Fazer uma revisão da literatura sobre a confiabilidade da contagem de folículos antrais ovarianos com o uso da ultrassonografia bidimensional e tridimensional.
MétodoFoi feita uma revisão sistemática dos trabalhos publicados nos últimos 13 anos que tiveram como objetivo avaliar a variabilidade intra e interobservador da contagem de folículos antrais ovarianos com o uso do ultrassom bidimensional e tridimensional. Esses estudos estavam disponíveis nas bases de dados científicas Medline, Lilacs e Scielo. Os descritores usados nas buscas foram: contagem de folículos antrais, reserva ovariana, cálculo automatizado de volume, ultrassom 3D e Sono AVC.
ResultadosVerificou‐se a existência de 1.057 artigos publicados. Foram selecionados seis estudos relacionados com variabilidade intra e interobservador da contagem de folículos antrais com o uso de ultrassom bidimensional e tridimensional e que respeitavam os critérios de inclusão estabelecidos.
ConclusãoA maioria dos estudos concorda com que com o modo 2D a identificação dos folículos e a medição de seus diâmetros ocorrem de forma manual e subjetiva e permitem uma maior variabilidade interobservador. O pós‐processamento com possibilidade de recontagem folicular e a reanálise das imagens contribuem para melhorar a confiabilidade da ultrassonografia 3D, mas aumentam o tempo total do exame.
To review the literature about the reliability of the antral follicle count using the 2D and 3D ultrasonography.
MethodA systematic review of studies published over the last 13 years that aimed to evaluate the intra and interobserver variability of the antral follicle count using the 2D and 3D ultrasonography in the databases Medline, Lilacs and Scielo. The keywords used in the search were antral follicle count, ovarian reserve, and automated ultrasound.
ResultsIt was found that there were 1.057 published articles. Of these six studies were related to of intra‐ and interobserver variability of antral follicle count using 2D and 3D ultrasound that respected the inclusion criteria established.
ConclusionMost studies agreed that the 2D mode provides follicle identification and its diameter measures manually and subjectively. It allows a greater variability intra‐ and interobserver. The post‐processing with the possibility of follicular recount and review of the images helps to improve the reliability of the 3D ultrasound but increases the total time of the exam.
Os testes que avaliam a reserva ovariana são usados para prever a resposta à estimulação controlada dos ovários durante os tratamentos com reprodução assistida.1 Não existe consenso de qual exame, ou a combinação deles, tem o maior valor preditivo da reserva ovariana. A maioria dos autores concorda com que a contagem dos folículos antrais (CFA) e a dosagem sérica do hormônio anti‐Mülleriano (HAM) têm o melhor potencial discriminatório.2–5 As dosagens do HAM ainda são relativamente caras e há uma variação entre os testes laboratoriais.3 Já a CFA é mais fácil e mais barata de ser feita, por causa da grande disponibilidade de aparelhos de ultrassom nas clínicas.
Tradicionalmente, o tamanho de um folículo é avaliado com a medição do seu diâmetro com ultrassom bidimensional (2D). No entanto, a medida do tamanho e do volume dos folículos é mais precisa quando avaliada por um ultrassom tridimensional (3D).6 A diferença técnica entre os dois modos de ultrassom está no uso de fórmulas matemáticas para os cálculos dos volumes e a avaliação dos tamanhos com alta precisão no modo 3D. Já o modo bidimensional faz suposições sobre a forma da estrutura e ignora o tamanho real do objeto.7
O uso do método bidimensional já foi sistematizado. As imagens são captadas por meio de um transdutor transvaginal, em tempo real e em duas dimensões. A CFA com ultrassom 2D é iniciada com a identificação do primeiro ovário, seguida por uma varredura da gônada em uma única direção de seus principais eixos em busca de imagens hipoecogênicas com diâmetro de 2 a 10mm. Essas imagens hipoecogênicas são contadas como folículos antrais nos dois ovários e, ao ser identificadas, são medidas em suas maiores dimensões.8
O Sono AVC (Sono Automatic Volume Calculation or Count: GE Medical Systems, Zipf, Áustria) é um novo software que identifica e quantifica regiões hipoecoicas de um ovário dentro de um conjunto de dados em três dimensões. O programa fornece estimativas automáticas das dimensões absolutas, como diâmetro e volume das imagens hipoecoicas.
