Analisar estudos que avaliaram os parâmetros antropométricos perímetro da cintura (PC), relação cintura/estatura (RCE) e perímetro do pescoço (PP) como indicadores da obesidade central em crianças.
Fontes dos dadosRealizou-se busca nas bases de dados PubMed e SciELO utilizando os descritores combinados: “Perímetro da cintura”, “Relação cintura/estatura”, “Perímetro do pescoço”, “Crianças” e “Gordura Abdominal” e seus correlatos em inglês e espanhol. Os critérios de inclusão foram: artigos originais sobre o PC, a RCE e o PP na avaliação da obesidade central em crianças, publicados em português, inglês ou espanhol. Excluíram-se artigos de revisão, comunicação breve, cartas e editoriais.
Síntese dos dadosObtiveram-se 1.525 resumos, sendo selecionados 68 artigos para análise na íntegra. Destes, 49 fizeram parte da revisão. O PC foi o parâmetro mais utilizado nos estudos, seguido pela RCE. Já o PP ainda é pouco estudado em crianças. Houve controvérsias quanto à capacidade preditiva da adiposidade central em crianças do PC e da RCE. Os pontos de corte sugeridos para os parâmetros foram diversificados entre os estudos, e essas diferenças podem estar relacionadas à etnia e à falta de padronização do ponto anatômico utilizado na aferição da medida.
ConclusõesMais estudos são necessários para avaliar esses parâmetros na determinação da obesidade central na infância, especialmente em relação ao PP, para o qual a literatura ainda é escassa, principalmente na população infantil. Há necessidade de padronização do local das medidas para o estabelecimento de pontos de cortes comparáveis entre diversas populações.
To analyze studies that assessed the anthropometric parameters waist circumference (WC), waist-to-height ratio (WHR) and neck circumference (NC) as indicators of central obesity in children.
Data sourcesWe searched PubMed and SciELO databases using the combined descriptors: “Waist circumference”, “Waist-to-height ratio”, “Neck circumference”, “Children” and “Abdominal fat” in Portuguese, English and Spanish. Inclusion criteria were original articles with information about the WC, WHR and NC in the assessment of central obesity in children. We excluded review articles, short communications, letters and editorials.
Data synthesis1,525 abstracts were obtained in the search, and 68 articles were selected for analysis. Of these, 49 articles were included in the review. The WC was the parameter more used in studies, followed by the WHR. Regarding NC, there are few studies in children. The predictive ability of WC and WHR to indicate central adiposity in children was controversial. The cutoff points suggested for the parameters varied among studies, and some differences may be related to ethnicity and lack of standardization of anatomical site used for measurement.
ConclusionsMore studies are needed to evaluate these parameters for determination of central obesity children. Scientific literature about NC is especially scarce, mainly in the pediatric population. There is a need to standardize site measures and establish comparable cutoff points between different populations.
A prevalência de obesidade em crianças tem aumentado em todo o mundo1 e está associada a fatores de risco para distúrbios cardiovasculares e metabólicos, que, por sua natureza crônica e insidiosa, requerem um acompanhamento cuidadoso na infância, visando à detecção precoce e ao estabelecimento de intervenções para prevenir complicações na vida adulta.2,3
O índice de massa de corporal (IMC) é o parâmetro mais comumente utilizado entre todas as faixas etárias para determinar sobrepeso e obesidade. Entretanto, não fornece informação precisa sobre a distribuição da gordura corporal.2 A distribuição de gordura relaciona-se ao prognóstico de risco para a saúde, sendo que a obesidade central se associa mais fortemente a diversos fatores de risco para doenças cardiovasculares, quando comparada à obesidade corporal total.4
A distribuição da gordura corporal pode ser verificada por meio de diversos parâmetros antropométricos e, nos últimos anos, novos indicadores têm sido propostos para avaliar a adiposidade central. Merecem destaque o perímetro da cintura (PC), a relação cintura/estatura (RCE) e o perímetro do pescoço (PP). A medida do PC é uma técnica simples que, assim como em adultos, poderia ser utilizada na triagem de crianças e adolescentes, com bom desempenho como indicador de adiposidade central em ambos os sexos.5 A RCE também tem sido proposta como uma medida a ser utilizada para avaliar a adiposidade central na infância e na vida adulta em diversas populações.6 O PP é um parâmetro relativamente novo na avaliação de crianças e adolescentes, de mensuração simples e rápida, sendo um indicador da distribuição de gordura subcutânea na parte superior do corpo.7
No entanto, apesar desses estudos, não há trabalho na literatura visando a uma análise crítica dos referidos parâmetros, de forma conjunta, como marcadores de adiposidade na infância. Nesse contexto, o presente artigo objetiva analisar estudos que avaliaram os parâmetros antropométricos PC, RCE e PP como indicadores da obesidade central em crianças.
