Os aneurismas e as fístulas arteriovenosas (FAV) da artéria renal são entidades raras, geralmente assintomáticas, cujas manifestações clínicas podem ser variadas. Os falsos aneurismas da artéria renal estão normalmente associados a traumatismo prévio e apresentam maior tendência a rutura. A indicação de tratamento destas lesões não é consensual, assim como o método a ser utilizado.
Material e métodosNeste trabalho, os autores procederam à análise retrospetiva dos doentes com diagnóstico de falso aneurisma da artéria renal tratados na instituição, no período de 2011‐2015, incluindo manifestação clínica, diagnóstico, tratamento e seu resultado.
ResultadosForam tratados 6 doentes, 4 do sexo masculino e 2 do sexo feminino, com idade média de 59 anos. A manifestação clínica inaugural foi hematúria macroscópica em 4 doentes, instabilidade hemodinâmica em um doente e queda do valor de hemoglobina em um doente. Em todos os casos, o diagnóstico foi feito por tomografia computadorizada (TC) e confirmado por angiografia, que foi terapêutica no mesmo ato.
Conclusão/DiscussãoEm todos os casos havia história recente de algum procedimento urológico, podendo ser consideradas estas lesões iatrogénicas. Com o aumento do número de intervenções urológicas semelhantes às referidas neste trabalho, é expectável um aumento da incidência de lesões da artéria renal ou seus ramos, entre as quais se destacam os falsos aneurismas.
Tratando‐se na maioria dos casos de lesões intraparenquimatosas, envolvendo vasos de pequeno calibre, a cirurgia convencional tem poucas alternativas terapêuticas além da nefrectomia. Assim, o tratamento endovascular é o único que poderá minimizar a perda de tecido renal, sendo a embolização o mais frequentemente utilizado. Todos os nossos casos foram tratados com sucesso, como demonstrado clinicamente e por TC de controlo. Assim, na nossa experiência, o tratamento endovascular mostrou‐se um método de tratamento eficaz dos falsos aneurismas traumáticos renais intraparenquimatosos.
Renal artery aneurysms and arteriovenous fistulae are rare, generally asymptomatic, whose clinical manifestations can be varied. Renal artery pseudoaneurysms are usually associated with previous trauma and are more likely to rupture. The indication for treatment of these lesions is not consensual, as well as the method to be used.
Material and MethodsIn this study the authors have made a retrospective analysis of patients with the diagnosis of renal artery pseudoaneurysm treated in the institution in the period between 2011 and 2015, including clinical presentation, diagnosis, treatment and result.
ResultsSix patients were treated, four male and two female, with an average age of 59 years. The inaugural clinical manifestation was macroscopic haematuria in four patients, hemodynamic instability in a patient and decrease of the hemoglobin value in another patient. In all patients, the diagnosis was made by Computed Tomography (CT) and confirmed by angiography, which was therapeutic in the same act.
Conclusion/DiscussionIn all cases there was a recent history of a urological procedure, renal artery pseudoaneurysms may be considered iatrogenic lesions. With the rising number of urological interventions similar to those described in this study, it is expected a rising incidence of lesions of the renal artery or its branches, particularly pseudoaneurysms.
As it includes in most cases small intra‐parenchymal vessels, conventional surgery has few therapeutic alternatives and usually consists in nephrectomy. The endovascular treatment is the only one that can minimize the loss of kidney tissue, embolization is the preferred method. All our cases were successfully treated as clinically proven and on CT control. So in our experience, endovascular treatment was an effective method of treatment of these lesions.
Os aneurismas e as fístulas arteriovenosas (FAV) da artéria renal são entidades raras. Geralmente, são assintomáticas, mas as suas manifestações clínicas podem ser variadas.
Os falsos aneurismas (FA) da artéria renal estão normalmente associados a traumatismo prévio. Constituem complicações bem documentadas de cirurgia renal, nomeadamente da nefrectomia parcial, e de procedimentos percutâneos renais como biópsia, nefrostomia e nefrouretelolitotomia1. Podem também estar associados a traumatismo abdominal aberto/penetrante; raramente surgem após traumatismo fechado/contusão abdominal2. Estas lesões apresentam maior tendência a rutura, sendo potencialmente fatais.
