Em doentes com hemorragia digestiva, e na ausência de alterações na endoscopia digestiva alta e na colonoscopia, há indicação para o estudo do intestino delgado com enteroscopia por videocápsula1. Os autores descrevem um caso clínico em que a realização da videocápsula endoscópica revelou um achado particular.
Doente de 51 anos, sexo feminino, natural e residente em Portugal, trabalhadora rural, com queixas de dor epigástrica, melenas e astenia com 3 semanas de evolução, sem outra sintomatologia, culminando com um episódio de lipotimia que motivou a admissão hospitalar. Trata‐se de uma doente sem história de viagens ao estrangeiro e residente em habitação com boas condições sanitárias. Laboratorialmente apresentava anemia ferropénica (Hb 5,7g/dl, VGM 78fl, fórmula leucocitária normal, ferro sérico 22μg/dl e ferritina 12ng/ml), sem outras alterações. Após suporte transfusional realizou endoscopia digestiva alta e colonoscopia que não revelaram alterações. A enteroscopia por videocápsula identificou no íleo vários parasitas filiformes com cerca de 6mm, ancorados à mucosa e com conteúdo hemático no seu interior – fig. 1, compatíveis com ancilostomíase. Foi iniciada terapêutica anti‐helmíntica, após o que se verificou o aumento progressivo e normalização do valor da hemoglobina e resolução dos sintomas iniciais.
A ancilostomíase afeta milhões de pessoas em todo o mundo e é reconhecida como um importante problema de saúde pública, em especial nos países em vias de desenvolvimento2. É causada maioritariamente por 2 agentes: Ancylostoma duodenale (A. duodenale) e Necator americanus (N. americanus). Embora existam algumas diferenças entre estes agentes, o diagnóstico diferencial baseado nas características morfológicas pode ser difícil. Contudo, o A. duodenale é o único nemátodo na Europa Mediterrânica3 pelo que na ausência de viagens para áreas endémicas para o N. americanus assumimos infestação pelo primeiro. Após alcançarem o tubo digestivo, os parasitas adultos fixam‐se à mucosa do intestino através das suas peças dentárias, ingerindo sangue a uma velocidade de 0,01‐0,3ml/dia, sendo que a ocorrência de hemorragia digestiva é facilitada pela capacidade de segregação de substâncias anticoagulantes e inibidores da agregação plaquetária4. Dependendo da carga parasitária, da duração da infeção e das reservas inicias de ferro do hospedeiro, as manifestações clínicas são variadas e vão desde a infeção assintomática até às perdas sanguíneas crónicas com anemia grave. O seu diagnóstico é, habitualmente, efetuado com exame parasitológico das fezes, verificando‐se falsos negativos em cerca de 40% dos casos5. Com o presente caso, os autores chamam a atenção para o facto da infeção por A. duodenale poder ser equacionada em doentes com hemorragia digestiva, mesmo em áreas não endémicas.
Responsabilidade éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.