Fontes dos dadosO presente estudo consistiu numa revisão integrativa realizada por meio de busca eletrônica nas bases de dados PubMed e Scientific Electronic Library Online (SciELO). O levantamento bibliográfico se deu em periódicos nacionais e internacionais nas bases de dados pelo portal da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Os descritores utilizados para a busca dos artigos foram: “Perímetro da cintura”, “Relação cintura/estatura”, “Perímetro do pescoço”, “Crianças”, “Gordura Abdominal” e seus correlatos em inglês e espanhol. Para a pesquisa no PubMed, utilizou-se combinação dos descritores em inglês “Waist circumference”, “Waist-to-height ratio”, “Neck circumference”, “Abdominal fat” e “Children”, utilizando como critério de busca “All fields” para os quatro primeiros e “Title/abstract” para o último. A pesquisa no SciElo, por sua vez, utilizou a combinação dos descritores em português e espanhol (“Perímetro da cintura/Circunferencia de la cintura”, “Relação cintura/estatura/Relación cintura/talla”, “Perímetro do pescoço/Circunferencia del cuello”, “Gordura abdominal/Grasa abdominal” e “Crianças/Niños”), de forma a abranger artigos publicados em periódicos nacionais e internacionais, em ambos os idiomas, utilizando como critérios de busca “Todos os índices” para os referidos descritores.
Os estudos identificados foram selecionados pela leitura dos resumos, adotando-se como critério de inclusão os artigos originais que apresentassem informações relativas a PC, RCE e PP na avaliação da obesidade central em crianças em português, inglês ou espanhol. Como critérios de exclusão, adotaram-se: artigos de revisão, comunicação breve, cartas e editoriais. Não se delimitou o período das publicações, considerando que os estudos de tais parâmetros são relativamente recentes nessa faixa etária.
Com base nos artigos selecionados, elaborou-se uma ficha para extração de informações, incluindo-se: nomes dos autores e ano de publicação, objetivo, local e tipo do estudo, tamanho e características da amostra, forma de aferição das medidas antropométricas, análises estatísticas realizadas, principais resultados, pontos de corte sugeridos.
Síntese dos dadosA pesquisa nas bases de dados resultou em 1.525 estudos sobre o tema. O número de artigos identificados categorizados por base de dados e descritores utilizados está descrito na tabela 1. Inicialmente, os artigos foram analisados com base na relevância de títulos e resumos, sendo então excluídos 1.457 estudos que não atendiam aos objetivos desta revisão, cujo enfoque é a utilização dos parâmetros antropométricos na avaliação da obesidade central em crianças. Assim, 68 artigos foram selecionados para leitura na íntegra. Entretanto, após a leitura dos artigos completos, 19 foram excluídos por não atenderem aos critérios de inclusão. Dessa forma, 49 artigos fizeram parte desta revisão, os quais foram publicados no período de 2000 a 2013. Entre os estudos selecionados, a maior parte (26 artigos) era referente ao PC,3,5,8–31 12 artigos abordaram a RCE,32–43 6 estudos contemplaram ambos os parâmetros,44–49 e apenas 5 trabalhos eram referentes ao PP.2,50–53 A figura 1 apresenta o fluxograma demonstrando as etapas realizadas até a seleção dos estudos para compor esta revisão.