Os FA da artéria renal surgem após lesão da parede arterial, que origina uma hemorragia. Esta é inicialmente contida pelos tecidos envolventes, nomeadamente o parênquima e a cápsula renal,3 e a pressão que as mesmas exercem, pela coagulação local e eventualmente por algum grau de hipotensão. Posteriormente, vai haver uma degradação do coágulo formado, podendo ocorrer recanalização entre os espaços intra e extravascular, e consequente formação do FA4.
Este pode crescer e erodir os tecidos envolventes, nomeadamente o sistema pielocalicial, o que se traduz clinicamente pelo aparecimento de hematúria macroscópica. Esta pode constituir manifestação clínica isolada da lesão. Pode também causar erosão de uma parede venosa, estabelecendo‐se assim uma comunicação entre as duas circulações, isto é, uma FAV. O agravamento da função renal não é uma manifestação típica destas lesões. Quando ocorre, é pela presença de coágulos de sangue no sistema excretor (lesão renal aguda pós‐renal) ou pela combinação de hipotensão e hipovolémia (lesão renal aguda pré‐renal).
A indicação de tratamento destas lesões não é consensual, assim como o método a ser utilizado.
ObjetivoFaz‐se a revisão de doentes tratados no nosso serviço, com o diagnóstico de falso aneurisma da artéria renal, no período de 2011‐2015.
Material e métodosEstudo retrospetivo dos doentes tratados com FA traumáticos da artéria renal, no período de 2011‐2015, incluindo manifestação clínica, diagnóstico, tratamento e resultado em posterior controlo.
ResultadosOs resultados encontram‐se apresentados na tabela 1.
Resultados. Legenda: M – Masculino, F – Feminino, TC – Tomografia Computadorizada, FA – Falso Aneurisma
Número do doente | Sexo | Idade (anos) | Procedimento urológico prévio | Manifestação clínica | Exame complementar diagnóstico | Diagnóstico | Tratamento | Resultado em controlo |
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1 | M | 80 | Nefrectomia parcial por lombotomia | Hematúria macroscópica | TC | FA em artéria polar inferior com FAV | Embolização com micro‐coils | Exclusão |
2 | M | 58 | Nefrectomia parcial laparoscópica | Hematúria macroscópica | TC | FA em arteríola distal com FAV | Embolização com micro‐ coils | Exclusão |
3 | F | 42 | Nefrolitotomia percutânea | Hematúria macroscópica | TC | FA em artéria polar superior | Embolização com micro‐coils | Exclusão |
4 | F | 50 | Nefrolitotomia percutânea | Hematúria macroscópica | TC | FA em artéria polar superior | Angiografia‐oclusão por trombose | Exclusão |
5 | M | 62 | Biópsia renal | Queda de hemoglobina | TC | FA em artéria polar inferior | Embolização com micro‐coils | Exclusão |
6 | M | 62 | Biópsia renal | Instabilidade hemodinâmica | TC | FA em artéria lobar polo superior | Embolização com micro‐coils | Exclusão |
Foram tratados 6 doentes, 4 do sexo masculino e 2 do sexo feminino, com uma idade média de 59 anos (entre 42‐80).
Em todos os casos, havia história recente de algum procedimento urológico, nomeadamente nefrectomia parcial, nefrolitotomia percutânea ou biopsia renal.
A manifestação clínica inaugural foi hematúria macroscópica em 4 doentes, instabilidade hemodinâmica em um doente e queda do valor de hemoglobina em um doente.
