Identificar o papel do aborto induzido no comportamento reprodutivo de jovens da favela México 70 comparado com resultados obtidos em inquérito anterior na favela Inajar de Souza, 2007.
MétodoO presente inquérito foi delineado de sorte a entrevistar todos os jovens de 15 a 24 anos residentes na Favela México 70, em São Vicente (SP). A maioria dos jovens (94%) aceitou responder ao questionário. Foram entrevistadas 455 mulheres e 339 homens. Dentre esses, haviam iniciado a vida sexual 327 e 253, respectivamente. A análise, em um primeiro momento, refere‐se ao total de entrevistados e, posteriormente, apenas àqueles com vida sexual ativa. Na determinação do comportamento diferencial, por sexo, recorreu‐se ao teste qui‐quadrado no caso de variáveis qualitativas e ao teste t de Student para as quantitativas. Fixou‐se um p<=0,05.
ResultadosTendo‐se como ponto de referência outro inquérito feito, nos mesmos moldes metodológicos, na favela Inajar de Souza em 2007, os achados mais relevantes, entre outros importantes, foram o da baixa prevalência de mulheres com aborto induzido e uma alta taxa de recorrência à contracepção de emergência.
ConclusãoÉ imprescindível que se desenvolvam estudos que aprofundem o conhecimento dos efeitos advindos da automedicação de contraceptivos, incluindo o contraceptivo de emergência, mesmo que esses contribuam para a redução de abortos induzidos.
Identify the role of induced abortion on reproductive behavior of young slum Mexico 70 compared to results obtained in previous investigation in the slum Inajar de Souza, 2007.
MethodThis survey was designed to interview all young people 15‐24 years old, living in the slum Mexico 70, in the municipality of São Vicente in Sao Paulo. The vast majority of young people (94%) agreed to answer the questionnaire. Altogether they were interviewed 455 women and 339 men. Among them, they had started sex life 327 and 253, respectively. The analysis, at first, refers to the total number of interviewees and then only to those with an active sexual life. In determining the differential behavior by sex, appealed to the chi‐square test for qualitative variables and the Student t test for quantitative. Has set itself a p<=0.05.
ResultsHaving as reference another survey in the same methodological manner in Inajar slum Souza in 2007, among other important, the most important findings, were the low prevalence of women with induced abortion and a high rate of recurrence of emergency contraception.
ConclusionIt is essential to develop studies to deepen knowledge of the effects arising from the self‐medication of contraceptives, including emergency contraception, even if these contribute to the reduction of induced abortions.
Abortamento é o processo que interrompe a gravidez e aborto o produto da concepção eliminado. No entanto, é usual a referência aos dois, processo e produto, como aborto. O aborto induzido, alvo deste artigo, é aquele provocado de forma intencional pela própria mulher (autoprovocado) ou por outra pessoa, profissional ou leiga, antes da 20ª semana de gestação.1
Os métodos empregados na indução de um aborto não são, na maioria dos casos, devidamente prescritos por médico ou outro profissional habilitado. O misoprostol, substância ativa de medicamentos usados para o tratamento de úlcera, também tem propriedades abortivas e vem sendo usado com muita frequência, sozinho ou com outros métodos caseiros, exatamente para esse fim. Esse medicamento tem a vantagem de minimizar as complicações decorrentes de um aborto induzido, se usado corretamente, e pode ser obtido com certa facilidade em drogarias, apesar de sua venda ser restrita.
No Brasil, a maioria dos abortos induzidos é feita clandestinamente, em condições inadequadas, o que acarreta risco à vida das mulheres. Quando o aborto é induzido em clínicas clandestinas, a mulher pode sofrer complicações pós‐aborto ou mesmo sequelas em longo prazo. Por outro lado, quando o aborto é feito por pessoa qualificada, em local adequado, como um centro obstétrico ou cirúrgico, torna‐se um dos procedimentos médicos mais seguros.2 No entanto, somente mulheres com maior poder aquisitivo têm acesso a esse procedimento, além das mulheres vítimas de violência sexual atendidas nos serviços de abortamento legal.
No Brasil, a legislação vigente, Código Penal de 1940, permite a interrupção voluntária da gravidez somente em duas situações: I) se não há outro meio de salvar a vida da gestante, e II) se a gravidez resulta de estupro.3 Além disso, em 2012 foi julgada procedente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a ação que permite a interrupção de gravidez de fetos anencéfalos, também chamada antecipação terapêutica do parto.4 Em todas as demais circunstâncias, a prática abortiva é criminalizada e severamente punida.
É de conhecimento público que tramitam atualmente no país projetos de lei que versam sobre a matéria com os teores mais díspares, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado. Há os que pretendem transformar o aborto em crime hediondo, os que solicitam ampliação dos casos de aborto legal para neles incluir a malformação fetal e os abortos eugênicos e ainda os que buscam a total descriminação do aborto. Grosso modo, tem‐se a nítida idéia de que, embora seja o Brasil um Estado laico, a ideologia cristã constitui‐se no mais poderoso entrave à legalização do aborto provocado.
