Identificar os instrumentos utilizados na avaliação do vínculo entre mãe e bebê com até um ano de vida, descrevê-los e fornecer informações sobre suas medidas de confiabilidade, validade e adaptação para o contexto brasileiro.
Fonte de dadosTrata-se de um estudo de revisão integrativa realizado com base nas publicações contidas nas bases de dados PUBMED, LILACS, ScienceDirect, PsycINFO e CINAHL. Utilizaram-se os descritores mother-child relations e mother infant relationship, e as expressões validity, reliability e scale. Selecionaram-se 23 pesquisas, que foram lidas em sua integralidade.
Síntese dos dadosForam identificados 13 instrumentos de avaliação do apego entre mãe e bebê: sete escalas, três questionários, dois inventários e um método de observação. Do total de ferramentas analisadas, o Prenatal Attachment Inventory apresentou maior validade e confiabilidade para analisar a relação entre a mãe e o feto durante a gestação. Quanto ao período puerperal, foram encontrados melhores coeficientes de consistência interna para o Maternal Attachment Inventory e o Postpartum Bonding Questionnaire. Além disso, esse último revelou elevada sensibilidade para identificar disfunções leves e graves nas relações afetivas entre mãe e bebê.
ConclusõesVerificou-se que a maioria dos instrumentos é confiável para estudar o fenômeno em questão. Contudo, foram evidenciadas limitações com relação à validade de construto e de critério. Ademais, apenas dois estão traduzidos e adaptados para a população de mulheres e crianças brasileiras, sendo portanto uma lacuna encontrada na produção científica nessa área.
To identify and describe research tools used to evaluate bonding between mother and child up to one year of age, as well as to provide information on reliability and validity measures related to these tools.
Data sourceResearch studies available on PUBMED, LILACS, ScienceDirect, PsycINFO and CINAHL databases with the following descriptors: mother-child relations and mother infant relationship, as well as the expressions validity, reliability and scale.
Data synthesis23 research studies were selected and fully analyzed. Thirteen evaluation research tools were identified concerning mother and child attachment: seven scales, three questionnaires, two inventories and one observation method. From all tools analyzed, the Prenatal Attachment Inventory presented the higher validity and reliability measures to assess mother and fetus relation during pregnancy. Concerning the puerperal period, better consistency coefficients were found for Maternal Attachment Inventory and Postpartum Bonding Questionnaire. Besides, the last one revealed a higher sensibility to identify amenable and severe disorders in the affective relations between mother and child.
ConclusionsThe majority of research tools are reliable to study the phenomenon presented, although there are some limitations regarding the construct and criterion related to validity. In addition to this, only two of them are translated into Portuguese and adapted to women and children populations in Brazil, being a decisive gap to scientific production in this area.
O estabelecimento do vínculo entre a mãe e o filho é uma necessidade física e psicológica do bebê que lhe proporciona conforto e proteção. Dessa forma, a mãe é considerada a base segura para o estabelecimento das primeiras ligações emocionais da criança que repercutirão em todas as suas relações sociais futuras.1 A Teoria do Apego desenvolvida por Bowlby2 propõe existir uma necessidade humana de desenvolver vínculos afetivos íntimos, com função biológica de sobrevivência da espécie, desde a fase fetal até a velhice. Na infância, essas interações emocionais se desenvolvem primeiramente com os pais com o intuito de trazer conforto, proteção, carinho e amor. Na adolescência e na vida adulta, elas são aprimoradas, modificadas, e novos laços com outras pessoas importantes são construídos e agregados.
A qualidade do vínculo entre mãe e bebê exerce influência direta na saúde mental da criança. Portanto, essa relação deve ser calorosa, íntima, carinhosa e contínua, além de proporcionar prazer e conforto para ambos.2 Porém, o apego dos pais com seus filhos não é instantâneo e instintivo. Trata-se de um processo contínuo, iniciado na gestação, em que o bebê imaginário passa a fazer parte do cotidiano da gestante mais intensamente e é formado por fantasias, desejos, sonhos e representações dos modelos de ser mãe.3,4 A forma de compreensão da mulher sobre o apego com seu filho repercute nas habilidades de entender e responder às necessidades da criança.2 Dessa forma, as interações entre pais e filhos influenciam a estrutura de vínculo afetivo desenvolvida pela criança desde o nascimento.5 Portanto, é importante que se avalie a qualidade desse vínculo, especialmente no primeiro ano de vida do bebê, com o intuito de identificar possíveis transtornos nessa ligação e evitar consequências futuras para a saúde mental da criança.
