O tumor do pénis é um dos menos frequentes do aparelho génito‐urinário, no entanto tem um grande impacto na qualidade de vida e vivência da sexualidade. Os estudos sobre a atividade sexual após o tratamento são escassos.
ObjetivosCaracterizar a atividade sexual com penetração dos doentes com carcinoma do pénis submetidos a diferentes opções terapêuticas conservadoras de órgão e avaliar a função erétil pré e pós‐tratamento e, secundariamente, comparar os resultados entre os doentes submetidos a penectomia parcial e os restantes.
Material e métodosConsulta do processo dos doentes com diagnóstico de carcinoma do pénis observados no Instituto Português de Oncologia do Porto, entre 2005‐2015, para obtenção dos dados demográficos, clínicos e histopatológicos. Entrevista telefónica com aplicação do questionário Índice Internacional da Função Erétil‐5 (IIFE‐5).
ResultadosDo total de 107 doentes, 16 cumpriram os critérios de inclusão (n=16), com um score IIFE‐5 de 23,4 (10‐25), baixando este valor para 16,6 (5‐25) após terapêutica, p<0,05. Quinze doentes mantiveram atividade sexual (93,8%) e apenas um doente (6,25%) suspendeu a atividade sexual por disfunção erétil. O valor de IIFE‐5 pós‐terapêutico no subgrupo de doentes submetidos a penectomia parcial foi mais baixo do que o da restante amostra (15,0 vs. 18,6), porém, sem significado estatístico.
ConclusãoApesar do tratamento do carcinoma do pénis condicionar diminuição da função erétil, com significado estatístico, a maioria dos doentes (93,8%) mantém vida sexual ativa com penetração. Não é possível inferir que terapêuticas menos invasivas estejam associadas a melhor função erétil.
Penile carcinoma is one of the less frequent tumors of the genitourinary system, however its effect on the patients’ sex life and quality of life is of great impact. Studies about the influence on patients’ sex life are scarce.
ObjectivesTo characterize sexual activity with penetration of patients with penile carcinoma who underwent different conservative therapeutic approaches and to evaluate pre and post treatment erectile function. Secondarily, to compare the results between the patients who underwent partial penectomy to those subjected to other conservative therapies.
Material and methodsReview of patients’ records diagnosed with penile carcinoma and observed at the Portuguese Institute of Oncology of Oporto between 2005 and 2015, to obtain demographic, clinical and histopathological data. Telephone interviews for the completion of the International Index of Erectile Function‐5 (IIEF‐5) questionnaire to patients undergoing treatment in that period.
Results16 out of the 107 patients met the inclusion criteria (n=16), with an average IIEF‐5 score of 23.44 (10‐25), lowering this value to 16.56 (5‐25) after therapy, p<0,05. Fifteen out of the 16 patients kept sexual activity (93.8%) and one (6.25%) suspended due to erectile dysfunction. IIEF‐5 score after treatment in the subgroup that underwent partial penectomy was lower when compared to the other subgroup of patients subjected to others conservative therapies, without statistical significance.
ConclusionAlthough penile carcinoma treatment has an impact in erectile function with statistical significance, the majority of patients keeps an active sexual life with penetration after treatment. It's not possible to conclude that less invasive therapies are associated with better erectile function.
O diagnóstico de carcinoma do pénis e sua terapêutica são fatores com impacto na sexualidade e, consequentemente, na qualidade de vida dos doentes. Estudos sobre este tema, bem como acerca do impacto das diferentes opções terapêuticas, são escassos.
O carcinoma do pénis é um dos tumores do trato génito‐urinário menos frequentes nos países ocidentais, com uma incidência inferior a 1:100.000 homens na Europa1. Em Portugal, os dados mais recentes, referentes ao registo oncológico nacional, apontam para uma incidência de 1,7 casos/100.000 homens, diagnosticados no ano de 20082. Apesar de ser uma doença pouco frequente, a sobrevida específica a 5 anos pode exceder os 90%, o que implica viver muitos anos com os efeitos psicossexuais da terapêutica efetuada1,3. A cirurgia radical com margens de segurança de 2cm era classicamente defendida, contudo a evidência científica atual defende abordagens mais conservadoras, sempre que oncologicamente seguro, de modo a manter a qualidade de vida e maximizar a função sexual1,4. O facto de a maioria das lesões se apresentar na glande, sulco ou prepúcio contribui para que também se possa optar por terapêuticas conservadoras de órgão, não se associando a diminuição da sobrevida, uma vez que a recorrência localizada tem pouco efeito sobre a sobrevida a longo prazo3,5,6. A preservação da função sexual é um dos objetivos destas novas abordagens cirúrgicas, já que os efeitos psicológicos e na qualidade de vida dos doentes são de suma importância.
