A resposta ao estímulo ovariano é uma peça‐chave na reprodução assistida. Apesar dos recentes avanços das técnicas, pacientes com baixa reserva ovariana apresentam mau prognóstico e representam um desafio na medicina reprodutiva.
ObjetivoPropor estratégia de melhoria do prognóstico reprodutivo em mulheres com idades superiores a 38 anos ou jovens com baixa contagem de folículos antrais, por meio do uso de testosterona previamente ao estímulo ovariano.
Material e métodosLevantamento de dados da literatura científica na área da medicina reprodutiva.
Resultados e conclusõesO uso de androgênios em fases que antecedem a estimulação ovariana em ciclos de fertilização in vitro parece ser ótima ferramenta de melhoria da resposta à estimulação oocitária controlada em pacientes com mais de 38 anos ou com reserva ovariana diminuída. Melhora tanto a quantidade quanto a qualidade oocitária e aumenta as taxas de gestação e de nascido vivos.
The response to ovarian stimulation is a keyelement in assisted reproduction (AR). Despite recent advances in the techniques, patients with low ovarian reserve have poor prognosis and represent a challenge in reproductive medicine.
ObjectiveTo propose a strategy to improve reproductive prognosis of women older than 38 years or young women with low antral follicle count, through the use of testosterone prior to ovarian stimulus.
Material and methodsSurvey data from the scientific literature in the field of reproductive medicine.
Results and conclusionsThe use of androgens in stages preceding ovarian stimulation in IVF cycles seems to be great tool for improving oocyte response inoocyte controlled stimulation of patients older than 38 years or with diminished ovarian reserve, improving both quantity and quality of oocytes and increasing rates of pregnancy and live‐born.
O envelhecimento ovariano feminino é um processo contínuo que se inicia no nascimento e se estende até o período da menopausa. O mecanismo principal do envelhecimento é o esgotamento do pool folicular que ocorre de forma progressiva e contínua. A idade da mulher é fator importante que determina o declínio da fertilidade, que se inicia após os 35 anos. Esse declínio é acompanhado de mudanças como a redução da fertilidade, o aumento das taxas de aneuploidia, a irregularidade do ciclo menstrual e, finalmente, a menopausa.1
Com o passar dos anos, a fecundidade feminina diminui como consequência da perda quantitativa dos folículos ovarianos e da redução da qualidade oocitária. Essa redução está associada ao aumento da incidência de abortos e aberrações cromossômicas.2 O número de folículos ovarianos diminui em ritmo exponencial: a taxa de perda folicular mais do que dobra quando os números caem abaixo do nível crítico de 25.000 folículos, por volta dos 37 anos.3 O período de perimenopausa é caracterizado pelo aumento da irregularidade menstrual. A transição de perimenopausa para a menopausa é estabelecida quando os ovários apresentam cerca de 1.000 folículos e ocorre em média aos 51 anos.4
Apesar disso, estudos epidemiológicos mostram que 10% das mulheres na população em geral atingem a menopausa antes dos 45 anos e cerca de 1% antes dos 40 anos. Em média a fertilidade começa a diminuir 13 anos antes do início da menopausa, ou seja, uma em cada 10 mulheres terá redução da fertilidade aproximadamente aos 32 anos.1–5 Portanto, 10% das mulheres podem estar em risco de baixa fecundidade durante a terceira década de vida e apresentar má resposta à estimulação ovariana.5
Avaliação da reserva ovarianaO FSH foi a primeira ferramenta de avaliação da reserva ovariana e rotineiramente era usada como diagnóstico propedêutico de casais inférteis.6 Os níveis de FSH começam a aumentar muito tempo antes do início da irregularidade do ciclo menstrual e continuam a subir posteriormente.7
A contagem de folículos antrais (CFA) por meio de ultrassonografia transvaginal parece refletir o número de folículos primordiais remanescentes e pode ter confiável grau de correlação com outros marcadores bioquímicos, especialmente o hormônio anti‐Mülleriano (AMH).8 Uma CFA de ambos os ovários inferior a 10 folículos pode indicar chance elevada de cancelamento de ciclo e representar importante parâmetro de avaliação preditiva de resposta ovariana.2
O hormônio anti‐Mülleriano (AMH) é um novo marcador de reserva ovariana. Estudos recentes sugerem que essa glicoproteína dimérica é superior e mais confiável, em comparação com o FSH, na avaliação da reserva ovariana.9 O AMH nas mulheres é produzido pelas células da granulosa a partir dos folículos pré‐antrais e antrais, na 36ª semanas de gestação. O AMH é expresso até os folículos atingirem um tamanho médio de 4‐6mm, estado de diferenciação no qual se tornam receptivos ao FSH exógeno. Estudos afirmam que a dosagem de AMH é o melhor método para avaliar a reserva ovariana quando comparado com dosagens de FSH basal, estradiol e inibina B. A dosagem do AMH tem certa vantagem sobre outros marcadores, pois ele pode ser dosado em qualquer fase do ciclo menstrual.9–11 É possível que o AMH também atue como fator decisivo da seleção folicular para a dominância, uma vez que já foram demonstradas, tanto in vitro quanto in vivo, maior sensibilidade das células foliculares à ação do FSH na ausência do AMH e expressão reduzida da aromatase e dos receptores do hormônio luteinizante (LH) em células da granulosa cultivadas na presença de AMH exógeno.12