Número de artigos identificados categorizados por base de dados e descritores utilizados na pesquisa sobre o uso de parâmetros antropométricos na determinação de adiposidade central em crianças
Base de dados | Descritores/Critério de busca | Perímetro da cintura | Relação cintura/estatura | Perímetro do pescoço |
---|---|---|---|---|
PubMed | Waist circumference/Waist-to-height ratio/Neck circumference (All fields) AND children (Title/abstract) | 1318 | 133 | 27 |
Waist circumference/Waist-to-height ratio/Neck circumference (All fields) AND children (Title/abstract) AND abdominal fat (All fields) | 41 | 9 | 2 | |
ScieElo | Perímetro da cintura/Relação cintura-estatura/Perímetro do pescoço (Todos os índices) AND crianças (Todos os índices) | 8 | 2 | 0 |
Perímetro da cintura/Relação cintura-estatura/ Perímetro do pescoço (Todos os índices) AND crianças (Todos os índices) AND gordura abdominal (Todos os índices) | 8 | 0 | 0 | |
Circunferencia de la cintura/Relación cintura-talla/ Circunferencia del cuello (Todos os índices) AND niños (Todos os índices) | 51 | 0 | 0 | |
Circunferencia de la cintura/Relación cintura-talla/ Circunferencia del cuello (Todos os índices) AND niños (Todos os índices) AND grasa abdominal (Todos os índices) | 9 | 0 | 0 | |
Totala | 1404b | 94c | 27d |
O PC é a medida mais utilizada para avaliar a obesidade abdominal, e diversos estudos abordaram sua capacidade para indicar o acúmulo de gordura central em crianças, bem como sua correlação positiva com o IMC8–10,44 e com o percentual de gordura total11 e do tronco.12 Alguns autores sugerem que esse parâmetro é mais consistente, em termos do balanço entre sensibilidade e especificidade, para avaliar crianças obesas e não obesas, do que o IMC e a RCE,45 sendo bom indicador de adiposidade central em crianças.13 Além disso, demontra-se desempenho satisfatório na predição do conteúdo de gordura corporal total,11,14 além de ser indicador de massa de gordura do tronco.5,15
Entretanto, alguns estudos não apresentam resultados favoráveis à utilização desse parâmetro. Reilly et al,16 estudando crianças inglesas de 9 a 10 anos, compararam a capacidade do IMC e do PC, em percentis, para diagnosticar a massa de gordura aumentada. Os autores observaram maior especificidade do percentil de IMC para ambos os sexos, utilizando Dual Energy X-ray Absorptiometry (DEXA) como método de referência. Pérez et al,46 por sua vez, numa pesquisa realizada com crianças e adolescentes venezuelanos na faixa etária de 7 a 17 anos por meio da razão prega cutânea subescapular/tricipital como método de referência na análise da curva ROC (Receiver-Operating characteristic), encontraram que o PC não foi eficaz para identificar a distribuição de gordura, não apresentando valores satisfatórios de sensibilidade e especificidade.
No tocante aos valores de referência, estudos realizados em diversas partes do mundo estabeleceram pontos de corte do PC para determinar a adiposidade central. Os valores foram estabelecidos utilizando o método LMS (L=lambda: assimetria; M=mi: mediana; e S=sigma: coeficiente de variação) e apresentadas como valores de percentis e desvios-padrão3,17–24,30,31,47 ou a partir da análise ROC, sendo considerado o IMC sobrepeso/obesidade de acordo com a classificação do International Obesity Task Force (IOTF)(25,26,48) ou excesso de gordura do tronco medido pela DEXA5,49 como métodos de referência.
Na maioria dos estudos, o percentil 90 da distribuição dos valores de PC foi adotado como valor crítico.17–20,22–24,26,47 Apesar de trabalhos terem apontado diferenças significativas quando a medida do PC é realizada em diferentes pontos anatômicos em crianças,27,28 não houve concordância quanto ao local de aferição da medida entre os estudos. Alguns trabalhos realizaram a medida no ponto médio entre a última costela e a parte superior da crista ilíaca;3,17–24,47,48 outros, na “circunferência mínima entre a crista ilíaca e a caixa torácica”,5,26 “um pouco acima da borda superior lateral do ílio direito”,29 na “maior extensão frontal do abdome entre a parte inferior da caixa torácica e o topo da crista ilíaca”,25 e um estudo realizou a medida em dois locais: no “nível do umbigo” e “na distância média entre a espinha ilíaca anterossuperior e a parte inferior da caixa torácica”.49 A tabela 2 apresenta um resumo desses estudos.
