Pre-service and in-service teachers’ training has been the focus of several programs developed in Brazil. Among them, the called “Institutional Program of Teaching Training Scholarship” (in Portuguese “Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência-pibid”) is really remarkable, which has as its main goal improving the academic actions for pre-service teachers training. This study has the aim to analyze the transformation of knowledge and beliefs of future chemistry teachers — scholarship holders of pibid — on the topic “Nature of Matter”, to make it comprehensible to high school students. That is, documenting and discussing the development of Pedagogical Content Knowledge (pck) of each one of these scholars during the design and application of a didactic unit on the topic. The research was done with four scholars of the Program, students of a chemistry career in a public Brazilian University. Two elements were considered to show the improvements of the participants pck: an initial interview in which the eight questions of the Content Representation of Loughran et al. (2004) were posed, and afterwards the Didactic Unit produced and applied to high school students. Main results show the appropriation for students of enough knowledge for the adequate performance in the classroom, it stimulated by the actions pibid contemplates.
La formación inicial y continua de profesores ha sido foco de diversos programas de formación docente desarrollados en Brasil. Entre ellos destaca el Programa Institucional de Becas de Iniciación a la Docencia (pibid), que busca, principalmente, mejorar la calidad de las acciones académicas para la formación inicial de profesores. Este estudio tiene por objetivo analizar la transformación de los conocimientos y creencias de futuros profesores de Química —becarios del pibid— sobre el tema “Naturaleza de la Materia”, para hacerlo comprensible a los alumnos de la educación media superior. Es decir, documentar y discutir las manifestaciones del Conocimiento Pedagógico del Contenido (cpc) que cada uno de estos individuos posee durante el proceso de desarrollo y aplicación de una unidad didáctica sobre el tema. La investigación se realizó con cuatro becarios del Programa, estudiantes de una carrera de licenciatura en Química en una universidad pública brasileña. Como forma de hacer evidente el desarrollo del cpc de los participantes, se consideraron dos elementos: una entrevista inicial en la que se aplicaron las preguntas de la Representación del Contenido de Loughran et al. (2004) y una unidad didáctica producida y aplicada a estudiantes de la enseñanza media superior, posteriormente. Los principales resultados señalan sobre la apropiación por los estudiantes de los conocimientos necesarios para la práctica docente, también estimulada por las acciones que incluye el pibid.
A formação inicial e continuada de professores tem sido o foco de diversos programas de qualifcação docente, desenvolvidos no Brasil. Dentre eles se destaca o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (pibid) que visa, principalmente, promover melhorias na qualidade das ações acadêmicas voltadas à formação inicial de professores. Este estudo tem como objetivo analisar a transformação dos conhecimentos e crenças de futuros professores de Química, bolsistas do pibid, sobre o tema “Natureza da Matéria” de modo a torná-lo compreensível aos alunos do Ensino Médio. Ou seja, documentar e discutir as manifestações do Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (pck) que cada um desses indivíduos possui durante o processo de desenvolvimento e aplicação de uma unidade didática sobre o tema. A pesquisa foi realizada com quatro bolsistas de Iniciação à Docência, estudantes de um curso de Licenciatura em Química de uma universidade pública brasileira. Como forma de evidenciar as manifestações do pck dos participantes, dois elementos foram considerados: uma entrevista inicial em que foram aplicadas as questões sobre a Representação do Conteúdo de Loughran et al. (2004) e uma unidade didática produzida e aplicada a estudantes do Ensino Médio, posteriormente. Os principais resultados sinalizam para a apropriação, pelos estudantes, de conhecimentos necessários para a prática docente, também favorecida pelas ações propostas no âmbito do pibid.
Iniciativas voltadas à formação de professores têm sido cada vez mais frequentes e, no Brasil, programas especiais de qualificação de professores da Educação Básica, em formação inicial ou continuada, têm se multiplicado nos últimos anos. Trata-se de ações estratégicas do Ministério da Educação que visam, dentre outros aspectos, promover melhorias na qualidade das ações acadêmicas voltadas à formação inicial de professores nos cursos de Licenciatura das Instituições Públicas de Ensino Superior no país e inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação (Santos et al., 2011). Dentre tais ações se destaca o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (pibid).
As ações promovidas no âmbito do pibid propiciam ao futuro professor a sua inserção no cotidiano escolar e aproximam a Universidade da realidade da Escola Básica. Além disso, a troca de experiências propiciada pela interação estabelecida na tríade “Licenciando-Professor da Educação Básica-Professor Formador” tem promovido reflexões teóricometodológicas que fundamentam as ações realizadas na escola e contribuem para a elaboração de novas práticas. Com base nesses aspectos pesquisas têm sinalizado para a efetiva contribuição do pibid na qualificação dos futuros professores (Silva, Francisco Júnior e Oliveira, 2011).
Diante do impacto do pibid no atual cenário brasileiro de educação e por ser um campo ainda pouco explorado por pesquisadores da área de Educação em Ciências, o presente trabalho foi desenvolvido e poderá servir de subsídio para futuras pesquisas voltadas às necessidades formativas do professor que, segundo Oliveira Júnior (2011), contempla um processo evolutivo de apropriação de um conjunto de conhecimentos necessários para a docência. E é nessa perspectiva, que Shulman3 (1987), ao investigar sobre o conhecimento dos professores introduziu o conceito de Conhecimento Pedagógico do Conteúdo, oriundo do inglês Pedagogical Content Knowledge (pck), discutido abaixo.
Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (pck)Em 1983, Lee S. Shulman (1999) proferiu uma palestra na Universidade do Texas, em Austin, ambiguamente intitulada ‘‘O paradigma perdido em pesquisas sobre o ensino’’. O título da conferência estimulou uma série de discussões sobre o que seria o paradigma perdido e as interpretações do público acerca do tema foram diversas. No final da apresentação, Schulman revela que esse paradigma perdido se trata do conhecimento do conteúdo e sua interação com o ensino conduzido pelo professor, isto é, com a pedagogia.
As primeiras ideias escritas de Shulman (1986) sobre a interação existente entre o conteúdo temático e a pedagogia se originaram de sua observação quanto ao enfoque da psicologia cognitiva da aprendizagem que privilegiava aspectos inerentes ao aprendiz; e à tendência das pesquisas voltadas ao ensino em ignorar questões relacionadas ao professor. Diante disso, Shulman estabeleceu alguns questionamentos que nortearam seus estudos: Como o estudante universitário ao se tornar professor iniciante transforma seu conhecimento de modo a tornálo compreensível ao aluno do ensino secundário? Quais são as fontes das analogias, metáforas, exemplos, demonstrações e reformulações que o professor usa em sala de aula? Como os professores transformam seu entendimento sobre um texto em uma forma de instrução compreensível aos estudantes?
Questionamentos como esses levaram Shulman a investigar sobre a natureza do conhecimento dos professores, introduzindo o conceito de Conhecimento Pedagógico do Conteúdo, o pck. Na literatura diversas compreensões acerca do pck são encontradas, todas elaboradas com a finalidade de elucidar o conhecimento empregado pelos professores na sua prática educativa. Segundo Oliveira Jr. (2011): O pck é um conhecimento particular do professor, que engloba os conhecimentos do conteúdo, da pedagogia, do ambiente de aprendizagem e dos alunos. Esse conhecimento fundamenta as decisões dos professores diante do processo de ensino e aprendizagem em diferentes contextos, conferindo ao profissional do ensino a capacidade de adaptar o conteúdo e as estratégias de ensino em função das necessidades de diferentes grupos de alunos […] (Oliveira Jr., 2011).
Anos antes de Shulman, Klafki (1958; 1995) avançava em um de seus livros, em que discutia as diferentes representações contidas em uma série de perguntas relacionadas ao planejamento de uma aula pelo professor, dentre elas: 1) Que fenômeno básico ou princípio fundamental, lei, critério, problema, método, técnica ou atitude podem ser compreendidos, por exemplo, a partir do estudo deste conteúdo?; 2) Qual significado do conteúdo em questão, experiência, conhecimento, capacidade ou habilidade a ser adquirida através deste tópico já existem nas mentes dos estudantes da minha turma? Que significado deveria ter do ponto de vista pedagógico?; 3) Que fatos, fenômenos, situações, experiências, controvérsias, ou seja, que informações são apropriadas para induzir o estudante a fazer questionamentos direcionados à essência e estrutura do conteúdo em questão?, e 4) Que ilustrações, sugestões, situações, observações, explicações, experiências ou modelos são adequados para auxiliar os estudantes a responder, da forma mais independente possível, questões relacionadas à essência da disciplina?
