Investigar por meio de questionário os aspectos psicológicos e sociais de pacientes inférteis atendidas no 1° Mutirão de Infertilidade do Hospital Electro Bonini, em Ribeirão Preto (SP).
MétodosForam entrevistadas 116 mulheres que procuraram atendimento para investigação e tratamento de infertilidade. Os resultados foram analisados para identificação do perfil psicossocial das pacientes.
ResultadosOs principais questionamentos levaram em conta grau de tristeza por não engravidar, esperança de engravidar, se já engravidou, se já pensou em adotar filhos, desistência do tratamento. Os resultados foram condizentes com os dados encontrados na literatura. A análise do perfil biopsicossocial nos revelou o acentuado grau de tristeza e preconceito ou pressão social por não conseguir engravidar. Entretanto, essas mulheres demonstram grande esperança de gestar e a maioria não pensa em desistir do tratamento.
ConclusãoEste estudo comprova o aspecto patológico que a infertilidade ocasiona na vida dos casais, principalmente nas mulheres, já que 75% relataram que se sentem infelizes ou depressivas por não conseguirem engravidar. O trabalho multidisciplinar, nesse sentido, é de fundamental importância na compreensão dos conflitos emocionais íntimos e profundos que a infertilidade provoca.
To investigate, through a questionnaire, the psychological and social aspects of infertile patients attended at the Infertility Ambulatory Clinic of Electro Bonini Hospital, in the city of Ribeirão Preto (SP).
MethodsWere interviewed 116 women who sought care for investigation and treatment of infertility. The results were analyzed to identify the social and psychological profiles of the patients.
ResultsThe main questions took into account the degree of sadness for not getting pregnant, their hope to get pregnant, if they had already been pregnant, if they had ever thought about adopting a child, withdrawal of treatment. The results were consistent with the data found in the literature. The biopsychosocial profile analysis revealed a strong degree of sadness and prejudice or social pressure for not getting pregnant. However, those women have great hope of getting pregnant and the vast majority doesn’t think of quitting treatment.
ConclusionThis study proves the pathological aspect that infertility causes in the lives of couples, especially women, since 75% reported that they feel unhappy or depressed for not being able to get pregnant. Multidisciplinary work, in that sense, plays an important role in understanding the intimate and deep emotional conflicts that infertility causes.
Desde os tempos primitivos, quando se formaram as primeiras sociedades, uma das grandes preocupações do homem é a sua perpetuação enquanto espécie. O ciclo lógico da vida pressupõe que os seres humanos nascem, crescem, reproduzem e morrem. Na Grécia Antiga, por exemplo, umas das grandes funções sociais das mulheres eram gerar filhos, caso a mulher fosse incapaz de cumprir seu papel o casamento era desfeito.1
As constantes transformações pelos quais o mundo moderno passa, tais como mudanças no estilo de vida, dietas cada vez mais agregadas a produtos químicos e postergação do desejo reprodutivo, principalmente devido à inserção da mulher no mercado de trabalho, têm gerado índices cada vez maiores de casais inférteis. A infertilidade, seja ela masculina ou feminina, produz forte impacto na vida afetiva, social e emocional de um casal.
A parentalidade é valorizada em muitas culturas, constitui uma etapa importante na vida da maioria dos casais. A questão de ter filhos não ocorre ao acaso, e sim por trás de todo um contexto ideológico, cultural e social que, direta ou indiretamente, pressiona os casais no sentido do projeto da maternidade e paternidade.2
A fertilidade é considerada uma função humana básica, é critério necessário para realização pessoal, aceitação social, filiação religiosa, identidade sexual e ajustamento psicológico.3 O desejo de ter filhos e se deparar com a impossibilidade nesse processo traz um amplo espectro de sentimentos, como medo, ansiedade, angústia, frustração, desvalia e vergonha. Em alguns casos pode ocorrer uma desestabilização individual e social, além do aparecimento e/ou agravamento de emoções no relacionamento conjugal. Esses fatores contribuem para o insucesso da gestação, necessitam de acompanhamento e suporte multidisciplinar para obtenção de melhores resultados e qualidade no tratamento.