A maior parte das pessoas que advogam em defesa da legalização do aborto não busca a descriminação sem critérios, nem sua banalização ou tampouco a obrigatoriedade de fazê‐lo. Ao contrário, buscam apenas a garantia de atendimento gratuito e seguro a quem opta pela indução de um aborto, considerando que uma legislação restritiva não coíbe a prática do aborto induzido, apenas ocasiona um aumento de danos oriundos de uma prática clandestina. Melhor seria, portanto, que os estabelecimentos públicos de saúde e as clínicas particulares fossem autorizados a fazer o abortamento sem o risco de infringir o Código Penal.
O aborto descriminado não seria feito, seguramente, de qualquer maneira e a qualquer tempo. Estabelecer‐se‐iam algumas exigências. O aborto não seria praticado aleatoriamente, mas em obediência a critérios definidos, como ocorre nos casos já previstos por lei, e com acompanhamento de equipe multidisciplinar composta por médicos, psicólogos, assistentes sociais e outros, em suas diversas etapas.
O aborto provocado inseguro, ou clandestino, desde a Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (CIPD), no Cairo, em 1994, é reconhecido como um grave problema de saúde pública.5 Em adição, na Conferência Mundial sobre a Mulher, em Pequim, 1995, foi recomendado explicitamente que os países revisassem as leis que contêm medidas punitivas contra as mulheres que se submeterem a abortamentos ilegais.6 O aborto induzido clandestinamente, no entanto, segue como um desafio a exigir medidas urgentes que passam, inevitavelmente, por sua descriminação.7
Como consequência do caráter ilegal do aborto induzido, sua mensuração por meio de entrevistas domiciliares é fortemente permeada por omissões. Ora o aborto é deliberadamente omitido, ora é referido como espontâneo. Silva, por exemplo, estimou que essa omissão é de 80%.8,9 Pelos dados obtidos por Olinto e Moreira Filho (2004),10 por outra lado, haveria uma omissão de 65%.
A despeito dessa enorme omissão, as pesquisas domiciliares constituem‐se ainda no mecanismo mais indicado para o estudo da prevalência e das características sociodemográficas das mulheres que se submetem ao aborto provocado. Com esse objetivo, as autoras deste artigo dedicam‐se, desde meados da década de 1980, a fazer inquéritos populacionais em São Paulo, particularmente na Região Metropolitana, com o apoio financeiro do CNPq.
Conta‐se até o momento com oito inquéritos destinados a entrevistar mulheres em idade fértil e dois voltados para jovens de ambos os sexos residentes em favelas. Apenas o mais recente deles foi feito fora da Região Metropolitana. Da análise conjunta dos inquéritos feitos com mulheres em idade fértil, destacam‐se os seguintes achados por períodos de tempo.11
De 1987 a 2000, o aborto provocado teve papel de destaque na queda da fecundidade paulistana, sobretudo entre as mulheres jovens com maior poder aquisitivo. As mulheres das demais faixas etárias, com poder aquisitivo médio, rapidamente adotaram a prática de esterilização cirúrgica. Nesse contexto, o aborto provocado apareceu com grande robustez como meio de controle da natalidade, com o intuito de protelar a maternidade, e a esterilização feminina como a fórmula mágica para garantir que a prole fosse mantida dentro do limite desejado. Assim foi que as mulheres mais favorecidas economicamente iniciaram o processo da queda da fecundidade.
Entre 2000 e 2008, a taxa de fertilidade da mulher paulistana, independentemente de seu padrão socioeconômico, atingiu patamares abaixo do nível de reposição populacional de 2,1. À exceção das mulheres com renda inferior a meio salário mínimo, foi apontada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (FSEADE) uma média de dois filhos por mulher no fim dos anos 2000.12 Em São Paulo, em 2002, a taxa de fecundidade foi de 1,88 filho por mulher e chegou a 1,7 em 2012.13
Concomitantemente à queda de fecundidade, nossos inquéritos evidenciaram uma acentuada redução da prevalência de aborto provocado, nesses 25 anos, tanto na classe média alta como na classe de renda intermediária. Dentre essas classes sociais, as porcentagens de mulheres com aborto induzido declarado deixaram de estar em patamares que chegavam a 15% e alcançaram patamares inferiores a 5%.
Essa queda ocorreu em função da maior disponibilidade de métodos contraceptivos e/ou da maior facilidade de acesso à esterilização feminina e masculina, garantida por lei. Diversos autores destacaram, por exemplo, a diversidade de opções de produtos farmacêuticos oferecidos para contracepção e dão ênfase à introdução do contraceptivo de emergência, considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2005, método contraceptivo “elegível”.14
Assim, uma melhor distribuição de métodos contraceptivos, aliada a mais campanhas informativas sobre cuidados com a saúde reprodutiva, levou a uma menor recorrência ao aborto provocado, particularmente em populações fora da situação de pobreza.