Verificase que o pck vai além do conhecimento da matéria e engloba o entendimento integrado, pelo professor, de quatro componentes principais: pedagogia, conhecimento temático da matéria, características dos alunos e o contexto ambiental da aprendizagem (Cochran, DeRuiter e King, 1993). Para Shulman (1987), o pck representa a combinação do conteúdo e da pedagogia em uma compreensão de como os tópicos, os problemas ou assuntos particulares são organizados, representados e adaptados aos diversos interesses e habilidades dos principiantes e apresentados na forma de instrução.
Considerando a adequação e a larga utilização do pck em processos de formação de professores da Educação Básica, conforme evidencia o levantamento bibliográfico realizado Garritz e Trinidad-Velasco (2004; 2006), seu emprego em um programa de qualificação docente, como o pibid, se torna bastante viável. Segundo os autores, nos Estados Unidos, o pck tem sido incluído nos Padrões de Desenvolvimento Profissional dos professores de Ciências e empregado no país como um guia para a reforma educativa nos programas de formação oferecidos a professores de Ciências (ngss, 2013).
Em outubro de 2012, na reunião chamada «Cúpula do pck», em Colorado Springs, Estados Unidos, na definição dada para o pck, é mencionada quatro vezes a palavra “particular”, com o objetivo de enfatizar o quão específico o pck pode ser (Gess-Newsome e Carlson, 2013): “Se pode pensar o pck como um atributo pessoal do professor, considerando dois aspectos: o conhecimento básico de um tópico e o seu ensino em ação. Este conhecimento é resultado do raciocínio, do planejamento para ensinálo e da forma de ensinar um tema particular, de uma maneira particular, por razões também particulares, para atingir a melhor aprendizagem de um grupo particular de estudantes” (Gess-Newsome e Carlson, 2013, tradução nossa).
Nessa perspectiva, algumas das razões que nos fazem acreditar na importância da utilização do pck para o desenvolvimento desta pesquisa baseiamse nas reformas curriculares por que passam os cursos de graduação no Brasil e nos programas de incentivo à qualificação docente que visam melhorias na qualidade do ensino na Educação Básica. Considerando que o pck compreende um tipo de conhecimento importante na definição de um corpo de conhecimentos profissionais e subsídio para a estruturação das práticas pedagógicas como componentes curriculares na formação de professores (Ramos, Graça e Nascimento, 2008) acreditamos na sua adequação e viabilidade para os objetivos do estudo.
Forma de acesso ao pck: CoReLoughran, Mulhall e Berry (2004) desenvolveram um instrumento denominado de CoRe (Representação do Conteúdo), que tem como função documentar a prática pedagógica dos professores e, dessa maneira, acessar o pck. Por meio do CoRe é possível discutir aspectos particulares do pck, dentre eles a visão dos professores acerca das principais ideias relacionadas ao conceito em questão; o conhecimento de concepções alternativas que são pontos reconhecidamente problemáticos no que diz respeito ao entendimento do conteúdo; a organização dos conteúdos etc. (Oliveira Jr., 2011). Da mesma forma, as estratégias de ensino podem ser analisadas, assim como as formas de avaliação da aprendizagem em relação a esse conceito (Garritz e Trinidad-Velasco, 2004). Para se verificar a representação do conteúdo (CoRe) buscase extrair do professor as ideias ou conceitos centrais de sua exposição ao tema e para cada ideia oito questões são aplicadas, conforme Quadro 1.
CoRe–Representação do Conteúdo (Loughran, Mulhall e Berry, 2014).
Conteúdo específco | ||||
Ideias centrais sobre o conceito | ||||
Ideia 1 | Ideia 2 | Ideia 3 | Etc. | |
O que você pretende que os estudantes aprendam sobre essa ideia? | ||||
Por que é importante para os estudantes aprender essa ideia? | ||||
O que mais você sabe sobre essa ideia? | ||||
Quais são as difculdades e limitações ligadas ao ensino dessa ideia? (o que você não vai ensinar agora aos estudantes). | ||||
Que conhecimento sobre o pensamento dos estudantes tem infuência no seu ensino sobre essa ideia? | ||||
Que outros fatores infuenciam no ensino desta ideia? | ||||
Que procedimentos/estratégias você emprega para que os alunos se comprometam com essa ideia? | ||||
Que maneiras específcas você utiliza para avaliar a compreensão dos alunos sobre essa ideia? |
Sobre as técnicas propostas por Loughran et al. (2004), Vanessa Kind (2009) emitiu o seguinte parecer: “O CoRe proposto por Loughran et al. (2006) oferece, na minha opinião, a técnica mais útil elaborada até o momento para obter e registrar o pck diretamente dos professores. O método é claramente centrado nas competências e conhecimentos dos professores, assim um CoRe completo representa um meio poderoso de registro do trabalho de um professor experiente, disponível para compartilhar e exemplificar boas práticas” (Kind, 2009, tradução nossa).
O CoRe a respeito da ideia central “Natureza da Matéria” foi aplicado com quatro estudantes, bolsistas de Iniciação à Docência (id), que produziram uma unidade didática sobre o tema em questão. A discussão dos resultados se deu com base em dois elementos principais: 1) as respostas apresentadas pelo grupo durante uma entrevista em que foram colocadas as oito questões do CoRe de Loughran, Mulhall e Berry (2004), antes da produção da unidade didática; 2) na análise deste material, produzido posteriormente, quando buscamos verificar a integração entre as ideias iniciais do grupo e o material que seria utilizado na sala de aula. Como nem todos os estudantes que produziram as unidades didáticas tiveram a oportunidade de aplicalas na sala de aula, nesta análise nos limitaremos a estes dois elementos.
Das perguntas do CoRe extraímos as respostas mais enfatizadas pelo grupo e as classificamos de acordo com a Análise Textual Discursiva (atd), conforme apresentada por Moraes (2003). Desse modo, inicialmente, a entrevista foi minuciosamente examinada e, posteriormente, fragmentada em unidades de análise (unitarização). Após isso, foram estabelecidas relações entre as unidades de base, combinando-as e classificando-as de modo a formar conjuntos mais complexos (categorização). Por fim, na etapa de comunicação, que é a elaboração de um texto que busca a compreensão do todo, realizamos a interlocução dos dados obtidos nas entrevistas com a pesquisa bibliográfica acerca do tema.
Cabe ressaltar que a presente pesquisa foi submetida à avaliação em Comitê de Ética e foi desenvolvida mediante a sua aprovação pelo mesmo, obedecendo todas as exigências cabíveis em pesquisas com seres humanos.
Resultados e discussãoNo Quadro 2 apresentamos uma síntese das principais respostas dos estudantes para as oito questões do CoRe, considerando apenas uma ideia central: “a natureza da matéria”. Tais respostas originaram as categorias elaboradas. Na sequência apresentamos a discussão detalhada, com exemplos de respostas para cada categoria, e uma análise das mesmas à luz da literatura.
Síntese das categorías elaboradas a partir das questoes do CoRe (Loughran, Mulhall e Berry, 2014).
Questoes do CoRe (Loughran etai, 2004) | Categorías Elaboradas | |||||
0 que vocé pretende que os estudantes aprendam sobre essa ideia? | Acerca dos elementos que constituem a materia. | Acerca de como se dá a construcao do conhecimento científico. | 0 papel das teorías científicas na producao do conhecimento científico e sobre 0 seu caráter transitorio. | |||
Por que é importante para os estudantes aprender essa ideia? | Pré-requisito para 0 estudo de assuntos estudados durante 0 Ensino Medio. | Melhor compreensáo da Historia da Ciencia. | Compreensáo da linguagem científica, da simbologia empregada na Química. | |||
0 q ue mais vocé sabe sobre essa ideia? | Adequada transpo-sicao didática e selecáo dos conteúdos. | Compreensáo da relacao existente entre 0 mundo macroscópico e mundo microscópico. | ||||
Quais sao as dificuldades e limitacoes ligadas ao ensinodessa ideia? | Abordagem microscópica. | Entendimento do papel dos modelos científicos no ensino de Química. | 0 fato de a ciencia nao ser constituida de verdades absolutas e está sempre em processo de mudanzas. | |||
Que conhecimento sobre 0 pensamento dos estudantes tem influencia no seu ensino sobre essa ideia? | A ¡magem dos alunos sobre a ciencia, 0 dentista e 0 professor. | Adificuldade de abstracao. | As concepcóes alternativas trazidas pelos estudantes. | |||
Que outros fatores influenciam no ensino desta ¡deia? | Acuriosidade. | |||||
Que procedimentos/estratégias vocé emprega para que os alunos se comprometam com essa ¡deia? | Conhecer a turma e selecionara metodología que melhor se adéque. | 0 emprego de simulacóes. | Atividades que estimulem a expressáo oral, argumentacao e 0 diálogo. | Producao de modelos com materiais de baixo custo. | Atividades que favorecem a ¡nteracáo entre os estudantes. | Atividades de caráter ¡nvestigativo. |
Que maneiras específicas vocé utiliza para avaliar a compreensáo dos alunos sobre essa ¡deia? | Mésela de acoes avaliativas. | Portfolio. | Discussoes durante todo 0 processo. | Atividades escritas. | Provas tradicionais. |
De acordo com o Quadro 1 discutimos a seguir cada uma das categorias elaboradas a partir das respostas dos estudantes durante a entrevista, com considerações acerca das atividades propostas na Unidade Didática (ud). Os enunciados destacados em estilo itálico se referem às falas dos alunos durante a entrevista, que são identificados como B1, B2, B3 e B4.
