O hiperaldosteronismo primário (HAP) é a causa mais frequente de hipertensão arterial (HTA) secundária. Contudo, não foi ainda realizado em Portugal nenhum estudo multicêntrico de HAP.
ObjetivosCaracterizar uma população de doentes com HAP, avaliando apresentação clínica, investigação diagnóstica, opções terapêuticas e seguimento.
MétodosEstudo retrospetivo e multicêntrico dos doentes com HAP seguidos em 9 hospitais nacionais à data da colheita dos dados.
ResultadosDos 63 doentes incluídos, a idade média ao diagnóstico foi 52,1±13,1 anos, 9,9 anos após o diagnóstico da HTA. Ao diagnóstico, 37 (60,7%) manifestavam HTA, 11 (22,9%) HTA resistente e 20 (32,8%) hipocaliemia (média 3,2mmol/L). Analiticamente, a mediana da aldosterona sérica foi de 33,4ng/dL, atividade da renina plasmática (ARP) 0,2ng/mL/h e rácio aldosterona/ARP 97,1. Quanto às provas confirmatórias, 55 foram submetidos a infusão salina (positiva: 84,4%) e 14 a prova do captopril (positiva: 85,7%). O estudo imagiológico revelou adenoma(s) em 55 casos, hiperplasia em 2 e patologia bilateral em 8. O cateterismo das veias suprarrenais foi realizado em 9 doentes (14,5%) e conclusivo num caso. A cintigrafia com iodocolesterol foi realizada em 14 casos (22%,) 9 com fixação unilateral e 4 sem fixação. Adrenalectomia laparoscópica foi opção terapêutica em 28 doentes (58,3%) e tratamento médico com antagonistas dos recetores dos mineralocorticoides em 20 (41,7%). Os primeiros manifestavam menor duração de HTA (8 versus 14 anos, p=0,002), maior prevalência de terapêutica anti‐hipertensiva ao diagnóstico (100 versus 75%, p=0,009) e maiores dimensões tumorais (1,8 versus 1,5cm, p=0,022). No seguimento, verificou‐se uma tendência para maior proporção de doentes sem melhoria da HTA no tratamento médico (29,4 versus 7,4%, p=0,089).
ConclusãoO primeiro estudo multicêntrico português sobre HAP sugere que este continua subdiagnosticado e com atraso significativo até ao diagnóstico. Os casos com tratamento cirúrgico apresentaram doença mais agressiva e maior tendência para melhoria da hipertensão.
Primary Aldosteronism (PA) is the most prevalent cause of secondary hypertension. Nevertheless, there is no portuguese multicenter study characterizing PA patients.
AimsTo characterize the clinical presentation, diagnostic workup, treatment and follow‐up of patients with confirmed PA.
MethodsRetrospective multicenter study of PA patients followed in 9 portuguese hospitals.
ResultsSixty‐three cases were selected with a mean age of diagnosis of 52.1±13.1 years, 9.9 years after the diagnosis of hypertension. At presentation, 37 cases (60.7%) had hypertension, 11 (22.9%) had resistant hypertension and 20 (32.8%) of patients had hipokalemia (mean 3.2 mmol/L). Baseline laboratory showed a mean serum aldosterone of 33.4ng/dL, plasmatic renin activity (PRA) of 0.2ng/mL/h with an aldosterone/PRA ratio of 97.1. Confirmatory testing was performed with saline infusion in 55 patients (positive in 84.4%) and captopril test in 14 (positive in 85.7%). Imaging showed adenomas in 55 cases, hyperplasia in 2 and bilateral cases in 8. Arterial venous sampling (AVS) was performed in 9 patients (14,5%) and was conclusive in 1. Iodocholesterol scintigraphy was done in 14 cases (22%) with unilateral fixation in 9 and no fixation in 4. Patients were treated with laparoscopic adrenalectomy in 28 cases (58.3%) and mineralocorticoid receptor antagonists in 20 cases (41.7%). The surgical treated group had less duration of hypertension (8 versus 14 years, p=0.002), higher prevalence of anti‐hypertensive drugs at presentation (100 versus 75% p=0.009) and bigger tumour size (1.8 versus 1.5cm, p=0.022). During follow‐up there was a trend towards a greater proportion of patients with no hypertension improvement in the medical treatment group (29.4% versus 7.4%, p=0.089).
ConclusionThis is the first Portuguese PA multicenter study. It suggests that PA remains an under‐diagnosed condition with a significant delay in diagnosis. Surgical treated patients had a more aggressive disease and showed a trend towards better hypertension control.
O hiperaldosteronismo primário (HAP) caracteriza‐se pela produção inapropriada e parcialmente autónoma de aldosterona face ao sistema renina‐angiotensina1. O HAP foi inicialmente considerado uma causa rara de hipertensão arterial (HTA) endócrina, associada geralmente a aldosteronoma e hipocaliemia. Após a introdução na prática clínica do rastreio bioquímico desta condição, observou‐se um aumento significativo da sua prevalência (5‐15 vezes), e verificou‐se que se associava mais frequentemente a hiperplasia suprarrenal e normocaliemia2. Hoje, o HAP é apontado por diversos autores como a causa mais frequente de HTA secundária, com uma prevalência nesse grupo entre 4,3‐9,5%3.
Vários estudos retrospetivos sugerem que o risco cardiovascular poderá ser superior nos casos de HAP face a doentes com HTA essencial. Estes doentes apresentam maior grau de hipertrofia ventricular esquerda4 e incidências superiores de acidente vascular cerebral, enfarte agudo do miocárdio não fatal e fibrilação auricular5. No entanto, o tratamento do HAP, médico ou cirúrgico, traduz‐se numa diminuição significativa deste risco a longo prazo6, destacando a importância do diagnóstico e tratamento atempados desta entidade.
