170 
Reumáticas  46 (70)  112 (73)  0,743 
Hematológicas  0 (0)  1 (1)  1,000 
Terapia medicamentosa para doenças crônicas  46 (70)  126 (82)  0,051 
Discussão

Nosso estudo avaliou simultaneamente problemas de saúde em adolescentes com DC e controles saudáveis. Em adolescentes com DC, o uso de substâncias foi observado em idade mais avançada e esses apresentavam maior probabilidade de atividade sexual em comparação com aqueles que não usavam drogas lícitas/ilícitas.

A vantagem deste estudo foi a avaliação da validação da ferramenta de triagem CRAFFT feita por médicos (CEASAR) para abuso de substâncias em adolescentes.3,8 O uso do questionário com excelente confiabilidade teste‐reteste quanto à função sexual, assédio moral e uso de substâncias também foi relevante. Além disso, um grupo de controle saudável, com idade, sexo, escolaridade e classe socioeconômica comparáveis, também foi observado em nosso estudo, uma vez que esses dados foram previamente relacionados com o assédio moral e abuso de substâncias.1,3,12,13

O consumo de álcool foi relatado por cerca de um terço dos nossos pacientes com DC, apesar de uma frequência baixa de consumo no último mês. A prevalência do uso de álcool em adolescentes varia de 7,8% a 78,9%12,14,15 no mundo todo e de 26% a 71% no Brasil.16–21 Há estudos em adolescentes com DC específicas, geralmente com amostras pequenas e frequências variáveis de uso de álcool (4,8%‐70%), tais como artrite juvenil idiopática,22 obesidade e sobrepeso,23 asma,24 fibrose cística e doença falciforme.25 Esse achado nos pacientes com DC pode estar relacionado com a disponibilidade de álcool em festas, bares, lojas e residências no Brasil.16

É importante notar que na avaliação de apenas adolescentes com DC, observou‐se que o uso de álcool, tabaco e drogas ilícitas ocorreu em pacientes com DC que tinham maior idade, mais anos de escolaridade e marcadores pós‐púberes. A prevenção do uso de substâncias no início da adolescência pode estar relacionada com a superproteção dos pais e cuidadores primários. Em contraste, uma atitude parental mais liberal pode contribuir para um aumento no abuso de substâncias mais tarde na vida. Além disso, pacientes com DC graves que necessitavam de frequências mais altas de medicação podem ter contribuído para o baixo uso de drogas lícitas e ilícitas.

Os adolescentes podem desenvolver um padrão de consumo que é socialmente aceitável e um pequeno grupo de pacientes com DC abusava do consumo de álcool com mais frequência. Foi aplicado um procedimento de triagem validado para abuso de substâncias e 4% de nossos pacientes com DC tinham um risco maior de abuso de substâncias/dependência. Uma correlação positiva também foi evidenciada entre o escore CRAFFT e idade atual, o que indica um maior risco de abuso de substâncias nocivas nos adolescentes mais velhos com DC.

Tabagismo foi relatado por apenas 2% dos nossos pacientes com DC. Esse aspecto também foi observado em adolescentes do nosso país continental, devido à proibição de publicidade do tabagismo,26 uso de advertências em embalagens de cigarros 27 e proibição do fumo em locais públicos. 28 O uso de qualquer droga ilícita (maconha, solventes, cocaína ou crack) foi relatado por 2,8% dos adolescentes em um estudo brasileiro21 e esse resultado foi maior do que em nossos pacientes com DC.

É interessante notar que pacientes com DC, usuários de substâncias, estavam mais envolvidos em atividade sexual e podem apresentar um risco maior de doenças sexualmente transmissíveis, gravidez indesejada e de baixo uso de contraceptivos. 29,30 Esse achado também pode estar relacionado ao fato de que os pacientes eram mais velhos e provavelmente tinham maior maturidade sexual. No entanto, este estudo não avaliou se o consumo de álcool influenciou o comportamento sexual de alto risco em pacientes com DC.

Além disso, o assédio moral foi frequentemente relatado em pacientes com DC e parece não estar ligado ao uso de substâncias. Adolescentes com DC podem sofrem esse tipo de vitimização,4,5 que podendo induzir ao transtorno de ansiedade‐depressiva e interferir com a aderência adequada quanto ao uso de medicação. É necessário conduzir um estudo prospectivo para avaliar a prevalência e intensidade do assédio moral em uma grande amostra de pacientes com DC.