As categorias elaboradas a partir da questão “O que você pretende que os estudantes aprendam sobre essa ideia?” indicam alguns aspectos importantes a serem considerados no ensino deste tema.
A aprendizagemacerca dos elementos que constituem a matériaé evidenciada pelo estudante B1 como um objetivo a ser alcançado com a aplicação da ud, como forma de fornecer os pré-requisitos necessários para outros assuntos de Química a serem estudados durante o Ensino Médio.
Quando a gente fala sobre a natureza da matéria tende a querer que eles aprendam sobre a estrutura da matéria, como a matéria é formada (B1) A questão do conteúdo propriamente dito, átomo, próton, nêu-trons, elétrons. Já que no primeiro ano eles terão uma introdução na Química mesmo. Eles têm que conhecer essas estruturas para poder trabalhar com os outros aspectos da Química que eles irão aprender durante o ensino médio (B1)
Tendo em vista a pretensão inicial de B1 em favorecer a aprendizagem dos estudantes sobre os diferentes elementos constituintes da matéria, buscamos verificar alguma ação direcionada a este propósito na ud produzida pelo grupo. Assim, verificamos que a primeira atividade proposta consistiu exatamente em especular a respeito da compreensão dos estudantes acerca de cada um dos elementos, considerando que, supostamente, este conteúdo já havia sido estudado nos últimos anos do Ensino Fundamental. A atividade consistiu na elaboração de cartazes e/ou desenhos pelos estudantes, divididos em pequenos grupos, com imagens que representassem cada um destes elementos, para posterior discussão com o professor e demais grupos (Figura 1).
Também com o intuito de discutir a respeito dos elementos constituintes da matéria os bolsistas propuseram um jogo (Figura 2), adaptado do trabalho de Castro e Costa (2011), no qual apresentam as contribuições de um jogo denominado “Super Átomo” para o ensino de Química, no Ensino Fundamental.
Adaptação do jogo proposto por Castro e Costa (2011).
O uso de jogos no ensino de Química tem sido frequente em trabalhos reportados na literatura (Soares e Cavalheiro, 2006; Santos e Michel, 2009; Franco-Mariscal, Oliva-Martinez e Bernal-Marques, 2012a e b), e de acordo com Cunha (2012) são normalmente empregados com os seguintes propósitos: proporcionar aprendizagem e revisão de conceitos; motivar os estudantes para aprendizagem de conceitos químicos, melhorando o seu rendimento na disciplina; desenvolver habilidades de busca e problematização de conceitos; contribuir para formação social do estudante, pois os jogos promovem o debate na sala de aula; representar situações e conceitos químicos de forma esquemática ou por meio de modelos que possam representá-los. O objetivo mencionado pelo o grupo na ud para o emprego do jogo consistiu em facilitar a compreensão dos modelos atômicos, assim como de suas partes constituintes.
O objetivo de favorecer a compreensão dos estudantes a respeito dos elementos constituintes da matéria é uma das ideias centrais identificadas em trabalhos que investigam o pck de professores em relação ao ensino da temática (Loughran et al., 2004; Garritz e Trinidad-Velasco, 2006). Essa foi a única categoria relacionada ao tema central do conteúdo. As demais se referem à compreensão dos estudantes acerca da construção do conhecimento científico, conforme discutimos a seguir.
O entendimento dos estudantes do Ensino Médio acerca de como se dá a construção do conhecimento científico é um dos propósitos a serem alcançados com a aplicação da UD sobre o tema, de acordo com as colocações de B1 e B2.
[…] como que a gente conseguiu chegar às descobertas que a gente tem hoje, como chegamos ao conhecimento que estamos passando pra eles, como que a gente aprendeu isso, qual a importância de eles aprenderem isso. (B1) […] tentar colocar também essa questão histórica, não deixar solto, como se fosse uma coisa que está só ali no livro, mas tentar fazer eles entenderem que houve um processo pra chegar aqui, um processo histórico. (B2)
Esse tipo de preocupação, por parte de futuros professores de Química, é um aspecto que merece destaque, se consideramos o que nos aponta Gil-Pérez (2001), quando diz que o ensino, incluindo o universitário, transmite, dentre outras, visões empírico-indutivistas da ciência que se distanciam largamente da forma como se constroem e produzem os conhecimentos científicos. Segundo Gil-Pérez (2001) essas concepções dos docentes sobre a ciência seriam expressões de uma visão comum que os professores de ciências aceita-riam implicitamente devido à falta de refexão crítica e a uma educação científica que se limita, com frequência, à simples transmissão de conhecimentos previamente elaborados. Desse modo, a imagem da ciência que os professores possuem diferencia-se pouco das que podem ser expressas por qualquer cidadão, e afasta-se das concepções consideradas mais adequadas sobre a natureza da ciência. Estudos mais recentes, realizados com professores e estudantes de diferentes níveis de ensino, ainda apresentam resultados semelhantes (Borges et al., 2010; Mello e Rotta, 2010).
Na análise da ud evidenciamos a proposta de uso de vídeos, extraídos do youtube, como um recurso importante para o estudo do tema. Visando favorecer o entendimento dos estudantes sobre a construção do conhecimento científico o grupo sugeriu o emprego do vídeo “Tudo se transforma, História da Química, História dos Modelos Atômicos”, ilustrado na Figura 3. Trata-se de uma produção audiovisual produzida pela Pontificia Universidade Católica do Rio de Janeiro (puc-Rio) em parceria com o Ministério da Educação, o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. O vídeo integra uma série de 6 programas (120 episódios) dedicados ao apoio do ensino de Química no Ensino Médio.
Vídeo proposto na Unidade Didática (extraído de http://www.youtube.com/watch?v=58xkET9F7MY).
Diversos estudos discutem as potencialidades do uso do vídeo na sala de aula como um recurso para auxiliar no trabalho do professor (Zhang et al., 2011; Koc, Peker e Osmanoglu, 2009). Masats e Dooly (2011), por exemplo, acreditam que o papel dos vídeos em ambientes de ensino e aprendizagem não pode ser menosprezado. Segundo os autores, dada à relevância que os vídeos possuem para a construção do conhecimento e as mudanças que a sua utilização podem trazer na sala de aula, seria razoável que programas de formação de professores incluíssem em seus currículos propostas contextualizadas com o emprego do vídeo. Nesse contexto, os estudantes seriam estimulados a refletir e avaliar o material exibido, em um ambiente de aprendizagem centrado no aluno, que promovesse a consciência crítica sobre o consumo de produtos midiáticos.
Segundo B2 favorecer a compreensão dos estudantes sobre o papel das teorias científcas na produção do conhecimento científico e sobre o seu caráter transitório e passível de mudanças é uma das pretensões do grupo para o ensino da temática.
[…] que o que a gente sabe hoje não é absoluto, mas ainda está em processo de construção. (B2)
O emprego do vídeo, discutido anteriormente, também contempla esse objetivo, que está em consonância com o que preconizam os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (pcnem) (Brasil, 2002), no que diz respeito à área das Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias: A consciência de que o conhecimento científico é assim dinâmico e mutável ajudará o estudante e o professor a terem a necessária visão crítica da ciência. Não se pode simplesmente aceitar a ciência como pronta e acabada e os conceitos atualmente aceitos pelos cientistas e ensinados nas escolas como “verdade absoluta”. […] Tampouco deve o aluno ficar com impressão de que existe uma “ciência” acima do bem e do mal, que o cientista tenta descobrir. A ciência deve ser percebida como uma criação do intelecto humano e, como qualquer atividade humana, também submetida a avaliações de natureza ética (Brasil, 2002).
Sobre o “Por que é importante para os estudantes aprender essa ideia?” algumas principais razões são sinalizadas. Segundo B1 o tema é um pré-requisito para o estudo de outros assuntos químicos estudados durante o Ensino Médio.
