Pseudoaneurismas do ventrículo esquerdo são geralmente associados a infarto agudo do miocárdio, entretanto, podem surgir no pós‐operatório tardio de cirurgias valvares, assim como os pseudoaneurismas aórticos. Acometem frequentemente pacientes com alto risco cirúrgico, e o tratamento percutâneo é habitualmente realizado em centros de referência para o tratamento de cardiopatias congênitas devido às características anatômicas dos defeitos. Apresentamos dois casos de pseudoaneurismas do ventrículo esquerdo tratados por via transapical, sem necessidade de circulação extracorpórea, e um caso de pseudoaneurisma aórtico tratado por via femoral, no qual foi utilizado laço por acesso contralateral para permitir suporte e direcionamento adequados da bainha longa para acessar o defeito.
Left ventricular pseudoaneurysms are usually associated with acute myocardial infarction; however, these conditions may emerge in the late postoperative period of valvar surgery, and this can also occur with aortic pseudoaneurysms. These pseudoaneurysms often affect patients with high surgical risk, and percutaneous treatment is usually performed in reference centers for treatment of congenital heart diseases, due to anatomical characteristics of these defects. We present two cases of left ventricular pseudoaneurysms treated by transapical approach without need for cardiopulmonary bypass, and one case of aortic pseudoaneurysm treated by femoral approach, in which a snare was introduced by contralateral access, to allow for adequate support and guidance of the long sheath for accessing the defect.
O pseudoaneurisma do ventrículo esquerdo habitualmente resulta de ruptura da parede ventricular esquerda, após infarto agudo do miocárdio (IAM) ou cirurgia cardíaca, com ou sem troca valvar. O risco de ruptura é em torno de 30 a 45% no primeiro ano, e a opção cirúrgica é associada à mortalidade em torno de 20 a 35%.1–5 A terapêutica percutânea, ou transapical, parece ser uma opção viável, efetiva e, possivelmente, a mais segura.6,7
O pseudoaneurisma de aorta ascendente, da mesma forma, acontece mais frequentemente em pacientes previamente submetidos à cirurgia de aorta, entre outras causas menos frequentes.8 Além de tecnicamente difícil, os pacientes habitualmente possuem risco cirúrgico não desprezível, tornando a técnica percutânea uma alternativa atraente, principalmente em centros especializados no tratamento de defeitos cardíacos congênitos.
O presente estudo relata dois casos de pseudoaneurismas do ventrículo esquerdo tratados com sucesso por meio da técnica transapical em sala híbrida, e um caso de pseudoaneurisma de aorta tratado por via femoral.
Relato do casoCaso 1Paciente do sexo feminino, 79 anos, história de IAM inferior complicado por ruptura do ventrículo esquerdo e formação de pseudoaneurisma. Durante a cirurgia de revascularização miocárdica, não foi possível acessar o local do pseudoaneurisma, devido às extensas aderências presentes, em razão da radioterapia prévia para câncer de mama. Optou‐se pelo tratamento conservador; entretanto, a paciente evoluiu com insuficiência cardíaca e aumento do pseudoaneurisma, que atingiu 6 6cm em sua última avaliação, quando foi encaminhada para a equipe de hemodinâmica para avaliar a possibilidade de fechamento percutâneo.
Durante o cateterismo cardíaco, foi evidenciada extensa doença vascular periférica, o que excluiu a possibilidade de tratamento percutâneo por via retrógrada, possivelmente a melhor opção devido à posição posteroinferior do defeito. Optou‐se, então, pela punção apical por minitoracotomia, por meio da qual foi inserida bainha 14 F na cavidade ventricular esquerda. No entanto, devido ao ângulo desfavorável entre a bainha curta e a entrada do defeito, foi impossível acessar o defeito com bainha longa padrão para o implante de dispositivo oclusor.
Após angiografia e adequadas localização e mensuração do defeito (15mm de diâmetro), foi introduzida uma bainha longa defletível (Fustar®, Lifetech Scientific Inc., Shenzhen, China), que possibilitou acesso ao defeito com cateter, posicionamento de guia rígida e, posteriormente, liberação do dispositivo CERA® ASD 20mm (Lifetech Scientific Inc., Shenzhen, China) (fig. 1). A paciente evoluiu bem, teve alta após 48 horas de internação com ecocardiograma transtorácico sem shunt residual através do defeito e, após 3 meses, encontrava‐se assintomática.