A principal limitação do presente estudo foi o uso de uma amostra de conveniência para os pacientes com DC em um hospital universitário terciário, predominantemente de doenças reumáticas, endocrinológicas, alérgicas e doenças cardiopulmonares. Uma pequena amostra também pode ter reduzido o nosso poder para detectar diferenças entre os dois grupos e o desenho transversal do nosso estudo não permitiu a avaliação da temporalidade entre exposição e desfecho. Não avaliamos os critérios de atividade da doença para todos os pacientes com DC e na verdade esse achado pode modificar o comportamento. Além disso, os controles saudáveis e pacientes com DC foram encaminhados para a clínica de adolescentes do nosso hospital universitário para receber orientação sobre a função sexual e controle de natalidade, problemas emocionais e problemas com drogas.

Há necessidade de uma avaliação adicional e intervenção terapêutica com uma equipe multidisciplinar e multiprofissional em adolescentes com DC e famílias em risco de abuso de substâncias. A discussão confidencial de drogas lícitas e ilícitas e outros comportamentos potencialmente de risco devem ser incluídos nos cuidados de rotina de clínicas que fazem o acompanhamento de pacientes com DC.

Em conclusão, uma idade mais velha foi demonstrada em pacientes com DC que relataram o uso de drogas lícitas/ilícitas. Pacientes com DC usuários de substâncias eram mais propensos a ter relações sexuais. Nosso estudo reforça a informação de que esses pacientes devem ser sistematicamente testados por pediatras para padrões de comportamento de saúde relacionados ao uso de drogas, atividade sexual e álcool.

Fonte de financiamento

Esse estudo recebeu subsídios da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP 2011/12471‐2 para CAS), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq 302724/2011‐7 para CAS), Federico Foundation (para CAS) e Núcleo de Apoio à Pesquisa Saúde da Criança e do Adolescente da USP (NAP‐CriAd) para CAS.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

Agradecemos ao Dr. JR Knight e ao Dr. P Schram por fornecer a versão em português do instrumento CRAFFT screen (CEASAR), Hospital Infantil de Boston, Massachusetts, EUA. Nossa gratidão a Ulysses Doria‐Filho pela análise estatística.

