O objetivo deste estudo foi verificar o efeito de um programa de treinamento concorrente sobre a saúde de uma mulher de 42 anos de idade, com múltiplas hérnias de disco lombares. O treinamento consistiu em exercícios funcionais, resistidos e flexibilidade, durante um período de 16 semanas. Foram analisadas a composição corporal, a força, a qualidade de vida, a flexibilidade e a percepção de dor. Houve melhorias no percentual de gordura, massa magra, massa gorda, flexibilidade e força nos membros inferiores. A percepção da dor na região cervical e no quadril direito foi anulada após a 9.a semana. O mesmo ocorre na região lombar, com exceção de que houve um ligeiro aumento na percepção da dor na penúltima semana, que se reduziu completamente no final do estudo. Houve melhora da saúde física e mental, e qualidade de vida em geral. Concluímos que o treinamento concorrente melhorou as variáveis de saúde no estudo de caso.
The aim of this study was to verify the effect of a concurrent training program on the health of a woman of 42 years old with multiple lumbar herniated discs. The training consisted of functional, resisted and flexibility exercises over a period of 16 weeks. Body composition, strength, quality of life, flexibility and pain perception were analyzed. Improvements were detected in the percentage of fat, lean mass, fat mass, flexibility and leg strength. Pain perception score was zero after the 9th week in the cervical region and right hip. The same happened in the lower back, except that there was a slight increase in pain perception in the penultimate week, which was totally reduced at the end of the study. Physical and mental health, as well as total quality of life were improved. We conclude that the concurrent training improved health variables in the case study.
El objetivo de este estudio fue verificar el efecto de un programa de entrenamiento concurrente sobre la salud de una mujer de 42 años de edad con múltiples hernias de disco lumbares. El entrenamiento consistió en ejercicios funcionales, resistidos y de flexibilidad durante un periodo de 16 semanas. Se analizó la composición corporal, la fuerza, la calidad de vida, la flexibilidad y la percepción del dolor. Hubo mejoras en el porcentaje de grasa, en la masa magra, en la masa grasa, en la flexibilidad de las piernas y en la fuerza. La percepción del dolor en la zona cervical y en la cadera derecha se anuló a partir de la 9.a semana. Igualmente ocurrió en la zona lumbar, con la salvedad de que hubo un discreto aumento de la percepción del dolor en la penúltima semana, que se redujo totalmente al finalizar el estudio. Mejoró la salud física y mental, así como la calidad de vida en general. Se concluye que el entrenamiento concurrente mejoró las variables de salud en el caso de estudio.
A hérnia de disco (HD) é considerada uma síndrome multifatorial de alta prevalência, onde a dor, a qualidade de vida (QV) e os fatores emocionais são mais evidenciados1; ela consiste na migração do núcleo pulposo com fragmento do anel fibroso para fora de seus limites funcionais da vértebra, onde a maioria ocorrem na lombar2.
Os fatores de risco para HD são vários, dentre eles: a genética, o sedentarismo, a exposição a cargas, traumas e vibrações prolongadas2. Um estudo mostrou que as lesões na estrutura do disco podem surgir a partir de levantamentos de cargas leves, pesadas e trauma severo, porém, a maioria dos casos não teve uma causa específica e não mostrou associação estatística a eventos com sobrecarga2. Essa informação é relevante, pois a falta de exercício físico para o fortalecimento musculoesquelético da região afetada pode potencializar o desenvolvimento da HD3. Assim, é importante a elaboração de programas de exercício físico (EF) para o fortalecimento da estrutura musculoesquelética na região toracolombar, tanto na prevenção quanto no controle do problema3. Porém, poucos estudos são encontrados com intervenção específica para HD envolvendo exercício4,5. Com isso, pretende‐se saber se um treinamento concorrente (TC) terá efeitos positivos sobre variáveis de saúde de uma mulher com múltiplas HD.
Diante do exposto, o estudo objetivou verificar o efeito de um programa de TC sobre a composição corporal, força, QV, flexibilidade e dor de uma mulher com múltiplas HD.
Caso clínicoA voluntária tinha 42 anos de idade, características étnicas euro‐americanas, com 70.1kg de massa corporal e 165cm de estatura, possuindo algumas limitações físicas, dentre elas: ciatalgia, bursite no quadril direito e múltiplas HD lombar. A voluntária relatou ter sofrido um acidente automobilístico com impacto frontal no ano de 2013, quando tinha 40 anos, estando do lado carona e com as pernas apoiadas no painel do carro. Após o acidente, a voluntária foi diagnosticada clinicamente com múltiplas HD lombossacrais por um ortopedista e confirmadas através de um tomógrafo computadorizado Multislice® (EUA) com o seguinte texto: «mínimas protrusões discais de base larga: L2‐L3, L3‐L4, L4‐L5 e L5‐S1 que não estabelecem contato significativo com a face ventral do saco dural».
