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Vol. 19. Núm. 1.
Páginas 1-8 (enero - marzo 2021)
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Vol. 19. Núm. 1.
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Disfunção sexual nos doentes oncológicos: a importância de uma abordagem especializada
Sexual dysfunction among oncological patients: The importance of a specialized approach
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Mafalda Cruza,
Autor para correspondencia
mcmafalda@gmail.com

Autor para correspondencia.
, Joana Brandãoa, João Casaltab, Cláudia Sousaa, Kayla Pereiraa, Paula Alvesa
a Serviço de Radioterapia do Instituto Português de Oncologia de Coimbra Francisco Gentil, EPE, Portugal
b Serviço de Radioterapia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, Portugal
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Tablas (4)
Tabela 1. Características demográficas da amostra
Tabela 2. Características clínicas da amostra
Tabela 3. Abordagem da sexualidade no doente oncológico
Tabela 4. Impacto oncológico na sexualidade e necessidade de consultas especializadas de sexologia; análise por subgrupos
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Resumo
Objetivos

Determinação do impacto oncológico a nível afetivo/sexual assim como do grau de satisfação dos doentes quanto à informação recebida. Pretende‐se, adicionalmente, avaliar a importância da existência de uma abordagem especializada em sexologia durante o tratamento e seguimento oncológico.

Métodos

Estudo transversal que incluiu doentes oncológicos admitidos para consulta num serviço de radioterapia. Aplicação de um questionário e aferição de dados clínicos através do processo clínico.

Resultados

Amostra de 104 doentes, com uma média de 64,7 anos, em que a maioria (60,6%) refere ter disfunção sexual após o tratamento oncológico. Relativamente ao grau de informação, 62,5% encontram‐se satisfeitos quanto à informação fornecida pelos profissionais de saúde. Cerca de 2/3 dos doentes (66,4%) recorreriam a uma consulta de oncossexologia caso fossem referenciados pelo médico assistente. Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre os subgrupos analisados relativamente ao impacto oncológico na sexualidade nem quanto à necessidade de uma abordagem especializada em sexologia.

Discussão

A abordagem da sexualidade nos doentes oncológicos engloba tanto o esclarecimento dos doentes como o tratamento das disfunções sexuais inerentes aos tratamentos. A existência de consultas de oncosexologia é uma forma de abordagem especializada, é do interesse da maioria dos nossos doentes.

Conclusões

A sexualidade deve ser abordada com o doente oncológico desde o início da doença. Os cuidados especializados de oncossexologia são importantes ao constituírem uma via de redução do impacto oncológico na qualidade de vida.

Palavras‐chave:
Sexualidade
Cancro
Oncosexologia
Qualidade de vida
Abstract
Objectives

Determination of the emotional and sexual impact after oncologic disease and patient's satisfaction regarding information provided by healthcare professionals. We also aim to evaluate the importance of sexology care during cancer treatment and follow‐up.

Methods

This is a cross‐sectional study including patients admitted for radiation therapy. A questionnaire and an assessment of clinical data were assessed.

Results

The study sample was composed by 104 patients. 60.6% had a negative impact on their sexual life after treatment and 62.5% were satisfied about the information given by healthcare professionals. About two thirds of the patients would accept sexology care during cancer treatment and/or follow‐up. After a sub‐group analysis, there were no statistically significant differences between groups regarding the prevalence of sexual dysfunction or needs for sexual care.

Discussion

There is a well‐known impact of cancer on sexuality since its diagnosis. Our patients feel themselves well informed about this by health professionals. Most of them would accept being referred to an oncosexology appointment.

Conclusions

Sexuality must be discussed with cancer patients since their diagnosis. Oncosexuality care is necessary and desired by most patients as a mean for reduction of the cancer impact in their life quality.

Keywords:
Sexuality
Cancer
Oncosexology
Quality of life
Texto completo
Introdução

A abordagem terapêutica do doente oncológico compreende o recurso a tratamentos multimodais como a cirurgia, radioterapia, quimioterapia e/ou terapêuticas alvo. Com a emergência destas opções terapêuticas, as taxas de sobrevivência dos doentes oncológicos têm sofrido aumentos significativos, originando um elevado número de longos‐sobreviventes. O progresso atualmente atingido trouxe também o inevitável aumento de doentes que apresentam efeitos secundários da terapêutica oncológica realizada, com um conhecido impacto no seu bem‐estar, qualidade de vida e saúde sexual. Com isto, os profissionais de saúde são cada vez mais confrontados com questões relacionadas com o impacto a curto e longo prazo da doença e dos tratamentos, seja ele físico, emocional ou sexual1,2.

