Identificar a prevalência e a gravidade das más oclusões e fatores associados com a necessidade de tratamento ortodôntico dos adolescentes brasileiros.
MétodosEstudo transversal feito com base nos dados da pesquisa epidemiológica nacional em saúde bucal no Brasil (2002‐2003). Condições sociodemográficas, autopercepção, existência e nível de gravidade da má oclusão, com o uso do Índice de Estética Dentária, foram avaliados em 16.833 adolescentes brasileiros selecionados por amostra probabilística por conglomerados. A variável dependente – necessidade de tratamento ortodôntico – foi estimada a partir da gravidade da má oclusão. A magnitude e a direção das associações nas análises bivariada e multivariada foram estimadas pela regressão de Poisson.
ResultadosA maioria dos adolescentes apresentou necessidade de tratamento ortodôntico (53,2%). Na análise multivariada, a prevalência da necessidade de tratamento ortodôntico foi maior entre as mulheres, os não brancos, aqueles que autopercebiam a necessidade de tratamento e aqueles que autopercebiam sua aparência como normal, ruim ou muito ruim. A necessidade de tratamento ortodôntico foi menor entre aqueles que viviam nas regiões Nordeste e Centro‐Oeste em comparação com aqueles da Sudeste e também menor entre aqueles que autopercebiam sua mastigação como normal e sua saúde bucal como ruim ou muito ruim.
ConclusõesO estudo identificou uma prevalência elevada da necessidade de tratamento ortodôntico em adolescentes no Brasil, associada com questões demográficas e subjetivas de saúde bucal. A alta prevalência de necessidades ortodônticas entre adolescentes é um desafio para o Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil.
To identify the prevalence and the severity of malocclusions and to analyze factors associated with the need for orthodontic treatment of Brazilian adolescents.
MethodsThis exploratory, cross‐sectional study was carried out based on secondary data from the national epidemiological survey on oral health in Brazil (2002‐2003). Socio‐demographic conditions, self‐perception, and the existence and degree of malocclusion, using the Dental Aesthetic Index, were evaluated in 16,833 adolescent Brazilians selected by probabilistic sample by conglomerates. The dependent variable – need orthodontic treatment – was estimated from the severity of malocclusion. The magnitude and direction of the association in bivariate and multivariate analyzes from a Robust Poisson regression was estimated.
ResultsThe majority of the adolescents needed orthodontic treatment (53.2%). In the multivariate analysis, the prevalence of the need for orthodontic treatment was larger among females, non‐whites, those that perceived a need for treatment, and those that perceived their appearance as normal, bad, or very bad. The need for orthodontic treatment was smaller among those that lived in the Northeast and Central West macro‐regions compared to those living in Southeast Brazil and it was also smaller among those that perceived their chewing to be normal or their oral health to be bad or very bad.
ConclusionsThere was a high prevalence of orthodontic treatment need among adolescents in Brazil and this need was associated with demographic and subjective issues. The high prevalence of orthodontic needs in adolescents is a challenge to the goals of Brazil's universal public health system.