Uma revisão realizada em 2010, cujo objetivo foi descrever os principais instrumentos utilizados para analisar a relação entre mãe e filho, evidenciou um total de 10 ferramentas. Embora exista uma diversidade de instrumentos para estudar esse fenômeno, observa-se a escassez de propostas adaptadas para o contexto de mães e bebês brasileiros menores de um ano. Esse mesmo estudo encontrou apenas um inventário adequado para a população citada, mas esse instrumento não se aplica ao contexto de crianças menores de um ano.6 Isso mostra a importância de verificar quais são os avanços nos últimos anos em termos de adaptação transcultural de ferramentas para estudar o vínculo entre mãe e filho no contexto brasileiro.
A seleção do instrumento mais apropriado para determinado estudo exige a verificação de suas propriedades psicométricas: validade e confiabilidade. A primeira refere-se à capacidade do instrumento para verificar com precisão o que se pretende medir, e a segunda trata da competência em mensurar rigorosamente determinado evento.7,8 Utilizar instrumentos imprecisos para medir a relação entre mãe e filho produzirá dados controversos e questionáveis acerca desse fenômeno. Faz-se necessário conhecer detalhadamente as características dos diversos instrumentos e possibilidades de utilização no contexto de mães e bebês brasileiros, considerando as peculiaridades existentes nessa população. Diante disso, o objetivo deste artigo é identificar os instrumentos utilizados na avaliação do vínculo entre mãe e bebê com até um ano de vida, descrevê-los e fornecer informações sobre suas medidas de confiabilidade e validade.
MétodoTrata-se de um estudo de revisão integrativa realizada com base nas publicações presentes nas seguintes bases de dados: PUBMED (U.S National Library of Medicine), LILACS (Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde), ScienceDirect (Base de dados da Elsevier), PsycINFO e CINAHL (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature).
A revisão foi elaborada para atender à seguinte pergunta de pesquisa: os instrumentos utilizados para analisar o vínculo entre mãe e filho com até um ano de vida são precisos e confiáveis?
A busca dos estudos foi realizada no período de janeiro a abril de 2013 por meio dos descritores (1) mother-child relations, (2) mother infant relationship e das expressões (3) validity, (4) reliability e (5) scale. O detalhamento da busca encontra-se na figura 1.
Um total de 67 estudos relatou a utilização de alguma ferramenta de avaliação do vínculo entre mãe e filho (critério de inclusão 1) e, portanto, foram analisados na segunda etapa para averiguação do segundo critério de inclusão: investigações com apresentação de resultados referentes às propriedades psicométricas das ferramentas utilizadas. Após verificação dos aspectos citados, 47 pesquisas não responderam à pergunta condutora do estudo. Assim, 23 artigos compuseram esta revisão. Os relatos de casos, teses, dissertações, relatórios de pesquisas, editoriais, cartas ao editor, comunicações breves e estudos de revisão foram excluídos.
Avaliaram-se os atributos confiabilidade e validade dos instrumentos encontrados nos estudos incluídos. A confiabilidade, geralmente, é averiguada por meio de estabilidade, consistência interna e concordância entre avaliadores acerca dos escores do instrumento.7,8 A estabilidade refere-se ao grau de similaridade dos resultados adquiridos em duas medições realizadas em ocasiões diferentes. É mensurada com base no coeficiente de confiabilidade teste-reteste. A consistência interna é examinada por meio do índice alfa(α) de Cronbach. Nunnally sugere que um instrumento é confiável quando o valor alfa(α) é de pelo menos 0,70.9 Ademais, valores acima de 0,80 evidenciam elevada consistência interna.10 Para avaliação da concordância entre avaliadores, utiliza-se o coeficiente kappa (k≥0,60).11 Além dos aspectos acima, verificou-se conjuntamente a validade da ferramenta por meio dos seguintes aspectos: validade de conteúdo, critério e construto.7,8
Resultados e discussãoOs estudos descreveram o apego entre mãe e filho durante a gestação e o puerpério. Foram identificados 13 instrumentos de avaliação dessa relação: sete escalas, três questionários, dois inventários e um método de observação. Do total de ferramentas averiguadas, nove podem ser utilizadas no primeiro ano após o parto e quatro durante a gestação. Um questionário é composto por duas versões apropriadas para o período puerperal e o gestacional. Os dados obtidos estão organizados em duas categorias: Relação mãe e filho durante a gestação e Apego entre mãe e filho no período pós-parto. As propriedades psicométricas dos instrumentos utilizados no período gestacional estão apresentadas nas tabelas 1 e 2.