A saúde sexual é definida pela Organização Mundial de Saúde como um “estado de bem‐estar físico, emocional, mental e social relativamente à sexualidade, não significando apenas ausência de doença ou debilidade3.”

Os distúrbios sexuais são extremamente comuns nos doentes oncológicos, 35‐50% dos doentes terão disfunção sexual como consequência do cancro ou do tratamento4–6. As taxas de prevalência dependem sobretudo do diagnóstico primário, da modalidade de tratamento e do tipo de dificuldade sexual7. No caso dos doentes com tumores da cavidade pélvica ou da mama, esta prevalência é bastante mais elevada, atingindo valores superiores a 50%8,9. Um estudo recente enfatiza o impacto negativo do tratamento oncológico na saúde sexual ao mostrar‐nos que 72,5% dos homens com menos de 75 anos e 61,2% das mulheres com menos de 45 anos reportam um decréscimo de satisfação sexual após o tratamento oncológico10.

A disfunção sexual pode surgir em qualquer momento durante a doença, desde o diagnóstico até à fase de controlo clínico11,12. Sabe‐se hoje que a temática da sexualidade dos doentes oncológicos deve ser abordada numa fase precoce, preferencialmente no início dos tratamentos, por forma a que os doentes possam ser informados acerca dos efeitos secundários sexuais mais comuns do tratamento proposto. Os doentes poderão inclusivamente optar por tratamentos com menor impacto a nível sexual tais como técnicas cirúrgicas modificadas13, ajustes do tipo e dose de quimioterapia14,15, seleção do timing e manutenção da hormonoterapia16 ou alteração de campos de tratamento da radioterapia. Surpreendentemente, a maioria das intervenções relativamente aos problemas sexuais surge após a finalização do tratamento, quando a oportunidade para cuidados preventivos já não é possível.

São vários os estudos que nos indicam que entre 30 a 70% dos doentes desejam obter mais informação e aconselhamento relativamente ao impacto da terapêutica na sua vida afetiva/sexual12.

Perante estes números, coube aos profissionais de saúde o reconhecimento da importância de uma abordagem dos efeitos secundários físicos, emocionais e sexuais. Ainda que esta importância esteja devidamente reconhecida, são ainda poucos os clínicos que abordam a sexualidade na sua prática diária. Paralelamente, os doentes não se sentem confortáveis com a exposição das suas questões e frequentemente esperam que o clínico aborde a temática17,18. Por outro lado, os profissionais de saúde sentem que não possuem conhecimentos suficientes para comunicar com o doente sobre os distúrbios sexuais e preocupam‐se com a reação deste perante questões íntimas19. Como profissionais de saúde, existe a tendência para a assunção de que o próprio doente abordará a questão caso tenha alguma dúvida ou preocupação sobre a sua sexualidade.

Dada a importância da sexualidade no universo da oncologia, e o reconhecimento de que nem todos os profissionais de saúde poderão estar habilitados ou confortáveis na sua abordagem, surgiu uma nova disciplina, a oncossexologia, que pretende fornecer aos doentes uma abordagem multidisciplinar e especializada relativamente às questões afetivas e sexuais. Tendo em conta o aumento do número de sobreviventes oncológicos nas instituições portuguesas, a oncossexologia surge como uma oportunidade para intervenção por forma a diminuir o impacto da doença oncológica na qualidade de vida dos doentes. Não existe, no entanto, estudo que caracterize os doentes portugueses quanto à verdadeira importância que atribuem à abordagem da sexualidade perante a doença oncológica.

Métodos

Trata‐se de um estudo transversal que incluiu doentes admitidos para consulta num serviço de radioterapia (RT) de um hospital oncológico em dezembro de 2017. Foram incluídos doentes de diferentes grupos patológicos com tratamento oncológico em curso bem como doentes em controlo clínico. Excluíram‐se doentes impossibilitados de responder ao questionário por mau performance status ou por não compreensão das questões, doentes que ainda não iniciaram qualquer tratamento oncológico e doentes plurimetastizados admitidos para tratamento paliativo.