O Brasil tem grandes desigualdades regionais e sociais. Para enfrentar essas disparidades, a Constituição de 1988 reconheceu a saúde como um direito de cada cidadão e responsabilidade do governo e estabeleceu a base ideológica para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Isso aumentou o acesso a cuidados de saúde para uma grande parte da população brasileira.1 Na 11a Conferência Nacional de Saúde do Brasil, em 2000, os princípios da atenção integral, humanização e equidade foram novamente declarados como metas para a consolidação do SUS. Foi ressaltada, além disso, a necessidade de reforçar as ações coletivas em relação aos serviços de saúde pública e assegurar o compromisso do governo em relação à responsabilidade de prestar cuidados de saúde universal, integral e equitativo a todos os brasileiros.1–3
Estudos anteriores avaliaram o estado de saúde oral e indicaram a necessidade de implementação de políticas públicas de saúde para a melhoria dessas condições e universalidade da saúde, considerando características socioeconômicas.4–6 A má oclusão, a terceira patologia oral mais prevalente, foi considerada uma prioridade em saúde pública mundial e tem diversas consequências adversas, tais como: desajustamento psicossocial, doença periodontal e mastigação desfavorável.7
As más oclusões não são classificadas como doenças e são difíceis de definir, ao contrário de outras questões de saúde oral.8 Destaca‐se a importância de uma definição clara, bem como uma melhoria no critério de diagnóstico, para a obtenção de dados epidemiológicos sobre essas questões, a fim de facilitar o planejamento da prevenção e dos cuidados de saúde pública.9 Por isso, houve a necessidade de desenvolver um instrumento epidemiológico para identificar e classificar as más oclusões e reconhecer a necessidade dental e estética de tratamento ortodôntico de uma determinada população, para comparar tais necessidades entre as populações ou longitudinalmente. Em resposta a essa necessidade, Jenny & Cons desenvolveram o Dental Aesthetic Index (DAI), em 1986.10 Ele quantifica fatores estéticos e apresentações clínicas, usa tanto medidas subjetivas quanto objetivas para produzir um único valor numérico que reflete todos os aspectos da má oclusão.7 O DAI é composto por dez variáveis e resulta em um valor numérico que classifica o indivíduo em uma escala de 13 a 80, que pode ser categorizada em pontos de corte.10 O DAI foi proposto pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a avaliação das más oclusões aos 12 anos e adolescentes de 15‐19.
A má oclusão tem sido apontada como um importante problema de saúde bucal em adolescentes no Brasil, com taxas de prevalência acima de 40%.11,12 Em nível nacional, além da alta prevalência, a maior severidade da má oclusão entre os adolescentes tem sido associada com piores condições socioeconômicas e condições subjetivas de saúde bucal, com base nos dados do levantamento epidemiológico das condições de saúde bucal da população brasileira em 2010.13 Em 2002 e 2003, por recomendação da OMS, o Ministério da Saúde concluiu um estudo epidemiológico das condições de saúde bucal no Brasil chamado SB2000, atualmente rebatizado para Projeto SB Brasil 2002‐2003.14 Apesar de mais de uma década de feitura e divulgação dos resultados do SB Brasil 2002‐2003 e geração de um novo estudo em 2010, não foram identificados estudos na literatura que registrassem a prevalência de má oclusão e fatores associados com a necessidade de tratamento ortodôntico entre os adolescentes brasileiros, o que não permite comparações e a identificação de melhorias que ocorreram ao longo dos anos. Nesse contexto, o presente estudo analisou a prevalência e a severidade da má oclusão e fatores associados à necessidade de tratamento ortodôntico de adolescentes brasileiros, com o uso de dados do Projeto SB Brasil 2002‐2003, e contextualizou esses dados dentro do movimento de saúde pública no Brasil.
MétodoEsse estudo exploratório, de corte transversal, foi feito com base em dados secundários do levantamento epidemiológico nacional de saúde bucal (SB Brasil 2002‐2003). Essa pesquisa, feita pelo Ministério da Saúde, encontrou diferentes condições de saúde bucal em 108.921 brasileiros de diferentes faixas etárias (18‐36 meses, cinco, 12, 15‐19, 35‐44 e 65‐74 anos) que viviam em 250 municípios de áreas urbanas e rurais em todas as cinco regiões geográficas do país.