O objetivo do estudo, descritivo, foi analisar os aspectos psicológicos e sociais de pacientes inférteis atendidas no 1° Mutirão de Infertilidade do Hospital Electro Bonini, em Ribeirão Preto (SP)
Material e métodosCom o intuito de ofertar diagnóstico, esclarecimentos, orientações e tratamento subsidiado, foi feito o 1° Mutirão de Infertilidade no Hospital Electro Bonini, parceria da Universidade de Ribeirão Preto com o Centro de Reprodução Humana Ana Bartamann, em 14 de novembro de 2015. Esse evento foi amplamente divulgado por mídia impressa, televisão, internet e profissionais da saúde. Os primeiros 50 casais que compareceram foram atendidos gratuitamente, enquanto os demais foram agendados para consulta.
Como instrumento de coleta de dados, foi usado um questionário com 17 perguntas abertas e fechadas e respostas dicotômicas, de múltipla escolha e em escala, inclusive dados físicos e psicossociais (tabela 1). Todos os casais que compareceram receberam o questionário, porém sem a obrigação de preenchê‐lo.
Questionário aplicado no Mutirão de Infertilidade
Perguntas | Respostas | |||||||||
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Idade | ||||||||||
Peso | ||||||||||
Altura | ||||||||||
Cidade de origem | ||||||||||
Renda familiar mensal | Até R$ 1.000 | R$ 1.000 a R$ 3.000 | R$ 3.000 a R$ 5.000 | Mais de R$ 5.000 | ||||||
Já engravidou antes? | Sim | Não | ||||||||
Como soube do mutirão? | ||||||||||
Já procurou tratamento em outro lugar? | Sim | Não | ||||||||
Conhece alguém que já fez tratamento para engravidar? | Sim | Não | ||||||||
Essa pessoa conseguiu engravidar? | Sim | Não | ||||||||
Já sofreu ou sofre algum tipo de preconceito ou pressão social por não conseguir engravidar? | Sim | Não | ||||||||
Sente‐se infeliz ou depressiva por não conseguir engravidar? | Sim | Não | ||||||||
Grau de tristeza | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 |
Tem esperança de engravidar algum dia? | Sim | Não | ||||||||
Já pensou em adotar filhos? | Sim | Não | ||||||||
Já pensou em desistir do tratamento? | Sim | Não | ||||||||
O que é importante em um centro de reprodução assistida? | Preço | Acolhimento | Resultado | Estrutura | Pesquisa |
O questionário foi preenchido por 116 mulheres que procuraram tratamento de reprodução assistida. Foram anotadas informações gerais relacionadas a idade, peso, renda familiar, história da infertilidade, meios de comunicação pelo qual se informaram sobre o mutirão, além da importância de um centro de reprodução assistida.
Das 17 perguntas, seis tinham como objetivo abordar aspectos psicológicos envolvidos na temática da infertilidade: 1) sofre ou já sofreu preconceito ou pressão social por não conseguir engravidar; 2) é infeliz ou sente‐se depressiva por não conseguir engravidar; 3) grau de tristeza por não conseguir engravidar; 4) esperança de conseguir engravidar; 5) se já pensou em adotar filhos e 6) já pensou em desistir do tratamento.
ResultadosNas tabelas 2‐4 apresentamos a distribuição das mulheres segundo a faixa etária, o índice de massa corporal (IMC) e a renda familiar.