[…] na Química eles vão trabalhar sempre com o átomo. Os assuntos que eles veem durante o ensino médio […] são assuntos que se tratam na Química Inorgânica, Química Analítica, Química Orgânica. E se trabalha muito com doação de elétrons, recebimento de elétrons. Para essas interações, primeiro tem que ter contato com essa introdução da estrutura da matéria […]. (B1) É um subsunçor para ele aprender outras coisas. Justamente por isso, você geralmente começa com isso. (B3)
O termo subsunçor, empregado na Teoria da Aprendizagem Significativa de David Ausubel (Moreira e Masini, 1982) para se referir à estrutura cognitiva existente capaz de oferecer novas aprendizagens, é utilizado por B3 para explicar a importância do tema para a compreensão de outros assuntos que são estudados durante o Ensino Médio. Essa ideia é corroborada por Trindade (2011), quando destaca que dentre as concepções equivocadas que os estudantes apresentam sobre o tema Ligações Químicas, a mais evidente é a confusão que estes fazem entre átomos e células (Fernandez e Marcondes, 2006). Para o autor, a compreensão dos conceitos e modelos da estrutura atômica, não apenas pode subsidiar a ancoragem de subsunçores adequados para a formação do conceito de Ligação Química, como também pode colaborar pra diferenciação entre átomos e células.
A contribuição do tema para a melhor compreensão da História da Ciência é um aspecto bastante ressaltado pelos bolsistas e o emprego do vídeo ilustrado na Figura 3, também contempla essa ideia.
“[…] tem muita essa questão da história da ciência […] porque você (o estudante) tem mais familiaridade com processos históricos, você vê isso no início, quinta série, sexta série”. (B3)
Trata-se de uma estratégia que o professor pode utilizar como forma de aproximar o educando da trajetória da huma-nidade até o conhecimento que se apresenta atualmente, deixando-o mais à vontade para experimentar e discutir a ciência (Melo e Rotta, 2010). Sobre o emprego da História da Química para a abordagem de assuntos químicos elementares, Mortimer (1992) enfatiza que: […] o ensino de Química elementar, segundo a perspectiva aqui esboçada, passa necessariamente pela história da Química. Sem essa perspectiva histórica, estaremos fadados a ensinar teorias que adquirem o sentido de dogmas. Não há porque ensinar, num nível elementar, apenas a Química moderna e contemporânea (Mortimer, 1992).
A compreensão da linguagem científica, da simbologia empregada na Química é vista como um fator importante no estudo da Natureza da Matéria. O estudante B3 menciona como exemplo a simbologia empregada na Matemática, que muito cedo é apresentada ao estudante, ainda no Ensino Fundamental, e a dificuldade verificada na área de Química, considerada complexa por envolver um número significativo de símbolos e fórmulas.
A linguagem científca, a simbologia, porque se vê um pouco na matemática, mas tem uma diferença brusca para a Química. Geralmente os alunos têm muita dificuldade para compreender a simbologia. (B3)
Nesse sentido, Maldaner e Piedade (1995) defendem a necessidade de se divulgar a eficácia do uso da linguagem Química (fórmulas químicas, equações químicas e símbolos) na organização do pensamento químico. Segundo os autores, isso, em geral, é relegado a um plano secundário no ensino tradicional, introduzido no estudo das ligações químicas, no estudo sistemático das equações químicas ou nas classificações das reações químicas. Por essa razão, sinalizam que a linguagem química deve ser uma preocupação central para a formação do pensamento químico pelos estudantes.
Quando questionados sobre “o que mais sabiam sobre o assunto” outros pontos foram ainda mencionados. Aadequada transposição didática e seleção dos conteúdos são vistas por B1 como aspectos essenciais para que se obtenha êxito no ensino do tema.
Pra mim a questão não é o que a gente sabe a respeito do conteúdo, mas a forma como a gente vai conseguir passar isso pra eles, e a seleção também. Porque a gente tem um conteúdo que é vasto, e você não pode mostrar tudo pra eles. (B1) Pra mim a maior dificuldade disso é saber o que falar e quando falar. (B1)
Chevallard4(1985)apresenta um conceito de transposição didática similar à definição de pck, segundo o qual um conteúdo do saber científico a ser ensinado, sofre um conjunto de transformações adaptativas que irão torná-lo apto a ocupar um lugar entre os objetos do ensino. O trabalho que transforma um objeto do saber científico em um objeto de ensino é, pelo autor, denominado de transposição didática.
No que tange à seleção dos conteúdos a serem ensinados, tendo em vista a grande quantidade de conceitos e o reduzido tempo que o professor possui para cumprir o programa previamente elaborado, os bolsistas enfatizam a necessidade de selecionar os conteúdos que consideram mais importantes e que se adequam ao tempo disponível para a sua abordagem na sala de aula. Nessa perspectiva, Ortigão (2005) menciona que estudos críticos do currículo passaram a enfatizar que a seleção do conhecimento escolar não é um ato desinteressado e neutro, mas culturalmente determinado, historicamente situado, não podendo ser desvinculado do contexto. Desse modo, que aspectos foram considerados pelos bolsistas na seleção dos tópicos a serem abordados no ensino deste tema? De acordo com a análise da ud, acreditamos que foram aspectos considerados: a complexidade dos tópicos, o tempo, os recursos disponíveis e a necessidade de abstração, considerada essencial para a compreensão do assunto, conforme discutido a seguir.
Permitir a compreensão da relação existente entre o mundo macroscópico com o mundo microscópico é um aspecto enfatizado por B3 em sua colocação.
Esse assunto, como fala da natureza da matéria, permite que o aluno tenha o primeiro contato com o mundo macro e com o mundo micro. Por exemplo, quando eu comecei a estudar, começou falando o que é corpo, o que é matéria, o que é molécula, o que é partícula. (B3)
Essa relação entre o mundo macro e o mundo micro é um aspecto também evidenciado no estudo de Garritz e Trinidad-Velasco (2006) que investiga aspectos do pck de professores de Química, atuantes no nível médio-superior (que antecede o ingresso na universidade no México) sobre o tema Estrutura Corpuscular da Matéria. Os autores verificam que algumas das ideias dos professores não se referem a temas centrais do conteúdo, mas a aspectos que exigem atenção no ensino do tema, pelo o fato de contemplar as concepções alternativas mais frequentes entre os estudantes: a visão substancialista da matéria, em que o comportamento e/ou as propriedades de uma substância são atribuídas aos átomos e às moléculas. Ou seja, a ideia de que o constituinte isolado (átomo ou molécula) possui os atributos do todo (Mortimer, 1995). A Figura 4 ilustra a intenção do grupo em trabalhar essa relação, a partir do emprego de um vídeo que discute de maneira didática e contextualizada como são constituídas as coisas ao nosso redor.
Vídeo proposto na Unidade Didática (extraído de http://www.youtube.com/watch?v=a1AxkU8tb8I).
Sobre “as dificuldades e limitações ligadas ao ensino da Natureza da Matéria” os pontos enfatizados pelos estudantes foram: A abordagem microscópica fortemente presente nessa temática é vista pelos estudantes como um fator que dificulta a compreensão sobre o tema. É a questão de visualizar, porque a gente vê muito a questão do micro nesta parte, então eles não vão conseguir enxergar um átomo, eles não pegar num átomo. Eles só vão visualizar os desenhos. (B4) Outra barreira é quando eles sabem que ninguém nunca viu aquilo. (B2)
Dificuldades relacionadas à abordagem microscópica são também mencionadas em outros trabalhos que investigam sobre o ensino da temática. Nakhleh, Samarapingavan e Saglam (2005), por exemplo, ao investigar um grupo de estudantes do Ensino Médio, concluem que a maioria deles não consegue explicar de forma consistente as propriedades e os processos relacionados à matéria, em termos de partículas, pelo o fato de possuírem ideias fragmentadas acerca do assunto. Segundo os autores, essa fragmentação refete a dificuldade de o estudante assimilar em nível microscópico conhecimentos adquiridos por meio de um ensino formal e que fazem relação com conhecimentos macroscópicos previamente existentes. Segundo Rocha e Cavicchilo (2005)
Existe uma limitação objetiva na capacidade dos alunos que iniciam o estudo de Química nos ensinos Fundamental e Médio em reconhecer, em nível microscópico, o caráter descontínuo da matéria e de suas entidades constituintes […]. Esse problema de aprendizado se deve à dificuldade, por parte dos estudantes, de visualizar corretamente o mundo microscópico e à ausência de referenciais que os ajudem nesse esforço de abstração. As conseqüências, que incluem problemas em entender os conceitos de átomo e elemento químico e em distinguir corretamente entre substâncias simples e compostas, se arrastam durante as séries seguintes do Ensino Médio.
Nessa perspectiva, Nussbaum (1985) conclui que deve fazer parte do conhecimento de todos os professores o fato de que os aspectos da teoria das partículas mais dificilmente assimilados pelos estudantes são os mais dissonantes com suas concepções prévias sobre a natureza da matéria, tais como: o espaço vazio (conceito de vazio); o movimento intrínseco (cinética das partículas); e a interação entre as partículas (transformação química).