Os participantes foram examinados e entrevistados em suas casas. Foram coletados dados a respeito das condições socioeconômicas, o uso de serviços odontológicos e sua autopercepção da saúde bucal. As avaliações das condições e dos problemas de saúde bucal foram baseadas em critérios estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1997. Foi usada uma amostra probabilística por conglomerados. Em cada região do país, as cidades foram selecionadas aleatoriamente com base em sua inclusão em cinco estratos definidos pelo tamanho da população (menos de 5.000 habitantes, 5.001‐10.000, 10.001‐50.000, 50.001‐100.000 e mais de 100.000). Todas as capitais dos estados foram incluídas antes do processo de seleção aleatória e, portanto, não foram incluídas nesse processo. Após a seleção aleatória de cidades, bairros e famílias também foram selecionados aleatoriamente. A taxa de resposta para a faixa dos jovens de 15‐19 anos foi de 84,5%, o que resultou na inclusão de 16.833 adolescentes na pesquisa.15 Dentistas, que foram treinados e calibrados (k≥0,61), de acordo com os critérios estabelecidos pela OMS em 1997, fizeram entrevistas e exames em casa.14 O presente estudo é baseado em dados dessa amostra de adolescentes entre 15 e 19 anos.
A variável dependente, a necessidade de tratamento ortodôntico (NTO), foi construída com base no DAI e tem quatro resultados possíveis: a falta de normalidade ou más oclusões leves/sem necessidade de tratamento ortodôntico (DAI<25), má oclusão definida/NTO eletiva (DAI=26‐30), má oclusão severa/NTO altamente desejável (DAI=31‐35) e má oclusão muito severa ou incapacitante/NTO essencial (DAI>36).10 De acordo com os resultados possíveis do DAI, essa pontuação numérica foi classificada em duas categorias para a variável dependente deste estudo: sem NTO (DAI<25) e NTO (DAI>25).11
As variáveis independentes testadas foram: características sociodemográficas (sexo, idade, etnia autodeclarada, local de residência, região) e as condições subjetivas (autopercepção da necessidade de tratamento, saúde oral, aparência, percepção da mastigação, efeito da saúde bucal em relacionamentos). A variável sexo (masculino, feminino) foi mantida em sua forma original a partir do banco de dados original, a idade foi reclassificada em dois grupos (15‐16 anos e 17‐19 anos), a cor autodeclarada da pele foi reclassificada nas categorias brancos e não brancos. O local de residência (urbana ou rural) e as regiões do Brasil (Norte, Nordeste, Sul, Sudeste, Centro‐Oeste) foram mantidos na sua forma original.
Foram identificados fatores associados com a variável dependente. As análises foram feitas com o software PASW® (Predictive Analytics Software) versão 17.0 para Windows (Statistics for Windows, Version 17.0. SPSS Inc. Chicago, EUA). Foram verificadas associações significativas entre as variáveis dependentes e independentes por meio do teste do qui‐quadrado e considerado o valor para rejeição da hipótese nula como p<0,05 na análise bivariada. Foram estimadas a magnitude e a direção da associação na análise bivariada e multivariada a partir de uma regressão robusta de Poisson e foi calculada a razão de prevalência (RP) com intervalo de confiança de 95%. A coleta de dados foi feita de acordo com os princípios éticos contidos na Resolução do Conselho Consultivo Nacional de Saúde (CNS), n° 196/95, n° 581/2000 do Ministério da Saúde do Brasil.14
ResultadosA maioria dos 16.833 adolescentes era do sexo feminino, entre 17 e 19 anos, autoidentificadas como brancas e que vivem em zonas urbanas (tabela 1). Quanto às condições subjetivas, a maioria dos adolescentes percebeu a necessidade de tratamento e sua saúde bucal como boa ou excelente (tabela 2). Houve maior prevalência de apinhamento dentário e razões molares anormais na avaliação dos componentes do DAI. A prevalência de necessidade de tratamento ortodôntico foi de 53,2% (tabela 3).