Caso 2Paciente do sexo masculino, 39 anos, três cirurgias cardíacas prévias. A primeira, há 14 anos, para correção de aneurisma mitro‐aórtico. Após 1 ano, evoluiu com insuficiência aórtica grave, necessitando de implante de prótese metálica aórtica. Oito anos após a primeira cirurgia, apresentava sinais de insuficiência cardíaca grau II, e o ecocardiograma demonstrava leak perivalvar de grau moderado à grave e pseudoaneurisma de aorta ascendente, tendo sido encaminhado para implante cirúrgico de tubo valvado aórtico, prótese metálica aórtica 25mm e reimplante de coronárias pela técnica de Cabrol. Durante o transoperatório, evoluiu com sangramento importante, sendo necessário manter o tórax aberto com compressas hemostáticas por 48 horas, quando foi fechado o tórax e drenado hemotórax. Durante o pós‐operatório, apresentou derrame pleural à direita, sepse e flutter atrial revertido com cardioversão elétrica.
O paciente teve boa evolução, porém, 6 anos após, apresentou, ao ecocardiograma transtorácico, imagem sugestiva de pseudoaneurisma residual. O ecocardiograma transesofágico evidenciou saculação pulsátil, com óstio localizado na via de saída do ventrículo esquerdo, entre o anel da prótese valvar e o folheto anterior mitral, apresentando medidas de 4,4 2,6cm. Pela abordagem transapical e com introdutor 18 F, um cateter foi posicionado dentro do defeito, tendo sido realizada angiografia, que evidenciou pseudoaneurisma na porção subvalvar aórtica com orifício em torno de 4mm de diâmetro e trajeto de aproximadamente 20mm (fig. 2A). O defeito foi acessado com guia hidrofílica, que foi posteriormente trocada por guia extrarrígida moldada, a partir da qual foi introduzido o sistema liberador 9 F. Foi realizado implante de dispositivo Amplatzer® Muscular VSD (St. Jude Medical Inc., St. Paul, Estados Unidos) 8mm, com sucesso. Ventriculografia de controle e ecocardiograma transesofágico transoperatório evidenciaram bom posicionamento do dispositivo, sem interferir na dinâmica da prótese metálica aórtica, e mínimo shunt residual, por meio do dispositivo (fig. 2B). Ecocardiograma realizado 24 horas após o procedimento evidenciou oclusão completa do defeito.
Caso 3Paciente do sexo feminino, 58 anos, com história de aneurisma fusiforme de aorta ascendente e transversa, medindo 6,3 6,0cm, operado há 3 anos. Admitido por quadro de síncope e dor torácica. Realizou cateterismo, que evidenciou região aneurismática sacular distal na aorta ascendente, provavelmente correspondendo à pseudoaneurisma na região da sutura. Devido à presença de cirurgia prévia e ao alto risco cirúrgico, optou‐se por oclusão percutânea do pseudoaneurisma.
O desafio técnico a ser vencido nesse caso se devia à localização do pseudoaneurisma, que se situava imediatamente abaixo da inserção do tronco braquiocefálico. Essa posição impedia acesso pela artéria subclávia direita e tornava arriscado o posicionamento direto da bainha longa no aneurisma pela tensão do sistema. A solução encontrada foi controlar o posicionamento da bainha por meio de um suporte por laço. Um laço de 20mm de diâmetro foi introduzido a partir da artéria radial direita e deixado aberto na aorta ascendente, próximo à valva aórtica. A seguir, uma bainha longa, compatível com a prótese de tamanho adequado para a oclusão do defeito, foi passada até a aorta ascendente. Sua extremidade distal foi apanhada pelo laço e trazida até o orifício do pseudoaneurisma. Usando o apoio provido pelo laço, a bainha foi delicadamente introduzida na cavidade, sem exercer pressão sobre suas paredes. O laço foi mantido até a introdução da prótese Amplatzer® ASO 15mm (St. Jude Medical Inc., St. Paul, Estados Unidos), permitindo que não houvesse recuo e nem perda da posição quando o disco distal do dispositivo fosse aberto. A prótese foi liberada na forma usual, após aortografia confirmar posição satisfatória do dispositivo, permitindo que o laço fosse aberto, libertando a bainha longa (fig. 3).