Entre as mulheres com renda baixa, contudo, a redução na prevalência de aborto provocado foi menos perceptível. Um dos oito inquéritos com mulheres em idade fértil, feito em uma favela em 2005, revelou que a prevalência de aborto induzido ainda girava em torno de 13%, mais acentuada entre mulheres negras, com escolaridade baixa e de baixa renda. Foi observado que a adesão ao uso de contraceptivos apresentava‐se bem abaixo do esperado, considerando‐se que o preservative já era distribuído gratuitamente. O aborto provocado aparece ainda entre essas mulheres, em pleno século XXI, como um forte mecanismo de regulação da fecundidade.15
Um estudo feito em meados da década de 1980 em sete favelas da área metropolitana do Rio de Janeiro revelou que 17% das mulheres declararam ter provocado algum aborto. Ou seja, as mulheres em situação de pobreza, com pouco acesso a métodos contraceptivos e/ou menor nível de informação sobre saúde reprodutiva, a essa época recorriam ao aborto induzido no afã de reduzir a fecundidade.16 Poder‐se‐ia concluir que, em 20 anos, tivesse havido pouca ou quase nenhuma melhoria nas condições de saúde sexual e reprodutiva das mulheres pobres, que permaneciam com poucas opções de métodos contraceptivos e com alta recorrência ao aborto induzido.
Esse achado, aliado à recomendação contida no Plano de Ação da CIPD, 1994, direcionou‐nos a fazer o nono inquérito entre jovens em situação de pobreza de ambos os sexos, o que indica a necessidade de que seja dada maior atenção ao papel desempenhado pelos homens, sobretudo adolescentes, em relação às questões sexuais e reprodutivas, desde que o ato sexual, bem como a ocorrência de uma gestação, ou a responsabilidade de evitá‐la, são produtos de dois atores.5
Nesse nono inquérito, feito na favela Inajar de Souza, na Zona Norte da cidade de São Paulo, em 2007, pôde‐se observar que o comportamento do aborto induzido não foi estatisticamente diferente por sexo: 6,1% das mulheres entre 15 e 24 anos, com vida sexual ativa, declararam ter provocado algum aborto e 10,8% dos homens jovens relataram o aborto provocado por alguma parceira. Em geral, 8,5% dos jovens com vida sexual iniciada haviam passado por essa experiência.11
Por outro lado, o nono inquérito revelou um elevado índice do uso de métodos contraceptivos entre jovens com vida sexual ativa, particularmente entre os homens. Apesar disso, cerca de 40% das mulheres e 10% dos homens já haviam iniciado a vida reprodutiva, um terço deles não havia planejado engravidar naquele momento, o que ocorreu, segundo os relatos, por falha do método contraceptivo, particularmente o rompimento do preservativo.11
Com base nesses resultados, pareceu‐nos importante reproduzir o estudo com jovens em situação de pobreza em uma favela de maior porte. Fizemos, então, o décimo inquérito domiciliar nos mesmos moldes do inquérito precedente, em uma favela com um número maior de moradores e mais afastada da grande metrópole. Apresentaremos os dados preliminares desse décimo inquérito, remetendo‐os aos achados do nono inquérito populacional, com vistas a ampliar o conhecimento sobre a prevalência e as características do aborto provocado entre jovens em situação de pobreza. O objetivo deste estudo é identificar o papel do aborto induzido no comportamento reprodutivo de jovens da favela México 70, analisado à luz da comparação com os resultados obtidos em inquérito anterior, na favela Inajar de Souza, 2007.
MétodoTrata‐se de um estudo transversal feito na favela México 70, no extremo sudoeste da ilha de São Vicente, na Baixada Santista (SP), cuja população é classificada como de índice de vulnerabilidade social muito alto.17
Todos os jovens residentes na favela México 70 foram abordados por nossa equipe de entrevistadores em seus domicílios entre julho e agosto de 2013 e convidados a responder a um questionário com cerca de 30 perguntas. A maioria aceitou participar (94%) e assinou o termo de consentimento livre e esclarecido. Foram entrevistados 455 mulheres e 339 homens (794 pessoas). A recusa em participar não apresentou diferença significativa quanto ao sexo. Os entrevistadores foram devidamente treinados e participaram do processo de pré‐teste.
Um procedimento análogo e perda similar foram anotados, em 2007, na favela Inajar de Souza, na Zona Norte da cidade de São Paulo, cuja população apresenta índice de vulnerabilidade social semelhante.17 Nessa ocasião, foram entrevistadas 134 mulheres e 122 homens (256 jovens).
Do questionário, similar ao do inquérito da favela Inajar de Souza, constaram informações sobre características sociodemográficas e perguntas sobre hábitos e comportamentos adotados na condução da saúde sexual e reprodutiva, assim como sobre a participação do(a) companheiro(a) nas referidas condutas.