Análise descritiva dos brasileiros de 15‐19 anos (2002‐2003) de acordo com as variáveis demográficas
n | % | |
---|---|---|
Gênero | ||
Masculino | 7.015 | 41,7 |
Feminino | 9.818 | 58,3 |
Idade | ||
15‐16 | 8.115 | 48,2 |
17‐19 | 8.718 | 51,8 |
Cor da pele autodeclarada | ||
Branca | 7.071 | 42,1 |
Não branca | 9.725 | 57,9 |
Local de residência | ||
Rural | 2.244 | 13,3 |
Urbana | 14.569 | 86,7 |
Região | ||
Sudeste | 2.981 | 17,7 |
Norte | 3.877 | 23,0 |
Nordeste | 3.998 | 23,8 |
Sul | 3.841 | 22,8 |
Centro Oeste | 2.136 | 12,7 |
Análise descritiva dos brasileiros de 15‐19 anos (2002‐2003) de acordo com variáveis subjetivas
n | % | |
---|---|---|
Autopercepção da necessidade de tratamento | ||
Não | 3.811 | 22,9 |
Sim | 12.810 | 77,1 |
Autopercepção da saúde bucal | ||
Muito boa/boa | 8.408 | 53,0 |
Normal | 5.673 | 35,8 |
Ruim/muito ruim | 1.780 | 11,2 |
Autopercepção da aparência | ||
Muito boa/boa | 9.264 | 58,4 |
Normal | 4.789 | 30,2 |
Ruim/muito ruim | 1.815 | 11,4 |
Autopercepção da mastigação | ||
Muito boa/boa | 12.293 | 76,4 |
Normal | 2.706 | 16,8 |
Ruim/muito ruim | 1.091 | 6,8 |
Autopercepção da fala | ||
Muito boa/boa | 13.630 | 85,7 |
Normal | 1.734 | 10,9 |
Ruim/muito ruim | 535 | 3,4 |
Autopercepção de relacionamentos | ||
Não afetada | 11.871 | 79,3 |
Afetada | 3.104 | 20,7 |
Análise descritiva dos brasileiros de 15‐19 anos (2002‐2003) de acordo com as variáveis do Dental Aesthetic Index
n | % | |
---|---|---|
Apinhamento dental no segmento anterior da mandíbula | ||
Nenhum | 10.042 | 59,7 |
Um segmento | 4.189 | 24,9 |
Dois segmentos | 2.602 | 15,4 |
Desalinhamento da mandíbula anterior superior | ||
<2mm | 15.262 | 91,7 |
≥2mm | 1.384 | 8,3 |
Desalinhamento da mandíbula anterior inferior | ||
<2mm | 16.058 | 96,2 |
≥2mm | 634 | 3,8 |
Overjet maxilar | ||
<4mm | 13.475 | 82,5 |
≥4mm | 2.857 | 17,5 |
Overjet mandibular | ||
<4mm | 16.673 | 99,8 |
≥4mm | 33 | 0,2 |
Espaçamento anterior | ||
Nenhum | 13.237 | 78,6 |
Um segmento | 2.564 | 15,2 |
Dois segmentos | 1.032 | 6,1 |
Diastema medial (gaps) | ||
0mm | 14.185 | 85,6 |
≥1mm | 2.389 | 14,4 |
Número de dentes ausentes no maxilar superior | ||
Nenhum | 16.002 | 95,1 |
Um ou mais | 831 | 4,9 |
Número de dentes ausentes no maxilar inferior | ||
Nenhum | 16.343 | 97,1 |
Um ou mais | 490 | 2,9 |
Mordida aberta anterior | ||
<3mm | 16.137 | 95,9 |
≥3mm | 612 | 3,6 |
Razões molares | ||
Normal | 7.918 | 47,0 |
Meia cúspide | 5.996 | 35,6 |
Cúspide completa | 2.518 | 15,0 |
Necessidade normativa de tratamento ortodôntico | ||
Ausente | 7.873 | 46,8 |
Presente | 8.960 | 53,2 |
Na análise bivariada, a necessidade de tratamento ortodôntico foi associada com as seguintes variáveis: sexo, cor da pele, macrorregião e autodeclaração de necessidade de tratamento, saúde oral, mastigação, fala e relacionamento com os outros (tabela 4).