O entendimento do papel dos modelos científicos no ensino de Química é entendido por B1 e B4 como um fator que influencia fortemente no ensino da ideia sobre a natureza da matéria.
[…] é dificil de você dizer pra ele que não é daquele jeito, que o átomo não é daquele jeito que está no desenho. Então você usa o modelo pra ensinar o aluno, mas o aluno tem que compreender que o átomo não é daquele modelo. (B1) Outra questão dos modelos, é que não é exatamente como é o modelo. Ou às vezes o aluno tem a ideia de que o modelo seja de uma forma, e na verdade… A ideia, por exemplo, de Thompson, o aluno tem o exemplo do pudim de passas de uma forma, mas para Thompson era de outra forma […]. (B4) E o que do modelo se usa realmente, porque não se usa tudo. Não é tudo do pudim de passas que se assemelha ao átomo. (B4)
De acordo com Ferreira e Arroio (2009) à medida que a teoria corpuscular da matéria de desenvolveu, a busca por novas formas de representar as partículas, os processos e os conceitos que povoam essa teoria também têm evoluído. No entanto, muitas destas representações têm sido questionadas, no que diz respeito a sua capacidade de favorecer, ou não, a compreensão dos estudantes acerca de determinados assuntos. Sobre o exemplo do pudim de passas, mencionado por B4 e amplamente utilizado em livros didáticos e pelos professores, Melo e Lima Neto (2013) apontam que a referida analogia é utilizada para aproximar o modelo abstrato do mundo real do estudante, no caso, a analogia do pudim de passas é usada para aproxima-lo do modelo atômico de Thompson. Para os autores, pela dificuldade que os alunos têm em migrar do macroscópico para o imaginado, eles podem estabelecer relações analógicas incorretas quando os limites de cada analogia não ficam bem defnidos. Assim, o aluno do Ensino Médio, ao tomar conhecimento de analogias como a do pudim de passas, cria uma imagem e o átomo deixa de ser um modelo para ser real, palpável e similar à imagem que a analogia criou, fazendo com que a ideia principal do modelo matemático que deu origem a esse modelo atômico seja distorcida.
Dessa maneira, consideramos a preocupação do grupo, quanto ao emprego e adequação dos modelos, uma manifestação do pck importante no processo de formação inicial destes estudantes. Visando esclarecer a função dos modelos no ensino de Química, o grupo propôs uma dinâmica usando materiais de baixo custo, conforme ilustra a Figura 5.
Essa dinâmica, também evidenciada no trabalho de Garritz e Trinidad-Velasco (2006) quando investigam o pck de professores a respeito da estrutura corpuscular da matéria, é comumente empregada com o objetivo de simular a produção de modelos. Consiste na construção de uma “caixa pre-ta”, em cujo interior são colocados diferentes materiais. Em função da informação proporcionada pelos sentidos (cheiro, textura, tamanho, som etc.) se faz aproximações do que seja aquilo que não é possível visualizar. O exercício é acompanhado por uma série de questões que servem como guia para a aproximação da resposta correta.
O fato de a ciência não ser constituída de verdades absolutas e está sempre em processo de mudanças é novamente mencionado. Na concepção de B2 propiciar esse entendimento sobre a evolução dos modelos não é uma tarefa simples e pode dificultar o ensino acerca do tema.
Fazer o aluno entender porque se entendeu que aquele primeiro átomo (modelo) estava errado e porque aquele segundo estava maiscorreto, mais perto do que a gente tem hoje. Acho que fazer essa ligação é mais difcil do que o modelo propriamente dito. (B2)
Essa dificuldade apontada por B2 se relaciona com uma das sete visões deformadas sobre a natureza do conhecimento científico, propostas por Gil-Pérez et al. (2001), que precisam ser evitadas no ensino de ciências: a visão aproblemática e ahistórica. Segundo os autores, neste tipo de visão os conhecimentos são transmitidos já elaborados, sem mostrar os problemas que lhe deram origem, a sua evolução, as dificuldades encontradas. Também não se permite conhecer as limitações do conhecimento científico atual nem as perspectivas que, entretanto, se abrem. Trata-se de uma concepção que o ensino de ciências reforça por omissão. Mortimer (1992) afirma ainda que […] não é válido ensinar a química clássica sem entrar em consideração sobre a limitação de suas proposições teóricas frente ao desenvolvimento atual da química. A perspectiva histórica elimina esse problema desde que fique claro que cada explicação teórica tem validade para um contexto bem claro em que o problema foi proposto, e que cada lei ou teoria se refere aos fatos experimentais disponíveis em uma determinada época (Mortimer, 1992, p. 248).
Diante do questionamento “Que conhecimento sobre o pensamento dos estudantes tem influência no seu ensino sobre essa ideia?”, duas ideias principais são identificadas:
A imagem que os alunos têm da ciência, do cientista e do professor de Química, ou seja, daqueles que, de alguma forma, estão vinculados ao campo da ciência, segundo B1, influencia diretamente no aprendizado de assuntos científicos e contribui para a aversão comumente verificada nas escolas à disciplina de Química.
[…] a imagem que os alunos têm de quem faz ciência, do cientista, do professor de química, do cientista em geral, influenciam no aprendizado, porque se você chegar em qualquer escola os alunos irão dizer que detestam química. Não todos, mas boa parte vai te dizer isso: eu detesto química, eu detesto física, qualquer coisa que tenha a ver com a ciência. E vem exatamente por eles acharem que para conseguir entender química, você tem que ser superinteligente, aquele cara excluído. Ou ainda o cientista é louco, não tem nenhum tipo de vida social, as convenções sociais não se aplicam a ele. A forma como ele enxerga a ciência e as pessoas que fazem ciência é um empecilho para que eles consigam entender a ciência. […] Então, se dentre outras coisas, a gente conseguisse mudar essa forma como eles enxergam a ciência e as pessoas que trabalham nela, a gente daria um passo muito grande pra que eles conseguissem compreender a ciência de uma maneira bem mais rápida e mais próxima daquilo que a gente tem. (B1)
Há mais de trinta anos se verifica na literatura artigos que discutem a imagem da ciência e dos cientistas (Krajkovich e Smith, 1982). De acordo com Gil-Pérez (2001) insiste-se explicitamente que o trabalho científico é um domínio reservado a minorias especialmente dotadas, transmitindose as-sim expectativas negativas à maioria dos alunos, com claras discriminações de natureza social e sexual. Além disso, os resultados obtidos por Kosminsky e Giordan (2002) sinalizam que o grau de aprovação dos estudantes em uma disciplina específica é largamente dependente da imagem do professor que a ministra. Justificativas como “não gosto porque o professor é chato”, “eu não consigo prestar atenção naquela aula” ou “o professor explica bem” foram evidenciadas de forma significativa na pesquisa realizada pelos autores.
A imagem estereotipada do cientista destacada por B1 é também mencionada por Türkmen (2008) num estudo realizado com estudantes turcos no Ensino Primário. Segundo Türkmen, estudos prévios indicam que, na concepção dos estudantes, os cientistas são normalmente, do sexo masculino, caucasianos, com idade avançada, trabalhando em ambientes fechados. Em contrapartida, os resultados obtidos com os alunos turcos revelaram que essa imagem do cientista usando óculos e jalecos, com cabelo e rosto que passam a impressão de loucura, e realizando coisas perigosas e secretas no laboratório foram menos evidenciadas. Nos desenhos analisados foram verificados indícios da tecnologia e imagens de cientistas sorrindo. Segundo o autor, os professores de ciência e os livros didáticos exerce forte influência na mente dos estudantes sobre a figura do cientista e sobre o que ele faz, enquanto que a mídia (filmes, revistas, televisão etc.) é apontada como uma fonte não significativa de informações pelos alunos.
A dificuldade de abstração é evidenciada por B3 como um fator determinante para a compreensão dos conceitos relacionados à natureza da matéria.
Eu não sei se é um conhecimento, mas a habilidade de abstrair, porque eles têm muita dificuldade. Porque você não vai ver nada daquilo e nem tem como, porque mesmo que você faça uma estrutura, não é aquilo também. Não se aproxima do que é real. É mais uma habilidade na verdade, pois dificulta se ele não consegue imaginar. Tem gente que não consegue ver fora do real. (B3)
Nesse sentido, Chassot (1993), em seu livro Catalisando transformações químicas apresenta colocações que justificam a observação de B3, quanto à dificuldade de compreensão de conceitos abstratos pelos estudantes. Para o autor, a maioria das informações que ensinamos aos alunos não é assimilada por estes. Isso se deve ao fato de, na área das ciências, operarmos num mundo em que, mesmo nós, os adultos, versados nos conhecimentos que ensinamos, temos dificuldades de entender. Isso ocorreria, muitas vezes, porque não levamos em consideração duas situações importantes, e estas decretam uma ainda maior necessidade de abstração por parte dos estudantes: O mundo que descrevemos está fantasticamente distante da realidade do estudante. […] Em ciências, as coisas ainda são mais trágicas, pois os professores mandam o aluno desenhar modelos de ‘realidades’, cuja existência são hipóteses. Fala-se em átomos e moléculas, como se fossem elefantes e pulgas. Usamos uma linguagem que não é a do aluno. […] Nós não nos damos conta do quanto falamos uma linguagem, na qual nós somos iniciados e nossos alunos não. […] Há ciências —e a Química e a Matemática são bons exemplos— que têm linguagens tão particulares e tão universais que só os iniciados as entendem, e nós as falamos com nossos alunos como se eles as entendessem” (grifos e aspas do autor; pp. 49-50).