Apesar do referido, não existem publicados em Portugal estudos multicêntricos de HAP. Assim, o presente estudo teve como objetivo caracterizar a apresentação clínica, investigação diagnóstica, opções terapêuticas e seguimento dos casos de HAP numa amostra multicêntrica portuguesa. Teve ainda como objetivo comparar os desfechos clínicos dos doentes com HAP, de acordo com tipo de tratamento instituído (médico com antagonistas dos recetores dos mineralocorticoides versus tratamento cirúrgico).
MétodosRealizou‐se um estudo observacional, multicêntrico e retrospetivo dos doentes com diagnóstico de HAP seguidos em 9 hospitais nacionais. Os hospitais representados no Grupo de Estudos de Tumores da Supra‐Renal (GET‐SR) da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo foram convidados a participar no estudo. Os hospitais que contribuíram para a realização deste estudo foram: Centro Hospitalar do Porto, Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra, Centro Hospitalar de São João, Hospital de Braga, Hospital Curry Cabral, Hospital de Egas Moniz, Hospital das Forças Armadas, Hospital Garcia de Orta e Instituto Português de Oncologia de Lisboa.
O período para seleção de doentes e colheita de dados dos casos com diagnóstico de HAP nos diferentes hospitais decorreu entre maio e outubro de 2015. Foram incluídos todos os doentes com diagnóstico conhecido de HAP nos diferentes hospitais aquando do período de estudo, tendo sido incluídos os casos de HAP diagnosticados entre 1997‐2015. O valor de referência para a razão aldosterona/renina usado teve por base as orientações da Endocrine Society1, considerando, para cada razão calculada, as unidades desses doseamentos. Considerou‐se critério de exclusão a ausência de prova confirmatória de HAP. As provas de sobrecarga salina, prova do captopril e prova postural foram realizadas e interpretadas como descrito nas orientações da Endocrine Society1.
As variáveis sociodemográficas e relativas aos antecedentes pessoais, apresentação clínica, avaliação laboratorial e imagiológica ao diagnóstico, provas realizadas, tratamento instituído e seguimento, foram analisadas recorrendo‐se ao processo clínico de cada doente. Dado que não se conhecia o controlo tensional dos doentes, classificou‐se a HTA como resistente se o doente possuía pelo menos 4 anti‐hipertensores, incluindo um diurético.
De seguida, efetuou‐se um estudo comparativo de acordo com a orientação terapêutica (tratamento médico versus cirúrgico). No grupo sob tratamento cirúrgico, a HTA considerou‐se curada se o doente deixou de necessitar de fármacos anti‐hipertensores ao longo do período de seguimento do estudo; melhorada se diminuiu o número de fármacos; e sem alterações se manteve a terapêutica anti‐hipertensora prévia ao tratamento instituído. No grupo sob tratamento médico, a HTA foi classificada como controlada ou melhorada versus sem alterações. Da mesma forma, no seguimento, a hipocaliemia foi classificada como curada (tratamento cirúrgico) ou controlada sem suplementos (apenas sob tratamento médico com antagonistas dos recetores dos mineralocorticoides) versus controlada com suplementos orais de potássio.
Os dados foram colhidos numa base de dados previamente realizada com o programa Microsoft Office Excel® 2011. Para a análise estatística recorreu‐se ao programa estatístico IBM® SPSS® Statistics v. 22. Os dados relativos às variáveis categóricas foram sumariadas em tabelas de frequências. Relativamente às variáveis contínuas, avaliou‐se a normalidade da distribuição através do teste de Kolmogorov‐Smirnov e descreveram‐se na forma de média±desvio padrão, ou mediana e amplitude interquartil (AIQ). Na análise inferencial recorreu‐se ao teste qui‐quadrado de Pearson e ao teste exato de Fisher para avaliar a associação entre 2 variáveis qualitativas. O teste t‐student foi utilizado para a comparação de médias entre variáveis com distribuição normal e os testes não‐paramétricos Mann‐Whitney e Kruskal‐Wallis foram usados para o estudo de variáveis com uma distribuição não normal.
Considerou‐se existir significância estatística para valores de p<0,05 e tendência estatisticamente significativa para valores de 0,1<p≤0,05.
Durante todas as fases de elaboração do estudo foram respeitados os princípios éticos e deontológicos referentes à boa prática de recolha e análise estatística dos dados.
ResultadosDos 99 doentes com HAP selecionados, 36 não apresentavam registos de prova confirmatória, pelo que foram excluídos. Obteve‐se, assim, uma amostra final constituída por 63 doentes.
A prevalência do sexo feminino foi de 65,1% (41/60) e a idade média ao diagnóstico do HAP foi de 52,1±13,1 anos, variando de 18‐78 anos.
Forma de apresentação do hiperaldosteronismo primário e antecedentesA forma de apresentação do HAP mais frequente foi a HTA, presente em 37 dos 61 casos (60,7%). A hipocaliemia foi a segunda forma de apresentação mais frequente, estando presente em 20 casos (32,8%), dos quais 9 apresentavam HTA. Como terceira forma de apresentação destaca‐se o diagnóstico de HAP na sequência de estudo de incidentaloma da suprarrenal em 13,1% dos casos (tabela 1).