(A) Aortografia evidenciando pseudoaneurisma de aorta ascendente. (B) Laço na aorta ascendente através de acesso radial contralateral. (C) Laço facilitando acesso de bainha longa ao defeito. (D) Início da liberação do dispositivo. (E) Dispositivo bem posicionado, ainda preso ao cabo liberador. (F) Aortografia sem shunt residual.
A paciente evoluiu bem, porém, 3 anos após o procedimento, internou com quadro de hipotensão e dor torácica. Angiotomografia evidenciou aneurisma dissecante de aorta ascendente, sendo submetida à correção cirúrgica. Durante o transoperatório, a paciente apresentou sangramento maciço pela via aérea, evoluindo para óbito por provável fístula aorto‐pulmonar.
DiscussãoTanto o pseudoaneurisma do ventrículo esquerdo como o aórtico são historicamente tratados por via cirúrgica. No entanto, ambos ocorrem frequentemente em pacientes previamente operados, com aderências cirúrgicas que dificultam o manejo intraoperatório e comorbidades que levam à alta mortalidade do procedimento. Não é incomum, inclusive, que alguns pacientes tenham contraindicação cirúrgica, devido à gravidade do caso. A partir desse contexto, o tratamento percutâneo por via femoral ou transapical vem ganhando espaço e tem se tornado uma alternativa viável e com resultados satisfatórios.6,7
Na maioria dos casos, o diagnóstico pode ser feito por meio de ecocardiograma transtorácico. Uma relação menor que 0,5 entre o diâmetro do colo e o diâmetro interno do saco aneurismático sugere o diagnóstico de pseudoaneurisma. Angiotomografia de tórax e ecocardiograma transesofágico tridimensional auxiliam no planejamento da intervenção e na escolha do dispositivo, determinando as características anatômicas do saco aneurismático, bem como do colo do defeito.2 Além disso, é importante determinar as relações do defeito com estruturas adjacentes.8–10
O pseudoaneurisma do ventrículo esquerdo habitualmente resulta de ruptura da parede ventricular esquerda, que é temporariamente contida por tecido cicatricial, evitando, assim, o tamponamento pericárdico ou o sangramento livre para cavidade pleural. Entretanto, o risco de ruptura é em torno de 30 a 45% no primeiro ano. Ocorre geralmente após IAM ou troca valvar cirúrgica. Menos frequentemente, pode ocorrer após implante de marca‐passo, ressecção de aneurisma de ventrículo esquerdo, cirurgia de Ross ou implante percutâneo de válvula aórtica.2–7,11,12 Clinicamente, o pseudoaneurisma do ventrículo esquerdo pode se apresentar em um paciente assintomático, com dor torácica ou até mesmo causar sintomas de insuficiência cardíaca congestiva. A correção cirúrgica é o tratamento mais amplamente descrito, entretanto, o alto risco e a presença de cirurgias prévias na maioria dos pacientes têm tornado a terapêutica percutânea uma opção viável, efetiva e, possivelmente, mais segura.6,7
No presente estudo, assim como descrito previamente na literatura, dois casos foram tratados com sucesso por meio de punção direta do ventrículo esquerdo, sem necessidade de circulação extracorpórea, utilizando técnicas de oclusão percutânea de cardiopatias congênitas. Como se trata de uma cardiopatia adquirida com etiologias diversas, existe uma variedade de dimensões, tamanho de colo e localização que fazem com que seja recomen‐dada a abordagem individualizada, em relação ao acesso e ao dispositivo.7
Inicialmente descrita por Clift et al.,4 aproximadamente 19 casos foram publicados na literatura, com diversos dispositivos utilizados de maneira off‐label habitualmente empregados no tratamento das cardiopatias congênitas, como oclusores septais de comunicação interatrial ou interventricular muscular e plugs vasculares. Habitualmente, os defeitos são ocluídos por acesso percutâneo retrógrado pela artéria femoral ou, então, por acesso transapical, com minitoracotomia.3–7,11–16 Nos dois casos apresentados neste estudo, foi utilizado o acesso transapical. No primeiro, em razão da extensa doença vascular periférica e, no segundo, da proximidade e do ângulo desfavorável junto à válvula aórtica.
No primeiro caso, mesmo com punção direta da cavidade ventricular esquerda, o ângulo entre a bainha inserida e o colo do defeito não foi favorável para a entrada de uma bainha longa e calibrosa livre de tensão. Após inúmeras tentativas sem sucesso, optou‐se pela utilização de bainha defletível, que facilmente foi direcionada para a entrada do defeito e permitiu o implante do dispositivo com sucesso. Por se tratar de defeito amplo com colo raso, optou‐se pela utilização de dispositivo para oclusão de comunicação interatrial, que se mostrou adequado para essa forma de defeito.
