O diagnóstico genético pré‐implantacional (PGD) é uma ferramenta que permite a seleção do embrião saudável por meio da análise gênica e cromossômica. Beneficia casais no grupo de risco, como, por exemplo, casais com histórico de aborto de repetição ou com histórico familiar de doença hereditária. Diante do avanço das metodologias empregadas no PGD, esta revisão tem como objetivo reunir as informações acerca das técnicas de biópsia, de biologia molecular e aspectos bioéticos dessa prática. Assim, foi possível agregar as informações como vantagens, desvantagens, restrições e indicações referentes ao estágio embrionário em que é retirado o material genético e as técnicas de biologia molecular usadas na análise genética. Além disso, foi possível especificar alguns questionamentos bioéticos que surgem com a prática do PGD, como, por exemplo, a possível eugenia. Concluiu‐se que a análise da trofoectoderme dos embriões e da aplicação da tecnologia de NGS é promissora para o futuro do PGD, bem como a primordialidade da criação de leis que regem e completam as lacunas no sentido ético e moral dessa prática.
The preimplantation genetic diagnosis (PGD) is a tool that allows the selection of healthy embrios through gene and chromosome analysis, benefiting couples at risk. Like couples with recurrent miscarriage or family history of hereditary disease. Given the advance of the methodologies used in PGD this review aims to assemble information about the biopsy techniques, molecular biology and bioethical aspects of this practice. Therefore, it was possible collect the information like advantages, disadvantages, restrictions and indications referring to embryonic stage in which is made the removal of genetic material and molecular biology techniques used in genetic analysis. In addition, some bioethic questions that arise with the practice of PGD were verified as, for example, possible Eugenia. It was concluded that the analysis of trofoectoderme of embryos and the application of NGS technology is promising for the future of PGD, as well as the primordiality the creating laws governing and complete the gaps in the ethical and moral sense of this practice.
A tecnologia de reprodução humana assistida (RHA) consiste na seleção dos gametas de melhor qualidade, fertilização in vitro (IVF, do inglês in‐vitro fertilization) clássica ou injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI, do inglês intracytoplasmatic sperm injection) nos oócitos e a transferência de embriões para o útero materno no terceiro ou quinto dia de desenvolvimento.1
Eventualmente, o resultado das técnicas de IVF pode estar associado a embriões com rearranjos cromossômicos e aneuploidias.2–4 O avanço das técnicas de biologia molecular em conjunto com a engenharia genética produz ferramentas necessárias para caracterização de diversas doenças genéticas. O diagnóstico genético pré‐implantacional (PGD, do inglês, preimplantation genetic diagnosis) usa essas ferramentas para a detecção de doenças relacionadas a anormalidades cromossômicas e gênicas e identificação de embriões saudáveis a serem transferidos. O uso de marcadores genômicos para a avaliação confiável da qualidade embrionária é especialmente importante em embriões de casais diagnosticados com desordens genéticas hereditárias. Em sua maioria, as anomalias cromossômicas são incompatíveis com a vida, são a principal causa de falhas de implantação e insucesso nos tratamentos de reprodução humana assistida.3,5
A identificação de embriões com o desenvolvimento comprometido seguida de transferência dos embriões sadios aumenta as taxas de implantação, reduz a necessidade da transferência de múltiplos embriões, reduz a taxa de abortos espontâneos e evita concepções aneuploides.6–8 Embriões portadores de trissomias e monossomias representam mais de 10% das gestações humanas e para as mulheres com idade materna avançada, acima dos 35 anos, a incidência pode exceder os 50%,3,4 particularmente para os cromossomos 13, 18, 21, X e Y responsáveis pela maioria dos abortos espontâneos.9,10 O aumento de erros de segregação durante a meiose não está relacionado apenas à idade materna avançada, mas também a uma interação entre as características originais da oogênese e uma série de fatores endógenos e exógenos.4
A ideia pioneira do PGD foi elaborada por Edwards e Gardner em 196811 e a primeira aplicação clínica foi descrita em 1990 por Handyside et al.,12 na qual sequências específicas do cromossomo Y foram amplificadas com a reação em cadeia da polimerase (PCR, do inglês polymerase chain reaction) para determinar o sexo dos embriões originados de casais com risco de transmissão de doenças relacionas ao X.13
O PGD deu origem ao screnning genético pré‐implantacional (PGS, do inglês screening genetic preimplantation), um procedimento que identifica embriões com aberrações cromossômicas de mulheres com idade avançada, em casos de casais com cariótipo normal que sofreram abortos de repetição ou falha de implantação, assim como em casos de fator masculino de infertilidade grave, pois geram embriões com altas taxas de anormalidades cromossômicas.6,14 Em contraste com o PGD, os pais que são encaminhados para o PGS não apresentam doenças genéticas hereditárias.5
Diante dos avanços tecnológicos as opções de metodologias para a análise em PGD/PGS estão em expansão, assim como os estudos sobre elas descrevendo suas vantagens e desvantagens, especificidade e validação para uso clínico. Não só estudos sobre as técnicas de análise, mas também do tipo celular a ser escolhido para a retirada do material genético estão presentes na literatura descrevendo pros, contras e restrições de cada tipo. Dessa maneira, esta revisão tem como intuito: reunir as informações sobre as opções de estágios embrionários para a realização da biópsia e métodos de biologia molecular para ajudar na escolha correta na aplicação em PGD; e levantar alguns questionamentos bioéticos que surgem em relação ao uso do PGD e dos avanços em resultados ofertados pelas novas tecnologias empregadas na análise.