Apresentação clínica, antecedentes pessoais e familiares dos doentes com hiperaldosteronismo primário
n | % | |
---|---|---|
Variáveis demográficas | ||
Sexo | ||
Feminino | 41 | 65,1 |
Masculino | 22 | 34,9 |
Idade diagnóstico HAP, anos (n=62) (média±DP) | 52,1±13,1 | |
Apresentação/antecedentes | ||
Forma apresentação (n=61)1 | ||
Incidentaloma | 8 | 13,1 |
HTA | 37 | 60,7 |
Hipocaliemia | 20 | 32,8 |
Evento vascular | 1 | 1,6 |
Outras (rabdomiólise, alcalose metabólica, tetraparésia) | 4 | 6,6 |
Idade diagnóstico HTA, anos (n=54) (média±DP) | 41,1±10,6 | |
Duração HTA ao diagnóstico, anos (n=55) (md[AIQ]) | 9,9 (7‐16) | |
DCV associadas (n=11) | ||
Insuficiência cardíaca | 4 | 36,4 |
EAM | 3 | 27,3 |
AVC | 2 | 18,2 |
FA | 2 | 18,2 |
DRC (n=61) | 3 | 4,9 |
RP hipertensiva (n=60) | ||
Sim | 2 | 3,3 |
Não | 22 | 36,7 |
Desconhecido | 36 | 60,0 |
Anti‐hipertensores ao diagnóstico (n=63) | 55 | 87,3 |
N.° anti‐hipertensores ao diagnóstico (n=48) | ||
1 | 6 | 12,5 |
2 | 17 | 35,4 |
3 | 10 | 20,8 |
4 | 10 | 20,8 |
5 | 3 | 6,3 |
6 | 2 | 4,2 |
HTA resistente ao diagnóstico (n=48) | 11 | 22,9 |
Antagonistas dos recetores dos mineralocorticoides ao diagnóstico (n=48) | 7 | 14,6 |
História familiar DCV (n=55) | ||
Sim e <40 anos | 1 | 1,8 |
Sim e >40 anos | 2 | 3,6 |
Sim e idade desconhecida | 4 | 7,3 |
História familiar HTA (n=55) | ||
Sim e 20‐40 anos | 2 | 3,6 |
Sim e >40 anos | 7 | 12,7 |
Sim e idade desconhecida | 11 | 20,0 |
Resultados apresentados sob a forma n (%), a não ser que especificado. AIQ: amplitude interquartil; DCV: doenças cardiovasculares; DP: desvio‐padrão; DRC: doença renal crónica; Md: mediana; RP: retinopatia.
Nos doentes com HTA, a média das idades aquando do diagnóstico de HTA foi de 41,1±10,6 anos, variando de 16‐68 anos. A mediana da duração da HTA aquando do diagnóstico do HAP foi de 9,9 anos (AIQ: 7‐16), variando de 0,6‐45 anos. Uma elevada proporção de doentes (87,3%) estava medicada com anti‐hipertensores ao diagnóstico do HAP. A grande maioria, 88,5%, necessitavam de pelo menos 2 anti‐hipertensores, mais de metade (52%) estava medicada com pelo menos 3 fármacos e 22,9% apresentavam HTA resistente. De referir que 7 doentes (14,6%) estavam medicados com antagonistas dos recetores dos mineralocorticoides ao diagnóstico. Dos 11 casos com HTA resistente ao diagnóstico, 3 estavam medicados com antagonistas dos recetores dos mineralocorticoides.
Onze doentes (17,5%) tinham antecedentes descritos de doença cardiovascular (DCV) ao diagnóstico, nomeadamente insuficiência cardíaca (4), enfarte agudo do miocárdio (3), acidente vascular cerebral (2) e fibrilação auricular (2). A doença renal crónica (DRC) foi diagnosticada em 3 casos (4,9%). A retinopatia hipertensiva foi detetada em 2 dos 24 casos com registo de rastreio (8,3%) (tabela 1).
Relativamente à história familiar, verificou‐se que 7 doentes tinham antecedentes familiares de DCV (um com DCV antes dos 40 anos, 2 com DCV após os 40 anos e 4 com DCV em idade desconhecida). A prevalência de HTA em familiares revelou‐se mais significativa, sendo que 20 doentes tinham este antecedente (2 com HTA diagnosticada em familiares entre os 20‐40 anos, 7 com idade superior a 40 anos e 11 em idade desconhecida). Nenhum doente apresentava antecedentes familiares de HAP.
Avaliação ao diagnósticoA avaliação laboratorial ao diagnóstico encontra‐se na tabela 2. De destacar o valor mediano da aldosterona sérica de 33,4ng/dL (20,4‐53) e a média do potássio sérico de 3,2±0,7mmol/L.