Referências
[1]
S.M. Sawyer, R.A. Afifi, L.H. Bearinger, S.J. Blakemore, B. Dick, A.C. Ezeh, et al.
Adolescence: a foundation for future health.
Lancet, 379 (2012), pp. 1630-1640
[2]
S.N. Jannini, U. Dória-Filho, D. Damiani, C.A. Silva.
Musculoskeletal pain in obese adolescents.
J Pediatr (Rio J), 87 (2011), pp. 329-335
[3]
S. Levy, L. Sherritt, J. Gabrielli, L.A. Shrier, J.R. Knight Jr..
Screening adolescents for substance use–related high‐risk sexual behaviors.
J Adolesc Health, 45 (2009), pp. 473-477
[4]
M. Sentenac, A. Gavin, C. Arnaud, M. Molcho, E. Godeau, S. Nic Gabhainn.
Victims of bullying among students with a disability or chronic illness and their peers: a cross‐national study between Ireland and France.
J Adolesc Health, 48 (2011), pp. 461-466
[5]
I. Pittet, A. Berchtold, C. Akré, P.A. Michaud, J.C. Surís.
Are adolescents with chronic conditions particularly at risk for bullying?.
Arch Dis Child, 95 (2010), pp. 711-716
[6]
M. Ng, T. Fleming, M. Robinson, B. Thomson, N. Graetz, C. Margono, et al.
Global, regional, and national prevalence of overweight and obesity in children and adults during 1980‐2013: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2013.
[7]
J.C. Suris, P.A. Michaud, R. Viner.
The adolescent with a chronic condition. Part I: Developmental issues.
Arch Dis Child, 89 (2004), pp. 938-942
[8]
Knight JR, Schram P. Portuguese version of CRAFFT screen (CEASER). Available from: http://www.ceasar‐boston.org/CRAFFT/pdf/CRAFFT_Portuguese.pdf [cited 19.01.15].
[9]
M.V. Febronio, R.M. Pereira, E. Bonfa, A.D. Takiuti, E.A. Pereyra, C.A. Silva.
Inflammatory cervicovaginal cytology is associated with disease activity in juvenile systemic lupus erythematosus.
Lupus, 16 (2007), pp. 430-435
[10]
ABEP [homepage on the Internet]. São Paulo: Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas [cited 19.01.15]. Available from: www.abep.org.br.
[11]
J.C. Marshall, J.M. Tanner.
Variations in patterns of pubertal changes in boys and girls.
Arch Dis Child, 45 (1970), pp. 13-23
[12]
O. Atilola, D. Stevanovic, Y.P. Balhara, M. Avicenna, H. Kandemir, R. Knez, et al.
Role of personal and family factors in alcohol and substance use among adolescents: an international study with focus on developing countries.
J Psychiatr Ment Health Nurs, 21 (2014), pp. 609-617
[13]
T.C. Moreira, E.L. Belmonte, F.R. Vieira, A.R. Noto, M. Ferigolo, H.M. Barros.
Community violence and alcohol abuse among adolescents: a sex comparison.
J Pediatr (Rio J), 84 (2008), pp. 244-250
[14]
K.S. Seil, M.M. Desai, M.V. Smith.
Sexual orientation, adult connectedness, substance use, and mental health outcomes among adolescents: findings from the 2009 New York City Youth Risk Behavior Survey.
Am J Public Health, 104 (2014), pp. 1950-1956
[15]
E.A. Poelen, R.H. Scholte, R.C. Engels, D.I. Boomsma, G. Willemsen.
Prevalence and trends of alcohol use and misuse among adolescents and young adults in the Netherlands from 1993 to 2000.
Drug Alcohol Depend, 79 (2005), pp. 413-421
[16]
D.C. Malta, I.E. Machado, D.L. Porto, M.M. da Silva, P.C. de Freitas, A.W. da Costa, et al.
Alcohol consumption among Brazilian sdolescents according to the National Adolescent School‐based Health Survey (PeNSE 2012).
Rev Bras Epidemiol, 17 (2014), pp. 203-214
[17]
D.C. Malta, R.T. Bernal.
Comparison of risk and protective factors for chronic diseases in the population with and without health insurance in the Brazilian capitals, 2011.
Rev Bras Epidemiol, 17 (2014), pp. 241-255
[18]
V.C. Barbosa Filho, W. Campos, S. Lopes Ada.
Prevalence of alcohol and tobacco use among Brazilian adolescents: a systematic review.
Rev Saude Publica, 46 (2012), pp. 901-917
[19]
L.B. Duailibi, M. Ribeiro, R. Laranjeira.
Profile of cocaine and crack users in Brazil.
Cad Saude Publica, 24 (2008), pp. s545-s557
[20]
D.C. Malta, M.D. Mascarenhas, D.L. Porto, E.A. Duarte, L.M. Sardinha, S.M. Barreto, et al.
Prevalence of alcohol and drug consumption among adolescents: data analysis of the National Survey of School Health.
Rev Bras Epidemiol, 14 (2011), pp. 136-146
[21]
C.S. Madruga, R. Laranjeira, R. Caetano, I. Pinsky, M. Zaleski, C.P. Ferri.
Use of licit and illicit substances among adolescents in Brazil – A national survey.
Addict Behav, 37 (2012), pp. 1171-1175
[22]
A.A. Nash, M.T. Britto, D.J. Lovell, M.H. Passo, S.L. Rosenthal.
Substance use among adolescents with juvenile rheumatoid arthritis.
Arthritis Care Res, 11 (1998), pp. 391-396
[23]
N.G. Terres, R.T. Pinheiro, B.L. Horta, K.A. Pinheiro, L.L. Horta.
Prevalence and factors associated to overweight and obesity in adolescents.
Rev Saude Publica, 40 (2006), pp. 627-633
[24]
O. Kim, B.H. Kim.
Association of asthma symptoms with cigarette smoking and alcohol consumption in Korean adolescents.
Nurs Health Sci, 15 (2013), pp. 65-72
[25]
M.T. Britto, J.M. Garrett, M.A. Dugliss, C.W. Daeschner Jr., C.A. Johnson, M.W. Leigh, et al.
Risky behavior in teens with cystic fibrosis or sickle cell disease: a multicenter study.
Pediatrics, 101 (1998), pp. 250-256
[26]
J.C. Galduróz, A.M. Fonseca, A.R. Noto, E.A. Carlini.
Decrease in tobacco use among Brazilian students: a possible consequence of the ban on cigarette advertising?.
Addict Behav, 32 (2007), pp. 1309-1313
[27]
B.E. Nascimento, L. Oliveira, A.S. Vieira, M. Joffily, S. Gleiser, M.G. Pereira, et al.
Avoidance of smoking: the impact of warning labels in Brazil.
Tob Control, 17 (2008), pp. 405-409
[28]
S.T. Silva, M.C. Martins, F.R. Faria, R.M. Cotta.
Combating smoking in Brazil: the strategic importance of government actions.
Cien Saude Colet, 19 (2014), pp. 539-552
[29]
D.B. Araujo, E.F. Borba, C.H. Abdo, A. Souza Lde, C. Goldenstein-Schainberg, W.H. Chahade, et al.
Sexual function in rheumatic diseases.
Acta Reumatol Port, 35 (2010), pp. 16-23
[30]
C.A. Silva, M.O. Hilario, M.V. Febronio, S.K. Oliveira, R.G. Almeida, A.R. Fonseca, et al.
Pregnancy outcome in juvenile systemic lupus erythematosus: a Brazilian multicenter cohort study.
J Rheumatol, 35 (2008), pp. 1414-1418
Copyright © 2015. Sociedade de Pediatria de São Paulo
Descargar PDF
Opciones de artículo