As disfunções sexuais constituem um problema de saúde de elevada prevalência, tornam‐se necessários instrumentos de avaliação adaptados para a população portuguesa.
MétodoO objetivo deste estudo foi validar o Massachusetts General Hospital – Sexual Functioning Questionnaire (MGH‐SFQ) para a população portuguesa. Participaram 1.079 adultos portugueses que preencheram um questionário sociodemográfico e o MGH‐SFQ. A idade dos participantes variou de 18 a 89 anos (M = 29,66; SD = 13,05), 32,6% (n = 352) foram homens e 67,4% (n = 727) mulheres.
ResultadosO alfa de Cronbach obtido foi de 0,91 e as propriedades psicométricas da escala foram adequadas. A validação do constructo foi avaliada através da Análise Fatorial Confirmatória, configurou um modelo unidimensional adequado (RMSEA = 0,041, CFI = 0,974).
DiscussãoTendo em conta os resultados da validação psicométrica, a dimensão da amostra e a aplicabilidade desse instrumento na prática clínica e sexológica, somos levados a afirmar que se trata de instrumento válido e confiável para avaliar o funcionamento sexual, quer de homens quer de mulheres portugueses.
Sexual dysfunctions are a high prevalence health problem, making it necessary to provide assessment instruments adapted to the Portuguese population.
MethodsThe purpose of this study was to validate the Massachusetts General Hospital‐Sexual Functioning Questionnaire (MGH‐SFQ) for the Portuguese population. Participants in this study were 1079 Portuguese adults who completed a sociodemographic questionnaire and the MGH‐SFQ. The participants’ ages varied between 18 and 89 years of age (M = 29.66; SD = 13.05), and 32.6% (n = 352) were men and 67.4% (n = 727) were women.
ResultsThe Cronbach's alpha obtained was .91 and the psychometric properties of the scale were adequate. The validation of the construct was evaluated through Confirmatory Factor Analysis, setting up a suitable one‐dimensional model (RMSEA = .041, CFI = .974).
DiscussionTaking into account the results of the psychometric validation, the sample size and the applicability of this instrument in clinical and sexological practice, we can confirm that this is a valid and reliable instrument to evaluate the sexual functioning of both Portuguese men and women.
A função sexual é parte integrante da experiência humana e está intimamente associada à promoção de relacionamentos prazerosos, de intimidade e, em última análise, da qualidade de vida.1–4 Nesse sentido, o funcionamento sexual é descrito pela operacionalização de mecanismos sexuais que estão na base da resposta sexual humana (desejo, excitação, orgasmo e resolução),5,6 que, por seu turno, são variáveis fundamentais na avaliação da satisfação com os relacionamentos e o bem‐estar geral. Quando esses mecanismos estão de alguma maneira condicionados, falamos de disfunção sexual.
As disfunções sexuais constituem um problema de grande impacto na saúde da população mundial e podem surgir em qualquer um dos ciclos da resposta sexual, levam à ocorrência de consequências não apenas físicas, mas também psicológicas, como, por exemplo, ansiedade e depressão.7–9 A prevalência das disfunções sexuais nos homens está estimada entre os 20 e os 30%, ao passo que nas mulheres situa‐se entre os 40 e 45%,10–15 esses valores são congruentes com as estimativas obtidas por estudos portugueses.16,17 No entanto, para grande parte desses estudos, tais estimativas apoiam‐se na obtenção de autorrespostas com base em instrumentos não validados psicometricamente, o que poderá enviesar os resultados.
Não obstante, surgem na literatura muitos instrumentos cujo propósito é avaliar o funcionamento sexual,18–22 um deles é o Massachusetts General Hospital – Sexual Functioning Questionnaire (MGH‐SFQ),23 desenvolvido com base no Guided Interview Questionnaire e no Arizona Sexual Experience Scale24 e que, para além da validação original americana, já tem validações para a população espanhola25 e a colombiana.26
O MGH‐SFQ tem sido usado como medida fiável do funcionamento sexual em populações normativas e na identificação de disfunções sexuais em populações clínicas, notadamente com psicopatologia,27–29 mas não existe versão psicometricamente validada para a população portuguesa. Assim, o objetivo deste estudo foi adaptar e validar o MGH‐SFQ numa amostra de homens e mulheres portugueses.
MétodoParticipantesForam incluídos neste estudo 1.079 participantes portugueses, selecionados por conveniência através da internet. A idade variou entre 18 e 89 anos (M = 29,66; SD = 13,05), 32,6% (n = 352) eram homens e 67,4% (n = 727) mulheres. A maioria dos participantes disse ter um compromisso (casado ou comprometido) (46,1%) ou ser solteira (42.4%). Relativamente à escolaridade, verificou‐se que 38,3% disseram ter até 12 anos de formação escolar, ao passo que 61,7% disseram ter formação acadêmica universitária, trata‐se, portanto, de uma amostra diferenciada; 44,1% disseram ser estudantes, 30% trabalhadores por conta de outrem e 9,7% desempregados. Finalmente, relativamente à autoidentificação face à orientação sexual, 79,1% identificaram‐se como heterossexuais, 7,8% como bissexuais e 13,1% como homossexuais.
