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Vol. 33. Núm. 3.
Páginas 294-301 (septiembre 2015)
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Vol. 33. Núm. 3.
Páginas 294-301 (septiembre 2015)
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Efeito do aleitamento materno sobre a obesidade em escolares: influência da escolaridade da mãe
Effect of breastfeeding on obesity of schoolchildren: influence of maternal education
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Katia Jakovljevic Pudla, David Alejandro Gonzaléz‐Chica, Francisco de Assis Guedes de Vasconcelos
Autor para correspondencia
f.vasconcelos@ufsc.br

Autor para correspondência.
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC, Brasil
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Tabela 1. Odds ratio bruta para obesidade segundo características do escolar, das mães e da família dos escolares de 7‐14 anos. Florianópolis, SC, 2007
Tabela 2. Prevalência (%) de obesidade, odds ratio bruta e ajustada de acordo com o aleitamento materno e categorias de duração de aleitamento materno, estratificado por idade do escolar, Florianópolis, SC, 2007
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Resumo
Objetivo

Avaliar a associação entre a duração do aleitamento materno (AM) e a obesidade em escolares de Florianópolis (SC), assim como o papel de possíveis modificadores de efeito.

Métodos

Estudo transversal com amostra probabilística de 2.826 escolares de 7‐14 anos. Foram aferidos o peso e a altura dos escolares, de acordo com procedimentos padronizados. Dados referentes ao AM e variáveis sociodemográficas foram obtidos por questionário enviado aos pais/responsáveis. O estado nutricional foi avaliado pelo escore‐Z IMC/idade (curvasda OMS), de acordo com o sexo. Análises ajustadas foram feitas com regressão logística e foi considerada a possível interação de variáveis.

Resultados

A obesidade afetou 8,6% dos escolares (95% IC: 7,6%‐9,7%) e o AM por ≥ seis meses foi encontrado em 55,7% (95% IC: 53,8%‐57,6%). O AM não esteve associado à obesidade, mesmo nas análises ajustadas. As análises estratificadas por escolaridade materna mostraram que, nas crianças de 7‐10 anos e filhos de mulheres com até oito anos de estudo, a obesidade foi menor nos que receberam AM por qualquer período > um mês, em especial entre aqueles que receberam AM por um a cinco meses (RO=0,22; 95% IC: 0,08‐0,62). Nos filhos de mulheres com maior escolaridade (>8 anos), a chance de obesidade foi 44% menor nos que haviam recebido leite materno por >12 meses (p de interação <0,01). Em adolescentes de 11‐14 anos não foi verificada essa interação.

Conclusões

O AM por períodos maiores do que um mês em filhos de mulheres com baixa escolaridade protege contra a obesidade, mas quando a escolaridade materna é maior, períodos de AM menores de 12 meses aumentam as chances de obesidade.

Palavras‐chave:
Aleitamento materno
Obesidade
Escolares
Abstract
Objective

To evaluate the association between duration of breastfeeding (BF) and obesity in schoolchildren of Florianópolis (SC), and the role of possible effect modifiers.

Methods

Cross‐sectional study with a random sample of 2,826 schoolchildren (7‐14 years). Weight and height were measured according to standardized procedures. Data concerning BF and sociodemographic variables were obtained from a questionnaire sent to parents/guardians. Children's nutritional status was evaluated by BMI‐for‐age z‐score for gender (WHO reference curves). Adjusted analyses were performed through logistic regression, considering a possible interaction among variables.

Results

Prevalence of obesity was 8.6% (95% CI: 7.6‐9.7%) and 55.7% (95% CI: 53.8‐57.6%) received breastmilk for ≥6 months. BF was not associated with obesity, even in the adjusted analysis. Stratified analysis according to maternal schooling showed that, in children aged 7‐10 years and children whose mothers had 0‐8 years of schooling, the chance of obesity was lower among those breastfeed for >1 month, especially among those who received breastmilk for 1‐5 months (OR=0.22; 95% CI 0.08‐0.62). Among children of women with higher educational level (>8 years), the chance of obesity was 44% lower in those who were breastfed for >12 months (p‐value for interaction <0.01). This interaction was not found in older children (11‐14 years).

Conclusions

Among children of women with lower schooling, BF for any period longer than 1 month is protective against obesity; however, for a higher maternal schooling, BF for less than 12 months increases the odds of obesity.