Pontos de corte de perímetro da cintura para avaliação da obesidade central em crianças
Autores (Ano de publicação) | Local | População (Amostra) | Ponto anatômico da medida | Pontos de corte sugeridos |
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Taylor et al (2000) | Nova Zelândia | Crianças e adolescentes brancos de 3 a 19 anos (n=380) | Circunferência mínima entre a crista ilíaca e a caixa torácica | ≥1,5 Escore-Z para ambos os sexos ≥percentil 80 específico para idade e sexo |
McCarthy, Jarrett e Crawle (2001) | Grã-Bretanha | Crianças e adolescentes de 5 a 16,9 anos (n=8355) | Distância média entre a 10a costela e a crista ilíaca | >percentil 90 específico para idade e sexo |
Fernández et al (2004) | Estados Unidos | Crianças e adolescentes de 2 a 18 anos (n=9713) | Um pouco acima da borda superior lateral do ílio direito | >percentil 75 específico para idade, sexo e etnia |
Fredriks et al (2005) | Holanda | Indivíduos de 0 a 21 anos (n=14500) | Distância média entre a costela mais inferior e o topo da crista ilíaca | ≥1,3 Escore-Z para ambos os sexos |
Gómez-Díaz et al (2005) | México | Crianças de 6 a 10 anos (n=833) | Maior extensão frontal do abdome entre a parte inferior da caixa torácica e o topo da crista ilíaca | Meninos6-10 anos: 69,5cm; 6-7 anos: 61,5cm; 8-9 anos: 76,6cm; 10 anos: 75,7cm Meninas6-10 anos: 66,2cm; 6-7 anos: 65,9cm; 8-9 anos: 70,1cm; 10 anos: 69,9cm |
Schwandt, Kelishadi e Haas (2008) | Alemanha | Crianças e adolescentes de 3 a 11 anos (n=3531) | Distância média entre a 10a costela e a crista ilíaca | >percentil 90 específico para idade e sexo |
Nawarycz et al (2010) | Polônia | Crianças e adolescentes de 7 a 18 anos (n=5663) | Ponto médio entre a borda da última costela e a crista ilíaca superior | >percentil 90 específico para idade e sexo |
Mazicioglu et al (2010) | Turquia | Crianças e adolescentes de 6 a 17 anos (n=5727) | Circunferência mínima entre a crista ilíaca e a costela | >percentil 90 específico para idade e sexo |
Xiong et al (2010) | China | Crianças e adolescentes da etnia Han de 5 a 17 anos (n=7326) | Distância média entre a última costela e a borda superior da crista ilíaca | >percentil 90 específico para idade e sexo |
Fujita et al (2011) | Japão | Crianças de 10 anos (n=422) | Nível do umbigo (No caso de deslocamento do umbigo pelo acúmulo de gordura, a medida foi tomada na distância média entre a espinha ilíaca anterossuperior e a parte inferior da caixa torácica) | Meninos: 76,5cmMeninas: 73,0cm |
Kuriyan et al (2011) | Índia | Crianças e adolescentes de 3 a 16 anos (n=9060) | Ponto médio entre a parte inferior da caixa torácica e a crista ilíaca | >percentil 75 específico para idade e sexo |
Brannsether et al (2011) | Noruega | Crianças e adolescentes de 4 a 18 anos (n=5725) | Ponto médio entre a última costela e a parte superior da crista ilíaca | >percentil 85 (sobrepeso) e >percentil 95 (obesidade) específicos para idade e sexo |
Poh et al (2011) | Malásia | Crianças e adolescentes de 6 a 16,9 anos (n=16203) | Ponto médio entre a última costela e a parte superior da crista ilíaca | >percentil 90 específico para idade e sexo |
Mushtaq et al (2011) | Paquistão | Crianças e adolescentes de 5 a 12 anos (n=1860) | Distância média entre a última costela e a borda superior da crista ilíaca | ≥percentil 90 específico para idade e sexo |
