covid
Buscar en
Revista Paulista de Pediatria
Toda la web
Inicio Revista Paulista de Pediatria Em tempo: doença celíaca – alguns aspectos atuais de epidemiologia e investi...
Información de la revista
Vol. 34. Núm. 2.
Páginas 139-140 (junio 2016)
Vol. 34. Núm. 2.
Páginas 139-140 (junio 2016)
Editorial
Open Access
Em tempo: doença celíaca – alguns aspectos atuais de epidemiologia e investigação
In time: celiac disease – some current aspects of epidemiology and research
Visitas
1815
Jorge Amil Dias
Centro Hospitalar São João, Porto, Portugal
Este artículo ha recibido

Under a Creative Commons license
Información del artículo
Texto completo
Bibliografía
Descargar PDF
Estadísticas
Texto completo

Desde a associação entre ingestão de glúten e doença celíaca (DC) por Dicke1 durante a II Guerra Mundial, o nosso conhecimento sobre a fisiopatologia da enteropatia sensível ao glúten tem aumentado de forma vertiginosa, especialmente com os recursos da investigação molecular. Contudo, se é claro que a ingestão de glúten causa enteropatia e doença extraintestinal em indivíduos geneticamente suscetíveis, mantemos uma enorme ignorância sobre os fatores adicionais nos mecanismos de desencadeamento e de prevenção da doença.

Na década de 1960, havia enorme tendência de introduzir cereais precocemente na alimentação infantil para prevenir a deficiência de ferro e a anemia. Em consequência, rapidamente se verificou um aumento acentuado de novos casos doença celíaca e parecia haver também relação da doença com o tipo de aleitamento, o que influenciaria a idade de apresentação dessa doença.2

Nos anos 1980‐90, ocorreu notável aumento de incidência de DC na Suécia, causando a famosa “epidemia sueca de doença celíaca”, que motivou numerosas publicações e análises. A explicação mais imediata parecia relacionar‐se à idade da introdução do glúten na alimentação e ao padrão de aleitamento. Após a implantação de medidas de retardo na introdução de glúten na alimentação infantil, verificou‐se acentuada redução do número de novos casos.3–5

A análise dessa evolução sugeriu que a introdução do glúten durante o aleitamento materno pudesse conferir proteção à ocorrência da doença. Um importante estudo multicêntrico (PreventCD) comparou a introdução de glúten ou placebo aos quatro meses durante o aleitamento materno em um grupo de cerca de 900 lactentes com risco genético de DC. O resultado do estudo com seguimento de cinco anos revelou que não houve efeito protetor do aleitamento materno durante a introdução de glúten.6 Outro estudo que envolveu 553 crianças avaliadas até dois anos mostrou que a introdução precoce ou tardia do glúten não influenciou o risco de ocorrência da DC, embora influenciasse a idade da sua ocorrência.7 Uma revisão sistemática obteve a mesma conclusão, sugeriu que a clássica recomendação de retardar a introdução do glúten até seis meses carece hoje de fundamentação científica.8

É preciso concluir que não sabemos ainda quais são os fatores que seguramente podem reduzir o risco de DC em indivíduos geneticamente predispostos. Outras hipóteses de estudo, como a exposição intrauterina, infecções ou outros fatores ambientais, necessitam de ser avaliadas na busca da resposta exata.9

Outro aspecto muito importante no conceito atual de DC é a autoimunidade. É hoje bem reconhecido que a DC se associa a outras doenças autoimunes e que a prevalência de DC em doentes com diabetes tipo 1 (DM1) é mais elevada do que na população geral. A pesquisa de marcadores sorológicos de DC deve ser feita em todos os doentes com DM1. A questão torna‐se ainda mais interessante na análise de qual doença precede a outra e a possibilidade de influenciar a progressão autoimune.10 Um interessante estudo foi apresentado em 2015 por Korponay‐Szabo: um grupo de 2.690 crianças em idade escolar foi submetido a rastreio de DC em 2005. Em 2014, procedeu‐se a um rastreio de DM1 na mesma região, envolvendo 21.724 crianças. Verificou‐se então que nenhuma das 45 crianças diagnosticadas previamente com DC e tratadas tinha desenvolvido DM1, enquanto a prevalência foi de 0,93/1.000 entre as crianças cujos pais haviam declinado o rastreio de DC em 2005. Esse estudo, que requer confirmação, sugere que será possível modificar a evolução da autoimunidade pelo rastreio e identificação precoce de DC. Segundo os autores, a idade de seis anos parece ser eficaz para esse processo. (Resumo PA‐0054, disponível em http://journals.lww.com/jpgn/Documents/ESPGHAN%202015%20‐%20Abstracts%20JPGN%20FINAL.pdf)

