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Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo
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Inicio Revista Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo Um caso raro de carcinoma medular da tiroide não secretor
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Vol. 9. Núm. 2.
Páginas 136-138 (julio - diciembre 2014)
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Caso clínico
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Um caso raro de carcinoma medular da tiroide não secretor
A rare case of non‐secreting medullary thyroid carcinoma
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Florbela Ferreiraa,
Autor para correspondencia
florbela.b.ferreira@gmail.com

Autor para correspondência.
, Ema Nobrea, Ana Wesslinga, Valeriano Leiteb, Isabel Do Carmoa
a Serviço de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte, EPE, Lisboa, Portugal
b Serviço de Endocrinologia, Instituto Português de Oncologia, Francisco Gentil, Faculdade de Ciências Médicas, Lisboa, Portugal
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Resumo

O carcinoma medular da tiroide (CMT) é uma forma rara de carcinoma desta glândula (3‐5% dos casos). Caracteriza‐se pela síntese e secreção de calcitonina (Ct). A medição da Ct tem baixa especificidade, mas elevada sensibilidade na deteção de CMT. CMT com Ct normal ou apenas ligeiramente aumentada é um evento raro, com poucos casos descritos na literatura.

Um homem de 61 anos foi referenciado à consulta de endocrinologia para avaliação de um nódulo sólido, único, no lobo direito da tiroide, com 38x30mm de diâmetro. Não se identificaram adenopatias cervicais suspeitas na ecografia. O nódulo tinha sido detetado 2 anos antes e cresceu lentamente desde então. A citologia aspirativa obteve um resultado benigno. A função tiroideia (TSH e FT4) era normal, com anticorpos antiperoxidase elevados (826UI/mL). A Ct sérica basal era 15,4pg/mL e o CEA2,4 ng/mL. O doente foi submetido a lobectomia direita. A avaliação histopatológica revelou CMT. Não havia invasão vascular ou infiltração capsular. A imuno‐histoquímica foi positiva para sinaptofisina e cromogranina A, e em escassas células também para Ct e CEA. As lâminas foram avaliadas no serviço de anatomia patológica de um hospital oncológico, que confirmou o diagnóstico de CMT. A história familiar era negativa para CMT ou outra doença endócrina e o doente não apresentava evidência de endocrinopatia concomitante, excluindo o diagnóstico de síndrome de neoplasia endócrina múltipla. O estudo genético revelou múltiplos polimorfismos do gene RET, em particular S836S, mas não foram encontradas mutações germinais, confirmando assim tratar‐se de CMT esporádico. Os níveis de Ct no pós‐operatório têm‐se mantido persistentemente indetetáveis.

Os aspetos benignos da ecografia e citologia tiroideia e Ct minimamente aumentada em contexto de tiroidite autoimune não levantavam suspeição de CMT, pelo que o diagnóstico histopatológico foi inesperado. Trata‐se, portanto, de um dos raros casos descritos na literatura de CMT não secretor.

Palavras‐chave:
Carcinoma medular da tiroide
Não secretor
Calcitonina
Abstract

Medullary thyroid carcinoma (MTC) is a rare form of thyroid cancer (3‐5% of all cases). It is characterized by the synthesis and secretion of calcitonin (Ct). Measurement of Ct has low specificity but high sensitivity in the detection of MTC. MTC with normal or only slightly elevated Ct is rare, with very few reports in the literature.

A 61 year old male patient was referred to the Endocrine Clinic for evaluation of a solid, solitary, right lobe thyroid nodule, 38x30mm in diameter. There were no suspiciously enlarged lymph nodes on the neck sonogram. The nodule had been detected two years before and grew slowly since then. Fine needle aspiration (FNA) revealed a benign condition. Thyroid function tests (TSH and FT4) were normal, with increased anti‐peroxidase antibodies (826U/mL). Serum Ct was 15.4pg/mL and CEA was 2.4ng/mL. The patient underwent right lobectomy. Pathology analysis revealed MTC. There was no vascular nor capsular invasion. Immunohistochemistry was positive for synaptophisin and chromogranin A, and in very few cells for CEA and Ct. Microscopic slides were sent to the Pathology Department of a public Oncology Hospital, where diagnosis of MTC was confirmed. There was no family history of MTC or other endocrine diseases and the patient did not have features of other endocrine diseases, practically excluding the diagnosis of multiple endocrine neoplasia. The genetic study revealed multiple polymorphisms in the RET gene, in particular S836S, but no germline mutations were found, confirming the case as sporadic MTC. Postoperative Ct level have been persistently undetectable.