Hatipoglu et al (2013) | Turquia | Crianças de 0 a 6 anos (n=2947) | Ponto médio entre a caixa torácica mais inferior e a crista ilíaca | >percentil 90 específico para idade e sexo |
Mederico et al (2013) | Venezuela | Crianças e adolescentes de 9 a 18 anos (n=919) | Metade da distância entre a margem costal e a crista ilíaca | >percentil 90 específico para idade e sexo |
A base lógica da RCE é que, para determinada estatura, há um grau aceitável de gordura armazenada na porção superior do corpo.32 Entre os estudos que avaliaram esse parâmetro na população infantil, foram encontrados resultados controversos. No estudo de Sant’Anna et al,32 houve forte correlação entre o percentual de gordura corporal e a RCE de crianças de 6 a 9 anos de ambos os sexos, enquanto Majcher et al33 não observaram nenhuma correlação entre o percentual de gordura corporal e a RCE em crianças. Boa correlação com o IMC foi verificada em escolares de ambos os sexos na pesquisa realizada por Ricardo, Gabriel e Corso,44 no Sul do Brasil, na qual foi sugerido que a RCE poderia ser utilizada como informação complementar ao IMC/idade para determinar a adiposidade corporal central e total, respectivamente.
Ao comparar a qualidade diagnóstica de IMC, PC e RCE na triagem de obesidade em crianças, Hubert et al45 concluíram que a RCE foi pouco eficaz na classificação do estado de obesidade infantil. No trabalho de Pérez et al,46 com crianças e adolescentes venezuelanos, a RCE também não identificou de forma eficaz a distribuição de gordura, uma vez que não apresentou valores adequados de sensibilidade e especificidade.
Por outro lado, o estudo de Marrodán et al34 mostrou que a RCE foi um método eficaz para prever a adiposidade relativa em crianças e adolescentes de 6 a 14 anos. Brambilla et al35 observaram em seu trabalho que, comparada ao PC e ao IMC, a RCE foi o melhor preditor da adiposidade em crianças e adolescentes, sugerindo que esse parâmetro pode ser um substituto útil para medida de adiposidade corporal quando outras medidas não estão disponíveis.
Considerando a correlação residual entre a RCE (cintura/estatura1) e a altura em crianças, estudos buscaram investigar a dependência desse parâmetro da altura e a influência de expoentes específicos sobre sua capacidade preditiva na discriminação entre crianças com diferentes distribuições de gordura.36–38 O valor de 0,50 para a RCE vem sendo estabelecido como ponto de corte apropriado tanto para adultos quanto para crianças.39,47,48 Entretanto, outros valores, em sua maioria inferiores a 0,50, têm sido sugeridos para determinar a obesidade central.
Quanto aos aspectos metodológicos, para análise da curva ROC alguns estudos utilizaram a classificação de sobrepeso/obesidade pelo IMC de acordo com o IOTF,34,40,41 enquanto outros consideraram o elevado percentual de gordura corporal e do tronco em relação à própria população do estudo, mensurados por bioimpedância elétrica,32 DEXA49 e pregas cutâneas42 como métodos de referência. Também não houve concordância quanto ao ponto anatômico da medida do PC, o que leva a alterações nas medidas de RCE. Os pontos de cortes referentes a esses estudos são apresentados na tabela 3.