Keywords:
Breastfeeding
Obesity
Schoolchildren
Texto completo
Introdução

Nas últimas quatro décadas, houve no Brasil aumento de pelo menos cinco vezes na prevalência de obesidade entre crianças e adolescentes na faixa de cinco a 19 anos, em ambos os sexos.1

A obesidade é uma doença multifatorial que está relacionada com uma série de agravos à saúde2 e, entre seus fatores associados, está o aleitamento materno (AM),3 que parece ser protetor contra essa doença.3 A evidência de que o AM pode proteger contra a obesidade parece estar no fato de que o leite materno tem composição e resposta hormonal diferentes em comparação com outros leites e podendo até estar relacionado com a adaptação à dieta posterior ao aleitamento.3 No entanto, a hipótese desse efeito protetor ainda não é clara.3‐10

Poucos estudos sobre essa associação foram feitos em países de renda média ou baixa, inclusive no Brasil,11,12 especialmente na faixa etária que envolve os escolares do ensino fundamental. Nesse contexto, o objetivo do estudo foi avaliar a associação entre duração do aleitamento materno (AM) e obesidade em escolares de Florianópolis (SC), assim como o papel de possíveis modificadores de efeito em escolares do ensino fundamental do município.

Método

Estudo transversal com amostra probabilística da população de escolares de sete a 14 anos, matriculada nas redes de ensino fundamental público e particular do município de Florianópolis (SC). Os procedimentos metodológicos para definição do tamanho e a seleção da amostra já foram descritos em artigo publicado anteriormente.13 Em síntese, considerou‐se para o cálculo do tamanho da amostra uma prevalência de 10% de obesidade entre crianças de 7‐10 anos e de 17% entre adolescentes de 11‐14 anos, margem de erro de dois pontos percentuais, efeito de desenho de 1,3 e poder de 80%. Com esses dados estimou‐se o número de 2.800 escolares a serem avaliados. Considerando‐se, ainda, perda aleatória de 10%, obtiveram‐se 3.100 escolares a serem selecionados.

O estudo usou um desenho de amostragem probabilística em dois estágios. No primeiro estágio, escolas do município foram classificadas em quatro estratos de acordo com duas áreas geográficas (centro/continente e praias) e dois tipos de escola (pública e particular). Dentro de cada estrato, as escolas foram selecionadas aleatoriamente. A amostra incluiu 17 escolas (11 públicas e seis particulares). No segundo estágio, em cada escola incluída, as crianças foram aleatoriamente selecionadas.

Foram incluídos no estudo escolares de 7‐14 anos que tiveram a permissão dos pais ou responsáveis para participar, a partir da assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina/CCS em 24 de abril de 2006 (parecer 028/06).

A equipe de coleta dos dados foi composta por dez examinadores treinados e padronizados. Foi feito estudo piloto, com avaliações antropométricas em duas escolas de Florianópolis que não estavam na amostragem da pesquisa.14

A tomada das medidas antropométricas seguiu protocolo definido segundo as normas da Organização Mundial de Saúde (OMS),15 baseadas nas recomendações de Lohman, Roche e Martorell (1988).16 A medida do peso corporal foi obtida com balança eletrônica da marca Marte®, com capacidade de 180kg e precisão de 100 gramas, e para a medida da estatura usou‐se um estadiômetro da marca Alturexata®, com precisão de um milímetro. Os dados foram coletados entre março e dezembro de 2007.

Os dados referentes ao AM e as demais informações usadas para as variáveis de controle foram obtidos por meio de questionário enviado para os pais/responsáveis dos escolares. Foram coletados dados de nascimento e infância dos escolares (peso ao nascer, idade gestacional e duração do AM), dados sociodemográficos (escolaridade e idade materna, renda mensal total, número de moradores do domicílio) e antropométricos das mães dos escolares (peso e estatura autorreferidos). A covariável maturação sexual foi coletada por meio de uma planilha com as figuras correspondentes aos estágios de maturação sexual propostos por Tanner17 em desenhos, somente nos escolares de 11‐14 anos.

Os dados de AM foram obtidos com base no seguinte questionamento aos pais ou responsáveis: “Até quando o aluno mamou leite materno?” Essa questão era dividida em categorias de tempo de amamentação, que posteriormente foram agrupadas para análise dos dados.