InstrumentosForam usados dois instrumentos para esta investigação: o questionário sociodemográfico e o MGH‐SFQ. Relativamente ao questionário sociodemográfico, foram incluídas questões acerca da idade, do gênero, do estado marital, da situação profissional, situação acadêmica e autoidentificação em relação à orientação sexual. O Massachusetts General Hospital – Sexual Functioning Questionnaire (MGH‐SFQ)23 consiste em cinco itens que avaliam o interesse sexual, a excitação, a capacidade para atingir o orgasmo, a capacidade para atingir e manter uma ereção (no caso dos homens) ou a lubrificação (no caso das mulheres) e a satisfação sexual geral. A atribuição das pontuações é feita de acordo com uma escala de tipo Likert de sete pontos: 1 = totalmente ausente; 2 = marcadamente diminuída; 3 = quase normal; 4 = normal; 5 = algo acima do normal; 6 = marcadamente acima do normal; e 7 = completamente acima do normal. A descrição e as características do MGH‐SFQ podem ser encontradas no anexo 1.
ProcedimentosO MGH‐SFQ foi traduzido e adaptado da versão original para português europeu por dois psicólogos clínicos especialistas em sexologia pela Ordem dos Psicólogos Portugueses. Dada a simplicidade do questionário, optou‐se por reproduzir os procedimentos de adaptação cultural previamente feitos para as versões espanhola e colombiana,25,26 sujeitaram‐se os itens a uma avaliação de quatro peritos na área da psicometria e sexologia, como forma de garantir a sua adequação. Todos os peritos avaliaram positivamente a representatividade dos itens ao constructo (funcionamento sexual) de forma clara, concisa e sem ambiguidades. Foi feito um pré‐teste junto de 20 voluntários online, o que assegurou que a versão apresentada como final fosse bem compreendida pelos participantes.
A amostra foi recolhida pela internet entre setembro de 20167 e janeiro de 2017. Foi criada uma página com os instrumentos online, foram garantidos a confidencialidade e o anonimato das respostas, obedeceu‐se, assim, aos princípios éticos normalmente exigidos. O link da página online foi disseminado através de mailing lists e redes sociais.
Análise de dadosO SPSS 23.0 (IBM, Chicago, IL) foi usado para analisar as propriedades psicométricas dos itens. Para além das medidas descritivas básicas (média, desvio‐padrão, frequências) foram calculados os coeficientes de correlação de Pearson (dado que os pressupostos da normalidade e da homogeneidade foram verificados) e implantada a Análise Fatorial Confirmatória (AFC) com recurso ao AMOS (v. 20, SPSS An IBM Company, Chicago, IL). Assim, usou‐se o método de Máxima Verossimilhança e os índices considerados para avaliar o ajuste do modelo foram os seguintes: Root Mean Square Error Approximation (RMSEA)30 com um intervalo de confiança de 90% e o Comparative Fit Index (CFI).31 Valores abaixo de 0,08 para o RMSEA e maiores do que 0,95 para o CFI foram considerados indicativos de bom ajuste.32
ResultadosPropriedade psicométricas e fiabilidade dos itensNa tabela 1 apresentam‐se os resultados para os valores obtidos para cada item, separados por gênero, pode‐se observar que os indicadores são adequados. Apresentam‐se as pontuações médias com diferenças entre homens e mulheres, significativas para todos os itens (p < 0,001), exceto o item 5, o que indica que foram os homens que obtiveram pontuações mais elevadas no funcionamento sexual, à exceção da satisfação com a atividade sexual. Relativamente à consistência interna do questionário, submeteram‐se os cinco itens à avaliação do alpha de Cronbach, obteve‐se o valor de α = 0,914, considerado excelente.33
Resultados para as médias nas respostas aos itens, por sexo (n = 1.079)
Sexo | Média | Desvio‐padrão | t(df) | p | |
---|---|---|---|---|---|
Item 1 | Homem | 3,98 | 1,19 | 5.064 (1.067) | 0,000** |
Mulher | 3,57 | 1,28 | |||
Item 2 | Homem | 3,89 | 1,06 | 4.522 (1.066) | 0,000** |
Mulher | 3,53 | 1,26 | |||
Item 3 | Homem | 3,90 | 1,06 | 5.781 (1.065) | 0,000** |
Mulher | 3,43 | 1,31 | |||
Item 4 | Homem | 3,93 | 1,16 | 3.638 (1.066) | 0,000** |
Mulher | 3,63 | 1,31 | |||
Item 5 | Homem | 3,99 | 1,45 | 1.133 (1.066) | 0,257 |
Mulher | 3,88 | 1,52 |
Na tabela 2 podem ser observados os resultados relativos às correlações entre os vários itens que compõem o questionário, verificou‐se que todos os coeficientes correlacionais são fortes e estaticamente significativos (p < 0,001).