Pontos de corte para a relação cintura/estatura para identificação de crianças com sobrepeso e obesidade e percentual de gordura corporal e do tronco elevados
Autores (Ano de publicação) | Local | População (Amostra) | Ponto anatômico da medida do PCa | Pontos de corte sugeridos |
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Weili et al (2007) | China | Crianças e adolescentes das etnias Han e Uygur de 8 a 18 anos (n=4187) | Acima (2cm) do umbigo | Meninos – Sobrepeso: 0,445; Obesidade: 0,485Meninas – Sobrepeso: 0,445; Obesidade: 0,475 |
Nambiar, Hughes e Davies (2010) | Austrália | Crianças e adolescentes de 8 a 16 anos (n=4758) | Ponto médio entre a última costela e a crista ilíaca | Meninos: ≥p85 do %GCb: 0,46; ≥p95 do %GC: 0,48Meninas: ≥p85 do %GC: 0,45; ≥p95 do %GC: 0,47 |
Sant’Anna et al (2010) | Brasil | Crianças de 6 a 9 anos (n=205) | Ponto médio entre a última costela e a crista ilíaca | Meninos: 6, 7 e 9 anos: >0,45; 8 anos: >0,43Meninas: 6 e 7 anos: >0,45; 8 anos: >0,44; 9 anos: >0,43 |
Fujita et al (2011) | Japão | Crianças de 10 anos (n=22) | Nível do umbigo (No caso de deslocamento do umbigo pelo acúmulo de gordura, a medida foi tomada na distância média entre a espinha ilíaca anterossuperior e a parte inferior da caixa torácica) | Meninos: 0,519Meninas: 0,499 |
Panjikkaran (2012) | Índia | Crianças e adolescentes de 7 a 12 anos (n=6000) | Ponto médio entre a parte inferior da caixa torácica e a crista ilíaca | >0,48 |
Marrodán et al (2013) | Espanha | Crianças e adolescentes de 6 a 14 anos (n=2319) | Ponto médio entre a última costela e a crista ilíaca | Meninos – Sobrepeso: 0,47-0,48; Obesidade: 0,51Meninas – Sobrepeso: 0,47-0,48; Obesidade: 0,50 |
Em relação ao PP, existem poucos estudos avaliando esse parâmetro como indicador de adiposidade em crianças. Os estudos encontrados mostraram que essa medida antropométrica apresenta bom desempenho na determinação do sobrepeso e da obesidade em crianças e adolescentes.2,50–52 Encontraram-se correlações positivas significantes entre PP e IMC em ambos os sexos, bem como elevadas correlações com outros índices, como os que avaliam a obesidade central, o PC 2,50–52 e o perímetro braquial.50 Por outro lado, observou-se baixa correlação com o percentual de gordura corporal.50 No estudo de Nafiu et al,51 o PP parece se correlacionar melhor com o IMC e o PC em meninos do que em meninas, e, além disso, uma correlação mais forte foi verificada entre PP e outros índices antropométricos em crianças mais velhas do que em mais jovens.
Avaliando um total de 4.581 crianças e adolescentes turcos de escolas primárias, secundárias e de ensino médio na cidade de Kayseri da Anatólia Central, Mazicioglu et al50 geraram valores de médias, medianas e percentis de PP que podem servir como dados preliminares para estudos futuros na distribuição da gordura corporal. Os pontos de corte de PP para identificar crianças com sobrepeso e obesidade sugeridos pelas diversas pesquisas estão dispostos na tabela 4. Em todos os estudos, a medida do PP foi aferida no nível da cartilagem da tireoide; por outro lado, a classificação de sobrepeso/obesidade pelo IMC utilizada na análise ROC diferiu entre os trabalhos, sendo aplicadas classificações de acordo com o IOTF,50 o Center Control Disease,51 a Chinese Obesity Task Force,52 e outros pesquisadores2 utilizaram uma referência local, justificando que referências de estatura podem diferir significativamente entre diferentes populações.