Distribuição das mulheres conforme o IMC
Variável | n | % |
---|---|---|
IMC | ||
Muito abaixo do peso (<17) | 1 | 0,87 |
Abaixo do peso (17 a 18,49) | 0 | 0 |
Peso normal (18,5 a 24,99) | 39 | 33,91 |
Acima do peso (25 a 29,99) | 42 | 36,52 |
Obesidade I (30 a 34,99) | 18 | 15,65 |
Obesidade II (35 a 39,99) | 9 | 7,87 |
Obesidade III (>40) | 6 | 5,22 |
Total | 115 | 100 |
As mulheres entrevistadas têm entre 23 e 46 anos, com 74,1% (n=86) delas entre 30 a 40 anos. De acordo com a tabela 3, 33,91% (n=39) das mulheres têm peso normal (IMC entre 18,5 e 24,99); mas a maioria, ou seja, 36,52% (n=42), encontra‐se acima do peso (IMC entre 25 e 29,99) e 28,70% (n=33) têm algum grau de obesidade (IMC acima de 29,99). O IMC foi calculado de acordo com o peso e a altura informados pelas mulheres.
As condições socioeconômicas foram ímpares. A maioria (94,83%; n=110) dos casais apresentava renda familiar abaixo de $ 5 mil/mês (US$ 1.200/mês). Isso indica que estão dentro da renda prevista para subsídio na terapêutica, já que um tratamento particular para infertilidade oneraria o orçamento familiar.
Dos casais, 49% (n=57) souberam do Mutirão de Infertilidade por meio da Internet (sites, Facebook, WhatsApp), o que indica um alto poder de divulgação desse meio (tabela 5).
A maioria das mulheres (39,1%; n=93) acha que o resultado é o fator mais importante em um Centro de Reprodução Assistida, até mais relevante do que o preço (26,5%; n=63) do tratamento (tabela 6).
A maioria (81%; n=94) das mulheres entrevistadas tem infertilidade primária, enquanto os demais 19% (n=22) sugerem infertilidade secundária ou do companheiro (fig. 1).
Pela análise da figura 2, foi constatado que 69,83% (n=81) dos casais haviam procurado tratamento anteriormente em outro centro de reprodução. Isso indica uma vontade, um desejo e uma preocupação aumentados para concepção, além de que 74,1% delas têm entre 30 e 40 anos, constituem outra causa de apreensão.
Segundo as figuras 3 e 4, 65,52% (n=76) das mulheres conhecem alguém que fez tratamento para engravidar e 81,58% (n=62) dessas conhecidas que fizeram tratamento conseguiram engravidar. Tal fato cria uma perspectiva positiva para alcançar o objetivo da concepção desses casais que participaram do Mutirão de Infertilidade.
Segundo a figura 5, 75% (n=87) das mulheres se sentem infelizes ou depressivas por não conseguir engravidar. Dessas 87 mulheres, 28 apresentam grau máximo de tristeza (nota 10) e 22 grau 8 (fig. 6).
De acordo com a figura 7, 49,13% (n=57) das mulheres já pensaram em adotar filhos, contra 50% (n=58) que nunca pensaram e 0,87% (n=1) que não responderam.
Dentre os casais que já pensaram em desistir do tratamento, fatores como custo, falta de perspectiva e morosidade podem estar associados. Entretanto, a maioria (72,41%) não pensa em desistir.
Segundo a figura 8, 98,27% (n=114) das mulheres têm esperança de algum dia engravidar, contra 1,73% (n=2) que não responderam o questionário, o que indica vontade e desejos verdadeiros da concepção.
DiscussãoNo estudo em questão 81% das pacientes apresentam infertilidade primária e 19% secundária (fig. 1). Uma grande parcela dos transtornos psicológicos incide em casais que sofrem de infertilidade primária, uma vez que apresentam, teoricamente, uma família incompleta. A sociedade, ao criar estigmas de famílias ideais, dotadas de inter‐relações, experiências e interesses comuns, tende a excluir e martirizar os indivíduos que são incapazes de gerar prole. Tal fato produz um sentimento de angústia, desespero e incapacidade, a ponto de os indivíduos acharem que não pertencem à sociedade. A grande pressão social cai principalmente em cima das mulheres, elas que desde a sua concepção simbolizam a fertilidade, o instinto de cuidado e proteção para com a sua prole, quando são incapazes de gerar filhos por vezes perdem seus ciclos sociais e afetivos, chegam ao ponto de comprometer o próprio casamento.4 No presente estudo 75% das mulheres relataram que se sentem infelizes ou depressivas por não conseguir engravidar (fig. 5), o que comprova o aspecto patológico que a infertilidade ocasiona na vida dos casais, principalmente as mulheres. Além disso, 94,25% que responderam “sim” na questão 12 têm grau de tristeza entre 5 e 10 (fig. 6), 32 (12%) apresentam grau máximo de tristeza (10).