Os dados acerca da função sexual e qualidade de vida em doentes com carcinoma do pénis são ainda escassos e baseados em séries com um baixo número de doentes7–9. Numa revisão sistemática, sintomas psiquiátricos foram identificados em 50% dos doentes e o tratamento do carcinoma do pénis resultou em efeitos negativos no bem‐estar em até 40% dos doentes10.
Assim, o estudo da função sexual e impacto da terapêutica na qualidade de vida dos doentes com tumor do pénis é um tema relevante e o objeto do presente trabalho, que visa caracterizar a atividade sexual com penetração dos doentes submetidos a terapêutica com intuito curativo do carcinoma do pénis e comparar a função erétil pré e pós‐tratamento. Estabeleceu‐se como objetivo secundário a comparação da função erétil entre os doentes submetidos a penectomia parcial e a restante amostra, submetida a terapêuticas menos invasivas.
Material e métodosDesenho do estudoFoi realizado um estudo transversal onde foram incluídos os doentes observados no Instituto Português de Oncologia do Porto entre um de janeiro de 2005 e 31 de dezembro de 2015, vivos à data do estudo e que expressaram a sua concordância com a realização do mesmo. Os dados foram colhidos por 2 dos investigadores, de 3‐5 de maio de 2016, por entrevista telefónica e consulta de registos clínicos.
ParticipantesForam incluídos no estudo doentes com o diagnóstico de carcinoma do pénis (ICD‐10 C60.0; C60.1; C60.2; C60.8; C60.9) e que tinham vida sexual ativa antes do diagnóstico de carcinoma do pénis. Foram excluídos os doentes submetidos a penectomia radical com presença de doença recidivante ou metastizada, com idade superior a 75 anos, com antecedentes de cirurgia prostática ou doença grave que pudesse interferir com a função sexual, sem vida sexual prévia ao tratamento e aqueles sem contato telefónico no processo clínico ou que não atenderam chamada.
VariáveisA função erétil foi avaliada, por entrevista telefónica, pela aplicação da versão validada para português do questionário Índice Internacional da Função Erétil‐5 (IIFE‐5), pedindo aos doentes que recordassem a sua condição pré‐diagnóstico e a condição atual11. O IIFE‐5 agrupa os doentes em 5 grupos, de acordo com a soma da pontuação obtida em cada uma das perguntas: 1) sem disfunção erétil (22‐25); 2) disfunção erétil leve (17‐21); 3) disfunção erétil moderada/leve (12‐16); 4) disfunção erétil moderada (8‐11); e 5) disfunção erétil grave (1‐7). Foram recolhidos no processo clínico os dados: idade, histopatologia e estadiamento do tumor. Os doentes foram distribuídos de acordo com a terapêutica efetuada: penectomia parcial, glansectomia, circuncisão, terapêutica fotodinâmica, terapêutica laser; e agrupados em doentes submetidos a penectomia parcial, e os restantes classificados como terapêuticas conservadoras.
Análise estatísticaFoi realizada uma análise descritiva das variáveis, com apresentação de proporções em variáveis categóricas, e médias e desvio‐padrão em variáveis contínuas. A comparação das médias do IIFE‐5 pré e pós‐tratamento foi realizada com o t‐test para amostras emparelhadas. Um valor de p inferior a 0,05 foi considerado significativo. A análise estatística foi feita com o programa STATA® versão 13 e SPSS® versão 20.0.
ResultadosDos 107 doentes observados na instituição no período mencionado, 16 cumpriam os critérios de inclusão (Anexo 1 Fluxograma de exclusão).
A caracterização da amostra está sumarizada na tabela 1. A idade média dos doentes à data do diagnóstico era 55,9 anos (min. e máx. 37‐72) e de 60,3 anos (min. e máx. 40‐75) à data da entrevista; o tempo médio decorrido desde o tratamento até à entrevista foi de 58,4 meses (min. e máx. 3‐136). Em todos os casos, o tipo histológico foi carcinoma pavimento‐celular. No que toca ao estadiamento, 5 doentes (31,25%) apresentavam tumor in situ (Tis), 2 doentes (12,50%) pT1a, 6 doentes (37,50%) pT2 e 3 (18,75%) pT3. Quanto à distribuição pelo tipo de terapêutica efetuada, 9 doentes (56,20%) foram submetidos a amputação parcial do pénis, 3 a glansectomia (18,75%), 2 a terapêutica fotodinâmica (12.50%), um a circuncisão (6,25%) e outro a terapêutica com laser Nd:YAG (6,25%) (não mostrado na tabela).