Pontos de corte de perímetro do pescoço para identificação de crianças com sobrepeso e obesidade
Autor (Ano de publicação) | Local | População (Amostra) | Pontos de Corte Sugeridos |
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Hatipoglu et al (2010) | Turquia | Crianças e adolescentes de 6 a 18 anos com sobrepeso e obesidade (n=412) e saudáveis (n=555) | MeninosPré-puberal: 29,0cmPuberal: 32,5cmMeninasPré-puberal: 28,0cmPuberal: 31,0cm |
Nafiu et al (2010) | Estados Unidos | Crianças e adolescentes de 6 a 18 anos submetidos a procedimentos cirúrgicos eletivos não cardíacos de um Hospital pediátrico (n=1102) | Meninos: 28,5 a 39,0cmMeninas: 27,0 a 34,6cm |
Lou et al (2012) | China | Crianças e adolescentes de 7 a 12 anos da etnia Han (n=2847) | Meninos: 27,4 a 31,3cmMeninas: 26,3 a 31,4cm |
De acordo com o que tem sido sugerido pela maioria dos estudos, o PC é uma medida antropométrica que fornece informação relevante sobre a distribuição de gordura corporal, refletindo o grau de adiposidade central em crianças. Algumas controvérsias poderiam ser explicadas pela metodologia do estudo, a exemplo do trabalho de Pérez et al,46 em que se utilizou a razão prega cutânea subescapular/tricipital como método de referência na análise da curva ROC. Embora as espessuras das pregas cutâneas sejam frequentemente aplicadas para estimar a gordura corporal total, existe considerável variabilidade entre indivíduos na espessura subcutânea e compressibilidade do tecido em dado local e na razão de vários depósitos de tecido adiposo.54
É importante destacar que a tomografia computadorizada (TC) e as imagens de ressonância magnética (IRM) são considerados métodos padrão-ouro para avaliar a distribuição de gordura corporal, fornecendo informações sobre a localização anatômica e morfológica de diferentes depósitos (tecido adiposo subcutâneo, visceral e intermuscular). A DEXA, por sua vez, mede a gordura total com alta precisão e radiação relativamente baixa, mas não distingue entre a gordura intra-abdominal e subcutânea.54
O estabelecimento de valores de referência para o PC em crianças de acordo com idade e sexo específicos para a população em diversos países é de grande relevância, levando-se em conta as diferenças significativas verificadas nos diversos estudos em que os valores de PC foram comparados entre si.18,19,22–24,29
Atualmente não existe consenso em relação ao ponto anatômico onde o PC deve ser medido. Entretanto, numa análise de crianças de 6 a 9 anos, observou-se que o PC medido no ponto médio entre a crista ilíaca e última costela foi o que apresentou melhor correlação com o percentual de gordura corporal.27 Bosy-Westphal et al28 observaram que, em crianças, os valores de PC diferiram significativamente de acordo com o local de medição, sendo encontrado perímetro menor quando a medida foi tomada abaixo da última costela, valor maior no ponto acima da crista ilíaca e, para o ponto médio entre esses locais, foi encontrado um valor intermediário. No estudo de Sant’Anna et al,27 a medida realizada sobre a cicatriz umbilical foi estatisticamente maior entre meninas. Assim, a interpretação de diferenças no PC entre os estudos de diferentes populações deve ser realizada com cautela, considerando que a medida pode ter sido realizada em diferentes pontos anatômicos.
A RCE é uma medida de risco para a saúde mais simples do que outros índices antropométricos em crianças, como o IMC/idade, uma vez que não requer nenhum ajuste para idade ou sexo,43 tendo surgido como parâmetro de adiposidade central e preditor significativo de fatores de risco para doenças cardiovasculares em crianças e adolescentes. Ashwell e Hsieh6 propõem a adoção da RCE como uma ferramenta de triagem simples, sendo sua medida rápida e eficaz. Os autores sugerem que a RCE é mais sensível, mais barata e mais fácil de medir e calcular que o IMC. Além disso, o valor igual a 0,5 indicaria um risco aumentado para homens e mulheres de diferentes grupos étnicos, sendo aplicável a adultos e crianças. Todavia, em estudo realizado com 5.725 crianças e adolescentes noruegueses,48 o ponto de corte recomendado de 0,5 apresentou elevada sensibilidade e especificidade para detectar obesidade em indivíduos na faixa etária de 6 a 18 anos; porém, em crianças mais jovens, esse ponto de corte não foi apropriado devido à baixa especificidade. Os autores sugerem ainda que, para o sobrepeso, os pontos de corte deveriam ser diferentes para crianças e adolescentes de 6 a 12 anos e de 12 a 18, e não deveriam ser definidos para o grupo etário mais jovem.48
Devido à correlação residual entre RCE e estatura em crianças, a divisão do PC pela estatura elevada à potência de 1 (cintura/estatura1) pode ser insuficiente para ajustar corretamente a estatura durante o crescimento.36,37 Tybor et al,36 avaliando uma amostra representativa de crianças e adolescentes de 2 a 18 anos do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES), de 1999-2004, estratificada por idade e sexo, encontraram correlação residual entre a estatura e a RCE entre 0,29 e 0,36. Por outro lado, o estudo de Taylor et al37 mostrou que a simples divisão do PC pela estatura discrimina corretamente, em pelo menos 90% das vezes, crianças e adolescentes com altos e baixos níveis de gordura total e central. A validade da RCE pela fórmula cintura/estatura1 foi avaliada por Nambiar et al38 em uma coorte de 3.597 crianças australianas com idades entre 5 e 17 anos. Os autores verificaram que a RCE pode ser usada na população do estudo, sendo mais apropriada que o IMC devido à sua capacidade para explicar a distribuição de gordura corporal e os riscos de saúde cardiovasculares associados. Esses achados indicam a necessidade de mais pesquisas para investigar o grau de dependência da RCE com a estatura e de que maneira isso influencia as relações entre adiposidade central e os fatores de risco para doenças cardiovasculares na faixa etária em questão. Além disso, é preciso avaliar se o uso de um expoente diferente de 1 poderia reduzir o viés e melhorar a precisão da medida.