No segundo caso, a punção apical permitiu acesso coaxial ao defeito junto a valva aórtica, permitindo que o implante do dispositivo fosse realizado de maneira segura, efetiva e sem grandes dificuldades com cateter 6 F. Neste caso, foi escolhido dispositivo para fechamento de comunicação interventricular, por se tratar de defeito com colo extenso e pela indisponibilidade momentânea de plugs vasculares tipo II. Ambos os casos foram realizados na mesma instituição, em sala híbrida e com uma equipe de profissionais habituada a trabalhar em equipe (Heart Team).
Pseudoaneurismas de aorta ascendente, apesar de bem conhecidos, são raros e apresentam complicações potencialmente fatais, ocorrendo mais frequentemente após cirurgias de reconstrução da aorta e valvulares, e menos frequentemente após trauma torácico ou infecção.10
Regiões potencialmente favoráveis ao surgimento de pseudoaneurisma de aorta ascendente são os locais de canulação e clampeamento aórtico e as zonas de sutura de enxertos.9 Entre as causas comumente associadas ao desenvolvimento de pseudoaneurisma de aorta, encontram‐se complicações relacionadas à técnica cirúrgica e degeneração tecidual ou do enxerto, assim como deterioração do material de sutura.
O comportamento é similar ao dos pseudoaneurismas do ventrículo esquerdo, ou seja, existe o risco de ruptura, trombose e embolização distal, além de formação de fístulas.8 O tratamento padrão é cirúrgico, porém, o risco pode chegar a 30%, e algumas vezes não é clínica ou tecnicamente viável.
Quando ocorrem manifestações clínicas, as apresentações mais comuns são isquemia miocárdica devido à compressão coronária, massa pulsátil torácica, ulceração de pele com consequente sangramento, eventos embólicos e complicações relacionadas à infecção e/ou à ruptura do pseudoaneurisma.
A oclusão percutânea de pseudoaneurisma aórtico foi inicialmente descrita em 2005, em um paciente com risco cirúrgico proibitivo.8 Baseado na experiência dos oclusores septais nos defeitos cardíacos congênitos, optou‐se pela utilização dessa técnica no paciente em questão, com excelente resultado imediato. Um dos obstáculos frequentemente encontrados na utilização dessa técnica é a tensão gerada pela bainha longa ao acessar o defeito, além da própria dificuldade de acesso. A literatura descreve algumas alternativas para facilitar o implante e minimizar os riscos. Bashir et al.,8 após inúmeras tentativas sem sucesso, descreveram a utilização da bainha Hausdorff (Cook Medical Inc., Bloomington, Estados Unidos), que permitiu o implante com sucesso. Stasek et al.17 descreveram a necessidade de customização da bainha 8 F com cateter‐guia “taco de hockey”, que também permitiu acessar o defeito e realizar a oclusão percutânea do pseudoaneurisma, com resultado adequado. Entretanto, dependendo do local e do tamanho do istmo de entrada do defeito, a oclusão por Amplatzer® pode não ser uma opção, como em casos de istmos com tamanho superior ao das próteses, ou naqueles em que incorreria em risco de oclusão de vasos supra‐aórticos.
No caso em questão, assim como descrito na literatura, a maior dificuldade foi o acesso ao defeito com bainha longa. Para contornar a situação, os autores descrevem técnica que utiliza laço em acesso contralateral, que permite suporte e direcionamento adequado da bainha longa, sem ocasionar tensão importante na parede aórtica.
Este caso elucida claramente que a oclusão percutânea de pseudoaneurisma aórtico em casos selecionados é uma alternativa segura e viável ao procedimento cirúrgico, com menores riscos relacionados ao procedimento e complicações em curto prazo. Contudo, demanda‐se experiência do operador em oclusões percutâneas, o que pode acarretar maiores taxas de sucesso.
Além disso, o trabalho de cooperação do Heart Team e a disponibilização de sala híbrida em nossa instituição foram de extrema importância em nossa experiência inicial no tratamento de pseudoaneurisma do ventrículo esquerdo, e demonstram que o trabalho em equipe resulta em uma ampla gama de pacientes com possibilidade de tratamento mais seguro e efetivo.
Fonte de financiamentoNão há.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.