Características base da população em estudo, por tipo de terapêutica
Tipo terapêutica | ||||
---|---|---|---|---|
Penectomia parcial | Terapêuticas conservadoras | p value | Total | |
Total n (%) | 9 (66) | 7 (44) | 16 (100) | |
Idade | ||||
Ao procedimento | média (DP) | 57 (10,8) | 57,1 (6,5) | >0,05a | 57,1 (8,9) |
Atual | média (DP) | 62,9 (10,8) | 60,0 (6,5) | >0,05a | 61,6 (8,9) |
IIFE‐5 | ||||
Antes | média (DP) | 23,3 (5) | 23,5 (3,8) | >0,05a | 23,4 (4,3) |
Sem DE (22‐25) | 8 | 6 | 14 | |
DE leve (17‐21) | 0 | 1 | 1 | |
DE moderada (8‐11) | 1 | 0 | 1 | |
DE severa(5‐7) | 0 | 0 | 0 | |
Estadiamento TNM | ||||
T1 | 1 (11,1) | 6 (85,7) | <0,05b | 7 (43,8) |
T2 | 5 (55,6) | 1 (14,3) | 6 (37,5) | |
T3 | 3 (33,3) | 0 (0,0) | 3 (18,6) |
Notas: DE: disfunção erétil; DP: desvio‐padrão.
A comparação dos subgrupos penectomia parcial (9 doentes – 56,2%) e terapêuticas conservadoras (7 doentes – 43,8%) mostra que os grupos são semelhantes em todas as variáveis com exceção do estadiamento patológico, onde se verifica que os doentes submetidos a penectomia parcial tinham estadiamento histopatológico mais avançado.
O total dos 16 doentes respondeu ao questionário IIFE‐5, cujas respostas estão representadas na tabela 2. No estádio pré‐mórbido, a média do score IIFE‐5 foi de 23,44 (10‐25), correspondente à ausência de disfunção erétil. Após tratamento do carcinoma do pénis, a média do score foi 16,56 – (5‐25), disfunção erétil moderada/leve (fig. 1). Apesar dos resultados pós terapêuticos mais baixos, 15 doentes mantiveram atividade sexual (93,8%), com apenas um doente (6,25%) a referir ter suspendido atividade sexual por disfunção erétil. A comparação entre os resultados de IIFE‐5 pré e pós‐tratamento mostrou diferenças com uma diminuição de 6,8 pontos; esta diferença é clínica e estatisticamente significativa.
Atividade sexual e IIEF‐5 antes e após terapêutica
Resultados | |||
---|---|---|---|
Antes | Depois | p value | |
Atividade sexual n (%) | 16 (100) | 15 (93,6) | >0,05a |
Score IIFE‐5 médio (DP) | 23,4 (4,4) | 16,6 (7,5) | 0,001b |
Penectomia parcial (n=9) | 23,6 (3,7) | 18,6 (8,1) | |
Terapêuticas conservadoras (n=7) | 23,3 (5) | 15,0 (7,2) |
Notas: DP: desvio‐padrão; IIEF‐5: ‐ Índice Internacional da Função Erétil‐5.
Quando comparados os 2 subgrupos, os scores de IIFE‐5 no grupo submetido a penectomia parcial com os dos restantes, observa‐se uma média do score do primeiro grupo (15,0) inferior à do segundo (18,6), para um p=0,365, podendo perceber‐se que quanto mais minimamente invasiva é a cirurgia, melhor parece ser o score de função erétil. No entanto, as diferenças não atingem a significância estatística, em parte devido ao reduzido tamanho da amostra (fig. 2).
DiscussãoO carcinoma do pénis é uma doença rara na sociedade ocidental, e o seu tratamento pode ser mutilador, com impacto psicológico importante e consequências na vida sexual. No nosso estudo, verificámos que a maioria dos doentes mantém vida sexual ativa após o tratamento, apesar de existir uma diminuição do score IIFE‐5.