Os dados foram processados de forma eletrônica no software EpiData 3.0 e foram feitas a conferência de todos os dados e a checagem automática de consistência e de amplitude.

O estado nutricional dos escolares (variável desfecho) foi categorizado em: sem obesidade (≤ escore‐z +2) ou com obesidade (> escore‐z +2), a partir das curvas de Índice de Massa Corporal (IMC) para idade e sexo de acordo com a referência da OMS (2007).18 Para análise comparativa, o estado nutricional também foi classificado segundo a recomendação da International Obesity Task Force (IOTF), com a referência de Cole et al.19 A intenção de se fazer essa comparação foi a de verificar se os resultados de associação foram semelhantes, visto que a maior parte dos trabalhos sobre o tema usou classificação distinta da usada pela OMS (2007).18

O AM (variável exposição) foi analisado de duas formas: primeiro categorizado de forma dicotômica em nunca recebeu AM/recebeu por <1 mês ou recebeu por ≥1 mês e depois categorizado em períodos de amamentação, nunca mamou/recebeu por <1 mês; de um‐cinco meses; de seis‐12 meses e >12 meses.

A idade dos escolares foi classificada em dois grupos: sete‐10 e 11‐14 anos e as análises de associação foram feitas de forma independente de acordo com a faixa etária. As variáveis usadas como possíveis fatores de confusão foram: sexo do escolar; idade materna (20‐29 anos; 30‐39 anos; ≥40 anos), escolaridade (até oito e > oito anos de estudo) e estado nutricional da mãe (baixo peso/eutrofia IMC<25kg/m2; pré‐obesidade IMC 25‐29,9kg/m2; obesidade IMC≥30kg/m2, segundo classificação da OMS);15 renda per capita da família em tercis (R$25‐220; R$225‐450; R$446‐6.667); peso ao nascer (tratado como baixo/insuficiente quando ≤2.999g),15 idade gestacional no nascimento do escolar (prematuridade quando <37 semanas). O estágio de maturação sexual foi usado entre os escolares de 11‐4 anos como covariável que pode influenciar nas associações do AM com o desfecho.

Todas as análises foram feitas no software estatístico STATA versão 11.0. A análise bivariada foi feita com o teste de qui‐quadrado de heterogeneidade ou de tendência, segundo a natureza das variáveis independentes. Na análise multivariável foi usada regressão logística, na qual as variáveis foram incluídas e mantidas nas análises por meio de seleção para trás (backward), em conformidade com níveis de hierarquia. As variáveis com p<0,20 na análise ajustada foram mantidas no modelo como possíveis fatores de confusão. Também foram feitas análises de interação, nas quais foram testadas as variáveis renda familiar per capita, escolaridade e estado nutricional maternos como possíveis modificadores de efeito da associação AM e obesidade.

Em todas as análises foi usado o comando SVY do STATA para considerar o efeito de amostragem. Todos os resultados da regressão foram apresentados como odds ratio (OR), com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (95% IC). Foram consideradas variáveis com significância estatística aquelas com p<0,05.

Resultados

Dos 3.100 escolares selecionados para o estudo foram obtidos dados de 2.863 indivíduos. Desses, foram excluídos 37 por apresentarem idade < sete ou >14 anos e totalizaram 2.826 escolares (91,2%) participantes, o que atendeu ao tamanho mínimo da amostra calculada (2.800 escolares).

A amostra final do estudo foi de 1.232 escolares na faixa de 7‐10 anos e 1.594 de 11‐14 anos. A prevalência geral de obesidade foi de 10,5% entre crianças de 7‐10 anos (95% IC: 8%‐12,3%) e de 6,7% (95% IC: 5,7%‐8,3%) entre crianças de 11‐14 anos (p<0,001). Em relação ao AM, a figura 1 mostra que 44,4% das crianças foram amamentadas por menos de seis meses e menos de um terço receberam leite materno por mais de 12 meses. Não houve diferença na prevalência de AM na comparação dos dois grupos etários (p=0,307).

Figura 1.

Distribuição da amostra segundo categorias de duração do aleitamento materno entre os escolares de 7‐14 anos. Florianópolis, SC, 2007.

(0.11MB).