Estudos comprovam que casais que sofrem de infertilidade, seja ela idiopática ou de causa conhecida, apresentam maiores índices de transtornos de ansiedade e depressão, quando o diagnóstico tem mais de três anos.5 Ansiedade é o estado emocional que mais acomete pacientes submetidos ao tratamento de infertilidade, a depressão é o principal transtorno encontrado em casais que não obtiveram êxito no tratamento.6 O estresse desencadeado pelas constantes buscas de ter um filho produz consequências catastróficas na vida secular de um casal, afeta até a sexualidade. A relação sexual, tida como algo espontâneo e afetivo, passa a ser vista com o único objetivo de procriação. Os próprios procedimentos ao longo da terapêutica pelos quais os pacientes são submetidos produzem estresse psicológico de grande importância. As técnicas invasivas, dolorosas e constrangedoras, usadas no tratamento de infertilidade, nem sempre produzem resultados satisfatórios, geram ainda mais frustação e desesperança na vida do casal. Apesar do preconceito imposto pela sociedade e do estresse inerente à infertilidade, a grande maioria das mulheres entrevistadas tem esperança de conseguir engravidar e não pensa em desistir do tratamento submetido para alcançar o tão sonhado filho (figs. 8 e 9). A maioria dessas mulheres conhece casais que sofriam de infertilidade e que obtiveram sucesso com terapêutica proposta (figs. 3 e 4). Tal fato contribui para aumentar ainda mais o desejo e a esperança de ter filhos.
A adoção é uma temática de suma importância ao falarmos de infertilidade, a introdução no seio familiar de um indivíduo que não carrega o material genético dos pais é uma opção para casais que sofrem de infertilidade, representa na maioria das vezes a construção da tão sonhada família constituída por pai, mãe e filho. Cerca de 60% das adoções são motivadas principalmente pela incapacidade dos casais de gerar filhos biológicos.7 Apesar de a adoção ser uma prática viável para a formação da família, ainda encontramos um grau considerável de preconceito ao abordar o assunto. Para o senso comum, adotar representa um risco, uma vez que existe a possibilidade de a criança adotada manifestar traços negativos de comportamento e personalidade.8 No presente estudo verificamos que não existe um consenso quanto à prática de adoção, praticamente 50% das mulheres responderam que pensam em adotar filhos e 50% das mulheres responderam que não pensam em adotar (fig. 7).
Diante do exposto, é de fundamental importância uma abordagem multidisciplinar composta de médicos, terapeutas e psicólogos junto aos casais que sofrem de infertilidade a fim de esclarecer dúvidas, anseios e preocupações inerentes a todo esse processo.
ConclusãoGestar e procriar tem um efeito positivo e intenso na autoestima, no fortalecimento de relações familiares e na expansão do vínculo conjugal. Quando a decisão de ter filhos chega e não é acompanhada pelo desempenho físico que se espera, temos o efeito negativo desse insucesso. Instala‐se uma crise vital e as reações emocionais são intensas e impactantes na saúde física e psíquica do casal.
Esse estudo, portanto, comprova o aspecto patológico que a infertilidade ocasiona na vida dos casais, principalmente nas mulheres, já que 75% relataram que se sentem infelizes ou depressivas por não conseguir engravidar.
O trabalho multidisciplinar, nesse sentido, é de fundamental importância no equilíbrio das interfaces mente‐corpo.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.