Dados sobre validade dos instrumentos de avaliação do vínculo entre mãe e bebê durante a gestação
Instrumentos | Tipo | Estudos | Propriedades Psicométricas: Validade |
---|---|---|---|
MFAS/PFAS | Escala | Sjögren et al12 | Validade de construto: Análise fatorial (AF): modelo de cinco fatores (preocupação com a saúde e o comportamento do feto; preparação mental para cuidar da criança; experiência da gravidez; experiência com os movimentos fetais; e nome do bebê). |
Shin, Kim13 | Validade de critério – Validade concorrente: correlação com MFAS – MAI: r=0,46 (p<0,01). | ||
MAAS | Escala | Gomez, Leal14 | Validade de construto: Modelo de dois fatores. Versão ajustada mostrou melhor confiabilidade: materna com 17 itens e paterna com 14 itens. |
PAI | Inventário | Gau, Lee15 | Validade de construto: AF: modelo de 1 fator. |
Damato16 | Validade de critério – Validade concorrente: Correlação PAI – MAI (r=0,38). |
MAI, Maternal Attachment Inventory; MFAS, Maternal Fetal Attachment Scale; MAAS, Maternal Antenatal Attachment Scale; PAI, Prenatal Attachment Inventory; PFAS, Paternal Fetal Attachment Scale.
Dados sobre confiabilidade dos instrumentos de avaliação do vínculo entre mãe e bebê durante a gestação
Instrumentos | Tipo | Estudos | Propriedades Psicométricas: Confiabilidade |
---|---|---|---|
MFAS/PFAS | Escala | Shin, Kim13 | Consistência interna: MFAS: α=0,92 |
Seimyr et al17 | Consistência interna: MFAS: total α=0,82; subescalas MFAS: variação de α=0,50 a α=0,70; PFAS: total α=0,85; e subescalas PFAS: variação de α=0,40 a α=0,80. | ||
Ustunsoz et al18 | Consistência interna da versão traduzida e adaptada para a cultura turca: MFαS (α=0,82) e PFAS (α=0,86). | ||
MAAS | Escala | Gomez, Leal14 | Consistência interna: materna: α=0,78 e paterna: α=0,73.Estabilidade (teste-reteste): teste: r=0,69 (materna) e r=0,80 (paterna). |
MAMA | Questionário com subescalas | Figueiredo et al19 | Consistência Interna e Coeficiente de Bipartição (split-half): MAMA Total: α=0,85 e split-half r=0,86; Subescala: imagem Corporal: α=0,74 e split-half r=0,76; Subescala: sintomas somáticos: α=0,62 e split-half r=0,65; Subescala: relação conjugal: α=0,75 e split-half r=0,75; Subescala: atitudes perante o sexo: α=0,82 e split-half r=0,80; Subescala: atitudes para com a gravidez e o bebê: α=0,48 e split-half r=0,54. |
PAI | Inventário | Gau, Lee15 | Consistência interna: α=0,89. |
Damato16 | Consistência interna PAI total: α=0,89. |
MAI, Maternal Attachment Inventory; MFAS, Maternal Fetal Attachment Scale; MAAS, Maternal Antenatal Attachment Scale; MAMA, Maternal Adjustment and Maternal Attitudes (PPMAMA, Postpartum Maternal Adjustment and Maternal Attitudes); PAI, Prenatal Attachment Inventory; PFAS, Paternal Fetal Attachment Scale.
Foram identificadas duas escalas para mulheres grávidas: MFAS12,13,17,18 e MAAS.14 A primeira é constituída por 23 indicadores distribuídos em cinco subescalas: diferenciação própria e do feto, interação com o feto, atribuição de características ao feto, doação própria e assumir responsabilidade. Pode ser utilizada para mães (MFAS) e pais (PFAS) e tem o objetivo de medir o apego entre os genitores e o feto.20 Encontra-se adaptada para a população de mulheres suecas12 e turcas.18
A consistência interna da MFAS variou de α=0,82 a α=0,92.13,17,18 Com relação à versão paterna, essa variabilidade foi de α=0,85 a α=0,86.17,18 Esses resultados corroboram os achados da versão original cuja confiabilidade da escala total foi α=0,85.20 Sobre os coeficientes das subescalas, a variação encontrada nos estudos revisados17,18 foi semelhante à encontrada na validação da versão original (α=0,52 – α=0,73).20 Isso mostra que o instrumento é confiável para avaliar a relação entre os pais e o feto, ainda que apresente limitações em suas subescalas.