Foi aplicado um questionário composto por uma aferição inicial dos dados demográficos e sete questões para preenchimento. Assim, o questionário compreendeu duas questões relativamente à satisfação relativamente à informação fornecida pelos profissionais de saúde, duas questões relativamente ao impacto da doença e dos tratamentos na vida sexual/afetiva e três questões relativas à importância de uma abordagem especializada em sexologia. Os questionários foram entregues durante as consultas de Primeira Vez, de Seguimento e de Follow‐up (controlo clínico) e preenchidos de forma individual, foi permitido o auxílio do médico caso fosse solicitado

Os dados clínicos dos doentes foram aferidos através do processo clínico eletrónico.

Previamente ao estudo foi obtida aprovação pela Comissão de Ética Hospitalar e cada participante aceitou integrar o estudo preenchendo o respetivo consentimento informado.

A análise estatística foi efetuada recorrendo ao programa IBM SPSS versão 20. As variáveis contínuas foram expressas como média±desvio‐padrão. Variáveis categóricas foram descritas sob a forma de frequências absoluta e relativa. Na análise inferencial foi usado o teste de qui‐quadrado na comparação de variáveis nominais com duas categorias. Foi usado o índice Kappa para avaliação de concordância. Considerou‐se um erro tipo‐I de 0,05.

ResultadosCaracterização da amostra

Este estudo envolveu uma amostra de 104 doentes presentes em consulta no serviço de radioterapia. A caracterização dos doentes em termos demográficos encontra‐se na tabela 1.

Tabela 1.

Características demográficas da amostra

Característica  % de doentes  Média  DP 
Género
Masculino  64  61,5     
Feminino  40  38,5     
Idade (anos)      64,7  ±9,8 
<65  46  44,2     
≥ 65  58  55,8     
Escolaridade
Ensino básico  69  66,4     
Ensino secundário  25  24,0     
Ensino Universitário  10  9,6     
Ocupação
Empregado  32  30,8     
Desempregado/reformado  72  69,2     
Companheiro/Parceiro sexual
Sim  84  80,8     
Não  16  15,4     
Não pretendo responder  3,8     

A maioria dos participantes foi de doentes do sexo masculino, correspondendo a 61,5% da amostra (n=64). A média foi de 64,7 anos, com desvio‐padrão de±9,8 anos. Relativamente à escolaridade, 66,4% dos doentes completaram o ensino básico, apenas 9,6% completaram o ensino universitário. A maioria dos doentes (69,2%) encontrava‐se desempregada ou reformada. Relativamente à existência de companheiro/parceiro sexual, 84 participantes (80,8%) responderam afirmativamente.

Quanto ao diagnóstico oncológico, as patologias mais prevalentes nos participantes do estudo foram o cancro da próstata, em 54,8% dos doentes, seguido do cancro da mama (27,9%). Metade dos participantes encontrava‐se sob tratamento oncológico e a restante metade em controlo clínico. A maioria dos doentes foi submetida a tratamento multimodal (64,4%), dentro deste grupo o tratamento mais frequente foi a terapêutica combinada de cirurgia e RT, seguida do tratamento trimodal com cirurgia, terapêutica sistémica e RT. Dos 37 doentes submetidos a terapêutica unimodal, 32 foram submetidos a RT intensiva, quatro realizaram tratamento sistémico e um foi submetido a cirurgia. (tabela 2).

Tabela 2.

Características clínicas da amostra

Característica  % de doentes 
Diagnóstico
Próstata  57  54,8 
Mama  29  27,9 
Digestivo  7,7 
Ginecologia  5,8 
Cabeça e Pescoço  3,8 
Fase do tratamento
Em tratamento  52  50 
Em controlo clínico  52  50 
Tratamento
Unimodal  37  35,6 
Cirurgia  0,96 
Radioterapia  32  30,77 
Quimioterapia/Hormonoterapia  3,85 
Multimodal  67  64,4 
Cirurgia+Radioterapia  24  23,08 
Cirurgia+Quimioterapia/Hormonoterapia  5,77 
Cirurgia+Quimioterapia/Hormonoterapia+Radioterapia  21  20,9 
Quimioterapia/Hormonoterapia+Radioterapia  17  16,35 
Abordagem da sexualidade nos doentes oncológicos

A tabela 3 traduz as respostas dos participantes ao questionário fornecido no Serviço de RT. Relativamente ao impacto do diagnóstico e tratamento na sexualidade dos doentes oncológicos, 53,9% dos participantes afirmam ter adquirido algum grau de disfunção sexual após o diagnóstico. A percentagem de doentes com disfunção sexual aumenta para 60,6% após o tratamento oncológico. Verificou‐se uma concordância estatisticamente significativa entre os doentes com impacto após diagnóstico e após tratamento em 61,6% dos casos (Índice kappa=0,616, p<0,001). Foi aplicado o teste qui‐quadrado, que nos mostrou não existir uma diferença estatisticamente significativa entre os doentes que realizaram tratamento unimodal e os doentes que realizaram tratamento multimodal relativamente ao impacto na sexualidade (p=0,417). Associadamente, nos doentes com idade igual ou superior a 65 anos não foi verificado um aumento do impacto oncológico a nível sexual quando comparados com doentes com menos de 65 anos (p=0,122). Também não foram observadas diferenças estatisticamente significativas no relativamente ao género (p=0,070) (tabela 4).