Na tabela 1 é apresentada a distribuição da amostra segundo as variáveis usadas como possíveis fatores de confusão no presente estudo, além da razão de odds ratio para obesidade dessas variáveis. Na faixa de sete‐10 anos, os dois sexos apresentaram distribuição semelhante, com 50,7% da amostra do sexo masculino. A prevalência de obesidade nessa faixa etária foi de 13,9% nos meninos (95% IC: 11,3%‐16,9%) e 6,9% nas meninas (95% IC: 5,0%‐9,2%); p<0,001). Entre os escolares de 11‐14 anos, 53% da amostra eram meninas e a prevalência de obesidade observada foi de 9,3% (95% IC: 7,3%‐11,6%) no sexo masculino contra 4,3% (95% IC: 3,1%‐6,0%) no feminino (p=0,018).

Tabela 1.

Odds ratio bruta para obesidade segundo características do escolar, das mães e da família dos escolares de 7‐14 anos. Florianópolis, SC, 2007

Variáveis  7 a 10 anos (n=1.232)11 a 14 anos (n=1.594)
  n (%)  OR  p  n (%)  OR  p 
Sexo do escolar      <0,001a      0,018a 
Masculino  625 (50,7)  1,00    750 (47,0)  1,00   
Feminino  607 (49,3)  0,46 (0,33‐0,64)    844 (53,0)  0,44 (0,23‐0,84)   
Faixa etária da mãe      0,410a      0,552b 
20‐29 anos  238 (19,8)  1,00    68 (4,3)  1,00   
30‐39 anos  636 (52,8)  0,79 (0,52‐1,20)    717 (46,1)  1,26 (0,21‐7,47)   
≥40 anos  329 (27,4)  1,23 (0,51‐2,95)    771 (49,6)  1,39 (0,21‐9,25)   
Escolaridade da mãe      0,812a      0,290a 
0 até 8 anos  314 (26,5)  1,00    530 (34,3)  1,00   
>8 anos  871 (73,5)  0,95 (0,60‐1,50)    1016 (65,7)  0,76 (0,44‐1,31)   
Estado nutricional da mãe      <0,001b      <0,001b 
Baixo peso/eutrofia  843 (72,6)  1,00    981 (65,3)  1,00   
Pré‐obesidade  220 (18,9)  1,13 (0,68‐1,86)    369 (24,6)  3,20 (1,98‐5,18)   
Obesidade  99 (8,5)  4,11 (2,29‐7,38)    151 (10,1)  7,35 (4,10‐13,17)   
Renda per capita      0,213b      0,146a 
1° terço (R$ 25‐220)  294 (28,2)  1,00    500 (36,5)  1,00   
2° terço (R$ 225‐450)  315 (30,2)  1,50 (0,77‐2,91)    383 (27,9)  0,51 (0,27‐0,99)   
3° terço (R$ 456‐6.667)  432 (41,6)  1,61 (0,78‐3,34)    489 (35,6)  0,70 (0,36‐1,36)   
Baixo/insuficiente peso ao nascer (≤2.999g)      0,124*      0,203a 
Não  866 (73,6)  1,00    1122 (73,8)  1,00   
Sim  311 (26,4)  0,71 (0,45‐1,11)    398 (26,2)  0,71 (0,41‐1,23)   
Prematuridade (<37 semanas)      0,996a      0,197a 
Sim  281 (25,5)  1,00    525 (36,7)  1,00   
Não  823 (74,5)  1,00 (0,55‐1,83)    906 (63,3)  0,70 (0,40‐1,23)   

OR, odds ratio.

a

Teste de heterogeneidade.

b

Teste de tendência linear.

Quanto às mães dos escolares de 7‐10 anos, a maioria tinha entre 30‐39 anos (52,8%) e entre as mães dos de 11‐14 anos, 40 anos ou mais (49,6%). Em relação à escolaridade materna, a maior parte tinha mais do que oito anos de estudo (69,6%). A idade e a escolaridade materna não estiveram associadas com a prevalência de obesidade em ambas as faixas etárias. A prevalência de obesidade materna foi de 9,3% na amostra total. Essa variável aumentou em pelo menos quatro vezes a chance de obesidade entre os escolares (p<0,001, em ambos os grupos de idade). No que se refere à renda familiar per capita, entre os escolares de 7‐10 anos, a chance de obesidade foi maior com o aumento da renda, mas essa associação não alcançou significância estatística (p=0,213).

