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Vol. 23. Núm. 3.
Páginas 190-194 (julio - septiembre 2015)
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Vol. 23. Núm. 3.
Páginas 190-194 (julio - septiembre 2015)
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Open Access
Impacto do uso de anticoncepcional oral nas características e na evolução clínica de mulheres submetidas à intervenção coronariana percutânea primária
Impact of oral contraceptive use on the characteristics and clinical evolution of women undergoing primary percutaneous coronary intervention
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Giordana Zeferino Marianoa, Márcia Moura Schmidta, Maria Augusta Maturanab, Eder Quevedoa, Bianca de Negric, Cristina Gazetad, Alexandre Schaan de Quadrosa,
Autor para correspondencia
alesq@terra.com.br

Autor para correspondência. Instituto de Cardiologia/Fundação Universitária de Cardiologia, Avenida Princesa Isabel, 395, Santana, CEP: 90620‐001, Porto Alegre, RS, Brasil.
, Carlos Antonio Mascia Gottschalla,e
a Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul/Fundação Universitária de Cardiologia, Porto Alegre, RS, Brasil
b Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil
c Universidade Luterana do Brasil, Canoas, RS, Brasil
d Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
e Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
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Tabela 1. Características clínicas
Tabela 2. Características angiográficas e do procedimento
Tabela 3. Características laboratoriais
Tabela 4. Dados clínicos
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RESUMO
Introdução

Em nosso, país estima‐se que aproximadamente 27% das mulheres em idade fértil utilizem anticoncepcional oral (ACO). A apresentação e a evolução clínica do infarto agudo do miocárdio (IAM) nessas mulheres ainda não foi descrita em nosso meio. O objetivo do presente estudo foi analisar o perfil clínico, as características angiográficas, os aspectos técnicos do procedimento e os desfechos de usuárias de ACO que tiveram IAM e foram encaminhadas à intervenção coronariana percutânea (ICP) primária.

Métodos

Mulheres < 55 anos que apresentaram IAM com supradesnivelamento do segmento ST e foram encaminhadas à ICP primária foram sequencialmente incluídas e categorizadas em dois grupos: com e sem uso atual de ACO.

Resultados

Incluímos 257 pacientes, sendo que 19 (7,4%) usavam ACO. Estas eram mais jovens (42,3±6,2 anos vs. 48,4±5,7 anos; p < 0,001), com menos fatores de risco tradicionais para doença arterial coronariana, mas apresentavam proteína C‐reativa e fibrinogênio séricos mais elevados. O delta T foi semelhante (4,00 [1,25 a 6,86] horas vs. 4,50 [2,50 a 7,64] horas; p=0,54), mas o tempo porta‐balão foi maior nas pacientes em uso de ACO (1,41 [0,58 a 1,73] hora vs. 1,16 [0,91 a 1,51] hora; p=0,02). Estas pacientes foram mais frequentemente submetidas à tromboaspiração (52,6% vs. 25,6%; p=0,04). Após o evento índice, elas não apresentaram desfechos aterotrombóticos em até 2 anos de acompanhamento (0 vs. 15,2%; p=0,08).

Conclusões

Neste estudo, encontramos perfil clínico e desfechos diferentes entre mulheres em idade reprodutiva, usuárias ou não de ACO, e submetidas à ICP primária. Estudos com maior número de pacientes são necessários para confirmar tais resultados.

Palavras‐chave:
Anticoncepcionais orais
Infarto do miocárdio
Intervenção coronária percutânea
ABSTRACT
Background

In Brazil, it is estimated that approximately 27% of women of childbearing age use oral contraceptives (OC). The presentation and clinical course of acute myocardial infarction (AMI) in these women has yet to be described in Brazil. The aim of this study was to analyze the clinical profile, angiographic characteristics, technical aspects of the procedure, and the outcomes in women using OC who had an AMI and were submitted to primary percutaneous coronary intervention (PCI).

Methods

Women aged < 55 years who had acute ST segment elevation myocardial infarct and were referred to primary PCI were sequentially included and categorized into two groups: with and without current use of OC.