Quanto à validade de construto, uma pesquisa sobre os sentimentos dos pais e das mães com relação ao bebê evidenciou, por meio da análise fatorial (AF), um modelo de cinco fatores para essa escala.12 Outro estudo com dois grupos de mulheres evidenciou modelos distintos com dois e três fatores. As soluções resultantes dessa análise não corresponderam às subescalas originais da MFAS e foram diferentes nos dois grupos.21 A AF tem o propósito de diminuir o número de dimensões necessárias para descrever dados derivados de um grande número de medidas. Essas dimensões são definidas por uma matriz de correlação cujos coeficientes devem apresentar valores acima de 0,30.22 Os achados referentes à AF da MFAS mostraram-se divergentes entre os estudos revisados e a versão original. Tais resultados sugerem problemas referentes à validade de construto.
Observou-se validade concorrente moderada entre a MFAS e o MAI, mas o índice de correlação foi inferior ao adequado (r≥0,70).8
Essa escala encontra-se adaptada e validada para a população de mulheres brasileiras. Contudo apenas seu resumo encontra-se disponível para leitura, portanto a pesquisa não foi incluída nesta revisão. O estudo foi desenvolvido com 300 mulheres com idade gestacional de 6 a 9 meses. O autor destaca que a versão brasileira da MFAS apresentou consistência interna aceitável, mas também apresentou limitações em seu conteúdo semântico, mostrando restrições quanto à validade.23
A MAAS é composta por duas versões: materna, com 19 itens, e paterna, com 16. A escala possui dois componentes: qualidade e tempo de duração do vínculo. Os itens são respondidos por meio de uma escala de cinco pontos. Altos escores indicam um apego positivo e maior preocupação dos pais com o feto.24
Sobre as propriedades psicométricas, a MAAS encontra-se validada para a população de mulheres portuguesas com consistência interna aceitável. Ademais, a confiabilidade teste-reteste da versão paterna mostrou-se maior do que a materna, mas ambas foram abaixo da considerada adequada (r≥0,85). Além disso, foi evidenciado um modelo de dois fatores.14 Originalmente, essa escala também revelou duas dimensões e mostrou índices de confiabilidade superiores, α=0,82 e α=0,83 para as versões materna e paterna, respectivamente.24
Ainda com relação à avaliação do apego entre mãe e filho durante a gestação, foram identificados um questionário (MAMA) e um inventário (PAI). O MAMA tem o objetivo de avaliar o ajuste e as atitudes maternas durante a gravidez. É autoaplicável, composto por 60 itens distribuídos em cinco aspectos: imagem corporal, sintomas somáticos, relação marital, atitudes referentes ao sexo e atitudes referentes à gravidez e ao bebê. Os itens são respondidos numa escala de quatro pontos: 1) nunca/de forma alguma; 2) raramente/um pouco; 3) muito; 4) muitíssimo. Há duas versões: pré-natal e pós-parto.25
O MAMA encontra-se disponível para o contexto de mães portuguesas com índice de confiabilidade da escala–total próximo da versão original (α=0,89), sendo considerado confiável.25 Porém, a consistência interna das subescalas portuguesas mostrou-se inferior à encontrada no MAMA original, conforme descrição a seguir: imagem corporal: α=0,89; sintomas somáticos: α=0,83; relação conjugal: α=0,81; atitudes com relação ao sexo: α=0,95; e atitudes referentes à gravidez e ao bebê: α=0,84.25
Outro estudo utilizando o PAI e o MAMA, em suas versões originais, também revelou maior consistência interna nas subescalas citadas em comparação com a versão portuguesa (imagem corporal: α=0,76; sintomas somáticos: α=0,66; relação conjugal: α=0,87; atitudes com relação ao sexo: α=0,84; e atitudes referentes à gravidez e ao bebê: α=0,68).26 Isso mostra que as subescalas da versão adaptada para mulheres portuguesas necessitam de refinamento.