Num primeiro momento, na pesquisa da favela México 70, todos os entrevistados são considerados para o delineamento do perfil sociodemográfico dos jovens. Num segundo momento, para melhor entendimento de seu comportamento reprodutivo, apenas os jovens com vida sexual iniciada são contemplados na análise. Isso garante uma maior precisão nos resultados, uma vez que somente esses são passíveis de engravidar, induzir um aborto e usar métodos contraceptivos. Nesse momento da análise, são considerados 327 mulheres e 253 homens.
Para a detecção de comportamentos diferenciais por gênero foi empregado o teste qui‐quadrado no caso de as variáveis em análise serem categóricas e o teste t de Student no caso de as variáveis serem contínuas. Em todos os casos, foi fixado um erro máximo de 5% (p≤0,05) para a rejeição da hipótese de igualdade de proporção/média entre os sexos. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp, sob o CAAE 15297013‐6‐000.
ResultadosForam entrevistados 455 jovens do sexo feminino e 339 do masculino, de 15 a 24 anos, na favela México 70. Destaca‐se, inicialmente, o desequilíbrio na proporção de homens e de mulheres jovens residentes na favela. Dos 794 entrevistados, 57% (455) são do sexo feminino e 43% (339) do masculino (tabela 1). Entre os jovens moradores da favela Inajar, essas proporções foram mais próximas, de 52% e 48%, respectivamente.
Distribuição dos jovens entrevistados, por sexo, segundo variáveis selecionadas. Favela México 70, Município de São Vicente, São Paulo, 2013
Variáveis selecionadas | Mulheres | Homens | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|
n. abs. | % | n. abs. | % | n. abs. | % | |
455 | 100,0 | 339 | 100,0 | 794 | 100,0 | |
Vida sexual | ||||||
Sim | 327 | 71,9 | 253 | 74,6 | 580 | 73,0 |
Não | 128 | 28,1 | 86 | 25,4 | 214 | 27,0 |
Cor brancaa | ||||||
Sim | 182 | 40,0 | 108 | 31,8 | 290 | 36,5 |
Não | 273 | 60,0 | 231 | 68,2 | 504 | 63,5 |
Grau de instruçãoa | ||||||
Menos de sete anos | 68 | 25,0 | 73 | 21,5 | 141 | 17,8 |
Oito ou mais anos | 387 | 85,0 | 266 | 78,5 | 653 | 82,2 |
Trabalhaa | ||||||
Sim | 129 | 28,2 | 173 | 51,0 | 302 | 38,0 |
Não | 326 | 71,8 | 166 | 49,0 | 492 | 62,0 |
Com aborto provocadoa | ||||||
Sim | 4 | 0,87 | 7 | 2,1 | 11 | 1,4 |
Não | 164 | 100,0 | 23 | 97,9 | 187 | 98,6 |
Uso de contraceptivo atual | ||||||
Sim | 243 | 53,4 | 196 | 57,8 | 339 | 55,3 |
Não | 212 | 46,7 | 143 | 42,2 | 355 | 44,7 |
Nota‐se pela mesma tabela 1 diferença estatística por gênero em todas as variáveis, com exceção de “vida sexual, sim ou não”. Deve‐se ressaltar o fato não usual de haver um comportamento similar entre os gêneros quanto à iniciação sexual. Das 455 mulheres entrevistadas, 71,9% já haviam iniciado vida sexual e, entre os 339 homens, 74,6%. Essa similaridade de comportamento é atípica, pois, em geral, os jovens do sexo masculino iniciam a atividade sexual mais precocemente, o que gera maior proporção de indivíduos sexualmente ativos. Deveras, na favela Inajar, a proporção de homens jovens sexualmente ativos foi de 83,6% enquanto a de mulheres foi de 73,8%.
Em relação à variável cor, há maior proporção de mulheres (40%) do que de homens (31,8%) que se autodeclaram de cor branca. Na favela Inajar, essa variável não apresentava significância estatística por gênero, a proporção de jovens brancos foi de 39%. Apresenta‐se, portanto, uma maior porcentagem de homens de etnia negra (pretos e pardos) na favela México 70.
Quanto ao grau de instrução, há uma maior proporção de mulheres (85%) do que de homens (78,5%) com oito ou mais anos de estudos. Na favela Inajar, as mulheres também apresentaram maior nível de instrução do que os homens, mas em proporções menos elevadas: 70,7% e 66,7%, respectivamente. Portanto, são os jovens da favela México 70 mais escolarizados do que os da favela Inajar.
Quanto a estar ou não trabalhando no momento da entrevista, há um nítido predomínio de homens que exercem alguma tarefa remunerada (51%) frente a 28,2% das mulheres. Na favela Inajar, esse predomínio também se fazia visível, mas com proporções diferentes, de 47,1% e 28,3%.
A variável “aborto induzido ou provocado”, de interesse central para a pesquisa, e a variável “uso de métodos contraceptivos” também se apresentam com diferença estatística por gênero. Apenas quatro mulheres (0,9%) e sete homens (2,1%) declararam algum aborto provocado. Na favela Inajar as porcentagens de aborto provocado foram de 6,1% entre as mulheres e de 10,8% entre os homens.