Na tela do ultrassom percebe‐se que a cada imagem hipoecogênica é atribuída uma cor específica e suas dimensões são medidas automaticamente: volume (de acordo com o volume real de uma esfera) e os três diâmetros (x, y e z). Os volumes são exibidos em ordem decrescente. Um número ilimitado de folículos é rastreado e quantificado.9,10 Um folículo é uma estrutura tridimensional (3D) e seu volume é a medida mais precisa para medir seu tamanho. Com o uso do diâmetro como um substituto para o volume, os folículos assumem estruturas de esferas. Além disso, não há um padrão universal para medir o diâmetro folicular.6
Um trabalho publicado recentemente sugere que o Sono AVC fornece medições automáticas de diâmetro e volume folicular mais confiáveis e precisas do que as estimativas feitas com a ultrassonografia bidimensional (2D). Esse estudo levantou a hipótese de que a medição automatizada com o uso do Sono AVC seria mais confiável e mais rápida do que medições com o método convencional 2D.11 O presente trabalho tem o objetivo de fazer uma revisão da literatura sobre a confiabilidade da contagem de folículos antrais ovarianos com o uso da ultrassonografia bidimensional e tridimensional.
MétodoFoi feita uma revisão sistemática da literatura dos trabalhos publicados de janeiro de 2000 a fevereiro de 2013 nas bases de dados eletrônicas Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline), Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e Literatura Latino‐Americana e do Caribe (Lilacs). Como descritores foram usados: contagem de folículos antrais, reserva ovariana, cálculo automatizado de volume, ultrassom 3D e Sono AVC.
Após a leitura dos resumos foram selecionados artigos relevantes em relação à confiabilidade da contagem de folículos antrais com o uso de ultrassom bidimensional e tridimensional. Foram incluídos os estudos publicados em inglês, português e espanhol que compararam os modos bidimensional e tridimensional da contagem dos folículos antrais e analisaram a variabilidade intra e interobservador dessas medições.
Foram excluídos outros estudos. A seleção dos estudos, análise e extração dos dados foram feitas pelos autores e discutidas em reuniões de consenso. A figura 1 mostra o fluxograma que resume a estratégia adotada para identificação e inclusão dos estudos. Não foi necessária a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, uma vez que se tratou de uma revisão de dados da literatura.
ResultadosA busca eletrônica nas bases de dados resultou na identificação de 1.057 artigos. Considerando a pesquisa por meio de cada descritor isoladamente, foram encontradas as seguintes quantidades de artigos científicos: 86 publicações em “contagem de folículos antrais”, 449 em “reserva ovariana”, quatro em “cálculo automatizado de volume”, 510 em “ultrassom 3D” e oito em “Sono AVC”.
A partir da análise dos títulos verificou‐se que somente 86 estudos abordavam especificamente a contagem de folículos antrais. Desses 86 artigos foram selecionados 28, a partir da leitura dos resumos. Desse total, seis estudos estavam relacionados com variabilidade intra e interobservador da contagem de folículos antrais com o uso de ultrassom bidimensional e tridimensional e respeitaram os critérios de inclusão e exclusão. A análise das listas de referências não resultou em inclusão de mais estudos.