Sobre o coeficiente de correlação split-half do MAMA, observaram-se que as atitudes referentes à gravidez e ao bebê, e os sintomas somáticos, apresentaram, nesta ordem, r=0,54 e r=0,65.19 Esse último aspecto mostrou resultado ainda menor na versão original (r=0,58).25 O coeficiente split-half, ou estimativa de fidedignidade de Spearman-Brown, refere-se à correlação entre os itens componentes das duas metades de uma escala. Valores próximos a 1,0 conferem elevada consistência entre as metades do instrumento e o teste em sua totalidade.27,28 Observou-se que as subescalas da versão portuguesa do MAMA que representaram adequadamente o construto relativo a atitudes e ajustamentos da mãe na gravidez (correlação split-half r≥0,70) foram: Imagem Corporal, Relação Conjugal e Atitudes relacionadas ao sexo.19 Esses achados corroboram os resultados encontrados no estudo original, cuja correlação foi r=0,72 (imagem corporal), r=0,74 (relação conjugal), r=0,82 (atitudes referentes ao sexo) e r=0,73 (atitudes relacionadas à gestação e ao feto).25 Contudo, observa-se que, no estudo de Figueiredo,19 essa última dimensão apresentou medida de correlação abaixo do mínimo esperado. Isso sugere que, na versão portuguesa, as atitudes referentes à gravidez e ao feto (r=0,48), juntamente com os sintomas somáticos (r=0,62),19 parecem apresentar problemas quanto à verificação do mesmo construto das demais subescalas e, portanto, necessitam de revisão.
Quanto ao PAI, esse inventário mensura os sentimentos afetuosos da mãe com relação ao feto. Tem 21 itens que são respondidos com base em uma escala Likert de quatro pontos. Pontuações elevadas indicam maior apego dos pais com o feto.26 Esse inventário apresentou maiores índices de consistência interna nos dois estudos revisados (α=0,89),15,16 em comparação à sua versão original (α=0,81).26 Isso mostra que o instrumento é confiável.
Quanto à validade de construto, a AF revelou que um fator foi responsável por 79,0% da variância total.15 O estudo sobre a versão original apresentou modelo de cinco dimensões, e o fator 1 – composto por 11 itens que abordam os conteúdos preparação para o parto, fantasia, afeição e interação – foi responsável por 50,0% da variância. Além disso, essa pesquisa mostrou adequada validade concorrente entre PAI e MFAS, cujo coeficiente de correlação foi de r=0,72.26
Apego entre mãe e filho após o partoA avaliação da resposta emocional da mãe com relação ao bebê, no período pós-parto, foi o objetivo da maior parte dos instrumentos. Serão discutidos os utilizados com maior frequência: PBQ,29–35 MIBS,31,34,36–38 PAQ,31,39–41 MAI.13,16 As tabelas 3 e 4 contêm informações sobre validade e confiabilidade das ferramentas identificadas.
Dados sobre validade dos instrumentos de avaliação do vínculo entre mãe e bebê durante o período pós-parto
Instrumentos | Estudos | Propriedades Psicométricas: Medidas de validade |
---|---|---|
PBQ | Reck et al29 | VC: PBQ e EPDS: r=0,43 (25 itens) e r=0,41 (16 itens), com p<0,001. AF: modelo de 1 fator. Nove itens apresentaram carga fatorial não significativa e foram, portanto, retirados da versão em alemão. |
Bronckington et al30 | VP: LE: (E=0,68, S=0,82); RR: (E=0,95, S=0,88); A: (E=0,64, S=0,61). AI apresentou baixa sensibilidade. | |
Van Bussel et al31 | VC: PBQ – PAQ total: 8a-12a semana após o parto: (ρ=−0,67); 20a-25a semana (ρ=-0,63). PBQ total – MIBS: 8a-12a semana (ρ=0,60) e 20a-25a semana (ρ=0,56) | |
Wittkowski et al32 | Validade de construto: AF: modelo de três fatores. | |
Siu et al33 | VP: PBQ Total: S=74% e E=100%; E1: S=84% e E=90%; E2: qualquer rejeição da mãe para com o bebê: S=89% e E=94%; e raiva patológica: S=77% e E=68%; E3: S=59% e E=90%; E4: raiva em qualquer intensidade: S=41% e E=93%; e raiva moderada a grave: S=50% e E=94%. | |