ProcedimentosBiópsia embrionáriaO procedimento de biópsia envolve a abertura da zona pelúcida (ZP), matriz glicoproteica que envolve os oócitos e posteriormente os embriões e, em seguida, a aspiração do material celular para análise genética. A abertura da ZP pode ser executada de três maneiras: mecanicamente (dissecção parcial da zona ou corte de zona), quimicamente, com o auxílio de uma solução ácida de Tyrode, ou com laser diodo infravermelho.15,16
O material genético pode ser obtido em diferentes estágios embrionários, no primeiro dia de desenvolvimento após a fertilização é possível retirar os corpos polares (CPs). A biopsia pode também ser feita no terceiro dia de desenvolvimentos para obtenção de um ou dois blastômeros. Outro momento em que pode ser feita a remoção das células embrionárias é durante o quinto dia de cultivo e a análise é feita a partir da algumas células da trofoectoderme de blastocistos. Cada uma dessas fontes apresenta vantagens diagnósticas específicas, bem como limitações.8,17,18
Uma grande vantagem da biópsia de CPs é que ambos são materiais extraembrionários e não têm papel biológico no desenvolvimento do futuro embrião. Entretanto, uma das principais limitações da análise com o uso desse material é que apenas a contribuição genética materna pode ser avaliada. Nos casos em que for necessária a investigação da contribuição paterna, outra fonte de material genético deverá ser usada.16 A remoção dos CPs não interfere na taxa de fertilização normal dos oócitos e na porcentagem de embriões que atingem a fase de clivagem. Esse procedimento é indicado para pacientes de idade materna avançada, cuja redução nas taxas de gravidez pode estar associada ao aumento da incidência de aneuploidias relacionadas à idade.19
A vantagem da biópsia em estágio de clivagem sobre a análise do CP é a detecção de aberrações cromossômicas ou distúrbios de um único gene, tanto de origem materna quanto paterna. As desvantagens da biópsia de blastômeros são a quantidade limitada de células disponíveis para o diagnóstico16 e a maior ocorrência de mosaicismo celular durante essa fase do desenvolvimento, que leva ao questionamento de se a célula analisada representa todo o embrião.2,8 Entretanto, as novas tecnologias de testes genéticos são de alta precisão e não há necessidade de aspirar mais de uma célula, o risco de um diagnóstico errado é muito baixo quando são usados marcadores suficientes para a avaliação do número de cópias dos cromossomos ou para detecção de mutações de desordens monogênicas.15 A biópsia em fase de blastocisto oferece a vantagem da remoção de 5 a 10 células do trofoectoderme para análise, deixa intactas as células da massa celular interna, essas que darão origem ao feto. No entanto, deve‐se considerar que nem todos os embriões gerados por IVF alcançam a fase de blastocisto.16,20,21
Análise genéticaA PCR foi considerada a técnica mais importante dos laboratórios moleculares modernos pelo fato de amplificar pequenas quantidades de DNA ao grau de poderem ser visualizados e submetidos a análise genética.22 Entretanto, o uso dessa técnica em célula única, devido à pouca quantidade de DNA contido na célula proveniente da biopsia, tem se mostrado desafiadora. Os problemas frequentemente encontrados são o aumento de contaminação, allele dropout (ADO) e amplificação preferencial (PA, do inglês preferential amplification).22 O ADO é considerado um caso extremo de PA, pois apenas um alelo é amplificado.23,24 Dessa maneira é um dos principais problemas da PCR de célula única, dificulta a interpretação dos resultados.25 Para condições de doenças autossômicas recessivas, quando ambos os pais carregam a mesma mutação, ADO não deve resultar na transferência de um embrião afetado. Contudo, quando os pais são heterozigotos ou em caso de doença autossômica dominante, o ADO pode ter consequências graves, como a transferência de um embrião portador da doença. O aumento da taxa de ADO reduz potencialmente a taxa de transferência dos embriões.22