Scarberry et al., num estudo retrospetivo de pequena dimensão (n=6), reportaram que 50% dos doentes submetidos a penectomia parcial não tinham atividade sexual, enquanto os outros 50% tinham, porém sem satisfação. Estes dados não interferiam com a vida diária e os doentes estavam satisfeitos com o procedimento8. Nos nossos resultados existe uma maior proporção que mantém atividade sexual, tal como descrito por Romero et al. Neste último, apesar da diminuição do IIFE‐15, 55,6% dos doentes tinham função erétil que permitia atividade sexual regular, sendo que, no que respeita à parcela que avalia a função erétil, este grupo apresentava uma diminuição estatisticamente significativa9. Já no grupo de 10 doentes de Windahl et al. que preencheram o questionário, 6 não mantiveram vida sexual ativa e os restantes 4 reportaram disfunção erétil moderada‐leve12. Também num estudo brasileiro, 64% dos doentes mantiveram atividade sexual regular após amputação parcial do pénis13. O estudo prospetivo de Yu et al., com 43 doentes, descreveu uma diminuição do IIFE‐5 após penectomia parcial, concluindo ainda que a função sexual era negativamente afetada pela idade e ansiedade8.
Uma atenção crescente tem sido dada a terapêuticas não invasivas no tratamento do carcinoma do pénis. A braquiterapia é uma dessas novas opções terapêuticas, com até 94% dos doentes a reportarem manutenção da função erétil14. Num estudo sobre terapêutica laser, é referido que 75% doentes com atividade sexual pré‐tratamento retomaram atividade sexual, com satisfação8. No presente estudo, a comparação entre o subgrupo de doentes submetidos a penectomia parcial com o subgrupo de terapêuticas conservadoras não mostrou diferenças estatisticamente significativas, podendo estas conclusões ser limitadas pelo tamanho da amostra. A literatura atual aponta para que as novas técnicas cirúrgicas, que permitem preservar ao máximo o comprimento do pénis e a sua funcionalidade, minimizam o impacto na qualidade de vida dos doentes, sem compromisso oncológico15,16.
Curiosamente, alguns estudos referem que, apesar da diminuição da função sexual após a terapêutica do carcinoma do pénis, a maioria dos doentes apresenta níveis elevados de concretização pessoal e felicidade, talvez por serem doentes sobreviventes a doença oncológica e, também, por se tratarem de doentes mais velhos, em que a sexualidade pode não ser a dimensão mais importante da vida ou da própria relação conjugal17,18. É de ressalvar que o apoio da companheira é um fator importante e que ajuda a superar as dificuldades após o diagnóstico8,13.
O presente estudo é, segundo o nosso conhecimento, o primeiro até à data a avaliar a função sexual nos doentes com carcinoma do pénis em Portugal.
LimitaçõesUma das limitações deste trabalho é o facto de não termos dados relativos ao comprimento do pénis após terapêutica, pois no estudo de Yu et al. a função sexual foi positivamente afetada pelo comprimento do pénis8.
Para além disso, não é desprezível que com o aumento da idade exista agravamento da disfunção erétil, o que pode dificultar a comparação com outros estudos em que a média de idades é diferente.
A entrevista por via telefónica e o tempo decorrido desde o tratamento são também limitações a ter em conta.
Também o viés de memória deve ser considerado, já que o uso de entrevista telefónica para recordar a atividade sexual antes da cirurgia pode induzir a uma sobreavaliação da atividade prévia. No entanto, o uso de uma escala validada permite minimizar o viés, aumentando a objetividade das respostas. A reduzida dimensão da amostra não permite amplificar conclusões; o ideal será a realização de um estudo prospetivo com avaliação do IIFE‐5 previamente e após a cirurgia, com um maior número de doentes.
Pontos fortesTrata‐se do primeiro estudo realizado em Portugal acerca deste tema. O uso de uma escala que avalia a disfunção erétil permite uma objetivação de resultados e fornece mais informação do que a simples informação sobre a atividade sexual.
Perspetivas futuras e implicações clínicasÉ nossa opinião que a avaliação da função sexual prévia à intervenção terapêutica deverá ser uma estratégia a adotar, envolvendo não só o doente, mas também a parceira, alertando para a possibilidade de manutenção de atividade sexual após o tratamento, tal como o presente estudo comprova. Futuramente, será importante esclarecer de que modo diferentes técnicas cirúrgicas podem ter impacto na função sexual.
ConclusãoA maior parte dos doentes mantém vida sexual ativa após o tratamento do carcinoma do pénis, apesar de um aumento da disfunção sexual. Deve transmitir‐se esta mensagem aos doentes e caminhar no sentido de uma abordagem multidisciplinar e minimamente invasiva, sempre que exequível. São necessários estudos prospetivos mais abrangentes, que validem os dados existentes até à data.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
FinanciamentoOs autores declaram que para esta investigação não receberam qualquer financiamento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver qualquer tipo de conflito de interesses.
Agradecimento ao Dr. Peralta‐Santos pelos serviços de consultoria científica na análise de dados e escrita científica.