Para “uso de métodos contraceptivos no momento da entrevista”, a proporção é mais elevada entre os homens do que entre as mulheres, 57,8% e 53,4%, respectivamente. Esse mesmo padrão foi observado na favela Inajar, com 83,3% de usuários do sexo masculino e 61,6% do sexo feminino. Contudo, a maioria de jovens do sexo masculino refere o uso de preservativo, o que ocasionado essa discrepância na maioria das pesquisas. Note‐se que uma menor proporção de usuários de contraceptivos geralmente encontra‐se associada a uma maior recorrência ao aborto induzido, particularmente num cenário de queda da fecundidade.
Na tabela 2 são apresentadas as médias e os respectivos desvios‐padrão de algumas variáveis selecionadas, segundo o sexo do entrevistado. Quanto ao número de moradores por domicílio, indicador, mesmo que precário, da condição econômica da população, não há diferença estatisticamente significativa entre os sexos. Em média, cada domicílio abriga 4,51 (± 2,06) moradores, número equivalente ao encontrado na favela Inajar. Portanto, não há indícios de que uma favela seja mais favorecida economicamente do que a outra.
Médias e desvios padrão de variáveis selecionadas para os jovens entrevistados, segundo sexo. Favela México 70, Município de São Vicente, São Paulo, 2013
Variáveis selecionadas | Sexo | Média | Desvio‐padrão | Mínimo | Máximo |
---|---|---|---|---|---|
Número de pessoas na casa | Homens | 4,31 | 1,75 | 1 | 10 |
Mulheres | 4,71 | 2,32 | 2 | 11 | |
Total | 4,51 | 2,06 | 1 | 13 | |
Idade na entrevista | Homens | 18,67 | 2,91 | 15 | 24 |
Mulheres | 18,76 | 3,01 | 15 | 24 | |
Total | 18,72 | 3,03 | 14 | 24 | |
Idade na 1ª relação sexuala | Homens | 14,74 | 1,89 | 10 | 22 |
Mulheres | 15,22 | 1,82 | 11 | 21 | |
Total | 14,44 | 1,72 | 10 | 22 | |
Número de gestaçõesa | Homens | 0,12 | 0,08 | 0 | 2 |
Mulheres | 0,58 | 0,45 | 0 | 5 | |
Total | 0,38 | 0,34 | 0 | 5 | |
Número de gestações entre Jovens com vida sexuala | Homens | 0,16 | 0,10 | 0 | 2 |
Mulheres | 0,81 | 0,37 | 0 | 5 | |
Total | 0,38 | 0,31 | 0 | 5 |
A idade no momento da entrevista também não apresenta diferencial por sexo. Em média os jovens têm 18,7 anos (± 3,02). Na favela Inajar, tampouco homens e mulheres entrevistados diferiram com respeito à idade e tinham, à época, em média 19,8 anos (± 2,75). Na favela México 70, portanto, essa média é ligeiramente menor do que na Inajar de Souza e justifica, parcialmente, a maior proporção de jovens com vida sexual.
A idade da primeira relação sexual entre os entrevistados foi de 15,2 (±1,89) anos entre as mulheres e de 14,7 (± 1,82) anos entre os homens. Na favela México 70, portanto, as mulheres iniciam sua vida sexual, em média, apenas seis meses antes que os homens. Na favela Inajar, a idade média à primeira relação sexual apresentou‐se cerca de um ano maior entre mulheres, 15,08 (± 1,86) do que entre os homens, com média de 14,6 (± 1,72).
O número médio de gestações é bem mais elevado entre as mulheres, 0,58 (± 0,45), do que o referido pelos homens em relação a suas companheiras, 0,12 (± 0,08). Esses numerous são menores do que os observados na favela Inajar, respectivamente 0,92 (± 1,05) e 0,41 (± 0,74). Dado que a quase totalidade das gestações resulta em nascimentos vivos, esses dados refletem queda substantiva da fecundidade de mulheres em situação de pobreza num curto período. O fato de essa queda ter ocorrido a despeito de uma menor recorrência ao aborto provocado, além de tal queda estar associada a uma baixa proporção de usuários de métodos contraceptivos no momento da entrevista, torna‐se instigante.
Ao se analisarem somente os jovens com vida sexual iniciada (tabela 3), se constata que as 139 mulheres com alguma gestação representam 42,5% desse conjunto de mulheres. Entre os homens cuja companheira engravidou, a proporção é de somente 17,4%. Dentre as 139 mulheres com gestação, 80,6% não planejaram a primeira gestação e 86,3% não fizeram uso de contraceptivos antes da primeira gravidez. A maioria dos homens não soube ou não quis responder a essa questão.