Results

We have included 257 patients, of whom 19 (7.4%) used OC. These patients were younger (42.3±6.2 years vs. 48.4±5.7 years; p < 0.001), with fewer traditional risk factors for coronary artery disease, but had higher serum levels of C‐reactive protein and fibrinogen. The delta T was similar (4.00 [1.25 to 6.86] hours vs. 4.50 [2.50 to 7.64] hours; p=0.54), but the door‐to‐balloon time was longer in patients taking OC (1.41 [0.58 to 1.73] hour vs. 1.16 [0.91 to 1.51] hour, p=0.02). These patients were more frequently submitted to thrombus aspiration (52.6% vs. 25.6%; p=0.04). After the index event, they had no atherothrombotic outcomes in up to 2 years of follow‐up (0 vs. 15.2%; p=0.08).

Conclusions

In this study, different clinical profiles and outcomes were found among women of reproductive age, users or non‐users of OC, and submitted to primary PCI. Studies with a larger number of patients are required to confirm these results.

Keywords:
Oral contraceptives
Myocardial infarction
Percutaneous coronary intervention
Texto completo
Introdução

O infarto agudo do miocárdio (IAM) afeta mais homens do que mulheres. Nestas, durante a idade reprodutiva, a fisiopatologia do evento está mais frequentemente relacionada à trombose.1 Dentre os fatores de risco conhecidos para trombose, está o uso de anticoncepcionais orais (ACO). Tal risco é potencializado em pacientes com condições associadas, como tabagismo, hipertensão arterial, obesidade e dislipidemia.2 A associação entre a trombose venosa e o uso de ACO é bem definida, e há diversos estudos que demonstram o aumento do risco de IAM e acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico.2–4

Em nosso país, estima‐se que aproximadamente 27% das mulheres em idade fértil utilizem ACO.5 A apresentação e a evolução clínica do IAM nessas mulheres não foi descrita em nosso meio, o que seria útil para auxiliar médicos e pacientes no manuseio dessa condição. O objetivo do presente estudo foi analisar o perfil clínico, as características angiográficas, os aspectos técnicos do procedimento e os desfechos de usuárias de ACO que tiveram IAM e foram encaminhadas à intervenção coronariana percutânea (ICP) primária.

MétodosPacientes

Todas as mulheres com idade < 55 anos, que apresentaram IAM com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCST) e foram encaminhadas à ICP primária, no período de 1° de dezembro de 2009 a 30 de maio de 2015, foram consideradas para o estudo. Os critérios de exclusão foram delta T > 12 horas e recusa em participar do estudo. As pacientes foram categorizadas em dois grupos: com e sem uso atual de ACO, a partir das informações obtidas no prontuário.

O IAMCST foi definido de acordo com os seguintes critérios: presença de dor típica em repouso associada à supradesnivelamento do segmento ST de pelo menos 1mm em duas derivações contíguas no plano frontal, ou 2mm no plano horizontal.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição e todos os pacientes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Procedimentos

Os procedimentos de ICP primária foram realizados conforme descrito na literatura.6 Aspectos técnicos específicos, como via de acesso, administração de fármacos, tipo de stent e tromboaspiração ficaram a critério dos operadores.

Investigadores treinados realizaram as entrevistas clínicas. Dados demográficos, fatores de risco para cardiopatia isquêmica, história médica pregressa e apresentação clínica do evento foram coletados. A avaliação laboratorial foi realizada de acordo com as rotinas do atendimento da instituição.

As avaliações angiográficas foram realizadas por um sistema eletrônico digital previamente validado (Siemens Axiom Artis, Siemens, Munique, Alemanha), sendo avaliadas as seguintes variáveis: número de vasos com estenose > 50% da luz do vaso, artéria coronária tratada, e presença de trombo e de calcificação angiográfica.

Desfechos e definições

Os pacientes foram acompanhados no período hospitalar, sendo registradas as ocorrências de eventos cardiovasculares maiores (ECVM) e seus componentes isolados óbito cardiovascular, IAM recorrente ou nova ICP, AVC, trombose do stent, sangramento maior, sangramento menor e insuficiência renal aguda. O seguimento em 1 ano e 2 anos após o evento foi realizado por telefone, sendo contabilizados os ECVM, óbito cardiovascular, IAM recorrente, AVC isquêmico e trombose do stent.