Tabela 3.

Abordagem da sexualidade no doente oncológico

Impacto na sexualidade  % de doentes 
Impacto na vida sexual após o diagnóstico 
Sim  56  53,9 
Não  38  36,5 
Não pretendo responder  10  9,6 
Impacto na vida sexual após o tratamento
Sim  63  60,6 
Não  35  33,7 
Não pretendo responder  5,7 
Satisfação relativamente à informação fornecida  % de doentes 
Informação relativamente ao impacto da doença/ tratamentos na vida afetiva
Pouca  25  24,0 
Adequada  74  71,2 
Demasiada  1,9 
Sem relevância  2,9 
Informação relativamente ao impacto da doença/ tratamentos na vida sexual
Pouca  32  30,8 
Adequada  65  62,5 
Demasiada 
Sem relevância  5,7 
Abordagem especializada em sexologia  % de doentes 
Considera útil a existência de consultas de sexologia no seu hospital?
Sim  88  84,6 
Não  16  15,4 
Caso o seu médico o referenciasse para uma consulta de sexologia no seu hospital, utilizaria esse serviço?
Sim  69  66,4 
Não  27  25,9 
Não pretendo responder  7,7 
Modalidade de preferência
Consulta com médico  47  51,7 
Consulta com psicólogo  25  27,5 
Terapia de casal  15  16,4 
Grupos de apoio  4,4 

* Possibilidade de resposta múltipla.

Tabela 4.

Impacto oncológico na sexualidade e necessidade de consultas especializadas de sexologia; análise por subgrupos

Impacto na sexualidade
Após diagnóstico vs. após tratamentos  Índice Kappa=0,616 p<0,001 
Tratamento unimodal vs. tratamento multimodal  x12>=0,660* p=0,417 
Idade<65 anos vs. idade ≥ 65 anos  x12>=2,395* p=0,122 
Género masculino vs. feminino  x12>=3,282* p=0,070 
Necessidade de consultas especializadas de sexologia
Idade<65 anos vs. idade ≥ 65 anos  x12=0,274* p=0,601 
Género masculino vs. feminino  x12=0,899* p=0,343 
Doentes em tratamento vs. doentes em controlo clínico  x12>=0,461* p=0,497 
*

Teste qui‐quadrado.

A maioria dos participantes considera ter sido informado de forma adequada quanto ao impacto da doença/tratamentos na vida afetiva e sexual. Ainda assim, 24% e 30% dos doentes afirmam ter recebido pouca informação quanto ao impacto a nível afetivo e sexual, respetivamente.

Quando questionados acerca da relevância da existência de consultas especializadas em sexologia no hospital, 84,6% (n=88) dos doentes consideram este apoio útil e 66,4% (n=69) estariam inclusivamente interessados em recorrer a este apoio. Após aplicação do teste qui‐quadrado não foram observadas diferenças estatisticamente significativas relativamente à necessidade de consultas de sexologia após subdivisão da amostra por idades (p=0,601), género (p=0,343) e fase do tratamento (p=0,497). Relativamente à modalidade de apoio em oncossexologia escolhida pelos participantes, 15 doentes selecionaram mais do que uma opção. Cerca de metade (51,6%) dos doentes escolheria uma consulta com um médico, 27,5% desejariam uma consulta com um psicólogo, 16,4% terapia de casal e 4,4% escolheriam os grupos de apoio.

DiscussãoImpacto na sexualidade

No presente estudo, 60% dos doentes consideram que a sua vida sexual sofreu um impacto negativo após os tratamentos oncológicos, o que é concordante com a literatura existente20. Mais de metade dos doentes afirma ainda que esse impacto negativo teve início logo após o diagnóstico.