Distribuição dos jovens com vida sexual iniciada, por sexo, segundo variáveis selecionadas. Favela México 70, Município de São Vicente, São Paulo, 2013
Variáveis selecionadas | Mulheres | Homens | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|
n. abs. | % | n. abs. | % | n. abs. | % | |
327 | 100,0 | 253 | 100,0 | 580 | 100,0 | |
Parceiro fixoa | ||||||
Sim | 261 | 79,8 | 144 | 56,9 | 405 | 69,8 |
Não | 66 | 20,2 | 109 | 43,1 | 175 | 30,2 |
Casadoa | ||||||
Sim | 168 | 51,3 | 30 | 11,9 | 198 | 34,1 |
Não | 159 | 48,6 | 223 | 88,1 | 382 | 65,9 |
Engravidoua | ||||||
Simb | 139 | 42,5 | 44 | 17,4 | 183 | 31,6 |
Não | 188 | 57,5 | 209 | 82,6 | 397 | 68,4 |
Com aborto provocado | ||||||
Sim | 4 | 1,2 | 7 | 2,8 | 11 | 1,9 |
Não | 323 | 98,8 | 246 | 97,2 | 569 | 98,1 |
Uso de contraceptivo atual | ||||||
Sim | 243 | 74,3 | 196 | 77,5 | 439 | 75,7 |
Não | 84 | 25,7 | 57 | 22,5 | 141 | 24,3 |
Usou pílula do dia seguinte | ||||||
Sim | 229 | 70,0 | 92 | 36,4 | 321 | 55,3 |
Não | 98 | 30,0 | 161 | 63,6 | 259 | 44,7 |
Para o caso específico da primeira gestação, o instrumento de pesquisa buscou indagar o fato de ter sido ou não planejada, bem como se o entrevistado fazia uso de algum método contraceptivo antes de sua ocorrência. Vinte e quatro dos 30 homens que declararam ter engravidado alguma companheira, porém, não souberam ou não quiseram responder a essa indagação. Assim, foi possível contar apenas com as respostas fornecidas pelas mulheres.
Das 139 mulheres com alguma gestação, 86,3% não fizeram uso de qualquer método contraceptivo antes da primeira gestação e 80,5% declararam não ter planejado a gestação. Na favela Inajar, a proporção de mulheres não usuárias de contraceptivos antes da primeira gestação foi menos elevada (70,7%) e a proporção de gestações não planejadas foi inferior (44,4%). Apesar de engravidar menos, as jovens da favela México 70 se defrontam com uma elevada proporção de gestações não planejadas ou as referem mais. Portanto, o ideal de fecundidade baixa é mais perceptível na favela México 70.
Com base na tabela 3, verifica‐se que entre os jovens sexualmente ativos 79,8% das mulheres tinham um parceiro fixo no momento da entrevista e, entre os homens, 56,9%. Na favela Inajar, esse comportamento diferencial ocorria em sentido oposto, as referidas proporções foram de 78,8% e 87,3%. Assim, a favela México 70 tem uma proporção bem mais reduzida de homens com parceira fixa. O fato de os jovens nessa favela serem mais jovens do que os residentes na favela Inajar pode, de alguma forma, justificar parte dessa discrepância.
Entre os jovens com vida sexual iniciada, quanto ao estado marital, há 51,3% de mulheres casadas/unidas e 11,9% de homens. Esses percentuais são mais reduzidos do que os observados na favela Inajar, com 55% e 20%, respectivamente.
Não se observa um comportamento diferencial por gênero, entre esses jovens, em relação à proporção de usuários de contraceptivos no momento da entrevista. A maioria (75,7%) refere seu uso. Na favela Inajar, no entanto, foi encontrado comportamento diferencial por sexo, destacou‐se o maior uso entre os homens, 83,4%, com 61,6% entre as mulheres. Portanto, na favela México 70, a proporção de mulheres usuárias de métodos contraceptivos (74,3%), sob esse recorte de análise, encontra‐se em níveis satisfatórios e é superior ao das mulheres da favela Inajar
Quanto ao uso do contraceptivo de emergência, verifica‐se que a maioria das mulheres com vida sexual ativa (70%) fez uso dele em algum momento da vida e 36,4% dos homens também referiram esse uso por suas parceiras. Na favela Inajar, seis anos antes, essas proporções foram de 40,4% e 26,5%, respectivamente. Assim, quando se contrastam os resultados obtidos na favela México com os obtidos na favela Inajar, parece nela haver um papel determinante do contraceptivo de emergência no comportamento reprodutivo dos jovens observados.
DiscussãoForam observadas nesta pesquisa as menores prevalências de abortos induzidos obtidas em inquéritos domiciliares desde a década de 1980. Apesar do mais frequente uso de métodos contraceptivos entre as mulheres com vida sexual iniciada, quando se contrastam os resultados aqui obtidos com os obtidos na favela Inajar cabe ao contraceptivo de emergência papel determinante no comportamento reprodutivo dos jovens em análise. Ressalte‐se que a menor proporção de uso do contraceptivo de emergência relatada pelos homens pode dever‐se ao desconhecimento da conduta contraceptiva de suas companheiras, o que foi previamente observado quando os jovens foram indagados sobre o comportamento contraceptivo da parceira antes da primeira gestação.