MIBS | Van Bussel et al31 | VC: MIBS total – MPAS: (imediatamente após o parto) – ρ=−0,50 e (2 a 4 dias após o parto) – ρ=−0,45. |
Wittkowski et al34 | VC: MIBS – PBQ imediatamente após o nascimento e 2 a 4 dias após o parto. | |
Taylor et al36 | Validade de construto: AF: estrutura de dois fatores. | |
Bienfait M et al37 | VP: S=0,90 para detectar alterações no vínculo mãe-bebê e E=0,80. | |
PAQ | Van Bussel et al31 | VC: PAQ – PBQ (ρ=−0,67 e ρ=−0,63); PAQ – MIBS total (ρ=−0,50 e ρ=−0,45). |
Scapesi et al39 | AF – versão italiana: modelo de 6 fatores: tempo com o bebê, competência, ansiedade, carga de atividades, indiferença e prazer com a proximidade. | |
Feldstein et al40 | VC: PAQ – AQS (r=0,39). | |
Condon et al41 | AF: modelo de três fatores para pais de bebês com 6 e 12 meses. | |
MAI | Shin, Kim13 | VC: MAI – MFAS: r=0,46 (p<0,01); MSS: r=0,62 (p<0,01). |
AF: modelo de três fatores. Correlação do MAI total com os três fatores variou de r=0,52 a r=0,92. | ||
Damato16 | VC: PAI – MAI (r=0,38). |
VC, Validade concorrente; VP, Validade preditiva; AF, Análise fatorial; LE, Laço Enfraquecido; RR, Rejeição e raiva patológica; A, Ansiedade; AI, Abuso iminente; E1, Escala 1; E2, Escala 2; E3, Escala 3; E4, Escala 4; S, Sensibilidade; E, Especificidade; EPDS, Edinburgh Postnatal Depression Scale; MAI, Maternal Attachment Inventory; MIBS, Mother-Infant Bonding Scale; MFAS, Maternal Fetal Attachment Scale; MPAS, Maternal Postpartum Attachment Scale; PAI, Prenatal Attachment Inventory; PAQ, Parent-to-infant Attachment Questionnaire (MPAQ, versão materna e PPAQ: versão paterna); PBQ, Postpartum Bonding Questionnaire.
Dados sobre confiabilidade dos instrumentos de avaliação do vínculo entre mãe e bebê durante o período pós-parto
Instrumentos | Estudos | Propriedades Psicométricas: Medidas de Confiabilidade |
---|---|---|
PBQ | Reck et al29 | CI: versão com 25 itens: α=0,85; LE: α=0,78; RR: α=0,68; A: α=0,34; e RA: α=0,20. |
CI: versão com 16 itens: α=0,85; LE: α=0,81; RR: α=0,75; A: α=0,32; RA: α=0,34. | ||
Van Bussel et al31 | CI: PBQ total (8a-12a semana) α=0,87 e α=0,78 (20a-25a) | |
Wittkowski et al32 | CI – PBQ: fator 1-α=0,94; fator 2-α=0,93; e fator 3-α=0,72. | |
Wittkowski et al34 | CI do PBQ: total: α=0,76 e α=0,77; S1-α=0,79; S2 e S3 – α=0,63. | |
Moehler et al35 | CI do PBQ: α=0,79. | |
MIBS | Van Bussel et al31 | CI: MIBS total (imediatamente após o parto) α=0,67 e α=0,58 (2 a 4 dias após o parto). |
Wittkowski et al34 | CI: α=0,55 (imediatamente após o parto) e α=0,49 (2 a 4 dias após o parto). | |
Taylor et al36 | Versão com oito itens (α=0,71). | |
Figueiredo et al38 | CI escala total: α=0,44; S1: α=0,69; S2: α=0,57; e S3: α=0,23. Escala total – split-half (r)=0,52; S1 r=0,52; S2 r=0,45; e S3 r=0,28. Correlação Teste-reteste (Spearman): ρ=0,49. | |
PAQ | Van Bussel et al31 | CI: PAQ total: (8a-12a semana após o parto) α=0,75 e (20a-25a semana após o parto) α=0,68. |
Scapesi et al39 | CI: PAQ total: α=0,77. | |
Feldstein et al40 | CI: MPAQ – α=0,79; PPAQ – α=0,85. | |
Condon et al41 | CI: Global: 6 meses do bebê – α=0,81; 12 meses – α=0,78. | |
MAI | Shin, Kim13 | CI: MAI total: α=0,94; Fator 1 (MAI): α=0,94; Fator 2 (MAI): α=0,91; e Fator 3 (MAI): α=0,65. |
Damato16 | CI (MAI): α=0,92 e α=0,93. |
MAI, Maternal Attachment Inventory; MIBS, Mother-Infant Bonding Scale; PAQ, Parent-to-infant Attachment Questionnaire (MPAQ, versão materna; e PPAQ, versão paterna); PBQ, Postpartum Bonding Questionnaire; CI, Consistência Interna; LE, Laço enfraquecido; RR, Rejeição e raiva patológica; A, Ansiedade sobre o bebê; RA, Risco de Abuso; CM, Componentes materno; CB, Componentes do bebê; CD, Componentes da díade; S1, Subescala 1; S2, Subescala 2; S3, Subescala 3.