Em relação às variáveis de nascimento, a maior parte dos escolares nasceu com peso ≥3.000g (73,7%) e não prematuro (68,9%). Nenhuma das duas variáveis esteve associada com a obesidade em escolares.

De acordo com a tabela 2, a prevalência de obesidade em escolares não esteve associada com a duração do AM em nenhuma das faixas etárias, nem na análise bruta nem após ajuste para os possíveis fatores de confusão. O mesmo efeito foi observado quando o AM foi tratado como variável dicotômica ou politômica. Mesmo assim, entre crianças de 7‐10 anos a amamentação apontou para maiores chances de obesidade, enquanto que entre aquelas com 11‐14 a direção das associações foi de proteção.

Tabela 2.

Prevalência (%) de obesidade, odds ratio bruta e ajustada de acordo com o aleitamento materno e categorias de duração de aleitamento materno, estratificado por idade do escolar, Florianópolis, SC, 2007

Variável  OR bruta  p‐valor  OR ajustada  p‐valor 
7‐10 anos
Aleitamento materno      0,308    0,320 
‐ Nunca/menos de 1 mês  8,1  1,00    1,00a   
‐ ≥1 mês  10,9  1,39 (0,71‐2,75)    1,48 (0,65‐3,39)   
Duração do aleitamento materno      0,130    0,228 
‐ Nunca/menos 1 mês  8,1  1,00    1,00a   
‐ 1 a 5 meses  10,0  1,26 (0,62‐2,56)    1,39 (0,58‐3,35)   
‐ 6 a 12 meses  13,3  1,75 (0,89‐3,43)    1,80 (0,81‐4,05)   
‐ >12 meses  8,3  1,03 (0,33‐3,17)    0,87 (0,23‐3,25)   
11‐14 anos
Aleitamento materno      0,370    0,436 
‐ Nunca/menos de 1 mês  8,2  1,00    1,00b   
‐ ≥1 mês  6,4  0,77 (0,41‐1,43)    0,85 (0,55‐1,32)   
Duração do aleitamento materno      0,504    0,451 
‐ Nunca/menos 1 mês  8,2  1,00    1,00b   
‐ 1 a 5 meses  5,7  0,67 (0,37‐1,23)    0,80 (0,49‐1,30)   
‐ 6 a 12 meses  6,9  0,83 (0,36‐1,89)    0,82 (0,43‐1,55)   
‐ >12 meses  9,5  1,12 (0,58‐2,37)    1,30 (0,76‐2,21)   
a

Ajustado para sexo, estado nutricional da mãe e peso de nascimento.

b

Ajustado para sexo, estado nutricional da mãe, escolaridade da mãe, idade gestacional de nascimento e maturação sexual.

Houve evidência de interação da escolaridade materna na associação entre AM e obesidade entre crianças de 7‐10 anos. A interação foi evidenciada tanto com a exposição dicotômica quanto politômica (p de interação <0,01 em ambas as análises). Nos escolares de 7‐10 anos com mães de menor escolaridade (até oito anos de estudo), ter sido amamentado por qualquer período maior ou igual a um mês foi fator de proteção para a obesidade em relação aos que receberam leite materno por menos de um mês ou que nunca receberam (OR=0,37; 95% IC: 0,15‐0,94). No caso dos filhos de mulheres com maior escolaridade (>8 anos de estudo), quando o AM foi avaliado como variável dicotômica, esteve associado com maiores chances de obesidade (OR=3,43; 95% IC: 1,49‐7,88). Ao se avaliar o AM como variável politômica (figura 2), a chance de obesidade foi 78% menor (OR=0,22; 95% IC: 0,08‐0,62) entre filhos de mulheres de menor escolaridade e que receberam AM de um‐cinco meses, mas o efeito protetor foi evidenciado também com períodos maiores de AM (p=0,02) (figura 2). Entre filhos de mulheres com maior escolaridade, crianças amamentadas por mais de 12 meses apresentaram menor chance de obesidade (OR=0,56; 95% IC: 0,09‐3,33), enquanto que crianças que amamentaram por períodos de um‐12 meses apresentaram chances até quatro vezes maiores do que a categoria de referência (p=0,003). Na faixa de 11‐14 anos não se encontrou associação estatística entre AM e obesidade, independentemente da escolaridade materna (p de interação >0,2 com as duas variáveis de exposição).