The benign features in the neck sonogram and FNA and the minimally increased level of Ct, in the background of auto‐immune thyroiditis, did not raise suspicion of CMT and the histopathological report was unexpected. This is one of the rare cases of nonsecretory MTC reported in the literature.

Keywords:
Medullary thyroid carcinoma
Nonsecretory
Calcitonin
Texto completo
Introdução

O carcinoma medular da tiroide (CMT) é uma forma rara de carcinoma da tiroide, representando cerca de 5% da totalidade dos casos. A maior parte (75%) é esporádica e o diagnóstico é realizado entre a quarta e sexta décadas de vida em doentes com nódulo da tiroideia palpável. Um padrão de transmissão familiar autossómico dominante é identificado em 20‐30% dos casos, em contexto de CMT familiar e síndromes de neoplasia endócrina múltipla (MEN) tipo 2A e 2B1,2.

O gene responsável pelo CMT hereditário é o gene RET, localizado no braço longo do cromossoma 10 (10q11.2), que codifica um recetor transmembranar com atividade tirosina‐cinase, expresso principalmente nas células C parafoliculares da tiroide, medula suprarrenal e paratiroide. No CMT aparentemente esporádico são por vezes detetadas mutações germinativas do gene RET (1‐7% dos casos) e as mutações somáticas deste gene são frequentes (30‐65%)2,3.

O CMT é caracterizado pela síntese e secreção de calcitonina (Ct), que se encontra elevada na quase totalidade dos casos de CMT2. A determinação do valor basal de Ct apresenta elevada sensibilidade no diagnóstico de CMT, mas ligeiras elevações (falsos positivos) podem ocorrer na presença de insuficiência renal crónica, hiperparatiroidismo, tiroidite linfocítica, pancreatite, tratamento com inibidores das bombas de protões e outras situações clínicas1,2,4.

O CMT que cursa com Ct normal ou apenas ligeiramente aumentada é um evento raro e existem poucos casos descritos na literatura.

Descrição do caso

Um homem de 61 anos foi referenciado à consulta de endocrinologia para avaliação de nódulo sólido único no lobo direito da tiroide, com 38x30mm de diâmetro, sem critérios ecográficos de suspeição para malignidade e sem adenopatias cervicais anómalas na ecografia. O nódulo tinha sido detetado pela primeira vez em ecografia cervical realizada 2 anos antes e cresceu lentamente desde então (2mm/ano no maior diâmetro).

Os antecedentes pessoais eram irrelevantes, à exceção de diagnóstico de carcinoma do cólon sigmóideo 3 antes e realização de colectomia parcial na mesma data. Não tomava medicação diária. A história familiar (familiares de primeiro grau) era negativa para patologia tumoral endócrina.

Foi realizada citologia aspirativa do nódulo da tiroide, cujo resultado citológico foi benigno. A função tiroideia era normal (TSH‐1,1uU/mL e FT4‐1,0ng/dL), com anticorpos antiperoxidase elevados (826U/mL) e antiTg normais (<30U/mL). A Ct sérica basal encontrava‐se discretamente aumentada (15,4pg/mL; valor de referência [VR] ‐ <8,4pg/mL). A Ct foi doseada laboratorialmente por método imunorradiométrico (IRMA), que utiliza anticorpos monoclonais que reconhecem diferentes epítopos da molécula e que formam com estes imunocomplexos cuja radioatividade é doseada num contador gama após período de incubação. O nível sérico de CEA era normal (2,4ng/mL; VR ‐ <5,0ng/mL).