Análise bivariada dos fatores associados à necessidade de tratamento ortodôntico em brasileiros de 15‐19 anos, 2002‐2003
Sim | Não | RP (IC95%) | p | |||
---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | |||
Gênero | ||||||
Masculino | 3.819 | 54,4 | 3.196 | 45,6 | 1 | |
Feminino | 5.141 | 52,4 | 4.677 | 47,6 | 1,01 (1,00‐1,02) | <0,01 |
Idade | ||||||
15‐16 | 4.338 | 53,5 | 3.777 | 46,5 | 1 | |
17‐19 | 4.622 | 53,0 | 4.096 | 47,0 | 0,99 (0,98‐1,00) | 0,56 |
Cor da pele autodeclarada | ||||||
Branca | 3.690 | 52,2 | 3.381 | 47,8 | 1 | |
Não branca | 5.254 | 54,0 | 4.471 | 46,0 | 1,01 (1,00‐1,02) | 0,01 |
Local de residência | ||||||
Rural | 1.199 | 53,4 | 1045 | 46,6 | 1 | |
Urbana | 7.753 | 53,2 | 6816 | 46,8 | 1,00 (0,98‐1,01) | 0,84 |
Região | ||||||
Sudeste | 1.616 | 54,2 | 1.365 | 45,8 | 1 | |
Norte | 2.083 | 53,7 | 1.794 | 46,3 | 0,99 (0,98‐1,01) | 0,69 |
Nordeste | 2.134 | 53,4 | 1.864 | 46,6 | 0,99 (0,97‐1,01) | 0,49 |
Sul | 2.068 | 53,8 | 1.773 | 46,2 | 0,99 (0,98‐1,01) | 0,76 |
Centro‐ Oeste | 1.059 | 49,6 | 1.077 | 50,4 | 0,97 (0,95‐0,98) | <0,01 |
Autopercepção da necessidade de tratamento | ||||||
Não | 1.862 | 48,9 | 1.949 | 51,1 | 1 | |
Sim | 6.992 | 54,6 | 5.818 | 45,4 | 1,03 (1,02‐1,05) | <0,01 |
Autopercepção da saúde bucal | ||||||
Muito boa/boa | 4.210 | 50,1 | 4.198 | 49,9 | 1 | |
Normal | 3.204 | 56,5 | 2.469 | 43,5 | 1,04 (1,03‐1,05) | <0,01 |
Ruim/Muito ruim | 1.025 | 57,6 | 755 | 42,4 | 1,05 (1,03‐1,06) | <0,01 |
Autopercepção da aparência | ||||||
Muito boa/boa | 4.473 | 48,3 | 4.791 | 51,7 | 1 | |
Normal | 2.791 | 58,3 | 1.998 | 41,7 | 1,06 (1,05‐1,07) | <0,01 |
Ruim/Muito ruim | 1.184 | 65,2 | 631 | 34,8 | 1,11 (1,09‐1,13) | <0,01 |
Autopercepção da mastigação | ||||||
Muito boa/boa | 6.445 | 52,4 | 5.848 | 47,6 | 1 | |
Normal | 1.474 | 54,5 | 1.232 | 45,5 | 1,01 (1,00‐1,02) | 0,05 |
Ruim/Muito ruim | 639 | 58,6 | 452 | 41,4 | 1,04 (1,02‐1,06) | <0,01 |
Autopercepção da fala | ||||||
Muito boa/boa | 7.170 | 52,6 | 6.460 | 47,4 | 1 | |
Normal | 978 | 56,4 | 756 | 43,6 | 1,02 (1,00‐1,04) | <0,01 |
Ruim/Muito ruim | 318 | 59,4 | 217 | 40,6 | 1,04 (1,01‐1,07) | <0,01 |
Autopercepção de relacionamentos | ||||||
Não afetados | 6.177 | 52,0 | 5.694 | 48,0 | 1 | |
Afetados | 1.804 | 58,1 | 1.300 | 41,9 | 1,04 (1,02‐1,05) | <0,01 |
RP (IC 95%), razão de prevalência (intervalo de confiança de 95%).