Avaliação laboratorial e imagiológica dos doentes com hiperaldosteronismo primário
n | % | |
---|---|---|
Diagnóstico – laboratorial | ||
Valores basais | ||
Aldosterona sérica, ng/dL (n=63) (med[AIQ]) | 33,4 (20,4‐53) | |
Aldosteronúria, mcg/24h (n=23) (med[AIQ]) | 42 (25‐59) | |
ARP, ng/mL/h (n=18) (med[AIQ])a | 0,2 (0,2‐0,2) | |
Rácio aldosterona/ARP (n=20) (med[AIQ]) | 9 7,1 (74‐336,3) | |
K+ sérico, mmol/L (n=60) (média±DP) | 3,2±0,7 | |
Creatinina, mg/dL (n=58) (med[AIQ]) | 0,77 (0,7‐0,9) | |
ACTH, pg/mL (n=31) (med[AIQ]) | 16,8 (10,9‐25,1) | |
Cortisol sérico, ng/mL (n=32) (med[AIQ]) | 13,2 (11,2‐17,2) | |
Cortisol livre urinário, mcg/24h (n=26) (med[AIQ]) | 63,3 (38,1‐87,5) | |
Provas | ||
1. Estudo do hiperaldosteronismo | ||
Prova infusão salina (n=60) | 55 | 91,7 |
Resultado prova infusão salina (n=45) | ||
Aldosterona<5ng/dL | 0 | 0 |
Aldosterona 5‐10ng/dL | 7 | 15,6 |
Aldosterona>10ng/dL | 38 | 84,4 |
Prova captopril (n=59) | 14 | 23,7 |
Prova captopril positiva (supressão<30%) (n=14) | 12 | 85,7 |
Prova postural (n=62) | 20 | 32,3 |
Prova postural sugestiva APA (n=19) | 11 | 57,9 |
2. Estudo do hipercortisolismo | ||
Prova frenação noturna 1mg dexametasona (n=17) | ||
Cortisol≥1,8ng/mL | 3 | 17,6 |
Diagnóstico – imagem | ||
Exame imagem | ||
TC | 56 | 88,9 |
RM | 7 | 11,1 |
Resultado exame imagem | ||
Adenoma | 55 | 87,3 |
Hiperplasia | 2 | 3,2 |
Normal | 3 | 4,8 |
Outra | 3 | 4,8 |
Localização da lesão no estudo imagiológico (n=59) | ||
Esquerda | 20 | 33,9 |
Direita | 31 | 52,5 |
Bilateral | 8 | 13,6 |
Dimensões nódulo, cm (n=57) (med[AIQ]) | 1,7 (1,3‐2,0) | |
Diagnóstico – outros | ||
Cateterismo SR (n=58)b | ||
Sem ACTH | 2 | 3,4 |
Com ACTH | 7 | 12,1 |
Cateterismo com sucesso (n=9) | 1 | 11,1 |
Cintigrafia com iodocolesterol (n=63) | ||
Com dexametasona | 10 | 15,9 |
Sem dexametasona | 4 | 6,3 |
Fixação cintigrafia com iodocolesterol | ||
SR Direita | 7 | 50 |
SR Esquerda | 2 | 14,3 |
Bilateral | 1 | 7,1 |
Sem captação | 4 | 28,6 |
Resultados apresentados sob a forma n (%), a não ser que especificado. AIQ: amplitude interquartil; ARP: atividade da renina plasmática; DP: desvio‐padrão; Md: mediana; RM: ressonância magnética; SR: suprarrenal; TC: tomografia computadorizada.
Na avaliação da cossecreção de cortisol, 3 casos (18%) apresentaram prova de frenação nocturna com 1mg de dexametasona positiva (cortisol≥1,8ng/dL). Estes casos apresentavam nódulos com tamanho mediano de 3,7cm (2,8‐5,2) versus 1,8cm (1‐3) no grupo com rastreio negativo, e em 2 deles (66,7%) a ACTH era inferior a 10pg/mL.
Relativamente às provas confirmatórias, 55 doentes foram submetidos a teste de infusão salina. Dos 45 doentes com resultado reportado, 84,4% apresentaram aldosterona>10ng/dl às 4h e 15,6% doseamentos de aldosterona entre 5‐10ng/dL. Já a prova com captopril foi realizada em 14 doentes, tendo sido positiva (supressão inferior a 30%) em 12 (85,7%). Houve 8 casos submetidos a ambas as provas (motivo desconhecido), havendo concordância de resultados em 75% dos mesmos.
Relativamente à localização e caracterização do HAP, verificou‐se que a maioria dos doentes (88,9%) foi avaliada com tomografia computadorizada (TC) das suprarrenais e apenas 11,1% com ressonância magnética. O estudo imagiológico revelou adenoma em 55 doentes (87,3%), hiperplasia em 2 (3,2%) e não revelou alterações em 3 (4,8%). Oito doentes apresentavam patologia bilateral no estudo de imagem (6 com adenomas, um com hiperplasia, um com «outra»). A mediana das dimensões do nódulo dominante nos 53 casos com nódulos detetados por exame de imagem foi de 1,7cm (1,3‐2,0), variando de 0,7‐8,3cm.
Vinte doentes foram submetidos a prova postural, tendo esta sido sugestiva de aldosteronoma (variação aldosterona negativa ou positiva, mas inferior a 30%) em 11.
O cateterismo das veias suprarrenais foi realizado em 9 doentes (14,5% dos casos), 2 com administração de ACTH durante o procedimento. Nos referidos casos, as dimensões dos nódulos variaram entre 0,7‐8,3cm e 2 casos apresentavam patologia bilateral. O procedimento foi conclusivo em apenas um caso (lateralização esquerda). Nos restantes 8 casos não foi possível a cateterização correta de ambas as veias suprarrenais. A cintigrafia com iodocolesterol foi realizada em 5 centros em 14 doentes (22,2% dos casos), 10 com administração de dexametasona. As dimensões dos nódulos variaram entre 0,78‐5,2cm e 3 casos manifestavam patologia bilateral. A captação foi unilateral em 9 (64,3%), bilateral em um (7,1%) e ausente em 4 (28,6% – nódulos com dimensões entre 1,5‐1,8cm). No caso de captação bilateral, a cintigrafia foi realizada com administração de dexametasona, tal como em 3 dos 4 casos sem captação. Globalmente, observou‐se concordância da captação funcional da cintigrafia com iodocolesterol com a demonstração anatómica em TC em 50%. Nos casos operados com cintigrafia prévia, observou‐se concordância entre a fixação unilateral e a presença de adenoma após adrenalectomia em 83% (5/6). No outro caso de fixação unilateral, o resultado de anatomia‐patológica foi hiperplasia adrenal.
