A fixação interna de fraturas intertrocantéricas com placa e parafuso deslizante é um procedimento realizado rotineiramente. A lesão arterial após fixação é uma complicação rara, mas potencialmente grave. Apresentamos o caso de um homem de 79 anos que desenvolveu um falso aneurisma de um ramo da artéria femoral profunda após fixação de fratura intertrocantérica com placa e parafuso deslizante. O diagnóstico foi confirmado por angiografia por tomografia computorizada (angioTC) e o falso aneurisma corrigido por embolização com coils. Aos 6 meses de follow‐up, o doente encontra‐se assintomático e a angioTC de controlo demonstrou a completa exclusão do aneurisma.
Dynamic hip screw fixation is a routinely performed procedure for internal fixation of intertrochanteric fractures. Arterial injury following surgical fixation is a rare but serious event. We report the case of a 79‐year‐old man who developed a pseudoaneurysm of a branch of the profunda femoris artery after fixation of intertrochanteric fracture with a dynamic hip screw. The computed tomographic (CT) angiography revealed the diagnosis, and the pseudoaneurysm was embolized with coils. At six months of follow‐up the patient is asymptomatic and the CT angiography performed showed the aneurysm exclusion.
Os falsos aneurismas desenvolvem‐se a partir de uma rutura arterial em que ocorre contenção da hemorragia pelos tecidos adjacentes, formando uma cavidade perfundida com solução de continuidade para o lúmen do vaso. Surgem principalmente em resultado de lesões traumáticas e lesões iatrogénicas, sobretudo em procedimentos que envolvam punção arterial como o cateterismo cardíaco1. O desenvolvimento de um falso aneurisma da artéria femoral profunda, após fixação interna de fratura intertrocantérica com placa e parafuso deslizante é uma complicação rara, sendo necessário um elevado índice de suspeita clínica apoiado por exames imagiológicos para o seu diagnóstico2. O reconhecimento precoce do falso aneurisma é fundamental, procurando evitar situações graves como o síndrome de compartimento ou a isquemia de membros3.
Caso clínicoDoente de 79 anos, sexo masculino, com antecedentes de artrite psoriática e fibrilhação auricular, hipocoagulado com rivaroxabano, sofreu queda da própria altura com traumatismo da anca esquerda; o estudo radiográfico efetuado revelou fratura intertrocantérica esquerda AO 31‐A1 (fig. 1). Foi realizada fixação interna do fémur com placa (135°) e parafuso deslizante após 24 horas (fig. 2). O procedimento cirúrgico decorreu sem intercorrências. Ao quarto dia pós‐operatório, o doente apresentava moderado edema da coxa e perna com queixas álgicas significativas associadas. Os pulsos periféricos (femoral, poplíteo, tibial posterior e pedioso dorsal) eram palpáveis e simétricos, o exame neurológico não apresentava alterações. Analiticamente apresentava uma queda acentuada da hemoglobina 7,4g/dL com necessidade de suporte transfusional. Durante as 24 horas seguintes, observou‐se agravamento das queixas álgicas e aumento do edema da coxa. Foi realizado ecodoppler arterial e venoso do membro inferior esquerdo, que revelou volumoso hematoma da face anterior da coxa medindo cerca de 7,5cm de maior diâmetro, segmentos arteriais femoral comum, femoral superficial, poplítea, tibial anterior e posterior com espectro conservado do tipo bifásico, sem sinais de trombose venosa profunda. Ao nono dia pós‐operatório, por agravamento das queixas álgicas e do edema que era já exuberante na coxa, procedeu‐se à drenagem cirúrgica do referido hematoma. No pós‐operatório, por quadro clínico de instabilidade hemodinâmica com valor de hemoglobina de 5,3g/dL, o doente foi transferido para unidade de cuidados intensivos. Foi então realizada angiografia por tomografia computorizada (angioTC) do membro inferior esquerdo, que revelou a presença de um volumoso falso aneurisma de ramo da artéria femoral profunda com 31mm de maior diâmetro de lúmen permeável (fig. 3). Foi instituído tratamento endovascular urgente por punção anterógrada ecoguiada da artéria femoral comum esquerda, realizada angiografia seletiva da artéria femoral profunda esquerda, procedeu‐se à embolização das artérias eferente e aferente, utilizando coils 0,018” e 0,035” (VortX, Boston Scientific, EUA) (figs. 4 e 5). O doente teve alta para consulta externa ao fim de 5 dias. Aos 6 meses de follow‐up, o doente está assintomático, o angioTC de controlo demonstrou a completa exclusão do aneurisma e regressão do hematoma. A fratura intertrocantérica evoluiu com consolidação.