O PBQ foi o questionário mais utilizado nos estudos revisados. Esse instrumento tem o objetivo de rastrear problemas na relação mãe-bebê com base em quatro componentes: 1) laço enfraquecido, 2) rejeição e raiva patológica, 3) ansiedade sobre o bebê/ansiedade acerca do cuidado com o bebê e 4) abuso iminente/risco de abuso.42 Possui tradução e adaptação para as culturas alemã, holandesa e chinesa. É uma ferramenta confiável para identificar disfunções nas relações com os filhos, de acordo com os coeficientes alfa das versões alemã29,35 e holandesa.31 Esses valores sustentam os achados do estudo original, cujos coeficientes de confiabilidade variaram de α=0,74 a α=0,95.42 Portanto, observa-se que o PBQ detém consistência interna adequada.
Quanto à validade preditiva, a adaptação para mulheres chinesas apresentou sensibilidade adequada para identificar danos nas relações com seu bebê.33 Ademais, viu-se que as subescalas 1 e 2 apresentaram sensibilidade elevada para rastrear problemas na ligação entre mãe e filho e rejeição.
Os resultados acima corroroboram os achados referentes à validação do instrumento original, em que o componente 1, laço enfraquecido, mostrou-se sensível para identificar mães com disfunções leves na ligação com seu filho e a subescala 2, rejeição e raiva patológica, apresentou sensibilidade elevada para verificar mulheres com graves problemas relacionados à rejeição ao seu bebê. Os demais componentes do PBQ não apresentaram elevada sensibilidade.42
Outros autores utilizaram a versão original e verificaram resultados semelhantes, haja vista que os componentes 1 e 2 foram, respectivamente, sensíveis para identificar mães com algum tipo de desordem na ligação com o filho e para rastrear mulheres com rejeição ao seu bebê. Os demais fatores do PBQ não apresentaram validade preditiva suficiente para verificar outros problemas na relação.30
Esse instrumento pode ser uma ferramenta importante para o profissional da atenção primária, pois uma de suas peculiaridades é a aplicação em serviços de saúde localizados na comunidade.42 As Unidades Básicas de Saúde (UBS) possuem algumas fragilidades no que concerne à abordagem dos aspectos psicossociais envolvendo a relação entre mãe e bebê. Autores sugerem ser imprescindível a capacitação desses profissionais para atuarem no âmbito da saúde mental da mulher durante a gestação e o período puerperal, promovendo qualidade de vida dos pais e de seus filhos.43
A MIBS pode ser utilizada nas primeiras semanas após o nascimento da criança até quatro meses pós-parto para identificar dificuldades vivenciadas pela mãe para estabelecer relação com o bebê. É composta por oito adjetivos distribuídos em três aspectos: apego positivo, negativo e confuso. Adjetivos negativos têm pontuação invertida. Elevadas pontuações indicam problemas no vínculo mãe-bebê.36
Com relação às propriedades psicométricas, os estudos que utilizaram a MIBS encontraram consistência interna inferior ao ideal (α≥0,70). Contudo, a pesquisa de validação da versão original da MIBS mostrou consistência interna aceitável (α=0,71) e um modelo de dois fatores.36
Quanto à validade de critério, a referida escala apresentou elevada sensibilidade para detectar mães com alterações no vínculo com seus bebê37 e validade concorrente moderada com PBQ34 e MPAS.31 Contudo, neste último caso, a correlação foi negativa, de modo que elevados escores de apego na MIBS estão correlacionados com pequenas pontuações na MPAS.31 Essa escala tem pontuação invertida para os aspectos negativos relacionados ao apego, portanto elevados escores denotam dificuldades no vínculo entre mãe e filho.36 Esses achados sugerem que as versões para outras culturas apresentam limitações quanto à confiabilidade, mas demonstram validade preditiva e concorrente, ainda que de forma moderada.