A divulgação da potencial relação entre ingestão de glúten e doenças tem sido profundamente difundida na comunicação social. Para além da “sensibilidade não celíaca ao glúten”’, um razoável número de personalidades famosas anunciou a decisão de adotar uma alimentação isenta de glúten para emagrecer ou para se sentir bem. As redes sociais rapidamente amplificaram essa moda como forma de ser elegante ou saudável (http://glutenull.com/gluten‐free‐celebrities/). Perante essa importante influência de opiniões, muitas pessoas decidem hoje iniciar uma dieta sem glúten, mesmo na ausência de diagnóstico seguro de DC. Nada há a contestar no que se refere à adoção de dieta sem glúten por “moda”, mas há o risco real de tratar apenas de forma temporária (até que a moda passe) a DC, caso ela esteja presente, e voltar a aumentar o risco de complicações ao retomar a dieta sem restrição. Por esse motivo, e devido ao risco inerente, parece fortemente recomendável que os profissionais de saúde aconselhem os seus pacientes a iniciar alimentação isenta de glúten apenas depois de testar com razoável segurança (usar, por exemplo, os anticorpos antitransglutaminase ou antiendomísio) e excluir ou confirmar o diagnóstico.

Apesar do fantástico avanço da investigação e do conhecimento, a DC continua a ser uma doença fascinante, com componente genético indiscutível, mas também com fatores ambientais que não conhecemos completamente. No futuro próximo, perfilam‐se novos avanços no diagnóstico e na terapêutica que nos ensinarão a ajudar melhor os nossos pacientes.

Financiamento

O estudo não recebeu financiamento.

Conflitos de interesse

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
W.K. Dicke.
Coeliac disease. Investigation of the harmful effects of certain types of cereal on patients with coeliac disease.
Thesis, Utrecht, (1950),
[2]
D.A. Kelly, A.D. Phillips, E.J. Elliott, J.A. Dias, J.A. Walker-Smith.
Rise and fall of coeliac disease 1960‐85.
Arch Dis Child, 64 (1989), pp. 1157-1160
[3]
A. Ivarsson, L.A. Persson, L. Nyström, H. Ascher, B. Cavell, L. Danielsson, et al.
Epidemic of coeliac disease in Swedish children.
Acta Paediatr, 89 (2000), pp. 165-171
[4]
A. Ivarsson, L.A. Persson, L. Stenhammar, O. Hernell.
Is prevention of coeliac disease possible?.
Acta Paediatr., 89 (2000), pp. 749-750
[5]
A. Myléus.
Towards Explaining the Swedish Epidemic of Celiac Disease – an epidemiological approach, in Department of Public Health and Clinical Medicine, Epidemiology and Global Health.
Print & Media, Umea¿ University, (2012),
[6]
S.L. Vriezinga, R. Auricchio, E. Bravi, G. Castillejo, A. Chmielewska, P. Crespo Escobar, et al.
Randomized Feeding Intervention in Infants at High Risk for Celiac Disease.
N Engl J Med., 371 (2014), pp. 1304-1315
[7]
E. Lionetti, S. Castellaneta, R. Francavilla, A. Pulvirenti, E. Tonutti, S. Amarri, et al.
Introduction of gluten, HLA status, and the risk of celiac disease in children.
N Engl J Med., 371 (2014), pp. 1295-1303
[8]
H. Szajewska, R. Shamir, A. Chmielwska, M. Piescil-Lech, R. Auricchio, A. Ivarson, et al.
Systematic review with meta‐analysis: early infant feeding and coeliac disease – update 2015.
Aliment Pharmacol Ther., 41 (2015), pp. 1038-1054
[9]
B. Lebwohl, J.A. Murray, E.F. Verdu, S.E. Crowe, M. Dennis, A. Fasano, et al.
Gluten Introduction, Breastfeeding, and Celiac Disease: Back to the Drawing Board.
Am J Gastroenterol, 111 (2016), pp. 12-14
[10]
N. Peretti, F. Bienvenu, C. Bouvet, N. Fabien, F. Tixier, C. Thivolet, et al.
The temporal relationship between the onset of type 1 diabetes and celiac disease: a study based on immunoglobulin a antitransglutaminase screening.
Pediatrics., 113 (2004), pp. e418-e422
Descargar PDF
Opciones de artículo