Tratamento e seguimentoPreviamente à orientação terapêutica definitiva, 34 doentes iniciaram tratamento com antagonistas dos recetores dos mineralocorticoides (32 com espironolactona, dose média de 62,5mg/dia, e 2 com eplerenona, um com 25 e outro 50mg/dia) e 19 necessitam de terapêutica de reposição com cloreto de potássio (dose mediana de 2.400mg/dia).
A maioria dos doentes, 58,3% (28/48), foi orientada para tratamento cirúrgico, em todos os casos por laparoscopia, e os restantes foram medicados com antagonistas dos recetores dos mineralocorticoides (tabela 3). Relativamente a complicações no pós‐operatório, foi descrito apenas um caso de hemorragia. De 25 resultados de anatomia patológica disponíveis, 23 revelaram adenoma e 2 hiperplasia adrenal. Estes 2 últimos casos corresponderam a um caso presuntivo pré‐cirúrgico de aldosteronoma (adenoma em estudo imagiológico de TC) e a outro caso com lesão adrenal esquerda infracentimétrica em ressonância magnética, não classificada como adenoma ou hiperplasia, e com estudo complementar não conclusivo.
Orientação terapêutica e seguimento dos doentes com hiperaldosteronismo primário
n | % | |
---|---|---|
Tratamento | ||
Suplementação com KCl (prévio ao tratamento) (n=50) | 19 | 38 |
Dose KCl, mg/dia (prévio ao tratamento) (n=19) (med[AIQ]) | 2.400 (1.800‐3.600) | |
Tratamento (n=48) | ||
Cirúrgico (laparoscopia) | 28 | 58,3 |
Médico com antagonistas dos recetores dos mineralocorticoides | 20 | 41,7 |
Complicações pós‐operatórias (n=21) | ||
Hemorragia | 1 | 4,8 |
Anatomia patológica | ||
Adenoma | 23 | 92 |
Hiperplasia | 2 | 8 |
Aldosterona sérica pós‐operatório, ng/dL (n=14) (med[AIQ]) | 7,7 (2,8‐15,3) | |
Seguimento | ||
Follow‐up HTA (n=58) | ||
Curada | 17 | 31,3 |
Melhorada | 25 | 54,2 |
Sem alterações | 7 | 14,6 |
Follow‐up hipocaliemia (n=34) | ||
Curada | 12 | 35,3 |
Controlada sem suplementos | 18 | 52,9 |
Controlada com suplementos | 4 | 11,8 |
Resultados apresentados sob a forma n (%), a não ser que especificado. AIQ: amplitude interquartil; Md: mediana.
Independentemente do tratamento instituído, verificou‐se cura da HTA em 31,3% (17/58), melhoria em 54,2% (25/58) e ausência de melhoria em 14,7% (7/58). Já no que se refere à hipocaliemia, verificou‐se cura em 35,3% (12/34), controlo sem suplementação de comprimidos de KCl em 52,9% e necessidade de suplementos em 11,8%. A mediana do tempo de seguimento situou‐se nos 2,5 anos (1‐5,3), variando de 0‐18 anos.
Tratamento médico versus tratamento cirúrgicoDe seguida, procedeu‐se a uma análise comparativa entre os doentes orientados para tratamento cirúrgico e aqueles medicados com antagonistas dos recetores dos mineralocorticoides (tabelas 4 e 5).
Estudo comparativo das variáveis sociodemográficas e apresentação do hiperaldosteronismo primário, de acordo com tratamento instituído
Tratamento médico | Tratamento cirúrgico | p | |
---|---|---|---|
Sexo | 0,038 | ||
Feminino | 10 (50) | 22 (78,6) | |
Masculino | 10 (50) | 4 (21,4) | |
Idade diagnóstico HAP (média±DP) | 54,2±15,8 | 47,5±9,3 | 0,074 |
Apresentação/antecedentes | |||
Incidentaloma | 3 (15,8) | 1 (3,7) | 0,292* |
HTA | 8 (42,1) | 23 (85,2) | 0,002 |
Idade diagnóstico HTA (média±DP) | 43,1±9,8 | 38,1±9,1 | 0,113 |
Duração HTA ao diagnóstico (med[AIQ]) | 14 (10‐21,5) | 8 (4‐13) | 0,002 |
Hipocaliemia | 8 (42,1) | 8 (29,6) | 0,382 |
Evento vascular | 1 (5,3) | 0 | 0,413* |
DCV associadas | 5 (27,8) | 3 (10,7) | 0,232* |
DRC | 2 (11,1) | 0 | 0,148* |
RP hipertensiva | 0 | 2 (11,8) | 1,000* |
Anti‐hipertensores ao diagnóstico | 15 (75) | 28 (100) | 0,009* |
Antagonistas dos recetores dos mineralocorticoides ao diagnóstico | 1 (6,7) | 6 (28,6) | 0,200* |
HTA resistente | 2 (13,3) | 7 (33,3) | 0,172 |
História familiar DCV | 3 (17,6) | 0 | 0,055 |
História familiar HTA | 4 (23,5) | 7 (26,9) | 1,000 |
Resultados apresentados sob a forma n (%), a não ser que especificado. AIQ: amplitude interquartil; DCV: doenças cardiovasculares; DRC: doença renal crónica; Md: mediana; RP: retinopatia.
Considerou‐se haver significância estatística para valores de p <0,05 (assinalado a negrito).