Na análise multivariada, a necessidade de tratamento ortodôntico foi maior entre as mulheres, não brancas, aquelas que perceberam a necessidade de tratamento odontológico e aquelas que percebiam a sua aparência como normal, ruim ou muito ruim. A necessidade de tratamento ortodôntico foi menor entre os indivíduos que viviam nas regiões Nordeste e Centro‐Oeste em comparação com os da região Sudeste e também menor entre aqueles que percebiam sua mastigação como normal ou a sua saúde bucal como ruim ou muito ruim (tabela 5).
Análise multivariada dos fatores associados com a necessidade de tratamento ortodôntico em brasileiros com idade de 15‐19 anos, 2002‐2003
RP (IC95%) | p valor | |
---|---|---|
Sexo | ||
Masculino | 1 | |
Feminino | 1,01 (1,00‐1,02) | 0,01 |
Cor da pele autodeclarada | ||
Branca | 1 | |
Não branca | 1,01 (1,00‐1,02) | 0,01 |
Região | ||
Sudeste | 1 | |
Norte | 0,99 (0,97‐1,00) | 0,33 |
Nordeste | 0,98 (0,96‐1,00) | 0,05 |
Sul | 1,01 (0,99‐1,02) | 0,21 |
Autopercepção da necessidade de tratamento | ||
Não | 1 | |
Sim | 1,02 (1,01‐1,03) | <0,01 |
Autopercepção da saúde bucal | ||
Muito boa/boa | 1 | |
Normal | 1,00 (0,99‐1,01) | 0,39 |
Ruim/muito ruim | 0,97 (0,95‐0,99) | 0,03 |
Autopercepção da aparência | ||
Muito boa/boa | 1 | |
Normal | 1,06 (1,05‐1,08) | <0,01 |
Ruim/muito ruim | 1,12 (1,10‐1,14) | <0,01 |
Autopercepção da mastigação | ||
Muito boa/boa | 1 | |
Normal | 0,98 (0.96‐0.99) | 0,02 |
Ruim/muito ruim | 0,99 (0.97‐1,01) | 0,73 |
RP (IC 95%), razão de prevalência (intervalo de confiança de 95%).
Este estudo identificou uma alta prevalência de má oclusão (53,2%) e, consequentemente, uma elevada necessidade de tratamento ortodôntico. É amplamente aceito que os adolescentes são mais vulneráveis a fatores sociodemográficos e psicossociais e que o estilo de vida adotado por eles pode aumentar a suscetibilidade à doença durante a adolescência e em momentos futuros no decorrer da vida. Os adolescentes podem ser particularmente vulneráveis porque já não se beneficiam dos cuidados e da atenção dados às crianças e também não são beneficiados pela maturidade da idade adulta.16 A prevalência de má oclusão que requer tratamento varia de país para país.
A prevalência entre adolescentes brasileiros foi algo similar à de 53,15% em escolares mexicanos (12‐18 anos) na cidade de Puebla.17 No entanto, é maior do que a alta necessidade de tratamento ortodôntico relatada em outros países, como Índia (20‐43%)18,19 e Nigéria (40,7%).20 Quando comparadas com as taxas identificadas em algumas cidades brasileiras, os valores observados no presente estudo foram maiores do que os registrados na cidade de Tubarão (SC, Sul do Brasil) (45,6%)12 e mais baixos do que os identificados em Belo Horizonte (MG, Sudeste do Brasil) (62%).11 Ambos os estudos usaram o DAI.