IAM recorrente foi considerado quando ocorria nova elevação > 0,1mV do segmento ST, ou novas ondas Q, em pelo menos duas derivações contíguas, particularmente quando associada com sintomas de isquemia por mais de 20 minutos. AVC foi definido como défice neurológico focal, de início súbito, irreversível, nas primeiras 24 horas. Classificou‐se como trombose do stent a oclusão súbita do vaso tratado, confirmada por angiografia. Sangramento maior foi definido como a ocorrência de hemorragia clinicamente evidente com queda dos níveis de hemoglobina > 5g/dL ou hematócrito > 15%, ou desenvolvimento de AVC hemorrágico, ou hemorragia relacionada à cirurgia de revascularização com transfusão ≥ 5 concentrados de hemácias em 48 horas de pós‐operatório ou drenagem > 1mL em 24 horas. Considerou‐se como sangramento menor a presença de hemorragia clinicamente evidente, como queda de hemoglobina entre 3 e 5g/dL ou hematócrito entre 9 e 15%. Insuficiência renal aguda foi definida como aumento da creatinina sérica ≥ 0,3mg/dL em 48 horas, ou aumento de 1,5 vez o valor basal, ou débito urinário < 0,5mL/kg/hora durante 6 horas.

Análise estatística

As variáveis categóricas foram descritas como números absolutos e porcentuais e comparadas por meio do teste qui quadrado, ou teste exato de Fisher, quando apropriado. As variáveis contínuas foram apresentadas como média e desvio padrão e comparadas por meio de teste t. As variáveis contínuas com distribuição não normal foram expressas como mediana e intervalo interquartil, e comparadas por meio do teste de Mann‐Whitney. Foi utilizado o programa estatístico Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 23.0 para Windows, e a significância estatística foi definida por p bicaudal < 0,05.

Resultados

No período do estudo, foram incluídas 257 pacientes, sendo 19 (7,4%) em uso de ACO e 238 que não faziam uso de ACO. Pacientes em uso de ACO eram mais jovens (42,3±6,2 anos vs. 48,4±5,7 anos; p < 0,001), apresentavam menos frequentemente hipertensão arterial e diabetes, e menor circunferência abdominal (tabela 1). O tempo da chegada ao hospital após o início dos sintomas foi semelhante entre os grupos (4,00 [1,25 a 6,86] horas vs. 4,50 [2,50 a 7,64] horas; p=0,54), mas o tempo porta‐balão foi maior nas pacientes em uso de ACO (1,41 [0,58 a 1,73] hora vs. 1,16 [0,91 a 1,51] hora; p=0,02).

Tabela 1.

Características clínicas

Características  ACO n=19  Sem ACO n=238  Valor de p 
Idade, anos  42,3±6,2  48,4±5,7  < 0,001 
Raça branca, n (%)  16 (84,2)  182 (76,5)  0,47 
Peso, kg  65,5±9,4  69,7±14,8  0,09 
Altura, cm  158,9±5,0  160,0±7,0  0,38 
Circunferência abdominal, cm  84,5±9,8  93,6±15,7  0,02 
IMC, kg/m  25,5±4,6  27,4±6,7  0,22 
Hipertensão arterial, n (%)  7 (36,8)  147 (62,0)  0,03 
Diabetes melito, n (%)  48 (20,3)  0,03 
Dislipidemia, n (%)  6 (31,6)  69 (29,1)  0,82 
Tabagismo, n (%)  13 (68,4)  169 (71,0)  0,78 
História familiar de DAC, n (%)  4 (21,1)  87 (36,7)  0,17 
Classe funcional Killip 3 ou 4, n (%)  2 (10,5)  23 (9,6)  0,91 
IAM prévio, n (%)  1 (5,3)  35 (14,7)  0,29 
ICP prévia, n (%)  1 (5,3)  23 (9,7)  0,49 
CRM prévia, n (%)  4 (1,7)  0,52 
AVC prévio, n (%)  9 (3,8)  0,42 
Insuficiência cardíaca, n (%)  9 (3,8)  0,42 
Insuficiência renal crônica, n (%)  1 (5,3)  5 (2,1)  0,50 
Depressão, n (%)  5 (26,3)  60 (25,2)  0,60 
Tratamento crônico com AAS, n (%)  1 (5,3)  35 (14,7)  0,29 
Fração de ejeção no ecocardiograma, %  62±12  54±15  0,41 
Delta T, horas  4,00 [1,25‐6,86]  4,50 [2,50‐7,64]  0,54 
Tempo porta‐balão, horas  1,41 [0,58‐1,73]  1,16 [0,91‐1,51]  0,02 

ACO: anticoncepcional oral; IMC: índice de massa corporal; DAC: doença arterial coronariana; IAM: infarto agudo do miocárdio; ICP: intervenção coronária percutânea; CRM: cirurgia de revascularização do miocárdio; AVC: acidente vascular cerebral; AAS: ácido acetilsalicílico.