Figura 2.

Associação entre aleitamento materno e obesidade de acordo com categorias de duração de aleitamento materno, estratificado por idade e escolaridade materna. Florianópolis, SC, 2007.

*Ajustado para sexo, estado nutricional da mãe e peso de nascimento.

** Ajustado para sexo, estado nutricional da mãe, escolaridade da mãe, idade gestacional de nascimento e maturação sexual.

(0.22MB).

Análises de interação também foram feitas com a variável renda per capita e o estado nutricional materno. No entanto, não se encontrou qualquer tipo de modificação de efeito (dados não apresentados). Todas as análises foram repetidas com o uso como desfecho a obesidade classificada de acordo com os critérios da International Obesity Task Force (IOTF).19 Foram encontrados resultados similares aos apresentados anteriormente (dados não apresentados).

Discussão

Na presente investigação a prevalência de obesidade na amostra foi de 8,6%, de 10,5% entre os escolares de 7‐10 anos e 6,7% na faixa de 11‐14 anos. Esses achados corroboram os encontrados pela Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2008/2009,1 na qual a obesidade foi maior em crianças de 7‐10 anos e menor entre os adolescentes. A prevalência total de obesidade encontrada pela POF, considerando‐se a faixa de 5‐19 anos, foi de 9,6%, resultado semelhante ao da presente pesquisa.1

Em relação à prevalência de AM, no presente estudo 55,7% da amostra receberam AM por seis meses ou mais, 29,1% da amostra foram amamentados por mais de 12 meses. Considerando‐se que a OMS recomenda que o AM deve ser mantido até os dois anos ou mais,20 sua duração encontra‐se abaixo do preconizado. A prevalência de AM na cidade de Florianópolis, apesar de metodologia distinta, foi semelhante à encontrada em estudo populacional de base nacional que investigou todas as capitais brasileiras e o Distrito Federal e apontou para 52,2% das crianças entre 9 e 12 meses sendo amamentadas, com maior prevalência entre as capitais da Região Sul do país.21

A escolha sobre a adoção ou não da amamentação e sua duração está relacionada a diversos fatores; estudos mostram que a maior duração do AM está diretamente associada com a escolaridade, idade materna e renda familiar.22‐24 Nenhuma dessas variáveis mostrou‐se associada com a duração do AM no presente estudo.

O longo tempo de recordatório sobre a duração do AM poderia ser responsável pela falta de associação com as outras variáveis, visto que o questionamento sobre AM foi feito no mínimo sete anos após o fato ter ocorrido. No entanto, a literatura mostra que os questionários são instrumentos confiáveis e viáveis para o autorrelato de experiências relacionadas à amamentação, não importa o tempo de questionamento dos dados, e podem, portanto, ser usados neste tipo de estudo.3,25

O AM neste trabalho não esteve associado à obesidade nas análises brutas e ajustadas. Esse efeito se manteve também pela classificação com o critério diagnóstico de Cole et al.19 No entanto, quando verificada a interação da variável escolaridade materna nessa associação, encontrou‐se que, entre crianças de 7‐10 anos, a chance de obesidade em filhos de mulheres de baixa escolaridade foi menor naqueles amamentados por um mês ou mais. Nos filhos de mulheres com maior escolaridade, o efeito protetor foi evidenciado somente nos que receberam leite materno por mais de 12 meses, enquanto que períodos intermediários de AM estiveram associados com maiores chances de obesidade.

Diversas revisões sistemáticas foram feitas sobre essa associação. Entre elas, Arenz et al.26 apontam para um efeito pequeno, porém consistente, do AM contra o risco de obesidade na infância tardia (OR=0,78; 95% IC: 0,71‐0,85). A OMS3 também fez revisão sistemática, na qual, além desse trabalho,25 foram analisadas mais três revisões sistemáticas e dois estudos. O resultado da revisão indica um efeito pequeno, mas protetor, do AM sobre a prevalência de obesidade.