A voluntária assinou um termo de consentimento contendo todas as informações para a realização da pesquisa com seres humanos, estabelecidas pela resolução 466/2012. Para avaliação antropométrica, utilizou‐se as medidas de massa e estatura, determinadas em balança Welmy® CH110 (Brasil). Para o percentual de gordura (%), foi usado um adipômetro Cescorf® (Brasil) com protocolo feminino de 3 dobras6. Na avaliação de força, foi utilizado um teste predição para uma repetição máxima (RM)7 para os exercícios de tração latíssimo, remada baixa, pec deck dorsal, supino reto, flexora, extensora e solear, e gastrocnêmios realizados em equipamentos da marca Olympikus® (Brasil). Já o teste sentar e alcançar os pés8 foi usado para a flexibilidade. O Medical Outcomes Studies 36‐Short‐Form (SF‐36/português‐Brasil) foi usado para avaliar a QV9 e, para classificação desta variável, usou‐se o manual de pontuação da versão espanhola do SF‐3610. A avaliação da dor foi realizada através do questionário de Randall et al.11 e, para determinar a intensidade desta, foi utilizada a escala de faces12.
O TC usou 3 métodos distintos: exercícios de estabilização do tronco, resistido e flexionamento no período de 16 semanas, divididos em 4 ciclos, com 4 sessões semanais, onde 2 dias foram para treinamento resistido‐funcional e 2 dias de flexionamento. Uma periodização ondulatória com variações de intensidade a cada ciclo foi usada. As intensidades do primeiro ciclo foram 60‐70% com o método alternado por segmento; no segundo, foi de 75‐70%, com o método que usou 2 exercícios para o mesmo grupo muscular sequenciais; o terceiro foi 65‐85% com o mesmo método do ciclo 2 e, no último, 70‐85%, com o método agonista‐antagonista em sequência. O treinamento com exercícios de estabilização do tronco13 foi realizado na mesma sessão do resistido, com exercícios isométricos para os músculos abdominais e paravertebrais com 15, 20, 30 e 40 segundos, respectivamente, para cada ciclo. O treinamento de flexibilidade foi realizado de forma estática‐passiva, com sobrecarga de apoio da instrutora sobre um tatame de borracha sintética de 2×1 metro e 40mm de espessura, em 3 séries de 10‐15 segundos para os grupamentos musculares dos membros inferiores: solear e gastrocnêmios, quadríceps e isquiotibiais; para membros superiores: deltoides anteriores, tríceps, bíceps, flexores e extensores do carpo; para o tronco: paravertebrais; abdominais, latíssimo dorsal, peitorais, além do esternocleidomastoideo. Todo o treinamento considerou as recomendações do American College of Sports Medicine (ACSM)3 e os exercícios respeitaram a necessidade e limitações da voluntária, enfatizando o fortalecimento do core13.
A tabela 1 apresenta os dados de composição corporal, flexibilidade, aspectos gerais da QV e alguns testes de força com as respectivas classificações.
Dados de saúde da voluntária e suas respectivas classificações
Variáveis | Pré‐teste | Classificação – Pré | Pós‐teste 16 semanas | Classificação – Pós | Δ% |
---|---|---|---|---|---|
IMC (kg/m2) | 26.1 | Sobrepeso | 25.9 | Sobrepeso | ‐0.7 |
IRCQ (cm/cm) | 0.74 | Risco moderado | 0.73 | Risco moderado | ‐1.4 |
Cintura (cm) | 81 | Risco médio | 78.3 | Normal | ‐3.3 |
% gordura (%) | 34.2 | Ruim | 28.99 | Médio | ‐15.2 |
MCM (kg) | 46.2 | ‐ | 49.5 | ‐ | 7.2 |
MCG (kg) | 23.9 | ‐ | 20.2 | ‐ | ‐15.5 |
Flexão de braços (Rep.) | 9.0 | Baixo da média | 24 | Excelente | 116.7 |
Supino horizontal (1RM/kg) | 0.31 | Muito ruim | 0.42 | Muito ruim | 110 |
Flexibilidade PD (cm) | +10 | Fraco | +21 | Bom | 64.3 |
Flexibilidade PE (cm) | +14 | Médio | +23 | Excelente | 35.5 |
Saúde física (score) | 55 | Regular | 81 | Bom | 47.3 |
Saúde mental (score) | 70 | Bom | 84 | Muito bom | 20 |
SF‐36 total (score) | 62 | Bom | 84 | Muito bom | 35.5 |
IMC: índice de massa corporal; IRCQ: índice relação cintura/quadril; MCG: massa corporal gorda; MCM: massa corporal magra; PD: perna direita; PE: perna esquerda; Rep.: n.° repetições; RM: repetição máxima; URSS/Espanha: unitat de recerca en serveis sanitaris.