Em relação às características angiográficas e do procedimento, os grupos foram semelhantes na maioria das características (tabela 2). O acesso femoral foi o mais frequentemente utilizado (68,4% vs. 58,4%; p=0,59), assim como o introdutor 6 F (84,2% vs. 94,1%; p=0,12). A minoria das pacientes apresentou acometimento trivascular (5,3% vs. 10,5%; p=0,45) e a fração de ejeção do ventrículo esquerdo preservada (60,0±0,0% vs. 51,0±15,2%; p=0,41). Os vasos tratados mostraram diâmetro de referência de 3,27±0,42mm vs. 3,19±1,80mm (p=0,87), porcentual de estenose de 95±12% vs. 97±8% (p=0,58) e fluxo Thrombolysis in Myocardial Infarction (TIMI) 0 em 63,2% vs. 65,1% (p=0,98). Trombo visível foi detectado em 63,2% vs. 57,1% (p=0,61) dos casos e tromboaspiração foi realizada mais frequentemente no grupo das mulheres usuárias de ACO (52,6% vs. 25,6%; p=0,04). O fluxo TIMI 3 pós foi obtido em 84,2% vs. 84,9% (p=0,81).

Tabela 2.

Características angiográficas e do procedimento

Características  ACO n=19  Sem ACO n=238  Valor de p 
Acesso femoral, n (%)  13 (68,4)  139 (58,4)  0,59 
Introdutor 6 F, n (%)  16 (84,2)  224 (94,1)  0,12 
Acometimento trivascular, n (%)  1 (5,3)  25 (10,5)  0,45 
Lesão de TCE, n (%)  6 (2,5)  0,65 
FE na ventriculografia, %  60,0±0,0  51,0±15,2  0,41 
Lesão em bifurcação, n (%)  3 (15,8)  32 (13,4)  0,62 
Trombo, n (%)  12 (63,2)  136 (57,1)  0,61 
Calcificação, n (%)  2 (10,5)  13 (5,5)  0,44 
Pré‐dilatação, n (%)  8 (42,1)  132 (55,5)  0,36 
Tromboaspiração, n (%)  8 (52,6)  61 (25,6)  0,04 
Implante de stent, n (%)  14 (73,6)  207 (86,9)  0,22 
Pós‐dilatação, n (%)  5 (26,3)  61(25,6)  0,95 
Kissing‐balloon, n (%)  9 (3,8)  0,68 
Glicoproteína IIb/IIIa, n (%)  8 (42,1)  65 (27,3)  0,17 
Clopidogrel 600mg, n (%)  16 (84,2)  206 (86,6)  0,55 
BIA, n (%)  2 (10,5)  10 (4,2)  0,42 
Marca‐passo, n (%)  7 (2,9)  0,69 
Diâmetro de referência, mm  3,27±0,42  3,19±1,80  0,87 
Diâmetro do stent, mm  3,27±0,38  3,06±0,51  0,13 
Comprimento do stent, mm  19,5±3,3  19,9±6,5  0,78 
Estenose, %
Pré  95±12  97±0,58 
Pós  5,9±24,3  2,6±13,3  0,80 
Fluxo coronário, n (%)
TIMI 0 pré  12 (63,2)  155 (65,1)  0,98 
TIMI 3 pós  16 (84,2)  202 (84,9)  0,81 
Perfusão miocárdica, n (%)
Blush 0 pré  14 (73,7)  168 (70,6)  0,74 
Blush 3 pós  10 (52,6)  164 (68,9)  0,33 

ACO: anticoncepcional oral; TCE: tronco da coronária esquerda; FE: fração de ejeção: BIA: balão intra‐aórtico; TIMI: Thrombolysis in Myocardial Infarction.

A tabela 3 compara as características laboratoriais entre os grupos. As mulheres em uso de ACO tinham valores mais altos de proteína C‐reativa e fibrinogênio.