Reprodução assistida e envelhecimento ovarianoO estilo de vida moderno, com grande participação da mulher no mercado de trabalho que leva à postergação do desejo procriativo, resulta numa procura por tratamento cada vez maior de casais com idade avançada.13 De fato, mulheres com mais de 38 anos tendem a apresentar baixa contagem de folículos antrais (reserva ovariana reduzida) e têm prognóstico mais reservado mesmo com técnicas modernas de reprodução assistida.3
Na tentativa de se alterar esse quadro e melhorar a quantidade de folículos recrutáveis, pesquisadores tentaram mimetizar um ambiente hormonal hiperandrogênico. A ideia surgiu a partir da demonstração de que pacientes com síndrome dos ovários micropolicísticos (Somp) têm elevada contagem de folículos antrais, mesmo em idades mais avançadas.14 De alguma forma, o ambiente hiperandrogênico estimula o recrutamento de mais folículos durante estágios inicias.15 Estudos experimentais feitos em macacos Rhesus sugeriram que os androgênios poderiam ampliar o efeito do FSH na foliculogênese. O uso de testosterona ou deidroepiandrosterona (Dhea) nesses animais aumentou o número de receptores do FSH nas membranas das células da granulosa. Estimulou, assim, o crescimento folicular inicial, o recrutamento precoce dos folículos primordiais e o desenvolvimento de um número maior de folículos pré‐antrais e antrais.14 De acordo com a “teoria das duas células”, os andrógenos exercem função crítica na regulação adequada da esteroidogênese. Eles servem de substrato para a ação da aromatase nas células da granulosa, nas quais são convertidos em estrogênios.16
Pensando nisso, foram feitos alguns estudos com o uso de androgênios antes da indução ovariana, com o intuito de melhorar a resposta à estimulação com FSH exógeno em pacientes classificadas anteriormente como de baixa reserva ovariana. Essas intervenções incluíram: pré‐tratamento com andrógeno, adição de inibidores da aromatase, hormônio luteinizante e gonadotrofina coriônica humana (hCG) na estimulação.14
Estudos clínicos têm demonstrado que tratamentos com doses moderadas de andrógenos em pacientes com baixa contagem de folículos antrais poderiam aumentar tanto a quantidade quanto a qualidade dos oócitos e embriões e aumentar, assim, as taxas de sucesso em tratamentos de reprodução assistida.17–19
Materiais e métodosFoi feita revisão de literatura científica nas ferramentas de busca Medline, Lilacs e Cochrane com as palavras‐chave androgênios, envelhecimento ovariano, baixa reserva ovariana e fertilização in vitro. Foram selecionados artigos que avaliam o tratamento com andrógenos como possibilidade de melhoria do prognóstico reprodutivo de mulheres com envelhecimento ovariano que se submeteram a ciclo de fertilização in vitro (FIV) (tabela 1).14,15,17,19–21
Principais estudos sobre o uso de androgênios em RA
Autor | Ano | Conclusões |
---|---|---|
Casare RJ, Freitas GC, Centra LJ | 2013 | O uso de testosterona transdérmica mostrou aumento do número de oócitos recuperados e maduros, além de gestação clínica e nascidos vivos. Não houve a mesma resposta com Dhea, inibidores da aromatase, LHr, hCGr. |
Urman B, Yakin K. | 2012 | Faltam evidências da eficácia do uso de Dhea para aumento da reserva ovariana. Os dados são derivados de estudos questionáveis. |
Kim CH, Houles CM, Lee HA | 2011 | O uso de testosterona transdérmica antes do estímulo reduziu dose e dias de FSHr. Houve aumento do número de oócitos recuperados, da taxa de fertilização e de embriões de boa qualidade. |
Gleicher N, Weghofer A, Barad DH | 2010 | Houve melhoria dos níveis de AMH após uso de Dhea, principalmente em jovens, além de aumento da taxa de gestação clínica. |
Barad D, Brill H, Gleicher N | 2007 | Tratamento com Dhea resultou em taxas de gravidez cumulativa significativamente mais elevadas. |
Balasch J, Fábregues F, Penarrubia J, Carmona F, Casamitjana R, Creus M | 2006 | O uso de testosterona transdérmica mostrou aumento de folículos recrutados e da taxa de gravidez clínica. |
Dhea, deidroepiandrosterona; LHr, hormônio luteinizante recombinante; FSHr, hormônio folículo estimulante recombinante; hCGr, gonadotrofina coriônica humana recombinante; AMH, hormônio anti‐Mülleriano.
O uso de androgênios em fases que antecedem a estimulação ovariana em ciclos de fertilização in vitro parece ser uma ótima ferramenta para a melhoria da resposta oocitária frente à estimulação oocitária controlada em pacientes com mais de 38 anos ou com reserva ovariana diminuída, que melhora tanto a quantidade quanto a qualidade oocitária e aumenta as taxas de gestação e de nascido vivos.
Estudos feitos em animais que receberam altas doses de androgênios e com mulheres com hiperandrogenismo clínico mostraram que esse hormônio pode aumentar a capacidade de resposta folicular frente ao FSH.
No entanto, faltam estudos clínicos que demonstram tal conceito. Portanto, estudos adicionais com estratégias adequadas e a padronização de protocolos são necessários para definir a eficácia clínica dos androgênios em pacientes com reserva ovariana diminuída.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Estudo vinculado à Clínica Ana Bartmann, ao Setor de Reprodução Humana da FMRP/USP e à Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp), São Paulo, SP, Brasil.