Estudo comparativo dos exames complementares de diagnóstico, necessidade de suplementação com potássio e seguimento de acordo com tratamento instituído
Tratamento médico | Tratamento cirúrgico | p | |
---|---|---|---|
Diagnóstico – laboratorial | |||
Aldosterona sérica, ng/dL (med[AIQ]) | 28 (22‐61) | 38 (22‐52) | 0,594 |
Aldosteronúria, mcg/24h (med[AIQ]) | 42 (23‐70) | 48 (38‐85) | 0,536 |
ARP, ng/mL/h (med[AIQ]) | 0,2 (0,2‐0,2) | 0,2 (0,2‐0,3) | 0,902 |
Rácio aldosterona/ARP (med[AIQ]) | 267,5 (84,0‐375,0) | 92,1 (68,0‐306,0) | 0,573 |
K+ sérico, mmol/L (média±DP) | 3,1±0,6 | 3,0±0,6 | 0,457 |
Creatinina (mg/dL) (med[AIQ]) | 0,89 (0,7‐0,9) | 0,72 (0,6‐0,8) | 0,059 |
Prova postural sugestiva APA | 3 (50) | 7 (87,5) | 0,245* |
Diagnóstico – imagem | |||
Estudo imagiológico | |||
Adenoma | 17 (85) | 26 (92,9) | a |
Hiperplasia | 1 (5) | 0 | |
Normal | 2 (10) | 0 | |
Outro | 0 | 2 (7,1) | |
Localização lesão no estudo imagiológico | |||
SR Esquerda | 5 (27,8) | 10 (35,7) | 0,139 |
SR Direita | 9 (50) | 17 (60,7) | |
Bilateral | 4 (22,2) | 1 (3,6) | |
Dimensões nódulo (cm) (med[AIQ]) | 1,5 (1,0‐1,8) | 1,8 (1,5‐2,4) | 0,022 |
Fixação cintigrafia iodocolesterol | |||
Sem captação | 4 (66,7) | 0 | a |
SR Direita | 1 (16,7) | 5 (83,3) | |
SR Esquerda | 0 | 1 (16,7) | |
Bilateral | 1 (16,7) | 0 | |
Tratamento | |||
Suplementação com KCl (prévio ao tratamento) | 6 (33,3) | 13 (59,1) | 0,105 |
Dose KCl, mg/dia (prévio tratamento) (med[AIQ]) | 2.700 (1.800‐4.200) | 2.400 (1.800‐3.000) | 0,701 |
Seguimento | |||
HTA | |||
Curada ou melhorada | 12 (70,6) | 25 (92,6) | 0,089 |
Sem alterações | 5 (29,4) | 2 (7,4) | |
Hipocaliemia | |||
Curada ou controlada s/suplemen. | 13 (86,7) | 15 (88,2) | 1,000 |
Controlada com suplementos | 2 (13,3) | 2 (11,8) |
Resultados apresentados sob a forma n (%), a não ser que especificado. a: nível de significância (p) impossível de estimar por recurso ao qui‐quadrado ou ao teste exato de Fisher; AIQ: amplitude interquartil; KCl: cloreto de potássio; Md: mediana; SR: suprarrenal.
Considerou‐se haver significância estatística para valores de p <0,05 (assinalado a negrito).
A prevalência do sexo feminino no grupo orientado para tratamento cirúrgico foi significativamente superior do que no grupo orientado para tratamento médico (78,6 versus 50%, p=0,038). Verificou‐se uma tendência estatisticamente significativa para idade de diagnóstico mais elevada no grupo de doentes orientado para tratamento médico (54,2±15,8 anos versus 47,5±9,3 anos, p=0,074), não havendo diferenças estatisticamente significativas entre os grupos relativamente à idade de diagnóstico da HTA. Por outro lado, a duração da HTA aquando do diagnóstico do HPA foi significativamente superior no grupo orientado para tratamento médico (14 [10‐21,5] anos versus 8 [4‐13] anos, p=0,002).
Relativamente à forma de apresentação, constatou‐se que a HTA foi significativamente mais prevalente no grupo orientado para tratamento cirúrgico (85,2 versus 42,1%, p=0,002) e uma maior proporção destes doentes estava sob fármacos anti‐hipertensores ao diagnóstico (100 versus 75%, p=0,009).
O doseamento de creatinina ao diagnóstico foi tendencialmente superior no grupo orientado para tratamento médico (0,89 [0,7‐1,8] mg/dL versus 0,72 [0,6‐0,8] mg/dL, p=0,059). As dimensões do nódulo foram significativamente superiores no grupo submetido a tratamento cirúrgico (1,8 [1,5‐2,4] cm versus 1,5 [1,0‐1,8] cm, p=0,022).
Não se encontraram diferenças estatisticamente significativas relativamente a outras formas de apresentação, doenças associadas e antecedentes familiares, doseamentos laboratoriais, dose de suplementação com cloreto de potássio, número de anti‐hipertensores e testes diagnósticos.
No que concerne ao seguimento, a análise inferencial revelou que aqueles submetidos a adrenalectomia apresentaram tendência para melhores resultados quanto à cura ou melhoria da HTA (92,6 versus 70,6%, p=0,089), não se verificando diferenças estatisticamente significativas entre os grupos quanto ao seguimento da hipocaliemia.
DiscussãoNos últimos 20 anos, o HAP passou de uma causa rara de HTA (<1%) à causa mais prevalente de HTA secundária (4,3‐9,5%)3. Este aumento de prevalência está associado ao uso sistemático da relação aldosterona/renina no rastreio de HAP em doentes com HTA versus o rastreio limitado aos casos com hipocaliemia7. Num estudo feito em 5 centros de referência mundial, onde foram incluídos 1.671 casos de HAP, a prevalência de HAP aumentou entre 5‐15 vezes, enquanto a prevalência dos casos com hipocaliemia diminuiu de 66‐98% para 21‐37%2.