Na perspectiva de B1 as concepções alternativas trazidas pelos estudantes, oriundas do Ensino Fundamental e do senso comum, são dificeis de descontruir e influenciam fortemente no ensino dos conceitos científlcos (Wandersee, Mintzes e Novak, 1994). Para exemplificar, o estudante menciona o assunto “ácidos e bases”, no qual se verifica a existência de diversas concepções equivocadas a seu respeito.
[…] acho que muita coisa vem daquilo que a ciência possa desmistificar. Por exemplo, eles fazem muitas perguntas do tipo: ah, se eu comer tal fruta… Por a gente vê lá na química “ácido e base” e a gente fala que alguns ácidos cítricos a gente acha nas frutas cítricas, e eles vão falar: ah, mais ácido não queima? Eu como a fruta e não me queimo. Então não pode ter ácido. Então questões assim, que eles possam associar com qualquer coisa que ele já conheça. Geralmente ácido e base são colocados como antagonistas, o ácido ao contrário da base, e é assim que eles começam a entender geralmente. Então eles pensam, o ácido queima, então a base não. Os conhecimentos de coisas simples que parece uma coisa pequena, sem muita importância, mas que é muito enraizada e é dificil de você mudar. (B1)
A existência de concepções equivocadas, apontada por B1, é corroborada no estudo de Figueira (2010), que teve como objetivo diagnosticar as concepções alternativas ao conhecimento científico de estudantes de Ensino Fundamental, Médio e Superior acerca dos ácidos e bases. De acordo com a autora, concepções dessa natureza tornam-se uma barreira para a aprendizagem dos conceitos em questão, razão pela qual defende a necessidade de que estas concepções sejam divulgadas e discutidas com professores de ciências em formação. Por outro lado, Driver et al. (1999) entendem a construção individual de significados e as várias teorias informais que as pessoas desenvolvem sobre os fenômenos naturais como resultado das interações individuais dos aprendizes com os eventos fisicos de sua vida diária (Piaget, 1970). Para os autores, a aprendizagem em sala de aula, a partir dessa perspectiva, é vista como algo que requer atividades práticas bem elaboradas que desafiem as concepções prévias do aprendiz, encorajando-o a reorganizar suas teorias pessoais.
Sobre “outros fatores que influenciam no ensino da Natureza da Matéria”, se destaca ainda a curiosidade, que segundo B1, B2 e B3, é determinante no ensino de ciências. Essa curiosidade por parte dos alunos da Educação Básica, de questionar e buscar entender a ciência, é vista pelo grupo como pouco presente nos ambientes escolares. Segundo eles, indagações a respeito da constituição das coisas, da diferença existente entre diferentes substâncias ou materiais, não são frequentes entre a maioria dos estudantes. Instigar o aluno e despertar essa curiosidade é percebido como uma tarefa complexa e que exige habilidade por parte do professor.
É complicado. Mas é lógico que tem gente que já é instigado para a questão da matéria, de tentar entender do que são feitas as coisas e ter a ideia de que tem algo muito pequeno que constitui as coisas. […]. E nem todos tem muito isso. Mas tem gente que tem essa curiosidade de ficar pensando: por que isso é mais áspero ou não? E como é feita cada coisa? Porque o plástico, a cerâmica, a grama, são coisas totalmente diferentes? Então pensar do que é feito aquilo, o que constitui aquilo. Algumas pessoas têm, mas não é muito comum você encontrar. (B3) Quando as pessoas têm (curiosidade), facilita bastante. (B1) Porque ele está aberto para receber uma explicação em relação àquilo, tem essa necessidade. Quem não tem… É complicado você ter que instigar o aluno. (B2)
Nessa perspectiva, algumas razões têm sido apontadas para a falta interesse dos estudantes no que diz respeito à aprendizagem de Química. Cardoso e Colinvaux (2000), por exemplo, constataram que alguns alunos consideram a disciplina de Química desinteressante ou sem utilidade na vida cotidiana. A forma como o conhecimento é apresentado e a dificuldade em sua assimilação, desestimula e contribui para a falta de motivação. Segundo os autores, as justificativas, tanto para a motivação quanto para desmotivação verificada no ensino de Química, estão basicamente associadas a três fatores: necessidade/não necessidade; facilidade/dificuldade, e teoria/prática (forma como é apresentada).
No que diz respeito à curiosidade mencionada pelo grupo, para Luciana Hubner, citada por Bopprê (2013), a escola não tem valorizado ou dado pouco valor ao principal aspecto que considera a mola propulsora das aprendizagens: a curiosidade. Essa curiosidade só recebe atenção nos primeiros anos da educação infantil, etapa da escolarização em que as perguntas são tomadas como eixo de pesquisa, observação e investigação da realidade que os cerca. Segundo a autora, à medida que os alunos vão avançando pelos níveis superiores de escolarização essa curiosidade praticamente desaparece, as crianças aprendem que a escola não é um espaço de dúvida, de levar e fazer pergunta, mas de obter respostas. Essa colocação explica, em parte, a observação do grupo relativa à falta de curiosidade dos estudantes diante das questões científicas presentes na vida cotidiana.
De acordo com Talanquer (2004) o pck de um bom professor se manifesta nas atividades de planejamento de uma aula. Dessa forma, diversas reflexões sobre os “procedimentos e estratégias empregados para que o estudante compreenda a Natureza da Matéria” foram feitas pelos bolsistas, diante deste questionamento.
Dentre as ideias mencionadas pelo o grupo, merece destaque a colocação de B1, que aponta para a importância de se conhecer a turma e, com base nisso, selecionar a metodologia que melhor se adeque ao contexto em que será aplicada. Diante disso, retomam a questão da curiosidade, pouco evidenciada, segundo eles, na maioria dos alunos da Educação Básica. Nesse caso, a metodologia deveria ser voltada a despertar a curiosidade e o interesse pelo o assunto.
[…] eu acho que a primeira coisa que a gente tem que fazer é conhecer a turma que vai trabalhar, porque tem várias metodologias que se pode utilizar, e hoje, a cada dia, tem pessoas propondo metodologias diferentes, que podem dá certo ou não, mas isso aí vai depender muito do quanto se conhece da turma. Ela falou, por exemplo, que tem pessoas que tem muita curiosidade de saber como são formadas as coisas. Se a gente tem uma turma em que a maioria das pessoas é assim, se trabalha com uma metodologia específica. Mas geralmente o que se encontra é o contrário, a maioria das pessoas não tem essa curiosidade e tem aversão até a ficar pensando nesse tipo de coisa. Aí já trabalharia com alguma metodologia que fosse despertar essa curiosidade maior. Agora acho que a gente só decide mesmo quando se conhece a turma. (B1)
O emprego de simulações é entendido por B3 como um meio de favorecer a compreensão sobre a forma como a ciência é construída, sobre como são formuladas as teorias e o papel dos modelos científicos. Para tanto, o estudante menciona a atividade da “caixa preta”, realizada pela professora supervisora, e já discutida neste trabalho.
[…] melhor fazer simulações, eles vivenciarem um pouco do que é a ciência, da descoberta, da evolução. E que mesmo sem enxergar, se pode comprovar e detectar algumas coisas, porque é o que ocorre na química em geral. Você não visualiza as moléculas, nenhuma molécula. Mas você vai fazendo experimento, desenvolvendo teoria, testando e vendo se aquela se encaixa ou não. E se você descobre uma coisa que não se enquadra, você vai adaptando. Tem aquele que a professora já aplicou […] Eu acho importante simular coisas desse tipo para eles terem essa noção da evolução e do porquê […]. (B3)
Segundo Raviolo (2010) as simulações são consideradas importantes no ensino por oferecessem uma visualização dinâmica dos fenômenos em duas ou três dimensões. Além das simulações computacionais, também são entendidas como simulações: os jogos de papéis (role-play), manipulação de modelos moleculares, artefatos etc. Por exemplo, a distribuição e movimento dos estudantes na sala de aula simulando os três estados de agregação da matéria; o movimento de modelo molecular compacto durante uma explicação pelo professor; ou máquinas e artefatos usados para simular o equilíbrio químico (Raviolo e Garritz, 2008). De acordo Raviolo, as simulações são particularmente úteis quando por razões de segurança, tempo ou economia, os estudantes não podem atuar diretamente sobre o material estudado.