Invariância fatorialTendo em conta o procedimento da AFC, fixaram‐se como modelos a confirmar as soluções fatoriais das versões espanhola e colombiana (unidimensionais), permitiu‐se, dessa forma, estabelecer a validade do constructo e demonstrar a equivalência com as duas versões explicitadas, devido à maior proximidade linguística. Foi observada uma boa adequação da matriz dos dados no modelo teórico proposto, o que permite aceitar a equivalência das medidas básicas. O valor do RMSEA (0,041) e o valor do CFI (0,974) indicam que o modelo é adequado, apresenta forte invariância com os modelos originais e, portanto, considerou‐se que o modelo fatorial proposto tinha validade quando todos os itens apresentaram pesos fatoriais superiores a 0,4 e o modelo de um único fator apresentou um bom ajuste à estrutura de variância‐covariância avaliado pelos índices de qualidade de ajustamento. Na tabela 3 apresentam‐se os indicadores de adequação.
DiscussãoO objetivo deste estudo foi validar a MGH‐SFQ para a população portuguesa, quer masculina, quer feminina, de modo a tornar esse instrumento uma medida válida e fidedigna para avaliar o funcionamento sexual em Portugal, na linha do que tem sido feito por outros investigadores.34
A amostra alcançada foi de grande dimensão e as pontuações obtidas demonstram que o MGH‐SFQ é um instrumento confiável para avaliar o funcionamento sexual em Portugal. Avaliação qualitativa dos itens e os indicadores da validade do constructo demonstram que o instrumento é uma ótima medida para medir o funcionamento sexual. As correlações entre os itens e o valor do alfa de Cronbach foram semelhantes às versões espanhola e colombiana, que serviram de modelo a confirmar.
As médias obtidas para cada item eram esperadas para uma população não clínica e os desvios‐padrão perto de 1 indicam uma adequada distribuição das pontuações. Podemos, então, considerar as pontuações totais como um reflexo do funcionamento total e as pontuações parciais de cada um dos itens como indicadores de cada componente da resposta sexual. Para além disso, o valor da consistência interna foi considerado excelente.
A análise fatorial confirmatória a uma única dimensão resulta da baixa adequabilidade para fazer uma análise fatorial exploratória devido ao reduzido número de itens que o questionário apresenta. De fato, apenas Sierra et al.25 propuseram explorar mais do que uma dimensão sem sucesso. Nesse sentido, confirmou‐se a natureza unidimensional dos itens do MGH‐SFQ, o que também permitirá a comparação com amostras americanas, espanholas e colombianas.
Tendo em conta a distribuição das disfunções sexuais na população geral, era esperado que se encontrassem diferenças entre homens e mulheres nas pontuações do MGH‐SFQ, mais comprometedoras para as mulheres.35–37 Por outro lado, dadas as medidas de fiabilidade e validade do MGH‐SFQ e a possibilidade de medir os diferentes componentes da resposta sexual humana, o questionário é, sem dúvida, uma ferramenta muito útil para detecção de mudanças no funcionamento sexual (por exemplo, decorrentes de situações particulares, doença ou toma de medicação) na população portuguesa, assim como para o diagnóstico de disfunções sexuais ao longo do ciclo vital.
No entanto, existem limitações do MHG‐SFQ que é necessário explicitar. Primeiro, a sua multidimensionalidade não foi reproduzida e, segundo, o MHG‐SFQ não permite a identificação de dificuldades específicas associadas a diferentes disfunções sexuais, nem a avaliação de complexidades multidimensionais associadas à experiência sexual. No entanto, tendo em conta os resultados da validação psicométrica, a dimensão da amostra e a aplicabilidade desse instrumento na prática clínica e sexológica, somos levados a afirmar que se trata de instrumento válido e confiável para avaliar o funcionamento sexual, quer de homens quer de mulheres portugueses.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisO autor declara que para esta investigação não se fizeram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosO autor declara ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escritoO autor declara ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo e que está de posse desse documento.
Por favor, responda a todas as perguntas assinalando a resposta correta ou a resposta que lhe parece mais adequada no seu caso (considere como “normal” o período da sua vida quando esteve mais satisfeito com o seu funcionamento sexual).
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