A maioria dos artigos selecionados usou desenho prospectivo (tabela 1). O estudo mais antigo data de 2002 e foi feito por Scheffer et al.,12 na Holanda, enquanto o mais atual foi publicado na Inglaterra, por Deb et al., em 2009.11
Apresentação dos resultados encontrados
Autor | Ano | Local | Amostra | Métodos comparados | Observador | Conclusão |
---|---|---|---|---|---|---|
Scheffer et al. | 2002 | Inglaterra | 201 | 2D e 3D | Intraobservador e interobservador | “US 3D oferece informações quantitativas ligeiramente diferentes do que US 2D” |
Rainne‐Fenning et al. | 2003 | Nottingham, Inglaterra | 3 objetos (bola de tênis de mesa, preservativo padrão e preservativo em forma de elefante) | 2D convencional e 3D rotacional | Interobservador | “A técnica 3D rotacional é a mais apropriada em termos de confiabilidade, validade e tempo.” |
Jayaprakasan et al. | 2007 | Nottingham, Inglaterra | 41 | 2D, 3D convencional e 3D modo de inversão | Interobservador | “Não houve diferenças equivalentes de imagens entre os três métodos avaliados” |
Jayaprakasan et al. | 2007 | Nottingham, Inglaterra | 112 | 2D, 3D visão multiplanar e 3D modo de inversão | Interobservador | “Imagens 3D parecem oferecer uma pequena vantagem sobre métodos com imagem 2D convencional. 3D demorou significativamente mais.” |
Jayaprakasan et al. | 2008 | Nottingham, Inglaterra | 45 | 2D e 3D convencional | Interobservador | “A duração total do exame foi reduzida quando usado o método 3D.” |
Deb et al. | 2009 | Nottingham, Inglaterra | 55 | 2D, 3D visão multiplanar e SonoAVC | Interobservador | “Sono AVC é um método confiável para CFA, mas leva mais tempo para ser feito por causa do pós‐processamento” |
Mesmo sendo um dos parâmetros mais importantes da medida quantitativa da reserva ovariana, a CFA está sujeita a variações quantitativas e qualitativas por causa das diferenças das aferições feitas por dois ultrassonografistas diferentes ou por um mesmo ultrassonografista em dois momentos distintos (variação interobservador e variação intraobservador).
As técnicas bidimensionais e tridimensionais da contagem dos folículos antrais precisam de um tempo para ser feitas e estão associadas a um grau de erro de medições. Tem sido demonstrado que a medição manual de folículos pelo modo 2D é muitas vezes imprecisa e sujeita a significativa variabilidade intra e interobservador. No método bidimensional os folículos podem ser contados mais de uma vez ou deixar de ser contados9,13–15 e a medida dos diâmetros foliculares é subjetiva. Esses fatores contribuem para a variabilidade interobservador. A confiabilidade das medições foliculares diminui à medida que aumenta o número de folículos.14,16
Estudo de Scheffer et al. (2002)12 foi feito com dois grupos distintos, um com mulheres voluntárias férteis e outro com pacientes de uma clínica de infertilidade. Cada mulher foi submetida a ultrassonografia transvaginal 2D e 3D na fase folicular do ciclo menstrual, para fazer a CFA de 2‐10mm. Esse estudo sugere que a medida do número de folículos antrais por qualquer um dos métodos ultrassonográficos, 2D ou 3D, tem uma adequada reprodutibilidade intra e interobservador. Isso implicaria que o método seria suficientemente preciso para ser executado apenas uma vez, por um observador. Porém, quanto maior o número de folículos medidos, menor foi a concordância entre os observadores.
A ultrassonografia 3D parece oferecer informação quantitativa sobre os ovários ligeiramente diferente do que a 2D. Com a ultrassonografia 3D, as imagens podem ser armazenadas dentro de um período muito curto para ser avaliadas numa fase posterior. No entanto, quando usadas em classificações categóricas, as CFAs, tanto por ultrassonografia 2D quanto pela 3D, são suficientemente confiáveis para ser usadas como um teste diagnóstico e prognóstico.
No estudo de Raine‐Fenning et al. (2003),17 usaram‐se dois observadores e três objetos diferentes: uma bola de tênis de mesa (ttb), um preservativo padrão parcialmente preenchido (elip) e um preservativo em forma de elefante (ele). Os objetos foram preenchidos com água e imersos em um meio fluido (mistura de água e glicerol). Cada observador adquiriu um conjunto de dados dos três objetos, de modo que havia duas aquisições de cada objeto, que totalizaram seis conjuntos de dados analisados tanto pelo método convencional de ultrassom 2D como pela técnica mais recente de rotação, usada para calcular o volume manualmente pelos quatro graus diferentes de rotação (30°, 15°, 9° e 6°), tanto pelo plano transversal quanto pelo coronal.