A Associação Francófona para Cuidados de Suporte (AFSOS) estabeleceu linhas de orientação nacionais para cuidados de oncossexologia21. Estas recomendam que seja fornecida informação durante a primeira consulta e que esta informação seja reforçada de forma contínua durante o tratamento oncológico. Na nossa amostra, a maioria dos doentes com disfunção sexual após o diagnóstico manteve‐a após o tratamento, o que reforça a importância de uma abordagem precoce.

Contrariamente ao esperado, o impacto oncológico a nível sexual foi semelhante após comparação de grupos etários, género e modalidades de tratamento (unimodal vs. multimodal), indicando que a prevalência de disfunção sexual é transversal a todos os doentes oncológicos.

Informação sobre sexualidade na doença oncológica

Atualmente sabe‐se que os doentes oncológicos necessitam e desejam receber informação relativamente ao impacto da doença e dos tratamentos na sua sexualidade6,17,22. Para muitos doentes, a sexualidade é um importante fator contributivo para uma melhor qualidade de vida6. Hordem e Street23 mostraram que uma parcela significativa de doentes se encontra desapontada com a falta de informação, apoio e sugestões práticas para a vivência da sexualidade e alterações íntimas provocadas pela doença ou tratamento.

No presente estudo a maioria dos doentes considera ter recebido um grau adequado de informação quanto ao impacto da doença e dos tratamentos na sua sexualidade e vida afetiva. Apesar de estes números serem satisfatórios, cerca de 30% dos doentes encontram‐se insatisfeitos com a informação fornecida pelos profissionais de saúde relativamente à sexualidade. O elevado número de doentes satisfeitos com a informação recebida poderá ser justificado pelo facto de cerca de metade da amostra ter um diagnóstico de carcinoma da próstata, cujos tratamentos têm um impacto direto e bem conhecido na função sexual masculina. No entanto, consideramos que as restantes patologias não devem ser descuradas pois a etiologia da disfunção sexual no doente oncológico é multifatorial e, como tal, devem ser tidos em conta não só os fatores biológicos e fisiológicos mas também psicológicos.

Outro dado importante é o facto de que apenas uma pequena percentagem dos doentes (5%) considerou esta questão irrelevante, o que enfatiza a importância da abordagem desta temática.

Uma revisão sistemática acerca das necessidades e fontes de informação dos doentes oncológicos mostrou‐nos que cerca de 65% dos doentes desejam obter informação sobre sexualidade e que a fonte de informação mais frequentemente utilizada são os profissionais de saúde24, o que demonstra que os profissionais de oncologia deverão estar preparados para fornecer esta informação de forma genérica e inicial.

O que pode ser feito?

Estudos indicam que se a temática da sexualidade for abordada numa fase inicial do tratamento, os outcomes serão mais satisfatórios6. Em 1976, Annon desenvolveu um modelo que ilustra o facto de a maioria das pessoas com disfunção sexual não necessitar de terapêutica intensiva. Foi criado o acrónimo PLISSIT para descrever os quatro níveis de aconselhamento sexual: Permissão (Permission giving), Informação limitada (Limited Information), Sugestões específicas (Specific Suggestions) e Terapia intensiva (Intensive Therapy)25. Os três primeiros níveis prendem‐se com a permissão dada ao doente para a discussão da sexualidade, fornecendo, em simultâneo, informação limitada e sugestões específicas acerca das suas dúvidas e preocupações. Estes níveis podem ser abordados pelo médico assistente. No entanto, esta abordagem requer algum grau de investimento profissional no campo da oncossexologia, pelo que se considera que, em certos casos, será premente a referenciação para uma consulta de oncossexologia2. O último nível, o da terapia intensiva, requer a intervenção de terapeutas sexuais caso os três níveis anteriores não tenham sido suficientes na resolução do quadro.

Muito recentemente, a American Society of Clinical Oncology (ASCO) publicou guidelines para intervenção e tratamento de problemas sexuais em doentes oncológicos26. Estas guidelines têm como base a publicação efetuada previamente pela Cancer Care Ontario, em que ambas recomendam que sejam tidas em conta todas as componentes físicas, emocionais e psicossociais relacionadas com a sexualidade. As guidelines da ASCO recomendam que a discussão sobre função sexual seja iniciada pelos profissionais de saúde, devendo ocorrer o mais precocemente possível dentro do paradigma de tratamento. A mesma discussão deverá surgir em vários momentos do tratamento e controlo clínico, por forma a que sejam identificadas alterações. A inclusão do parceiro na discussão é possível, mas apenas deverá ser feita caso o doente assim o deseje.