A necessidade de tratamento ortodôntico foi associada ao sexo dos adolescentes, à cor da pele, à região brasileira, à autopercepção da necessidade de tratamento, às condições de saúde bucal, à aparência e à mastigação. Os resultados desse projeto (Saúde Bucal Brasil – 2002‐2003)15 foram usados para o lançamento do Projeto Brasil Sorrindo em 2004. Centros públicos de saúde bucal para especialidades odontológicas (CEOs) foram abertos com, no mínimo, especialistas em diagnóstico bucal (com ênfase no câncer bucal), pequenas cirurgias orais dos tecidos moles e duros, especialistas em endodontia e tratamento para pacientes com necessidades especiais. A oferta de tratamento ortodôntico gratuito nos CEOs começou em 2011, após a Reunião Ordinária da Comissão Tripartite em Brasília.21
A organização e o acesso aos serviços de saúde podem ser estratificados em três níveis distintos e inter‐relacionados: cuidados primários, secundários e terciários (base hospitalar) de atenção. Na área da saúde oral, os cuidados primários compreendem um conjunto de ações voltadas para identificar, prevenir e resolver os principais problemas da população afetada.1 A atenção secundária abrange tratamentos mais avançados por especialistas em saúde bucal em reabilitação clínica e funcional.22 A atenção terciária em programas de atenção à saúde bucal pública do Brasil inclui alguns procedimentos de alto custo, feitos principalmente por provedores privados e hospitais universitários públicos, e são pagos com dinheiro público a preços próximos ao valor de mercado.23 Considerando essa organização da atenção integral, o tratamento ortodôntico está dentro da rede de atendimento secundário.
Diferenças de gênero e fatores culturais afetam a prevalência das más oclusões. A prevalência da necessidade de tratamento ortodôntico foi maior entre os adolescentes do sexo feminino, talvez devido ao tamanho menor da mandíbula no sexo feminino, o que pode levar à falta de espaço adequado para os dentes,24 ou, talvez, porque as mulheres geralmente estão mais preocupadas com a estética,25,26 ou porque elas são mais propensas a procurar atendimento preventivo.27 As diferenças socioeconômicas, culturais e comportamentais entre grupos étnicos e regiões também podem ser responsáveis por algumas das desigualdades na necessidade de tratamento ortodôntico entre esses grupos.26
Da mesma forma, diversos fatores socioculturais e psicológicos podem influenciar a autopercepção da necessidade de tratamento ortodôntico. Os adolescentes que procuram tratamento ortodôntico podem estar preocupados em melhorar sua aparência e aceitação social, uma vez que as pessoas com má oclusão podem sentir‐se tímidas, perder oportunidades de emprego e sentir pena de si mesmas, devido à aparência comprometida de seus dentes. Diferentes tipos de má oclusão podem produzir mudanças não apenas na aceitabilidade estética da aparência, mas na funcionalidade e qualidade de vida em termos de mastigação, deglutição, respiração, sorriso e fala, bem como experiências de dor e problemas na articulação temporomandibular.27 Neste estudo houve uma maior prevalência da necessidade de tratamento entre aqueles que percebiam sua saúde bucal como ruim ou muito ruim e entre aqueles que percebiam sua mastigação como normal.
Embora as estratégias de saúde bucal desenvolvidas pelo SUS tenham trazido resultados positivos para muitos brasileiros, as desigualdades com base em fatores sociodemográficos persistem.1 Portanto, o sistema público ainda tem de cumprir as suas metas de prestação de cuidados equitativos, universais e inclusivos para atender às necessidades de saúde bucal de todos os cidadãos brasileiros. Para melhor atender aos princípios fundamentais do sistema de saúde pública, como a universalidade, integralidade e equidade com relação à saúde oral e, consequentemente, à saúde geral, o acesso ao tratamento ortodôntico no setor dos cuidados de saúde pública precisa ser expandido de forma contínua no Brasil.
As estimativas das condições de saúde bucal da população brasileira produzida por este projeto foram discutidas na literatura, mas os dados completos da pesquisa não foram publicados.28,29 Os dados usados foram gerados há mais de uma década; no entanto, essas associações ainda não tinham sido exploradas por estudos anteriores. Além disso, dadas as características metodológicas, não é possível estabelecer relações de causa e efeito entre as associações. Apesar dessas limitações, foi identificada uma prevalência elevada da necessidade de tratamento ortodôntico em adolescentes no Brasil associada com questões demográficas e subjetivas definidoras de saúde oral. A alta prevalência das necessidades ortodônticas em adolescentes é um desafio para as metas do sistema de saúde pública do Brasil.
FinanciamentoO estudo não recebeu financiamento.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.