Com a finalidade de reduzir as taxas de allele dropout, Ray e Handyside (1996) sugerem aumentar a temperatura de desnaturação nos primeiros ciclos da PCR.26 Além disso, estudos tem demostrado que a amplificação simultânea de um ou mais marcadores polimórficos, localizados no mesmo cromossomo e perto do gene causador da doença em estudo, pode assegurar uma análise sem ADO.25,27 Essa metodologia é denominada multiplex PCR e também usada para melhorar a detecção de mutação características de doenças (ex. fibrose cística).27,28
A PCR em tempo real (RT‐PCR, do inglês real time‐PCR) é outro exemplo de aprimoramento da técnica básica, pois por meio dessa acompanha‐se o resultado da reação em tempo real. Isso é possível devido ao uso de sondas ou intercalantes de molécula de DNA, ambos fluorescentes. Essas moléculas emitem sua fluorescência quando se ligam ao fragmento alvo e o aparelho mede a intensidade emitida e produz um gráfico. A amplificação e análise podem ser feitas no mesmo tubo, evita‐se a contaminação laboratorial. Além disso, o tempo de análise é menor se comparado com outras metodologias. Atualmente, a técnica de RT‐PCR é a indicada para o PGD na análise de sexagem de embriões, tipagem HLA e pesquisa de mutação única.22,27,29,30
Apesar de ser viável, a análise de aneuploidias por RT‐PCR não é indicada. Nesse caso recomenda‐se o uso de técnicas como a hibridização fluorescente in situ (Fish). A Fish usa sondas ligadas a um fluorocromo com a finalidade de marcar um gene ou parte de um cromossomo. As sondas são formadas por uma sequência de oligonucleotídios, de 15 a 30 bases complementares à sequência‐alvo, ligados a uma única molécula fluorescente.31,32 A técnica de Fish é aplicada em quatro etapas básicas: 1) fixação da amostra, 2) hibridização da sonda por aquecimento, 3) lavagem para a remoção das sondas em excesso e 4) detecção por microscópio de fluorescência.31
Para o PGD, a técnica de Fish é aplicada na pesquisa de aneuploidias, para rearranjos cromossômicos e identificação dos cromossomos sexuais em casos de doença ligada ao X.33,34 Atualmente, a pesquisa de aneuploidias envolve a análise dos cromossomos 13, 18, 21, X e Y, pois estão relacionados com nascidos vivos afetados. Em conjunto, é feita a análise dos cromossomos 15, 16 e 22, uma vez que estão relacionados à ocorrência de abortos espontâneos de repetição, principalmente em mães com idade avançada.24,35,36
Essa técnica tem como vantagens o baixo risco de contaminação e a análise de vários cromossomos simultaneamente.37 Entretanto, quanto mais sondas usadas conjuntamente, maior é o risco de sinais de sobreposição, o que prejudica a análise dos resultados. Além desse fator, sinais de separação, hibridação cruzada, polimorfismos e debris autofluorescentes também podem gerar erros de interpretação.34,38 Outro ponto negativo é a necessidade de fixação da célula em lâmina, dado que essa etapa está diretamente correlacionada com a confiabilidade dos resultados de Fish, pois uma má fixação interfere na hibridização das sondas.39,40 Estudos demonstram que a técnica de Fish não tem sido eficiente em auxiliar no aumento da taxa de nascidos vivos em IVF.41,42
Outra técnica da citogenética molecular aplicada no diagnóstico pré‐implantacional é a hibridização genômica comparativa array (array CGH ou aCGH), a qual permite a análise dos 24 pares de cromossomos simultaneamente. No PGD, é indicada para a detecção de aneuploidias, translocações cromossômicas desiquilibradas e distúrbios de cariótipo complexo com múltiplos rearranjos, mostra‐se nessas pesquisas mais eficiente do que a técnica de Fish.27,43–45 Entretanto, estudos demonstram que aCGH não foi capaz de detectar triploidias.45–47 Essa técnica foi validada por Gutiérrez‐Mateo et al. (2011) para uso clínico.46 Blastômeros únicos de 795 embriões foram analisados por aCGH e o restante do embrião foi fixado em lâmina para análise com Fish. Eles concluíram que array CGH é capaz de detectar 42% mais anormalidades.46 Além do mais, estudos clínicos e de pesquisa também usam corpúsculos polares e a células da trofoectoderme para o diagnóstico dos embriões.10,48,49