Nos pontos seguintes das guidelines são abordadas diversas intervenções separadas por género. No caso da mulher, identifica‐se uma enfatização das questões relacionadas com o desejo hipoativo, imagem corporal e intimidade. Neste caso deverá ser oferecido aconselhamento psicossexual, havendo evidência de que a terapia de casal poderá ser mais eficaz do que uma intervenção individual. Para o tratamento de sintomas genitais femininos, a ASCO recomenda que os sintomas de atrofia vaginal sejam abordados de forma semelhante às mulheres sem doença oncológica. A intervenção deverá iniciar‐se com o recurso a cremes e lubrificantes vaginais. Nos casos refratários ou inicialmente mais severos, poderá ser prescrito estrogénio vaginal com segurança. No caso particular das mulheres com carcinoma da mama hormono‐dependente, o uso de estrogénios vaginais deverá ser ponderado e discutido com a doente de acordo com o risco‐benefício inerente ao seu uso. Para o tratamento da dispareunia, as opções terapêuticas incluem uma abordagem multidisciplinar, com cirurgia minimamente invasiva, terapêutica hormonal, terapêutica da dor, educação, fisioterapia e psicoterapia27,28. Para o tratamento do vaginismo ou estenose vaginal, a ASCO recomenda o recurso a dilatadores vaginais. O benefício é maior quando a dilatação é realizada precocemente e não deve ser recomendada com base na atividade ou orientação sexual da doente, mas sim a todas as mulheres com risco de alterações vaginais com potencial impacto na sua saúde sexual e vulvovaginal.

No caso do homem, a ASCO recomenda os Inibidores da Fosfodiesterase‐5 como tratamento de primeira linha para a disfunção erétil. Nos casos refratários deverão ser introduzidas opções como os dispositivos de vácuo ou as injeções intracavernosas. A intervenção cirúrgica com colocação de prótese peniana poderá ser oferecida a doentes que não respondam ao tratamento médico ou que reportem efeitos secundários severos.

Consultas de oncossexologia

As consultas de oncossexologia são geralmente realizadas por médicos urologistas, ginecologistas, psiquiatras ou psicólogos e compreendem um espaço próprio para a abordagem da problemática da sexualidade, nas diversas fases do tratamento oncológico29. No nosso estudo, a grande maioria dos doentes considera estas consultas importantes, cerca de 66% da amostra estariam interessados em ser orientados para estas consultas. Um dado importante na nossa análise é o facto de que não só os doentes em controlo clínico como também os doentes em tratamento desejariam obter uma consulta especializada. Após comparação entre grupos etários, verificamos que não existem diferenças significativas entre os doentes com menos de 65 anos e com mais de 65 anos quanto à necessidade de consultas de oncossexologia. O mesmo foi verificado após comparação entre género masculino e feminino, indicando que, potencialmente, todos os grupos de doentes oncológicos terão interesse numa abordagem especializada em sexologia.

Relativamente à tipologia de consulta de oncossexologia, os doentes preferiram uma avaliação pelo médico ou psicólogo, são poucos os doentes interessados em realizar terapia de casal, o que poderá indicar que as disfunções sexuais tendencialmente se sobrepõem às disfunções interconjugais.

Limitações do estudo

A reduzida dimensão da amostra constitui a principal limitação deste estudo e condicionou a sua análise estatística.

Não foi possível identificar com clareza quais os doentes com disfunção sexual previamente ao diagnóstico oncológico o que poderá ter condicionado a nossa análise.

O facto de alguns doentes terem solicitado apoio para a compreensão e o preenchimento do questionário poderá ter diminuído o seu carácter confidencial, com provável impacto em alguns parâmetros de avaliação.

Conclusão

A doença oncológica e os seus tratamentos têm um conhecido impacto na sexualidade, que se inicia nas fases mais precoces da doença. Será necessária uma adaptação do doente e um investimento dos profissionais de saúde para que possa ser disponibilizada informação adequada, apoio precoce e uma abordagem especializada, como é o exemplo das consultas de oncossexologia. A existência destas consultas é do interesse da maioria dos doentes oncológicos, com potencial para diminuição do impacto oncológico na qualidade de vida.

São necessários mais estudos que clarifiquem quais os doentes com maior necessidade de uma abordagem especializada de oncossexologia.

Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animais

Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.

Confidencialidade dos dados

Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.

Direito à privacidade e consentimento escrito

Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.

Financiación

Nada a declarar.

Conflicto de intereses

Nada a declarar.

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