Tabela 3.

Características laboratoriais

Características  ACO n=19  Sem ACO n=238  Valor de p 
Colesterol total, mg/dL  235,7±80,0  212,0±69,5  0,22 
Colesterol HDL, mg/dL  45,0±12,3  42,5±11,5  0,44 
Triglicérides, mg/dL  176 [68‐236]  122 [81‐170]  0,27 
Creatinina, mg/dL  0,72±0,19  0,82±0,95  0,66 
Glicose, mg/dL  145,2±63,7  172,8±85,0  0,22 
CK, U/L  240 [49‐432]  193 [76‐736]  0,48 
CK‐MB, ng/mL  16 [5‐52]  18 [8‐60]  0,21 
Troponina ultrassensível, pg/mL  401 [97‐5.727]  299 [64‐2.019]  0,51 
Proteina C‐reativa, mg/dL  1,61 [0,65‐3,44]  0,55 [0,26‐1,28]  0,03 
Fibrinogênio, mg/dL  317,2±107,2  250,4±88,9  0,03 

ACO: anticoncepcional oral; HDL: lipoproteína de alta densidade; CK: creatinina quinase; CK‐MB: isoenzima MB da creatina quinase.

Na tabela 4 são apresentados os desfechos clínicos. Na fase hospitalar, não ocorreram diferenças em relação aos ECVM ou a seus componentes isolados, apenas sangramento menor mais elevado nas pacientes que estavam em uso de ACO. No acompanhamento de até 2 anos, não ocorreu nenhum evento clínico após a alta no grupo em uso de ACO, com exceção de único caso de trombose de stent muito tardia. Já o outro grupo teve uma ocorrência cumulativa de eventos, o que resultou em tendência a maior número de ECVM (0% vs. 15,2%; p=0,08).

Tabela 4.

Dados clínicos

Características  ACO n=19  Sem ACO n=238  Valor de p 
Hospitalares
ECVM, n (%)  17 (7,4)  0,62 
Óbito, n (%)  15 (6,6)  > 0,99 
IAM recorrente, n (%)  3 (1,3)  > 0,99 
AVC isquêmico, n (%)  NA 
Trombose de stent, n (%)  3 (1,3)  > 0,99 
Sangramento maior, n (%)  3 (1,3)  > 0,99 
Sangramento menor, n (%)  3 (15,8)  9 (3,8)  0,049 
IRA, n (%)  1 (5,3)  7 (3,0)  0,46 
1 ano
ECVM, n (%)  28 (12,2)  0,24 
Óbito, n (%)  19 (8,3)  0,38 
IAM recorrente, n (%)  7 (2,8)  > 0,99 
AVC isquêmico, n (%)  1 (0,5)  > 0,99 
Trombose de stent, n (%)  5 (2,2)  > 0,99 
2 anos
ECVM, n (%)  35 (15,2)  0,08 
Óbito, n (%)  21 (9,2)  0,38 
IAM recorrente, n (%)  8 (3,8)  > 0,99 
AVC isquêmico, n (%)  2 (0,9)  > 0,99 
Trombose de stent, n (%)  1 (5,3)  6 (2,8)  0,42 

ACO: anticoncepcional oral; ECVM: eventos cardiovasculares maiores; IAM: infarto agudo do miocárdio; AVC: acidente vascular cerebral; NA: não aplicável; IRA: insuficiência renal aguda.

Discussão

Pacientes em uso de ACO encaminhadas à ICP primária mostraram perfil clínico menos grave do que mulheres em idade reprodutiva que não utilizam ACO, mas apresentaram marcadores da atividade inflamatória e trombogênica mais elevados. Foram submetidas à reperfusão miocárdica mais tardiamente e necessitaram de maior número de procedimentos de tromboaspiração. Após o evento índice, tenderam a não apresentar novos desfechos aterotrombóticos em até 2 anos de acompanhamento.