Atividades que estimulem a expressão oral, a argumentação e o diálogo, realizadas no formato de pequenos grupos, são apontadas por B3 como importantes para a aprendizagem.
[…] desenvolver a fala, fazer coisas em grupo de discussão e que eles argumentem bastante, porque eles irão ter um envolvimento muito maior, eles acabam muitas vezes prestando mais atenção na fala do colega que na fala do professor, porque acaba se tornando meio que um diálogo. (B3)
A importância atribuída por B3 a atividades fomentadoras da argumentação (Erduran e Jiménez-Aleixandre, 2008) é corroborada por Capecchi e Carvalho (2000), quando afirmam que o trabalho em grupo envolve dimensões importantes na formação dos estudantes, entre elas o aprendizado de uma convivência cooperativa com os colegas, o respeito às diferentes formas de pensar, o cuidado na avaliação de uma afirmação e a autoconfança para a defesa de pontos de vista. De fato, em todas as atividades propostas pelos bolsistas na ud, o trabalho em grupo e a discussão foram elementos enfatizados, o que leva a crer que eles compreendem o valor de interações desta natureza para a aprendizagem dos estudantes.
A produção dos modelos atômicos com materiais de baixo custo é vista por B4 como uma alternativa viável para a compreensão acerca das diferenças existentes entre cada uma das teorias envolvidas na proposição dos diferentes modelos.
[…] a questão também da produção de modelos, dos modelos atômicos, eu acho também muito interessante eles produzirem os modelos e ver a diferença de cada um. Usar bolinha de isopor, massa de modelar. (B4)
Proposta semelhante foi desenvolvida por Silva (2013) que teve como propósito auxiliar estudantes, do primeiro ano do Ensino Médio, na construção, visualização e aplicação dos conhecimentos que envolvem o estudo do átomo, em específico o modelo atômico de Bohr, com fatos do dia a dia. Para tanto, foram elaboradas e desenvolvidas diferentes atividades experimentais e de modelagem. Segundo a autora, os resultados demonstram que as diferentes intervenções desenvolvidas, seja através de atividades experimentais ou de modelagem, colaboraram para que os estudantes relacionassem os conceitos químicos aprendidos em sala de aula com diversos fenômenos do cotidiano. Além disso, auxiliaram para que eles, a partir de suas observações, discussões, interpretações e ideias formulassem suas próprias relações entre o macroscópico e o microscópico, utilizando símbolos e códigos da Química. A Figura 5 ilustra um trecho extraído da ud, que apresenta a metodologia proposta pelo o grupo para a produção dos modelos atômicos.
Atividades que favorecem a interação entre todos os estudantes, por meio de debates e compartilhamento de ideias, são fortemente incentivadas por B3, que citam o Júri Químico e o método Jigsaw como estratégias que favorecem a participação dos estudantes.
É a interação mesmo […] acho interessante fazer coisas em grupo, mas com momentos que todos interajam, debates, coisas que todos compartilhem e que os grupos também compartilhem as informações. (B3) […] uma das coisas que eu lembro que talvez se aproxime da interação é o Júri Químico, é algo que eles participam. O Jigsaw também, talvez possa encaixar. E pode pesquisar outro método, mas algo assim, ainda não sei bem específico, mas são coisas que todo mundo participa geralmente, tem um momento em que todos participam, no final, geralmente. (B3)
O método do Júri Químico foi apresentado por Oliveira e Soares (2005) como uma atividade lúdica aplicada com alunos de Ensino Médio, e que contou com a participação de professores de Química, Geografia, História e Português. A proposta consistiu em trabalhar conceitos químicos contextualizados através de um júri simulado em sala de aula, discutindose problemas ambientais ocorridos em uma situação fictícia. Por outro lado, o método de aprendizagem cooperativa Jigsaw (Aronson e Patnoe, 1997) baseia-se na perspectiva motivacional. O método envolve alunos em pequenos grupos de estudo. Na sequência o material acadêmico é dividido em pequenas partes e cada membro do grupo é designado a estudar apenas uma parte. Os alunos de grupos originais diferentes, mas que foram designados a estudar a mesma parte, discutem juntos o material. Depois da discussão, cada aluno retorna ao seu grupo de origem e compartilha sua parte para os outros membros. Espera-se que, no final, todos aprendam todo o conteúdo e o aprendizado dos alunos possa ser avaliado individualmente. Apesar de tais estratégias serem mencionadas pelos bolsistas na entrevista, estas não foram contempladas na produção da ud, supostamente por questões de tempo e viabilidade devida à quantidade de alunos presentes nas turmas.
O emprego de atividades de caráter investigativo é mencionado por B2, quando sugere a proposição de perguntas iniciais, que também serviriam de norte para o professor.
Acho que a gente pode iniciar colocando algumas perguntas e que no final do trabalho eles saibam responder. Eu quero chegar aqui, eu quero que esses alunos entendam pelo menos isso. […] São perguntas que eles têm que descobrir, investigar e conseguir colocar no final do trabalho. (B2)
A definição de ensino por investigação não é consensual entre os pesquisadores da área de Educação em Ciências e, conforme estudo realizado por Zompero e Laburú (2011), na literatura encontram-se diferentes conceituações para o ensino do tipo investigativo, tais como: ensino por descoberta; aprendizagem por projetos; questionamentos; resolução de problemas, dentre outras. Para os autores, a perspectiva do ensino com base na investigação possibilita o aprimoramento do raciocínio e das habilidades cognitivas dos alunos, e também a cooperação entre eles, além de possibilitar que compreendam a natureza do trabalho científico. Sá et al. (2007) exemplificam ainda algumas atividades que apresentam potencial para expressar o caráter investigativo, tais como: atividades práticas e teóricas, trabalho com banco de dados, avaliação de evidências e atividades de simulação. Nessa perspectiva, verificamos nas ações propostas pelos bolsistas indicativos sobre a sua intenção em promover ações de natureza investigativa, dentre elas: a atividade de simulação com a “caixa preta” e a elaboração dos modelos atômicos, com posterior explicação pelos estudantes. No entanto, não verificamos na UDs as questões iniciais mencionadas pelo grupo na entrevista, que deveriam ser respondidas pelos estudantes no final da aplicação da proposta.
Por fim, quando questionados sobre maneiras específicas para avaliar a compreensão ou a falta de compreensão dos alunos sobre o ensino do tema, algumas formas de avaliação foram mencionadas.
A combinação de diferentes atividades avaliativas é vista por B3 como fundamental para contemplar as diferentes habilidades dos estudantes e propiciar uma avaliação mais justa, uma vez que, em sua perspectiva, avaliar a todos por meio de um único instrumento poderá levar a conclusões equivocadas sobre a aprendizagem do estudante.
Se eu for fazer qualquer coisa, eu prefiro que seja falando. Só que tem uns alunos que preferem escrever. Então acho que a melhor forma, de que você consiga ter uma posição de todos os alunos é mesclar, ter alguma coisa que eles escrevam, ter alguma coisa que eles falem, porque aí você consegue ver. Tem aluno que não falou bem porque tem muita timidez, mas você pode identificar que ele soube escrever corretamente aquilo. (B3) Eu acho que todos têm que fazer tudo para estimular, mas eu acho que no final acaba sendo injusto você julgar só por uma das formas. (B3)
A prática da avaliação da aprendizagem é considerada complexa e tem sido motivo de inúmeras discussões no campo educacional. Segundo Cruz (2004) o ato de avaliar é também abrangente e compreende, além de conhecimentos, atitudes, habilidades e interações. Considerando ainda que os objetivos curriculares incluem o desenvolvimento de competências nos domínios dos conhecimentos, raciocínio, atitudes e comunicação, Correia e Freire (2010) apontam que os professores devem procurar formas diversificadas para a obtenção de elementos para a avaliação dos alunos, recorrendo, além dos testes escritos, ao desempenho oral, e procurar formas práticas e eficazes de registo desses dados, de forma a viabilizar de maneira objetiva a sua inclusão na avaliação somativa. Diante dessas colocações, consideramos pertinente a concepção de B3 quanto à necessidade de mesclar diferentes instrumentos avaliativos, como forma de propiciar uma avaliação mais fidedigna e justa.
De acordo com Villas Boas (2004) o Portfólio, sugerido por B4, é um procedimento de avaliação de natureza formativa e pode ser um importante aliado do professor.