Pode‐se argumentar que a difusão do contraceptivo de emergência favoreceu uma redução na ocorrência de gestações e, por conseguinte, reduziu também a fecundidade e a prevalência de jovens com aborto induzido. Em 2006, a fecundidade precoce das mulheres residentes na favela Inajar de Souza apresentava níveis máximos em idades abaixo dos 24 anos. Como exemplo, a idade média das mulheres ao primeiro aborto foi de apenas 18 anos. Nesse contexto, a prevalência de mulheres em idade fértil com aborto induzido, ou provocado, foi de 13,6%.15 Outrossim, entre os jovens de 15 a 24 anos residentes nessa mesma favela, a prevalência de mulheres com aborto induzido foi de 6,7%.11
Em 2008, no inquérito feito com as mulheres em idade fértil residentes na favela México 70, a prevalência de mulheres com aborto provocado foi de 6,9%.18 Ou seja, já se observava antecipadamente uma redução na prevalência de mulheres em idade fértil com aborto provocado.
Dito de forma mais precisa, por mais que esperássemos uma queda na proporção de aborto induzido no transcorrer dos seis anos entre a feitura do inquérito da favela Inajar e a do presente, visto que essa tendência de queda já se manifestava, não poderíamos supor que a referida proporção fosse inferior a 4%. Assumindo uma omissão deliberada na declaração de aborto provocado de 80%, ter‐se‐iam 20% dos jovens recorrendo ao aborto provocado.9
Ademais, acreditamos à época da elaboração deste projeto que na cidade de São Paulo, ou em seus arredores, não poderemos encontrar, em outra parte, uma proporção autorreferida de aborto induzido mais elevada do que a obtida na favela México 70. Por conseguinte, acreditamos que a Região Metropolitana de São Paulo logrou atingir os menores índices possíveis de aborto induzido, sobretudo à custa da abrangente disseminação do contraceptivo de emergência.
Em artigo publicado em 2008, ressaltava‐se que, embora fosse impensável a eliminação completa da recorrência ao aborto provocado, seria possível ainda obter‐se uma sensível redução de seus níveis a partir da oferta à população de métodos contraceptivos com menos efeitos adversos e adequados ao início da vida reprodutiva, além da implantação eficaz dos serviços de planejamento familiar.15 O único fato novo que ocorreu nesse ínterim foi a ampliação da oferta do contraceptivo de emergência.
Após o rápido crescimento populacional ocorrido no Brasil na década de 1970, somado a uma forte recessão econômica mundial, o país, que até então fazia controle velado da fecundidade,19 passou a defender abertamente o planejamento familiar como direito da mulher e colocou nas mãos do Estado a responsabilidade de prover os meios e as informações necessárias para que o referido planejamento pudesse ser exercido com plenitude.
Como bem argumentam Correa et al. (2006),20 foi só a partir da década de 1980 que a questão reprodutiva passou a ser encarada como um tema específico na área de políticas de saúde do Brasil. De fato, somente na Constituição federal, promulgada em 1988, a saúde e o planejamento familiar passaram a ser tratados como direito do cidadão e dever do Estado.
Foi também nos anos 1980 que se adotou, de forma universal, o conceito de saúde integral da mulher, que a encarou sob a óptica social, além daquela meramente biológica. Desde então, o termo direitos reprodutivos evoca a autonomia da mulher e/ou do casal na decisão de ter ou não filhos. Assim, a sexualidade tanto de homens quanto de mulheres começa a ser encarada como um exercício de autonomia do indivíduo e deixa de estar, necessariamente, atrelada ao princípio da reprodução.21
Essas ideias foram reforçadas pela CIPD em seu plano de ação.5 Na sequência, em 2005, o Ministério da Saúde divulgou a cartilha “Direito sexual e reprodutivo”, que continha as diretrizes para se garantir o direito de homens e mulheres, adultos e adolescentes ao acesso à saúde sexual e reprodutiva. Nele, a contracepção de emergência, indicada apenas para uso em situações de emergência, é apontada como um dos medicamentos que devem estar disponíveis para os fins estabelecidos, desde que prescrito por um médico.
Não é difícil, contudo, vislumbrar o quão menosprezadas foram as referidas recomendações. As ações públicas referentes ao planejamento familiar tiveram baixa efetividade e foram interrompidas, com bastante frequência, ao longo de mais de 15 anos.22 Ademais, o acesso ao contraceptivo de emergência foi bastante dificultado até 2013 e até foi alvo de projetos de lei que visavam à proibição da sua implantação.
Nesse sentido, no início de 2013 não faltavam na mídia brasileira artigos em jornais e revistas que denunciavam a falta desse medicamento em postos de saúde visitados por repórteres e/ou a falta do médico especialista para prescrevê‐lo com receita. Souza e Brandão (2008),23 mediante análise de documentos oficiais, constataram que profissionais de saúde eram resistentes a oferecer a contracepção de emergência nos serviços públicos, sob a alegação de que haveria uso inadequado por parte dos adolescentes.