Em relação ao PP, apesar da escassez de trabalhos na literatura utilizando essa medida, os resultados dos estudos referentes à sua utilização como parâmetro de avaliação da adiposidade central em crianças evidenciam que tal medida pode ser uma ferramenta de triagem útil para identificar o sobrepeso ou a obesidade. Pode ser útil também para diagnosticar crianças de risco para elevada adiposidade, um importante preditor de problemas de saúde cardiovascular, especialmente quando se dispõem de referências ajustadas para idade e sexo.2,51 As elevadas correlações encontradas entre o PP e o IMC podem indicar que o PP é um índice confiável para determinar a obesidade. Além disso, as correlações significativas entre esse parâmetro e outros indicadores de obesidade central refletem a semelhança entre eles. A baixa correlação entre o PP e o percentual de gordura corporal, por sua vez, pode significar que o PP é uma medida de acúmulo de gordura desproporcional, em vez de uma medida geral de obesidade.50 Um ponto forte para a utilização do PP é que ele apresenta uma boa confiabilidade intra e interexaminadores,53 não sendo necessário realizar múltiplas medidas para precisão e confiabilidade. Adicionalmente, comparado a outros indicadores de gordura corporal superior, a medida do PP é mais simples de realizar, facilitando a logística de sua obtenção.
O PP é um parâmetro novo que tem mostrado bons resultados na avaliação de crianças, podendo ser utilizado tanto na prática clínica quanto em estudos epidemiológicos como um marcador para a obesidade central. Atenção especial deve ser dada a esse parâmetro na população infantil, uma vez que resultados de pesquisas realizadas com crianças já têm demonstrado associação com fatores de risco cardiometábolicos.7,55 Entretanto, são necessários mais estudos para avaliar a utilidade do PP como um indicador de adiposidade, bem como é necessário estabelecer valores de referência para crianças numa faixa etária mais jovem.
Conclui-se que o PC foi o parâmetro mais utilizado nos estudos e tem demonstrado bom desempenho na avaliação da obesidade central, apesar de os resultados de alguns trabalhos serem controversos. A RCE tem sido proposta como um parâmetro útil para avaliar a distribuição de gordura em crianças, mas algumas questões ainda merecem ser investigadas, como sua correlação residual com a estatura durante o crescimento. O PP, apesar de ser uma medida mais recente e ainda pouco estudada, tem se mostrado satisfatório como parâmetro de avaliação da adiposidade central na população infantil. Os pontos de corte diversificados para os parâmetros estudados podem ser devidos a diferenças étnicas, bem como à falta de padronização do ponto anatômico utilizado na aferição de medidas como o PC. Assim, tornam-se necessários novos estudos que aprofundem a utilidade desses parâmetros na determinação da obesidade central na infância, incluindo-se a padronização do local de aferição das medidas para o estabelecimento de pontos de cortes que sejam comparáveis entre as diversas populações.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.
Estudo conduzido no Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG, Brasil.