As disfunções do apego detectadas pela MIBS estão relacionadas ao fato de que, no período puerperal, a mulher apresenta maiores alterações de humor, que podem comprometer o estabelecimento do vínculo com o filho. A depressão se apresenta como preditora de problemas na relação emocional entre a mãe e o bebê.43 Na presença dessa doença, a mulher tende a não responder satisfatoriamente às necessidades do filho, sejam elas de natureza física, como alimentação, manutenção da temperatura corporal e promoção do conforto da criança, sejam emocionais, como as necessidades de comunicação, carinho e amor do filho para com sua progenitora.44–45
O PAQ é um questionário composto por 19 itens organizados em três subescalas: qualidade do vínculo (QV), ausência de hostilidade (AH) e prazer na interação (PI). Esse instrumento tem o objetivo de avaliar a resposta emocional da mãe com relação ao bebê, especificamente no primeiro ano de vida.46 Foi utilizado em quatro investigações, das quais duas estão relacionadas à adaptação e à validação para as culturas holandesa31 e italiana.39 Todas as publicações que utilizaram esse instrumento evidenciaram índices de confiabilidade aceitáveis. Porém, a versão holandesa, quando utilizada para mães de bebês com 8 a 12 semanas, mostrou problemas quanto à confiabilidade. O uso dessa versão é apropriada para bebês com idade entre 4 e 5 meses.31
Quanto à versão original, o PAQ apresentou consistência interna superior à encontrada nas versões citadas (α=0,78 – bebês com 4 semanas e 8 meses; e α=0,79 – 4 meses).46 Contudo, outros autores evidenciaram consistência interna superior à versão original.41 Esses achados sustentam a confiabilidade desse instrumento. Com relação à validade de construto, verificou-se um modelo de seis fatores na versão italiana.39 Em contrapartida, para mães de bebês holandeses, outros autores revelaram um modelo de três dimensões.41 Esses últimos achados corroboram os resultados da versão original do instrumento, cuja AF resultou num modelo de três fatores.46
O MAI é utilizado para mensurar o apego entre mãe e filho. Trata-se de um inventário composto por 26 itens organizados numa escala Likert de quatro pontos. Elevadas pontuações indicam maior apego entre mãe e bebê.47 Encontra-se traduzido e adaptado para a população de mulheres coreanas13 e brasileiras.48 Neste último caso, realizou-se a validação para mães de crianças com idade entre seis e treze anos e demonstrou elevada confiabilidade (α=0,90).48 A consistência interna da versão original (α=0,85 – bebês com 4 semanas, α=0,76 – bebês com 4 meses e α=0,85 – bebês com 8 meses)47 apresentou valores inferiores aos encontrados em duas outras pesquisas, cujo α>0,90.13,16 Assim, observa-se que o MAI é uma ferramenta robusta para mensurar o apego entre a mãe e o bebê.
Outros instrumentos foram citados, com menor frequência, nos estudos sobre a relação entre mãe e bebê no período pós-parto. São eles: Global Rating Scales (GRS),49 Barkin Index of Maternal Functioning (BIMF),50 Parent-Child Early Relational Assessment (PCERA),51 Postpartum Maternal Attachment Scale (PMAS)52 e Escala de interações de Brown.53 Todos mostraram elevada consistência interna, exceto a ferramenta GRS, cujo estudo não descreveu nenhuma medida de confiabilidade.49 A maior parte dos itens da Escala de Brown apresentou elevada concordância entre observadores (coeficiente Kappa acima de 0,85).53 Quanto às medidas de validade concorrente, o GRS mostrou correlação com o Infant-Toddler Home Inventory,49 e o BMIF revelou correlação com Gratification Check List, Short-Form Health Survey Mental Functioning component e com a Escala de Depressão de Hamilton.50
Considerações finaisAs subescalas atitudes referentes à gravidez e ao feto e sintomas somáticos (MAMA) apresentaram problemas quanto à verificação do mesmo construto das demais dimensões desse questionário.
O PAI mostrou validade de critério e de construto, além de elevado índice de confiabilidade. Em contrapartida, a MFAS apresentou limitações quanto à validade de construto. Há tradução e adaptação para a população de mães e bebês brasileiros, porém esse estudo encontra-se indisponível para acesso eletrônico.
Quanto ao período puerperal, o MAI demonstrou melhores coeficientes de confiabilidade, mas sua versão brasileira não se encontra validada para mães de crianças menores de um ano. O PBQ mostrou-se sensível para identificar mães com disfunções leves na ligação com seu filho e mulheres com graves problemas relacionados à rejeição ao bebê. As versões portuguesa e holandesa da MIBS apresentaram consistência interna insuficiente.
Finalmente, observou-se que a maior parte dos instrumentos possui elevada precisão para mensurar o apego materno-infantil, porém alguns apresentam limitações quanto à sua validade. Ademais, a maioria não se encontra traduzido e adaptado para a população brasileira. Assim, observa-se a necessidade de se adaptar e validar instrumentos, considerando as especificidades de mães e bebês brasileiros no primeiro ano de vida.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Estudo conduzido na Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.