Levantamento feito pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo com 600 adolescentes, em 2011, mostrou que embora 75% das meninas e 60% dos meninos conhecessem a contracepção de emergência, apenas 23% das adolescentes já a haviam usado, possivelmente porque várias delas não teriam conseguido obter a pílula nas primeiras 72 horas após o ato sexual desprotegido.24
Essa conduta repressiva só fez favorecer o comércio do medicamento no mercado negro, no qual o contraceptivo de emergência passou a ser vendido com a droga de efeito abortivo misoprostol. Foi só em março de 2013 que farmácias e drogarias tiveram permissão de vender o medicamento sem a receita e sua distribuição foi liberada para o Sistema Único de Saúde (SUS).25
Em pesquisa respondida por 196 de 300 estudantes de enfermagem do Estado de São Paulo, em 2006, os autores observaram que entre as mulheres com vida sexual ativa 45% já haviam usado a contracepção de emergência. Segundo os autores, essa proporção de uso é elevada, sobretudo se considerarmos que o contraceptivo foi adquirido em farmácia, por iniciativa da jovem, sem qualquer orientação médica.26
Temos de concordar com os autores quanto ao fato de que usar a anticoncepção de emergência sem os devidos esclarecimentos médicos pode se tornar um problema, sobretudo por seus efeitos colaterais, como alterações no fluxo e no ciclo menstrual, possibilidade de gestação mascarada por sangramentos, entre outros. No entanto, é de se notar que estudantes de nível superior reportem o dobro do uso da contracepção de emergência do que as meninas entrevistadas pela Secretaria da Saúde, considerando que essas pertencem a populações de baixa renda. Esse acesso e/ou uso diferenciado por classe social mostra, claramente, que só os “eleitos” podem usar os benefícios das novas metodologias contraceptivas.
Em estudo feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo com 800 jovens de classe média residentes em Arujá, em 2011, 60% já haviam usado o contraceptivo de emergência uma vez na vida e apenas 18,5% havia usado o contraceptivo de emergência mais de três vezes em um ano. O percentual surpreendeu os pesquisadores, mas para a coordenadora da pesquisa esse comportamento é bastante aceitável e não configura uso abusivo do anticoncepcional, pois muitas vezes o jovem procura o contraceptivo de emergência por insegurança ou medo de que outro método possa falhar. Ou seja, o uso repetitivo do contraceptivo de emergência é mais problemático do que a simples proporção elevada de uso. Essas diferenças devem ser cada dia mais trabalhadas em estudos sobre esse tema.27,28
O estudo citado revela, ainda, que 74,6%% das mulheres compraram sem receita médica a contracepção de emergência em farmácias e que apenas 6,8% delas conseguiram a medicação em postos de saúde.27 O mais provável é que as mulheres que conseguiram o medicamento em farmácias não tenham recebido aconselhamento médico adequado, o que corrobora os achados de Bastos et al. (2008).26
Segundo a coordenadora do Programa Estadual de Saúde do Adolescente, Albertina Duarte, “as adolescentes estão deixando de lado a prevenção contínua – o uso de pílulas anticoncepcionais e do preservativo – para usar a contracepção de emergência”. E mais, “há adolescentes que acham mais fácil seu uso, mas não sabem que há 15% de chance de falha, além dos riscos de doenças sexualmente transmissíveis. De cada 20 que tomam o contraceptivo de emergência, três engravidam”.29
A probabilidade de engravidar aumenta à medida em que aumenta o tempo decorrido entre a ocorrência de uma relação sexual desprotegida e o momento de ingestão da pílula. Se, por um lado, é possível que um aborto provocado tenha acontecido após o insucesso no uso da pílula do dia seguinte, por outro é possível que ela só tenha sido usada após a jovem ter vivenciado a dolorosa experiência de um aborto provocado.
Voltando à pesquisa feita na favela México 70, a elevada proporção observada de mulheres que fizeram uso do contraceptivo de emergência, 70% entre as mulheres com vida sexual ativa, parece refletir‐se tanto em uma menor fecundidade quanto em uma menor prevalência de aborto provocado.
ConclusãoApesar dos possíveis riscos à saúde, o uso do contraceptivo de emergência encontra‐se difundido entre as jovens mulheres em situação de pobreza, independentemente de supervisão médica adequada. Enquanto o ônus da gravidez continua cabendo à mulher, ironicamente, no Brasil, a saúde reprodutiva é considerada um direito do cidadão e dever do Estado. Não se pode negar, porém, que as mulheres estão mais conscientes de seus direitos reprodutivos e que têm maior acesso aos métodos contraceptivos. Em que pese o maior nível de escolaridade e o aumento no uso de contraceptivos entre os jovens residentes na favela México 70, o único fato novo em termos de contracepção, associado à redução de abortos, identificado nessa pesquisa, foi o uso do contraceptivo de emergência.
Conflitos de interesseAs autoras declaram não haver conflitos de interesse.
Estudo conduzido no Departamento de Medicina Preventiva, Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), São Paulo, SP, Brasil.