O doente 1 foi submetido a nefrectomia parcial esquerda por cirurgia convencional. Apresentou hematúria macroscópica no 7.° dia de pós‐operatório, tendo realizado tomografia computadorizada (TC) no próprio dia, na qual foi detetada lesão compatível com FA no polo inferior do rim esquerdo. Realizou angiografia que identificou um FA com FAV associada, foi tratado no mesmo momento com embolização com micro‐coils. O doente 2 foi submetido a nefrectomia parcial direita laparoscópica. Por episódio de retenção urinária aguda no 8.° dia de pós‐operatório, por hematúria macroscópica observada após introdução de sonda vesical, fez TC. Esta revelou imagem sugestiva de FA na dependência de ramo de artéria polar superior, sem sinais de sangramento ativo, e imagem compatível com urinoma infetado. Ao 16.° dia de pós‐operatório foi submetido a lombotomia exploradora com rafia do excretor e do parênquima renal, com resolução da sintomatologia. Por reaparecimento e manutenção de hematúria macroscópica, realizou nova TC ao 42.° dia de pós‐operatório com manutenção de FA. Realizou angiografia no próprio dia, com identificação de FA e FAV associada, tratado no mesmo momento com embolização com micro‐coils, com exclusão das lesões. O doente 3 (fig. 1) foi submetido a nefrolitotomia percutânea. Por hematúria macroscópica persistente, realizou TC no 10.° dia de pós‐operatório com identificação de FA. No próprio dia realizou angiografia, que confirmou o diagnóstico, e procedeu‐se a embolização com micro‐coils no mesmo ato, que excluiu a lesão. O doente 4 foi submetido a nefrolitotomia percutânea e a manifestação clínica que motivou realização de TC foi manutenção de hematúria persistente no pós‐operatório. Estabelecido o diagnóstico de FA por TC, foi realizada angiografia que confirmou o diagnóstico de FA em artéria lobar distal e foi terapêutica no mesmo ato, com recurso a embolização com micropartículas. O doente 5 (fig. 2) foi submetido a biopsia renal. Por queda no valor de hemoglobina em hemograma de controlo com necessidade de suporte transfusional, realizou TC ao 10.° dia após intervenção. Esta revelou imagem compatível com FA no polo inferior do rim esquerdo. Foi realizada angiografia com identificação do FA e o tratamento foi efetuado no mesmo momento, com embolização com micro‐coils que excluiu a lesão. O doente 6 foi submetido a biopsia renal, por instabilidade hemodinâmica realizou TC no próprio dia, que revelou volumoso hematoma retroperitoneal com extravasamento de contraste. Realizou nova TC ao 2.° dia após a intervenção, com manutenção dos achados. Foi submetido a angiografia no próprio dia, que confirmou o diagnóstico de FA e na qual se procedeu a tratamento com embolização com micro‐coils.
Assim, o diagnóstico foi feito por TC em todos os casos, posteriormente confirmado por angiografia, tendo sido realizado no mesmo ato embolização terapêutica. Dois doentes apresentavam falso aneurisma e FAV concomitante.
O tratamento foi feito por oclusão arterial em todos os doentes, 5 dos quais com micro‐coils e um com recurso a micropartículas. O acesso vascular foi obtido por punção da artéria femoral comum direita em todos os casos. Para cateterização da artéria renal foi preferencialmente utilizado o cateter guia RDC 6French (6F), a cateterização seletiva do ramo arterial pretendido foi feita com recurso ao cateter Cobra 5French (5F), com posterior embolização com microcateter. Após se conseguir a cateterização suprasseletiva do ramo aferente ao falso aneurisma, procedeu‐se à oclusão arterial, nomeadamente com recurso a embolização com micro‐coils. O tamanho dos micro‐coils utilizados variou entre 3‐4mm. O número utilizado variou entre os procedimentos, até obtenção de bom resultado final, com resolução do falso aneurisma.
Em nenhum dos casos houve agravamento da função renal em estudo analítico de controlo. Em todos os doentes foi obtido sucesso.
Discussão/ConclusõesEm todos os doentes avaliados, um procedimento do aparelho renal/excretor antecedeu o evento, podendo estabelecer‐se uma relação causal e entender‐se as lesões como iatrogénicas.