A figura 1A apresenta os resultados para força muscular. Os dados mostram melhoras para todos os exercícios. Para os membros inferiores, os melhores resultados foram para a cadeira extensora com Δ%=19.4% após 8 semanas e Δ%=40.3% após 16 semanas. Já para os membros superiores, os melhores resultados foram para tração latíssimo com Δ%=44.7% após 8 semanas e Δ%=52.9% após as 16 semanas.
Apresenta os resultados para a força muscular e nível de dor. A 1A mostra os resultados para os exercícios de força e a 1B mostra os resultados para os níveis de dor, ao longo das 16 semanas, com protocolo de Wisconsin: cervical; lombar e quadril direito e, para intensidade, optou‐se pela escala de faces.
A figura 1B mostra os resultados para nível de dor. Houve aumento na intensidade da dor nas regiões: lombar, cervical e quadril direito nas primeiras semanas de treinamento; já entre a terceira e a quinta semana, houve uma diminuição da dor para ambas as regiões, chegando a 0 pontos de dor no quadril direito. Na região cervical, houve manutenção com nível de um ponto até à oitava semana e, a partir desta, a escala de 0 pontos até o final do estudo. Na sexta semana a dor lombar e no quadril direito voltaram a aumentar, porém, diminuíram na semana seguinte, com nível 0 de dor (Δ%=‐100%), que perdurou até o final para quadril direito, com um leve aumento na lombar na semana número 15, voltando a 0 pontos na última semana do estudo (Δ%=‐100%).
DiscussãoA dor lombar é comum em sociedades industrializadas, sendo a principal consequência à incapacitação temporária ou definitiva das atividades profissionais e do cotidiano, sendo a causa frequente de limitações físicas em indivíduos com menos de 45 anos1.
Neste estudo, observou‐se o nível 0 pontos de intensidade de dor nas regiões cervical, lombar e quadril direito, a partir da semana 9 (fig. 1B). Para o ACSM, a baixa flexibilidade lombar e do quadril, e a pouca força abdominal, podem contribuir para o desenvolvimento da dor lombar3. Desta forma, a importância da avaliação da flexibilidade neste estudo, que melhorou na perna direita e esquerda (tabela 1), vem ao encontro do estudo de Lopes et al.4 no teste de sentar e alcançar (Δ%=25.2%; p<0.01) para herniadas, utilizando o método Pilates em 6 semanas. E também da força muscular, onde o presente estudo apresentou melhoras em todos os exercícios, tendo destaque para extensora e tração‐latíssimo (fig. 1A).
Em um estudo que usou exercícios com pacientes com HD pós‐cirurgia, em níveis de L3 e S1, durante 12 semanas, foi composto por um grupo que fez exercício aquático com deslocamento para trás, e outro que fez exercício resistido com intensidade progressiva; ambos aumentaram estatisticamente a força da região lombar, comparados a um grupo de controle, sugerindo que ambos os treinamentos podem auxiliar no tratamento da HD5.
O aumento da resistência muscular do abdômen, glúteo e extensores de tronco está relacionado à melhora de QV em indivíduos com dor lombar3, o que vem ao encontro dos resultados para a QV do presente estudo, que apresentou melhora para todos os domínios do SF‐36 (tabela 1). Taborda et al.14, em estudo realizado com 18 pessoas com dor lombar, aplicando o método Isostretching no período de 8 semanas, concluíram que o método também foi eficaz para a melhora da QV das pessoas com dor lombar, como nos resultados do presente estudo de caso.
O valor do exercício físico também é evidenciado quando, em um estudo15 que avaliou a capacidade funcional de 60 pacientes com HD pós‐cirurgia, que teve um grupo (n=30) submetido imediatamente após a cirurgia a exercícios fisioterápicos e outro grupo (n=30) que iniciou a fisioterapia após 3 semanas, concluiu que o grupo que iniciou os exercícios imediatamente teve a melhor capacidade funcional (p<0.05), comparado ao grupo que iniciou os exercícios após 3 semanas da cirurgia.
O TC usado neste estudo enfatizou o fortalecimento do core13, visto que o sistema muscular que estabiliza essa região está associado ao controle de problemas que envolvem os membros inferiores e a dor lombar12. Assim, o TC proposto foi eficaz neste caso e o fortalecimento do corpo, juntamente com a melhora da flexibilidade, pode ter contribuído para melhorar as variáveis estudadas. Por fim, recomenda‐se novos estudos utilizando o TC deste estudo, com grupos de intervenção e controle.
Para este relato de caso, o TC proposto foi eficiente para todas as variáveis estudadas: composição corporal, força muscular, flexibilidade, QV e, especialmente, para a dor na região lombar.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.
Al Programa Institucional de Bolsas de Iniciaçao Científica (PIBIC‐CNPq) do Brasil.