Eu acho que o portfólio é uma boa maneira de avaliar. […] se for o portfólio, diminuir ao máximo a quantidade de pessoas paraproduzir, porque é complicado trabalhar com um grupo grande, porque você vai identificando logo no grupo quem fez o trabalho […]. Então em dupla ou trio, no máximo, para construção do portfólio. (B4)
Diferente de outros métodos avaliativos, o portfólio é construído pelo próprio aluno, observando os princípios de refle-xão, criatividade, parceria e autonomia, em torno das atividades realizadas no âmbito de uma disciplina ou curso. A sugestão de se trabalhar com grupos menores vem de experiências anteriores dos bolsistas com atividades envolvendo grupos maiores, quando nem todos manifestaram o mesmo nível de envolvimento (Villas Boas, 2004).
Promover a discussão de ideias durante todo o processo é também uma forma avaliativa que, na perspectiva de B2, permite evidenciar a aprendizagem de forma não pontual, como ocorre na apresentação de um seminário ou atividade similar.
Também acho que tem que ter muita discussão. Mas às vezes a discussão a gente pode fazer durante o processo, não precisa ter um dia, uma apresentação. Sempre avaliar, sempre pontuar de alguma forma, porque de qualquer forma tem que dá uma nota durante o processo. (B2)
A avaliação processual, sugerida pelo grupo, e realizada de maneira informal, é vista por Villas Boas (2004) como uma grande aliada do aluno e do professor, se for empregada adequadamente, de forma não punitiva, e cruzada com a avaliação formal (ex.: provas e exames previamente programados), também importante no processo, compondo assim a compreensão do professor sobre o desenvolvimento de cada aluno. Dessa maneira, entendemos que a prática da avaliação por meio das discussões ocorridas durante o processo, como sugerida pelo grupo, é uma manifestação do pck que sinaliza para adequada compreensão acerca do papel da avaliação na aprendizagem do conteúdo pelos estudantes.
Avaliar por meio de atividades escritas também é visto como uma forma eficiente de verificar a ocorrência de aprendizagem pelos estudantes acerca da temática e promover melhorias na habilidade da escrita.
[…] passar mais atividades escritas pra eles fazerem, pra gente perceber nas atividades. (B4) […] algo mais livre, aberto, mas que ele escreva pelo menos generalizado algo que ele entendeu, e que fosse individual. Até porque independente de o aluno ser bom ou não, você tem que estimular essas coisas também. Os alunos não sabem escrever, não conseguem, e eles precisam. (B3)
Dificuldades relacionadas à prática da escrita de estudantes, incluindo os universitários (Queiroz, 2001), têm sido frequentes em trabalhos reportados na literatura e são mencionadas por B3, quando sinaliza para a pouca habilidade de escrita dos alunos do Ensino Médio. Ele propõe que sejam oferecidas oportunidades para que o aluno exponha livremente suas ideias, e de forma individual, de modo a estimular essa habilidade, e que essas tarefas façam parte do processo avaliativo.
A avaliação formal, por meio das tradicionais provas, é mencionada por B1 como uma forma de avaliar necessária e obrigatória na escola. Apesar da obrigatoriedade, B3 ressalta que há formas de driblar o sistema avaliativo, inserindo outros instrumentos que permitam também aferir a aprendizagem dos alunos.
Eu acho que a avaliação é a parte mais complicada porque nessa escola tem aquela questão de ser obrigado fazer as avaliações bimestrais. Tem um modelo específico que o professor tem que seguir. (B1) Tem a prova, mas mesmo quando é obrigatória a prova, na parte da sala de aula tem uma pontuação que o professor pode distribuir como quiser. (B3)
A prova, instrumento avaliativo ainda predominante nas escolas da Educação Básica, é mencionada por B1 como uma ação imposta pela escola, que dificulta o processo avaliativo. Em contrapartida, também é mencionada a possiblidade de recorrer a alternativas que façam parte da avaliação, resultando também daí a nota atribuída ao estudante, uma vez que uma nota, conceito ou menção é exigência da escola, e caracteriza a denominada avaliação formal (Villas Boas, 2004).
No que diz respeito às ações avaliativas mencionadas pelos bolsistas, na ud verificamos que tarefas escritas e apresentações orais foram frequentes nas atividades propostas, no entanto não há menção à avaliação com base nestas ações. Apenas uma atividade consta no tópico avaliação, que consiste no emprego de um questionário com algumas questões, conforme ilustra a Figura 6.
Podemos considerar que as perguntas propostas para avaliação envolvem alguns aspectos do pck identificados nas respostas do grupo. A questão 3, por exemplo, parece tentar verificar a ocorrência, ou não, de concepções equivocadas sobre a ciência pelos estudantes, ideia bastante frequente em suas colocações. Nas questões 4, 5 e 6 é solicitado que os alunos argumentem sobre a importância e complexidade de determinados modelos atômicos, comparando-os com os demais, exigindo, desta maneira, a análise e a argumentação acerca da resposta. E na questão 7, se verifica uma questão de caráter mais geral, relacionada à aplicação da Química no cotidiano do estudante.
Considerações finaisDiante da análise das respostas apresentadas pelos estudantes para as oito questões do CoRe e da ud produzida é possível fazer algumas considerações pertinentes acerca do pck manifestado pelos bolsistas para o ensino acerca da “Nature-za da Matéria”. De acordo com Loughran, Mulhall e Berry (2004) um CoRe derivado de um grupo de professores de ciências não deve ser visto como estático ou como a única/melhor/correta representação de um conteúdo. Trata-se de uma generalização necessária, mas incompleta que resulta de um grupo particular de professores, em um momento particular. Dessa maneira, o CoRe dos bolsistas de id, evidenciado a partir dos elementos analisados, é passível de mudanças ao longo de sua formação, inicial e continuada.
Verificamos que os bolsistas têm objetivos claros para o ensino deste conteúdo, tanto como requisitos para outros assuntos a serem estudados o Ensino Médio, como para o entendimento sobre o modo como a ciência é construída (Natureza da Ciência) considerando à sua história e linguagem, entre outras questões.
É interessante perceber que mesmo apresentando ideias adequadas no que diz respeito ao ensino do tema “Natureza da Matéria”, na elaboração da ud, muitas destas não foram contempladas (ex.: alguns instrumentos avaliativos como o portfólio e estratégias de ensino como o Jigsaw e o Júri Químico). Algumas das possíveis razões para que as ideias iniciais do grupo não tenham sido evidenciadas na ud podem ser atribuídas: ao tempo que teriam para a aplicação da ud na escola; e às características da turma em que a mesma seria aplicada, no que diz respeito à quantidade de alunos e ao turno, já que no período noturno o tempo das aulas é consideravelmente menor.
A aprendizagem do conteúdo foi um objetivo fortemente evidenciado nas respostas dos alunos e também na elaboração da ud. No entanto, a compreensão acerca da construção do conhecimento científico, da história da ciência, do papel dos modelos científicos, foram aspectos aparentemente considerados mais importantes pelos bolsistas de id no ensino deste tema. Isso pode ser corroborado em suas respostas, nos vídeos selecionados e nas atividades propostas.
As dificuldades mais significativas para o ensino do tema, na percepção dos bolsistas, se relacionam à abordagem microscópica, que exige do aluno grande capacidade de abstração; às concepções equivocadas acerca da construção do conhecimento científico; às concepções alternativas; e à falta de interesse/curiosidade por assuntos relacionados à ciência. Estes fatores são obstáculos que tornam mais complexo o trabalho do professor em fazer compreensível o assunto pelos alunos.
No que tange à avaliação, uma gama de instrumentos foi sugerida como forma de contemplar as diferentes habilidades dos estudantes e tornar a avaliação um procedimento mais fidedigno e justo. Dentre as ações avaliativas propostas pelos estudantes durante a entrevista se destacam o uso do portfólio e atividades capazes de estimular a expressão oral, a discussão de ideias e o trabalho em grupo.
A partir dos dados apresentados neste estudo acreditamos que o Conhecimento Pedagógico do Conteúdo dos bolsistas acerca do tema em questão é adequado, se considerarmos que estes ainda encontram-se em processo de formação inicial. As ações propostas pelo pibid que, dentre outros aspectos, propicia a inserção dos estudantes na realidade da escola, a participação nos planejamentos e atividades realizadas pela professora regente e nas discussões destas ações à luz da literatura da área, são possíveis razões para que essas manifestações do pck sejam evidentes nas concepções dos futuros professores.
AgradecimentosAgradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (capes) pela bolsa concedida para estudos de pós-doutorado (Processo 1806-11-2).
Lee S. Shulman é psicólogo educacional com importantes contribuições na área de formação de professores. Passou a vida profissional defendendo a importância do ensino em todos os níveis de escolaridade, desde a pré-escola até a pós-graduação. É mais conhecido por seu trabalho sobre a base de conhecimento, incluindo a construção de Conhecimento Pedagógico do Conteúdo (pck).