Para a aplicação da técnica primeiramente é preciso amplificar o DNA da amostra e do controle separadamente com o uso de uma amplificação genômica completa (WGA, do inglês whole genome amplification). Dentre as técnica de WGA, atualmente a mais usada em PGD é a amplificação por deslocamento múltiplo (MDA, do inglês multiple displacement amplification), por ter se mostrado muito mais eficaz na amplificação de quantidades mínimas de DNA.41,44,50 A MDA é uma reação isotérmica baseada no uso da polimerase Φ29 e de primers randômicos.44,50,51 A polimerase Φ29 apresenta um mecanismo de correção eficaz que resulta em uma taxa de erro 100 vezes menor do que a Taqpolimerase.52 Dentre os kits comerciais o mais usado e já validado para uso em clínica é o Sureplex da BlueGnome, o qual usa primers semirrandômicos não complementares.38–40,46,53
Os amplificados então são marcados com fluoroforos, geralmente o controle com o vermelho e a amostra com o verde.10,54 Esses então são misturados e adicionados ao chip de array para que aconteça a hibridação. Existem vários tipos de chips no mercado, contudo o mais usado em PGD é o que apresenta em sua superfície BAC's (cromossomos artificiais bacterianos). Isto é, cada ponto na lâmina apresenta um fragmento correspondente a uma porção de um cromossomo.8,54,55 Um excesso de fluorescência verde em um ponto significa ganho e de vermelho significa perda, um software analisa essa relação vermelho‐verde.8,10,55 Dos kits comerciais o mais visto em literatura para esse tipo de análise em PGD é o 24sure da BlueGnome.47,53,56 Toda a técnica de array CGH é feita em menos de 24 horas. Com isso o embrião não precisa passar pelo processo de vitrificação, pode ser transferido no mesmo ciclo.2,8,10,40
Contudo, essas abordagens já consolidadas no PGD apresentam limitações significativas, como resolução limitada e informações restritas, como a investigação de apenas um loci na PCR ou de alguns cromossomos na Fish. O sequenciamento de nova geração (NGS) tem se mostrado uma técnica confiável capaz de analisar todos os tipos de aneuploidias, translocações (não balanceadas e Robertsoniana), mutações de ponto e de novo.3,38,57–61 A análise do número de cromossomos baseada em NGS parece ser mais vantajosa quando comparada com a técnica de aCGH, pois: (a) a preparação automatizada da biblioteca minimiza a taxa de erro humano e de trabalho manual, permite um maior rendimento e consistência nos resultados; (b) apresenta um aumento no potencial de resolução, para alguns megabites, com isso detecta aneuploidias parciais e segmentares com maior eficiência; (c) devido ao alto rendimento das técnicas de sequenciamento e à possibilidade de sequenciar mais de uma amostra por teste, há uma redução do custo; (d) aumenta o dynamic range e permite melhor detecção de mosaicismo em amostras multicelulares.27,60,62
A técnica de NGS envolve o preparado da amostra, a amplificação da biblioteca e o sequenciamento, as diferentes tecnologias de sequenciamento têm estratégias diferentes para sua execução. A preparação da amostra compreende a fragmentação aleatória do DNA, gera templates, e a incorporação de adaptadores, sequências artificiais conhecidas. Com isso é possível adicionar amostras distintas em uma mesma reação, pois cada uma é marcada com um adaptador diferente.58,61,63 Quando o NGS é aplicado no PGD, uma etapa é acrescentada ao preparo da amostra: a amplificação do DNA por WGA, uma vez que no PGD o DNA inicial provém de uma única célula.57,61,64 Após a incorporação dos adaptares, os fragmentos passam pelo processo de amplificação, com o objetivo de gerar, em um pequeno espaço, milhares de cópias de cada fragmento, chamados clusters. Esses então serão sequenciados em paralelo por meio de uma série de reações químicas, resultarão em sinais detectáveis que determinam a sequência de bases do template analisado.58,63 Esses sinais variam conforme a estratégia usada pela sequenciador. Por exemplo, o Ion Torrent (Life Technologies) detecta a mudança de pH em cada incorporação do nucleotídeos, resultado da liberação de um íon H+. Por sua vez, o equipamento HiSeq 2000 (Ilumina) analisa um sinal fluorescente emitido na introdução de cada novo nucleotídeos. Os resultados das leituras dos fragmentos são comparados com um genoma de referência por um software63 para a análise do número de cromossomos. Por exemplo se o número de leituras for maior ou menor do que a referência para aquela região, indica trissomia ou monossomia, respectivamente.58,61,64