A média de idade menor e um menor número de comorbidades das mulheres em uso de ACO são semelhantes aos descritos em estudos prévios e poderiam ser explicados por diferenças na fisiopatologia do IAM nos dois grupos. Nas mulheres usuárias de ACO, a influência da trombose seria maior, enquanto que, naquelas que não estavam em uso de ACO, a evolução natural da aterosclerose com ruptura e/ou erosão de placa aterosclerótica, associada a maior risco cardiovascular por múltiplos fatores de risco, teria um papel preponderante.1,9

Recentemente, Karabay et al.10 avaliaram mulheres submetidas à ICP primária em uso de ACO de quarta geração, demonstrando maior carga trombótica, menor incidência de fluxo final TIMI 3 e mais frequentemente trombose multiarterial. Em nosso estudo, a frequência de trombo angiograficamente visível nos dois grupos não foi estatisticamente diferente, mas não utilizamos nenhum escore dedicado para avaliação da carga trombótica. Por outro lado, observamos diferença significativa no uso de tromboaspiração, que foi duas vezes maior nas mulheres em uso de ACO, o que, por sua vez, poderia sugerir que o critério empregado para definir trombo não foi sensível o suficiente para detectar uma diferença significativa. A observação de proteína C‐reativa elevada nas mulheres em uso de ACO sugere aumento no perfil inflamatório destas pacientes e já tinha sido demonstrado no estudo de Zakharova et al.11

O uso de ACO tem sido realizado na prática clínica para o planejamento familiar há mais de 60 anos. Desde então, grandes avanços têm sido feitos nas opções terapêuticas, doses e segurança das formulações utilizadas.12 No entanto, mulheres em situações clínicas especiais e/ou na presença de comorbidades necessitam de atenção em relação ao uso de contraceptivos hormonais. Em nosso estudo, dentre as mulheres com IAM usuárias de ACO, 68,4% eram tabagistas, 36,8% hipertensas e 5,3% apresentavam IAM prévio condições clínicas que classificam o uso de ACO na categoria 3 (riscos superam os benefícios) ou 4 (o uso é inaceitável), conforme critérios de elegibilidade para uso de métodos contraceptivos da Organização Mundial da Saúde.13 Dessa forma, nossos dados reforçam a importância da avaliação criteriosa e do reconhecimento dos fatores de risco cardiovascular na escolha e prescrição dos ACO.

Adicionalmente, a provável suspensão desses fármacos, após o episódio coronário agudo, contribuiu para que praticamente não ocorressem outros eventos aterotrombóticos em até 2 anos de acompanhamento, o que não aconteceu no grupo oposto, com perfil de risco cardiovascular mais grave e ocorrência cumulativa de novos desfechos, que resultou em maior número de ECVM.

Em nosso estudo, não existiam informações disponíveis sobre a formulação do contraceptivo oral, dose ou tipo de estrogênio ou progestagênio que as pacientes utilizavam, o que pode ser considerado uma limitação desta análise. Os dados foram coletados prospectivamente por uma equipe de pesquisadores dedicados, mas a decisão de analisar e comparar mulheres em uso ou não de ACO foi realizada retrospectivamente e via prontuário. Análises mais acuradas da carga trombótica por escores dedicados ou tomografia de coerência óptica não estão disponíveis e também podem ser consideradas limitações da presente análise. O número de pacientes em uso de ACO incluído neste estudo foi pequeno, apesar de poder ser comparado favoravelmente com vários relatos da literatura.10

Conclusões

Mulheres usuárias de anticoncepcionais orais submetidas à intervenção coronária percutânea primária foram mais jovens e com menos fatores de risco tradicionais para doença arterial coronariana do que aquelas que não usavam anticoncepcionais orais, além de apresentarem fibrinogênio e proteína C‐reativa séricos mais elevados. Foram submetidas à reperfusão miocárdica mais tardiamente e necessitaram maior número de procedimentos de tromboaspiração. Após o evento índice, tenderam a não apresentar desfechos aterotrombóticos em até 2 anos de acompanhamento. Estudos com maior número de pacientes são necessários para confirmar estes resultados.

Fonte de financiamento

Não há.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Agradecimentos

Agradecemos aos colegas André Manica, Alexandre Azmus, Carlos Roberto Cardoso, Cristiano Oliveira Cardoso, Cláudio Antonio Ramos de Moraes, Cláudio Vasquez de Moraes, Flavio Celso Leboute, Henrique Basso Gomes, Julio Teixeira, La Hore Correa Rodrigues, Mauro Regis Silva Moura e Rogério Sarmento Leite pela participação na execução dos procedimentos de intervenção coronária percutânea primária.

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