Ainda assim, a literatura apresenta resultados controversos para essa associação: alguns trabalhos encontram resultados nulos7,8 e outros demonstram que o tipo e a duração do AM protegem contra a obesidade.4,5 Entre os motivos para a discordância de resultados encontrados na literatura está a heterogeneidade dos estudos, com diferenças na idade dos indivíduos avaliados, o local de feitura da pesquisa e os critérios para a avaliação do AM e da obesidade.6 A maioria dos estudos foi feita na América do Norte e na Europa Ocidental,3 com poucos trabalhos em países de menor renda, nos quais o Brasil está inserido. Até são poucos os estudos que comparam resultados de países de renda alta com o Brasil. A pesquisa feita por Brion et al.,12 com coorte do Reino Unido e do Brasil, da cidade de Pelotas (RS), com amostras de nove e 11 anos, respectivamente, encontrou associação inversa entre a duração do AM e o IMC apenas na coorte europeia (β=−0,16; 95% IC: −0,22; −0,09). Em Pelotas, no entanto, além de não ser encontrada associação, houve tendência para o AM estar associado com maior IMC (β=0,14; 95% IC: −0,07; 0,36).

Em revisão de estudos publicados de 2005 até 2012, Lefebvre & John10 concluíram que essa associação ainda não é clara, principalmente devido ao fato de que diversos fatores de confusão podem influenciar essa associação.

No presente estudo tentou‐se ajustar as análises considerando‐se as principais variáveis controle na relação entre AM e obesidade, dentre os quais estão fatores socioeconômicos, demográficos e variáveis maternas.3 Mesmo assim, as associações tornaram‐se evidentes somente quando a escolaridade materna foi introduzida nas análises como modificador de efeito. A literatura aponta tanto menor chance quanto chance semelhante de obesidade conforme o tempo de AM.4,7 Há estudos que indicam até tendência de menor chance de obesidade conforme aumento da duração do AM, com um efeito dose‐resposta nessa associação,4 fato esse que não foi encontrado nesta investigação. Além disso, o efeito dose‐resposta do AM sobre a obesidade é mais evidente para amamentação exclusiva. A literatura indica que o AM exclusivo, quando mantido por mais tempo, protege crianças e adolescentes contra o excesso de peso, visto que a composição do leite materno contribui para um crescimento adequado.5,27 No entanto, a variável AM exclusivo não foi medida no presente estudo e não foi possível uma discussão das diferenças entre o tipo de aleitamento e sua influência sobre o excesso de peso.

A maior chance de obesidade entre filhos de mulheres com maior escolaridade e que pararam de amamentar antes dos 12 meses poderia estar relacionada com a introdução de outros tipos de leite e/ou alimentos com alta densidade energética. Essa hipótese é factível considerando o aumento no consumo de alimentos industrializados pela população brasileira,28 o que poderia estar influenciando a alimentação da criança após o desmame. No entanto, essas informações não foram coletadas na presente pesquisa.

Desconhecemos os motivos para a falta de associação entre AM e obesidade entre escolares de 11‐14 anos, pois, mesmo após ajuste para maturação sexual, não foram evidenciadas associações estatisticamente significativas. Novas pesquisas com delineamento longitudinal poderiam ajudar nessa temática.

Além disso, existe a limitação temporal do estudo, na qual as prevalências e associações podem ter sido diferentes por um efeito de coorte. No Brasil as políticas de incentivo ao AM começam na década de 1990 e verificou‐se um aumento da mediana de amamentação entre 1993 e 2004.29,30 Sendo assim, essa diferença no período de nascimento dos escolares seria uma limitação nas análises e poderia até explicar a modificação de efeito entre os dois grupos de faixa etária.

Em conclusão, ressalta‐se que existem evidências suficientes sobre os inúmeros benefícios proporcionados pelo AM, que deve ser incentivado pelo período preconizado pela OMS.3 Destaca‐se ainda que estudos que pretendam investigar os efeitos do AM sobre o estado nutricional de crianças e adolescentes precisam considerar na sua metodologia não apenas o controle para fatores de confusão, mas também a possível modificação de efeito por parte de variáveis socioeconômicas. Sugere‐se a feitura de outros estudos que analisem essa associação, especialmente em países de menor renda, além da concretização de pesquisas prospectivas que permitam fazer essa inferência com maior precisão, e a análise também da associação entre obesidade e aleitamento materno exclusivo e a idade de introdução de outros alimentos.

Financiamento

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo 402322/2005‐3, Edital MCT/CNPq/MS‐SCTIE‐DECIT/SAS‐DAB 51/2005.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

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Copyright © 2015. Sociedade de Pediatria de São Paulo
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