O NGS foi validado para uso clínico no PGD por Tan et al.3 e Fiorentino et al.61 O primeiro grupo analisou 1.512 blastocistos e comparou o NGS a outras técnicas já validadas e comprovou sua maior eficácia na detecção de rearranjos segmentares desequilibrados.3 Semelhantemente o segundo grupo comparou a técnica de NGS com as já estabelecidas para pesquisa do número de cromossomos (array CGH e cariotipagem). Todos os embriões diagnosticados, por meio do sequenciamento, como aneuploides foram confirmados pelas outras técnicas, validaram o NGS como uma metodologia pronta para uso clínico, por ser de alto rendimento e precisa na detecção de aneuploidias.61
MosaicismoEm 1993 escreveu‐se pela primeira vez a respeito do mosaicismo cromossômico, fenômeno que faz com que algumas células do embrião apresentem conteúdo cromossômico diferente entre si.65 Desde então, muitos estudos têm sido publicados a respeito, expõem taxas de mosaicismo que variam de 15%2 para mais de 90%.66 A prevalência do mosaicismo é altamente relevante para o PGS, pois a análise é frequentemente baseada na biópsia de somente um blastômero.
O mosaicismo diploide‐aneuploide, no qual um embrião é composto tanto de células diploides quanto de células aneuploides, é a constituição cromossômica mais comumente encontrada em embriões após a IVF.18 Contudo, ainda não está estabelecido o limiar exato de células anormais nesses blastocistos mosaicos acima do qual exista a autoeliminação durante o desenvolvimento pós‐implantacional. Além disso, não é elucidado se os diferentes cromossomos envolvidos em uma anormalidade possam ter um efeito distinto sobre a viabilidade do embrião.47
A alta taxa de mosaicismo cromossômico indica que a ocorrência de erros de segregação cromossômica durante a mitose seja uma característica comum do desenvolvimento embrionário inicial.18 As primeiras clivagens dependem dos transcritos de genes e proteínas armazenadas no oócito. Para evitar a formação de células aneuploides é necessário que as proteínas mitóticas e do ciclo celular estejam presentes em elevadas concentrações.67 A qualidade dos oócitos e seus transcritos diminui ao longo do tempo, devido ao acúmulo de radiação ou agentes tóxicos, ao estresse oxidativo,68 ao comprometimento das mitocôndrias69 ou ao encurtamento dos telômeros.70
Altas taxas de anormalidades cromossômicas numéricas também foram encontradas em embriões de mulheres jovens, sugerem que essas anormalidades não estejam exclusivamente relacionadas à idade materna avançada.71 O mosaicismo também pode ser induzido pela EOC e/ou pelo cultivo in vitro embrionário durante o procedimento de IVF. Baart et al. (2007) demonstraram que a intensidade da hiperestimulação dos ovários pode influenciar a taxa de mosaicismo cromossômico.72 Além disso, outros fatores que devem ser considerados para a determinação da taxa de mosaicismo são o número de cromossomos analisados (3, 3‐5, 6‐10, 10), o método de análise (Fish, CGH, outros) e o estágio de desenvolvimento em que os embriões são biopsiados (corpúsculos polares, blastômeros ou blastocistos).18
BioéticaO desenvolvimento técnico‐científico tem possibilitado grandes avanços na área na saúde, tem como intuito salvar, melhorar, prolongar e manter a vida. Contudo, a ciência progride de uma maneira mais veloz do que a própria reflexão e deve‐se tomar consciência sobre o uso desses novos recursos, pois nem toda tecnologia pode ser considerada como símbolo de progresso para a humanidade em geral. Diante disso surgem questões colocadas de um modo novo para que a sociedade discuta qual a melhor forma de respondê‐las e tratá‐las.73
A bioética tem um papel fundamental junto à sociedade civil para auxiliar na reflexão dessas inquisições em que se aplicam os aspectos éticos a problemas que se apresentam no contexto da prática clínica, na aplicação de tratamentos de saúde e na pesquisa biomédica. Atualmente, no campo da reprodução humana debate‐se sobre quais seriam os limites que deveriam ser impostos para a manipulação de embriões humanos a fim de propor a melhor prática, já que existem diferentes possibilidades de aplicações do PGD, as quais geram margem para discussões como a eugenia, embriões excedentários, destino dos embriões, entre outros aspectos.74,75