Apesar de ter havido um nível igualmente elevado de confiança entre os dois observadores e entre os diferentes planos, o que aumenta a confiança dessas técnicas de cálculo de volume, houve também uma tendência à maior validação do volume com o uso da técnica de rotação em relação à técnica convencional. Uma vantagem dessa última técnica é a capacidade de variar o número de planos usados para o cálculo do volume em diferentes objetos.
O volume absoluto gerado na conclusão das medições convencionais é criticamente dependente da interpretação do observador de onde o objeto começa e termina. Isso muitas vezes é o aspecto mais difícil das medições dos volumes. Esse estudo definiu a técnica mais apropriada, em termos de confiabilidade, validade e tempo, para aplicar em estudos futuros, que é a técnica rotacional.
Jayaprakasan et al. (2007)18 fizeram um trabalho para avaliar a confiabilidade interobservador da CFA com três técnicas e três observadores. Quarenta e uma mulheres com menos de 40 anos (média de 33,6) foram submetidas à investigação da infertilidade por meio de exames feitos com os métodos 2D, 3D e 3D modo de inversão. A CFA foi feita em folículos que mediam 2‐10mm de diâmetro. Todavia, não houve diferenças equivalentes entre os três diferentes graus de qualidade de imagem com os métodos 2D e o 3D multiplanar.
Os resultados mostraram que os três observadores foram capazes de conseguir resultados semelhantes com cada uma das três técnicas de medição. Os autores sugerem que as imagens tridimensionais não ofereceram vantagem sobre o método convencional bidimensional em termos de confiabilidade de medição. A medição da CFA com o uso do método 3D modo de inversão tem uma reprodutibilidade interobservador adequada, mas é dependente da qualidade da imagem.
Segundo outro trabalho de Jayaprakasan et al. (2007),1 que comparou três métodos de ultrassonografia equivalentes, 2D, 3D visão multiplanar e modo de inversão, em mulheres com idade inferior a 40 anos, as CFA com base em imagens 3D parecem oferecer uma pequena vantagem sobre métodos com imagem 2D convencional na predição da resposta ovariana em um programa de FIV. A maior correlação da CFA com o número de folículos que se desenvolvem durante a estimulação ovariana e o número total de oócitos capturados é vista quando a CFA é feita com o método 3D modo de inversão. Mas esse modo de processamento demorou significativamente mais tempo do que todos os outros métodos.
Os mesmos autores, em estudo publicado em 2008,13 no qual dois observadores fizeram ultrassonografia transvaginal em 45 mulheres com os métodos 2D convencional e 3D, relatam que o ultrassom 3D melhora significativamente a confiabilidade interobservador da CFA. Os autores concluíram ainda que a duração total do exame de ultrassom foi significativamente reduzida quando foi usado o método 3D.
No estudo prospectivo de Deb et al. (2009),11 com 55 mulheres, foram feitas as CFA por dois observadores com três métodos: 2D em tempo real, 3D visão multiplanar e Sono AVC. Concluiu‐se que o Sono AVC com pós‐processamento é um método confiável para medir a CFA total. Mas a CFA pelo Sono AVC leva mais tempo para ser feita por causa da necessidade do processamento posterior e obtém valores que são menores do que os obtidos pelas técnicas 2D em tempo real e 3D visão multiplanar. No entanto, a CFA obtida pelo Sono AVC provavelmente é menor porque esse método estabelece medidas e códigos de cor para cada folículo e impede a recontagem.
ConclusãoA CFA feita por observadores, métodos e tempos diferentes está sujeita a uma variação que pode alterar a confiabilidade do exame. Alguns autores propõem que não há diferenças nos resultados quando comparados os métodos ultrassonográficos. Porém, a maioria dos estudos refere que com o modo 2D a identificação do folículo e a medição de seus diâmetros ocorrem de forma manual e subjetiva, o que permite uma maior variabilidade interobservador. A ultrassonografia 3D pode, então, melhorar a confiabilidade interobservador da contagem de folículos antrais. O pós‐processamento com possibilidade de recontagem folicular e a reanálise das imagens em outro momento contribuem para essa melhor confiabilidade, mas tendem a aumentar o tempo total do exame.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Trabalho desenvolvido no Ambulatório de Infertilidade, Santa Casa de Goiânia, Curso de Medicina, Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, GO, Brasil.