A angiografia coronária de rotina e revascularização em pacientes com síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST (SCASST) têm se mostrado benéficas.1,2 Entretanto, esses pacientes têm um risco aumentado de hemorragia devido aos medicamentos antiplaquetários, anticoagulantes e procedimentos invasivos. Hemorragias graves em pacientes com SCASST têm sido associadas ao risco aumentado de mortalidade.3–5
Complicações relacionadas ao acesso vascular continuam a ser origem comum de hemorragia grave, e o uso da via radial é associado a uma redução substancial do risco de hemorragia do acesso vascular.6 O estudo MATRIX (Minimizing Adverse haemorrhagic events by TRansradial access site and systemic Implementation of angioX) mostrou que o acesso radial, quando comparado com o femoral, em pacientes com síndrome coronária aguda, reduziu a hemorragia grave e a mortalidade.7 Esses resultados levaram as diretrizes das principais sociedades médicas a recomendarem, na SCASST, o acesso radial no lugar do femoral como abordagem primária nos centros com experiência no acesso radial.8
Os dispositivos de oclusão vascular femoral (DOV) foram desenvolvidos para obter hemostasia imediata em pacientes submetidos à angiografia coronariana ou à intervenção coronária percutânea (ICP). O estudo CLOSURE randomizou 3.015 pacientes para o dispositivo de oclusão, em comparação com a compressão manual, e demonstrou uma redução significativa das complicações de acesso vascular com os dispositivos de oclusão.9 A redução das complicações vasculares foi guiada pela diminuição dos grandes hematomas.
Esse fato tem gerado uma mudança gradual na população com SCASST submetida à ICP, de uma maioria de pacientes abordada por via femoral com posterior compressão externa para uma população abordada por via radial ou femoral com o uso de DOV. A identificação de pacientes com risco de complicações vasculares relacionadas ao acesso vascular é vital para sua prevenção, e a evolução na seleção do local de acesso e no manejo da hemostasia provavelmente altera os fatores de risco de complicações relacionadas ao local de acesso.
Andrade et al. apresentaram uma subanálise do estudo ARISE (AngioSeal versus the Radial approach In acute coronary SyndromE), a fim de identificarem os fatores de risco para complicações relacionadas ao local de acesso em pacientes submetidos à angiografia coronária ou ICP, a partir da abordagem radial ou femoral, utilizando DOV.10 O ARISE foi um estudo de não inferioridade, randomizado, unicêntrico, que comparou a abordagem radial com a femoral, utilizando DOV em pacientes com SCASST.11 Os autores realizaram uma análise global e estratificada do local de acesso para complicações relacionadas ao acesso vascular, incluindo hematoma ≥ 5cm, hemorragia grave, pseudoaneurisma, hemorragia retroperitoneal, oclusão arterial, danos em nervos adjacentes, isquemia de membros, síndrome compartimental, fístula arteriovenosa, infecção ou necessidade de cirurgia para reparo vascular. A taxa de complicações vasculares após 30 dias foi de 13,3% no grupo radial e de 12,5% no grupo femoral, sem diferença significativa. Na análise univariada, os autores relataram que o índice de massa corporal (IMC), acidente vascular cerebral prévio, maior duração do procedimento e falha do DOV estavam relacionados à complicações do acesso. A análise multivariada mostrou que o IMC e a falha do DOV foram independentemente associados à complicações do local de acesso. Autores também relataram que pacientes do sexo feminino ou com risco alto ou muito alto, pelos critérios do estudo CRUSADE, estavam associados ao risco aumentado de complicações vasculares no grupo femoral.
O primeiro ponto a se destacar nesta análise é a combinação da oclusão radial assintomática com complicações hemorrágicas. Preditores de oclusão radial provavelmente não são os mesmos que os fatores de risco para hemorragia no local de acesso femoral. A anticoagulação pode reduzir a oclusão radial, mas também pode aumentar o risco de sangramento.
Provavelmente, o tamanho relativamente pequeno da amostra, combinado com o volume e a experiência do centro, também não foi suficiente para identificar outras complicações mais raras, embora clinicamente importantes, uma vez que não houve casos de fístula arteriovenosa, hematoma retroperitoneal, síndrome compartimental, isquemia de membros, lesões em nervos ou necessidade de cirurgia de reparo vascular. O tamanho da amostra também limita o poder de detectar interações de subgrupos e análise multivariada. Como consequência, estudos multicêntricos mais amplos podem ser necessários para melhor elucidar os fatores de risco para complicações vasculares.
Os autores relatam um aumento do risco independente de complicações vasculares em pacientes com IMC elevado. Embora essa interpretação seja baseada em uma coorte geral, essa tendência foi mais acentuada no grupo de acesso femoral (odds ratio – OR = 1,16; p = 0,03), em comparação com o grupo radial (OR = 1,05; p = 0,39). Pacientes obesos têm provavelmente um atraso na identificação de hemorragias no local de acesso, levando ao desenvolvimento de grandes hematomas. Isso é consistente com uma análise anterior, na qual os pacientes obesos foram associados à hemorragias maiores na região da virilha, quando comparados com pacientes com sobrepeso.12
A falha do DOV também esteve associada de maneira independente ao risco de complicações relacionadas ao acesso vascular. Quando ocorre falha do DOV, embora infrequente, a compressão manual é realizada em situação não convencional (geralmente iniciada na mesa do laboratório de cateterismo), exigindo reversão da anticoagulação farmacológica, que pode ser incompleta. Além disso, os pacientes submetidos à oclusão com DOV geralmente têm doença vascular periférica, a qual também está relacionada com o aumento do risco de complicações vasculares. Em conjunto, esses fatores provavelmente contribuem para o aumento do risco de complicações vasculares (OR = 17) observadas em pacientes com falha do DOV. Esses resultados são compatíveis com estudos de coorte maiores.13
Um maior entendimento da etiologia da falha do DOV é necessário para preveni-la e, potencialmente, evitar complicações vasculares. Com base na totalidade dos dados, o acesso radial é o melhor método para a prevenção de complicações vasculares durante a ICP. Se o acesso femoral for necessário, um DOV deve ser aplicado por operadores qualificados, pois uma falha no dispositivo pode aumentar as complicações.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.