Os FA da artéria renal são lesões graves, potencialmente fatais. Estão bem documentadas como complicações possíveis de alguns procedimentos urológicos, como a nefrectomia parcial, a nefrolitotomia e a biopsia renal. Relativamente à nefrectomia parcial, há que salientar o número crescente deste procedimento. Em parte, pela maior incidência de tumores renais, constituindo muitas destas lesões incidentalomas, e, por outro lado, pelo esforço no sentido de preservar a função renal, o que é conseguido com recurso à nefrectomia parcial em detrimento da total. Sendo a tendência atual a cirurgia laparoscópica, ainda a referir a maior incidência de FA da artéria renal após nefrectomia parcial laparoscópica comparativamente à cirurgia convencional5. Várias explicações possíveis são apontadas, entre elas, a pressão exercida pelo pneumoretroperitoneu, que poderá impedir hemorragia de alguns vasos lesados durante o procedimento que irão posteriormente sangrar, e também a maior laxidão dos pontos de sutura. Ainda assim, o balanço é a favor do procedimento laparoscópico, pelo que a tendência será o aumento deste procedimento e, com ele, das suas complicações. É ainda importante referir que os FA da artéria renal podem representar complicações de procedimentos endovasculares, podendo surgir após angioplastia ou stenting das artérias renais, assim como na sequência de procedimentos complementares no tratamento de aneurismas com próteses ramificadas ou fenestradas, e a nossa instituição não tem experiência nestes casos. Deste modo, é expectável um aumento da incidência de FA da artéria renal.
O aparecimento de hematúria ou a sua manutenção prolongada após procedimentos renais, por vezes acompanhada por dor no flanco, deve levar à suspeição de doença renovascular. Geralmente, estas manifestações surgem nas primeiras semanas após a cirurgia, mas podem ocorrer várias semanas a meses depois. A TC é o exame de eleição para o despiste destas lesões, sendo a angiografia o gold standard para o diagnóstico, devendo ser terapêutica no mesmo ato. No caso de grande suspeita clínica e um estudo de imagem por TC negativo, deve ser realizada angiografia.
A história natural destas lesões varia desde resolução espontânea até rutura6. Deste modo, a indicação de tratamento não é consensual. Se para lesões em expansão em doentes hemodinamicamente instáveis a necessidade de tratamento se impõe, para lesões estáveis em doentes, sem qualquer repercussão hemodinâmica, a indicação de tratamento da lesão está ainda longe de consenso.
Relativamente às opções de tratamento, tratando‐se na maioria dos casos de lesões intraparenquimatosas, envolvendo vasos de pequeno calibre, a cirurgia convencional tem poucas alternativas terapêuticas para além da nefrectomia. Assim, o tratamento endovascular é o único que poderá minimizar a perda de tecido renal, sendo a embolização o mais frequentemente utilizado. Vários agentes estão disponíveis para embolização, sendo os coils e micro‐coils os preferidos para tratamento destas lesões7. Nos casos apresentados, procedeu‐se a embolização com micro‐coils em 5 casos e com micropartículas em um caso, uma vez que se tratava de uma artéria de menor tamanho (artéria lobar distal). A embolização com recurso a coils mostrou‐se um método seguro e efetivo para o tratamento deste tipo de lesões8. Tratando‐se de circulação terminal, a oclusão de um ramo proximal é um método eficaz de tratamento. Sendo um método minimamente invasivo, a morbilidade associada é menor quando comparada à cirurgia convencional9. As complicações da embolização incluem dissecção acidental da artéria renal, síndrome pós‐embolização e agravamento da função renal. A função renal pode ser adversamente afetada pela nefrotoxicidade do material de contraste usado e pela desvascularização de uma porção do parênquima renal saudável como consequência direta da embolização, tanto maior quanto mais proximal for a mesma. A embolização suprasseletiva com recurso a micro‐coils minimiza este último efeito sobre o parênquima renal. A cateterização suprasseletiva do ramo arterial pretendido, por vezes laboriosa, foi conseguida com recurso ao material já referido. Dos doentes apresentados, em nenhum ocorreu agravamento da função renal provavelmente reflexo da presença de rim contralateral funcionante e traduzindo a perda mínima de tecido renal, associada a embolização suprasseletiva. O tratamento endovascular é normalmente realizado no mesmo ato, imediatamente após a realização da angiografia diagnóstica. Em FA de artérias de maior calibre, o tratamento poderá ser feito com recurso a stents recobertos.
Todos os nossos casos foram tratados com sucesso, como demonstrado clinicamente e por TC de controlo. Assim, na nossa experiência, o tratamento endovascular mostrou‐se um método de tratamento eficaz dos FA traumáticos renais intraparenquimatosos.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.
Neste trabalho procedeu‐se ao estudo retrospetivo dos doentes tratados com falsos aneurismas traumáticos da artéria renal na nossa instituição, no período de 2011‐2015, incluindo manifestação clínica, diagnóstico, tratamento e resultado em posterior controlo.