Cada país tem sua legislação e emprega o PGD com uma abordagem específica, pois as perspectivas políticas e a maneira como os sistemas de saúde são estruturados são distintos em cada local. No Brasil, não existe legislação que regulamente as práticas de reprodução humana, apesar de existirem projetos de lei que tramitam na Câmara e no Senado, o que há é a Resolução CFM n° 2.121/2015,76 do Conselho Federal de Medicina (CFM), o único documento que aborda mais especificamente o assunto, mas que não abrange todos os pontos existentes.77,78
Ao analisar o PGD com uma visão ética, pode‐se considerar como uma vantagem da técnica a possibilidade de prevenir gestações em que o embrião tem alguma anomalia e que em alguns casos opta‐se pelo aborto.79 Com o processo de diagnóstico precoce é possível detectar os embriões afetados já in vitro e implantar somente os que não apresentam comorbidades genéticas, evitar dessa forma futuras frustrações ao casal. Porém, vale salientar que ainda existem muitos debates sobre o status moral e legal do embrião, o qual é considerado um ser humano em potencial e que deve ser tratado com dignidade.80
Uma preocupação que tem sido frequentemente abordada é sobre o uso do PGD como prática de eugenia, pois essa poderia ser empregada de maneira negativa a fim de eliminar características indesejáveis e evitar o nascimento de indivíduos com genes considerados inferiores. É sabido que as técnicas de reprodução humana assistida não devem ser usadas com o intuito de selecionar o sexo ou as características biológicas do futuro filho. A sexagem deve ser somente usada quando existe a probabilidade de doenças relacionadas ao sexo do embrião.13,77,81
As técnicas da IVF e do PGD colaboram para que casais que por quaisquer motivos têm dificuldade de conceber um filho possam realizar seus sonhos. Porém, teme‐se a banalização da vida dos embriões e que essa se torne mero processo comercial, além de que, por haver escassez de leis, os profissionais ficam sem respaldo para as suas ações.82 As perguntas sobre o tema são infinitas e abrangem vários contextos, como ético, social, religioso e jurídico, mas todos devem se ater ao valor da vida humana e a sua dignidade.
Considerações finaisO diagnóstico pré‐implantacional tem contribuído para a redução da taxa de abortos espontâneos, o que resulta também no aumento das taxas de implantação em IVF. Por se tratar de um processo específico, ele é dirigido para a necessidade de cada casal, é a partir disso que o tipo de biopsia e a técnica de análise são escolhidos.
Todas as técnicas de biologia molecular exploradas nesta revisão apresentam seus prós e contras na hora da análise. Porém, atualmente o único fator limitante constitutivo da amostra para a análise é o mosaicismo, dado que o desafio imposto pela quantidade de DNA presente em célula única foi superado com o advento da PCR e das técnicas de WGA. A ocorrência do mosaicismo é especialmente relevante para o PGD, especialmente quando é feita a biópsia de blastômeros, pois é nessa fase do desenvolvimento que o mosaicismo prevalece. Diante disso, é visto que as pesquisas advertem que a remoção de um único blastômero atua negativamente no desenvolvimento do embrião e na taxa de formação de blastocisto é recomendada a biópsia de TE. O principal obstáculo da apreciação desse material é a falta de conhecimento sobre a representatividade das células da TE em relação ao futuro feto e, como citado, nem todos os embriões em cultivo alcançam a fase de blastocisto.
Das plataformas disponíveis para a investigação do genoma, a NGS tem demonstrado maior confiabilidade e especificidade. A tendência é que ela sobrevenha às outras técnicas usadas na análise genética embrionária. O tema tem uma grande relevância do sentido ético e se faz necessária uma legislação que contemple as lacunas existentes para que os profissionais tenham maior segurança nas suas tomadas de decisões, como também para as pessoas que usufruem do tratamento.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.