A artéria femoral profunda apresenta um trajeto contíguo ao fémur proximal, sendo suscetível a lesão no decurso de fraturas ou procedimentos ortopédicos na região trocantérica, sobretudo na presença de rotação interna da anca que coloca a artéria femoral profunda em maior proximidade com o fémur4. O diagnóstico tende a surgir por vezes tardiamente, dado a clínica apresentar sinais e sintomas de um pós‐operatório normal (coxalgia, edema da coxa) que, contudo, persistem e agravam no decurso do tempo. Ao exame pode detetar‐se pulsatilidade e ruído sistólico na área de hematoma; no entanto, são sinais difíceis de pesquisar dada a localização profunda da artéria femoral. O diagnóstico é confirmado por exames imagiológicos, a ultrassonografia com Doppler é um exame simples e não‐invasivo, em que os falsos aneurismas apresentam um fluxo bidirecional típico descrito como «to‐and‐fro»5; contudo, a localização da artéria femoral profunda e o marcado edema da coxa afetam a sensibilidade deste exame. A angioTC é por vezes necessária para o diagnóstico correto do falso aneurisma; apesar da presença de implantes metálicos afetarem a qualidade das imagens, apresenta uma elevada sensibilidade (90‐95%) e especificidade (98‐100%) no diagnóstico de lesões arteriais6. A angiografia permanece como investigação «gold‐standard», permitindo o diagnóstico e, simultaneamente, o tratamento dos aneurismas por embolização seletiva com coils ou reparação endovascular com stents5. Relativamente ao tratamento dos falsos aneurismas, este depende da localização e do tamanho da cavidade. Diversos autores5,7,8 preconizam uma atitude inicial conservadora na abordagem dos falsos aneurismas de pequenas dimensões (<30mm), dado a percentagem de trombose espontânea ser elevada. Esta abordagem não é, no entanto, consensual, dado existirem outros fatores importantes implicados, nomeadamente o tipo de colo do falso aneurisma e a velocidade de fluxo no seu interior. A presença de hipocoagulação oral também se encontra associada a uma menor probabilidade de trombose espontânea5. A cirurgia convencional desempenha um papel importante no tratamento dos falsos aneurismas associados a infeção, a neuropatia, a instabilidade hemodinâmica por hemorragia, a isquemia de membro, a síndrome de compartimento ou a falência de tratamento prévio por métodos não invasivos1,8. Mais recentemente, os métodos menos invasivos assumiram maior preponderância no tratamento dos falsos aneurismas. A compressão mecânica e a injeção de trombina ecoguiadas9, os procedimentos endovasculares como a embolização seletiva com coils10 ou a reparação com stents11 apresentam resultados favoráveis no tratamento dos falsos aneurismas.
ConclusãoO falso aneurisma da artéria femoral profunda após fixação de fratura intertrocantérica com placa e parafuso deslizante é uma complicação rara e potencialmente grave. Deve suspeitar‐se da sua existência, perante um quadro progressivo de queixas álgicas significativas e edema da coxa, com diminuição sustentada dos níveis de hemoglobina durante o pós‐operatório. Os exames imagiológicos: ecodoppler, angioTC e angiografia são fundamentais no diagnóstico precoce e na instituição do tratamento adequado.
Responsabilidades éticasProteção dos seres humanos e animaisOs autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com os da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsinki.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.