O presente estudo foi baseado na primeira recolha nacional de casos de HAP em 9 centros de referenciação de patologia endocrinológica. A necessidade do uso de prova confirmatória para confirmação de HAP, apesar da exclusão de 36 casos (36% dos casos recolhidos de HAP), tem a vantagem de evitar o sobrediagnóstico e tornar o estudo comparável com a literatura internacional, nomeadamente com os estudos de Mulatero et al., com 1.671 casos incluídos2; de Rossi et al., com 126 casos8; de Reincke et al., com 337 casos9, e Mulatero et al., com 270 casos10. Relativamente às séries citadas, a prevalência de casos no sexo feminino foi superior (65,1 versus 40‐43%), devendo‐se esta diferença provavelmente ao menor número de casos na nossa amostra. Os resultados obtidos relativamente à idade de diagnóstico (52,1±13,1 anos) e duração de HTA (9,9 anos), apesar de aparentemente elevados face a uma causa de hipertensão secundária, são comparáveis à literatura internacional (idade de diagnóstico entre 44±8,5 e 61±13 anos e duração da HTA até diagnóstico entre 5‐12 anos). Relativamente à presença de DCV ao diagnóstico, observou‐se uma prevalência global de 17,5%. Estes resultados são equiparáveis aos estudos de Rossi et al.8 e Mulatero et al.10, nos quais a prevalência ao diagnóstico de DCV variou entre 15,5‐16,3%. Apesar de a recolha ter sido realizada em 9 centros nacionais, apenas foram incluídos 63 casos, o que sugere subdiagnóstico deste entidade face à prevalência esperada de HTA secundária.
A presença de hipocaliemia em 32,8% dos casos foi um resultado expectável, atendendo à prevalência recentemente reportada de 21‐37% na série de Mulatero et al.2 e 30% no estudo PA Prevalence in Hypertensives (PAPY)8. De referir que a proporção de aldosteronomas nestes estudos varia de 28‐50%. No entanto, a prevalência de hipocaliemia reportada neste estudo (doentes 1997‐2015) é inferior às das séries cujo período de estudo é representado de forma significativa pela década de 1990, nomeadamente prevalência de hipocaliemia de 56,1% no registo Conn alemão11 e 66‐98% no grupo pré‐rácio aldosterona/renina do estudo de Mulatero et al.2.
Estudo confirmatórioA escolha do estudo confirmatório de HAP varia consoante a experiência de cada centro; no entanto, a prova confirmatória utilizada na grande maioria dos casos foi a infusão salina (91,7%). Nesta prova, o doseamento de aldosterona às 4 horas foi superior a 10ng/dL em 84,4% dos casos. Os restantes casos apresentaram valores de aldosterona entre 5‐10ng/dL, correspondendo provavelmente a casos de hiperplasia bilateral (não sendo possível confirmar a etiologia, dado que nenhum foi submetido a cirurgia ou cateterismo eficaz).
Estudo do subtipo do hiperaldosteronismo primárioPara o estudo do subtipo do HAP, o cateterismo das veias suprarrenais foi realizado em 14% dos casos (9 procedimentos em 3 centros), significativamente abaixo dos resultados publicados em coortes internacionais (32‐88%)8,10. Esta baixa percentagem de realização, e a respetiva baixa eficácia (11%), reflete a reduzida experiência dos centros e condiciona a deteção eficaz de aldosteronomas. Neste contexto, 55% dos centros recorreram ao iodocolesterol (22,2% dos casos), com fixação unilateral em 64,3% e ausência de fixação em 28,6%. Estes últimos verificaram‐se em nódulos acima da resolução anatómica do método (nódulos entre 1,5‐1,8cm)12. Globalmente, observou‐se concordância com a TC em 50%, e entre a fixação unilateral e a presença de adenoma após adrenalectomia em 83%. A baixa concordância entre os resultados anatómicos em TC e a captação pelo iodocolesterol pode dever‐se a falsos negativos secundários a incidentalomas detetados em TC. Relativamente à elevada concordância com os resultados cirúrgicos, o baixo número de exames realizados (14) associado ao reduzido número de adrenalectomias (28) e cateterismo das veias suprarrenais (9) inviabiliza uma extrapolação face aos 63 casos. De salientar ainda que a cintigrafia com iodocolesterol (NP59) apresenta na literatura internacional limitações crescentes em adenomas inferiores a 15mm, não trazendo informação completar a TC/RMN, os quais apresentam limitações de deteção para adenomas<10mm. No presente estudo, a prevalência de aldosteronoma foi superior à de hiperplasia bilateral, o que não se encontra de acordo com a literatura internacional. Os casos de hiperplasia bilateral cursam com fenótipos mais atenuados, nomeadamente com níveis de HTA mais baixos e menor prevalência de hipocaliemia. Este fator associado à utilização de prova confirmatória como critério de inclusão e ainda à ausência de cateterismo eficaz poderá ter excluído do estudo vários casos de hiperplasia.
Tratamento médico versus tratamento cirúrgicoNo presente estudo verificou‐se que a via de abordagem cirúrgica foi a laparoscópica em todos os doentes e foram descritas complicações pós‐operatórias em apenas um caso (hemorragia). Quando comparada com a adrenalectomia por laparotomia, a adrenalectomia laparoscópica associa‐se a uma menor taxa de complicações e a uma menor duração do internamento hospitalar, sendo, por isso, o procedimento de eleição1,13.
Na análise comparativa entre doentes submetidos a tratamento médico e cirúrgico, constatou‐se que nos últimos a prevalência de mulheres era superior (p=0,038), a idade era tendencialmente inferior (p=0,074) e observou‐se maior prevalência de HTA na apresentação (p=0,002). Estes dados poder‐se‐ão justificar pelo facto de o grupo com tratamento cirúrgico possuir uma maior proporção de casos com aldosteronoma, os quais estão associados a hipertensão mais severa, ao sexo feminino e a idades mais jovens, que a hiperplasia adrenal bilateral14,15. Efetivamente, todos os doentes orientados para adrenalectomia estavam medicados com anti‐hipertensores ao diagnóstico.
Relativamente à duração da HTA, verificou‐se que doentes orientados para tratamento médico apresentavam HTA há significativamente mais tempo que doentes orientados para tratamento cirúrgico. No mesmo grupo, os valores de creatinina foram tendencialmente mais elevados. Provavelmente, esta maior latência no diagnóstico do hiperaldosteronismo conduziu a complicações renais que se traduzem por elevação dos valores de creatinina e que também podem justificar o pior desfecho, neste grupo, no que concerne ao seguimento da HTA. A literatura corrobora o referido, na medida em que descreve a associação entre hiperaldosteronismo com elevado tempo de evolução e DRC16. Da mesma forma, o tratamento cirúrgico em doentes com aldosteronoma parece ser mais eficaz (versus médico) no controlo tensional15.
Apesar de estar descrito que a HTA melhora em todos os casos dos doentes com aldosteronoma submetidos a cirurgia e que cura em 30‐60% a longo prazo1, neste estudo verificou‐se que permaneceu sem alterações em 7,4% dos casos (cura em 55,6%, melhoria em 37%). De referir que foi considerado como critério de melhoria da HTA a diminuição do número de fármacos, mas os valores tensionais não foram incluídos no estudo e poderão existir casos de melhoria do controlo tensional com manutenção do número de fármacos. Estes 7,4% (2 casos) poderão ainda corresponder a casos interpretados como eventuais aldosteronomas e orientados para cirurgia nesse contexto, mas corresponderem a hiperplasias adrenais bilaterais. Em casos de hiperplasia adrenal bilateral orientados para cirurgia, a taxa de cura da HTA descrita na literatura é de apenas 19%1. Hartmann et al., numa coorte de doentes submetido a adrenalectomia por HAP, descreveram um efeito positivo da adrenalectomia na HTA em 82% dos doentes17. A hipertensão persistente após a adrenalectomia relaciona‐se com história familiar de HTA, utilização de pelo menos 2 anti‐hipertensores previamente à cirurgia, idade mais avançada, níveis de creatinina mais elevados e maior duração da hipertensão1,18,19. Os motivos mais frequentemente apontados para a persistência da HTA após a adrenalectomia são a coexistência de HTA essencial e idade mais avançada e/ou maior duração da HTA15. Efetuou‐se uma subanálise dos doentes submetidos a cirurgia e estas associações não foram encontradas, resultados estes provavelmente condicionados pelo número de casos disponível.
Relativamente à hipocaliemia, não se encontraram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (2 casos em cada grupo com necessidade de suplementação). Esta semelhança entre os grupos poder‐se‐á justificar pelo facto de a adrenalectomia resultar em normalização da hipocaliemia em teoricamente todos os doentes com aldosteronoma14 e o tratamento médico com antagonistas dos recetores dos mineralocorticoides habitualmente também resolver as alterações do ionograma nos doentes com HAP15.
Limitações do estudoEste estudo constituiu o primeiro estudo nacional de HAP, sendo um estudo multicêntrico com inclusão de dezenas de doentes de 9 hospitais, de norte a sul do país. Permitiu conhecer melhor a realidade portuguesa, mostrando pontos a melhorar na abordagem a estes doentes e, por isso, pode contribuir para aprimorar os cuidados futuramente prestados. Apesar disso, apresenta algumas limitações que devem ser referidas. Trata‐se de um estudo retrospetivo, com todas as limitações associadas; muitos doentes foram excluídos por falta de prova confirmatória; houve vários investigadores na colheita de dados e, portanto, poderá haver viés aquando deste procedimento, e, apesar de se tratar de um estudo multicêntrico, houve poucos casos incluídos atendendo à prevalência estimada desta patologia. Pretendia‐se que todos os doentes com diagnóstico de HAP seguidos nos referidos hospitais fossem incluídos, porém, é provável que não existam bases de dados de patologia suprarrenal atualizadas na maioria dos hospitais, e que os casos incluídos reflitam, efetivamente, os doentes diagnosticados em cada serviço. Também por identificar esta limitação, esta primeira colheita nacional revela‐se extremamente importante, sendo fundamental otimizar esforços no sentido de maximizar colheitas de dados e organizar bases de dados futuras.
Em conclusão, este estudo alerta para a necessidade de maior conhecimento desta entidade nosológica, permitindo não só o seu diagnóstico, mas também o seu tratamento de forma mais célere. Os autores gostariam de sublinhar o facto de cerca de 20% dos doentes em estudo apresentarem DCV estabelecida aquando do diagnóstico do HAP. Este dado é de extrema importância, uma vez que os eventos cardiovasculares associam‐se a maior risco de mortalidade20. Este estudo mostra, também, o efeito benéfico do tratamento, quer médico quer cirúrgico, na HTA, contribuindo consequentemente para a diminuição desse risco. Destaca‐se, assim, a importância do correto diagnóstico e tratamento destes doentes. Por fim, atendendo por um lado à dificuldade técnica da execução do cateterismo das veias suprarrenais e à sua importância clínica por outro, os autores gostariam de destacar a premência de se implementar um centro nacional para a realização deste procedimento. O alargamento do presente estudo a outros centros possibilitará aumentar a amostragem e, porventura, contribuir para esclarecer algumas das questões aqui levantadas.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.