O doente foi submetido a lobectomia direita, sem intercorrências. A avaliação histopatológica revelou um tumor encapsulado, de 3,5cm de maior diâmetro, constituído por proliferação de células fusiformes, de citoplasma eosinófilo, granular, com ligeiro a moderado pleomorfismo nuclear e algumas figuras de mitose, num estroma hialinizado, muito vascularizado. Foi feito o diagnóstico de CMT. A margem cirúrgica estava livre e não havia invasão vascular ou infiltração capsular. A imuno‐histoquímica foi positiva para sinaptofisina, CTFF1 e cromogranina A, e em escassas células também para Ct e CEA. As lâminas foram avaliadas no serviço de anatomia patológica de um hospital oncológico, que confirmou o diagnóstico de CMT.

O estudo genético do DNA constitucional não identificou mutações mas revelou múltiplos polimorfismos do gene RET: em heterozigotia c.2508C>T (p.Ser836Ser), c.1648+84G>A, c.1648+88delC, c.2307T>G e c.2393‐94C>T; em homozigotia c.868‐75T>C.

Os níveis de cálcio e PTH séricos eram normais, tal como as metanefrinas e normetanefrinas na urina de 24 horas. O doente não apresentava evidência de endocrinopatia concomitante, nem aparentava deformação músculo‐esquelética, neuromas mucosos ou outras manifestações frequentemente associadas à síndrome MEN 2B. A história familiar era negativa para CMT ou outra doença endócrina associada à síndrome MEN 2.

No seguimento em consulta o doente tem‐se mantido assintomático, sem evidência de adenopatias a nível cervical e com níveis de Ct persistentemente indetetáveis.

Comentário

Os aspetos benignos na ecografia e citologia realizadas e o doseamento basal de calcitonina, com valor apenas acima do limite superior do normal, em contexto de doença nodular da tiroide e tiroidite crónica autoimune, não levantaram suspeição de CMT. A decisão de realizar hemitiroidectomia direita foi baseada na dimensão do nódulo (quase 4cm de maior diâmetro). O resultado anátomo‐patológico da peça operatória foi, assim, inesperado, e motivou o nosso interesse em pedir reavaliação por outro serviço de anatomia patológica com ampla experiência no diagnóstico de patologia oncológica, onde se confirmou o diagnóstico inicial. A escassez de células com imuno‐histoquímica positiva para Ct era concordante com o valor sérico basal de Ct pouco aumentado. A história familiar era negativa para doença endócrina e o doente e familiares de primeiro grau não apresentavam outras endocrinopatias, tendo‐se excluído uma síndrome de neoplasia endócrina múltipla.

Falsos positivos no doseamento de Ct surgem em diversas situações clínicas, como a patologia autoimune da tiroide, e existe marcada variabilidade nos ensaios laboratoriais utilizados1. Em situações de dúvida os valores estimulados (após administração de pentagastrina) poderão ser esclarecedores. A Ct basal encontra‐se elevada na quase totalidade dos doentes com CMT2. O CMT com secreção mínima de Ct é um evento raro, com reduzido número de casos descritos na literatura. Num trabalho recente que estudou 839 doentes com CMT, a prevalência de CMT não secretor era de apenas 0,83%5.

O estudo genético de doentes com CMT aparentemente esporádico identifica mutações germinativas em 1‐7% dos casos2, salientando a importância de realizar estudo genético a todos os doentes que se apresentam com este diagnóstico. São detetadas ainda mutações somáticas no tecido tumoral em 30‐65% dos doentes2,3,6 e a sua presença pode funcionar como um biomarcador de pior prognóstico3,7.

Os polimorfismos são variações alélicas de um gene em que um nucleótido é substituído sem alteração da atividade funcional da proteína codificada. Nos últimos anos diversos autores investigaram se a presença de polimorfismos poderia estar associada ao aparecimento e progressão do CMT, tendo‐se obtido resultados discordantes8. O polimorfismo S836S identificado no estudo genético do gene RET do nosso doente tem sido associado por alguns autores a diagnóstico de CMT em idade jovem e maior prevalência de metastização ganglionar e à distância na altura do diagnóstico9. Numa recente meta‐análise verificou‐se uma associação modesta entre a presença de S836S e a suscetibilidade para CMT esporádico8. No entanto, no doente em questão, o diagnóstico foi realizado na sétima década de vida e não havia evidência de disseminação ganglionar ou à distância. Os níveis de Ct na monitorização pós‐operatória têm‐se mantido indetetáveis, o que é também a favor de doença não recidivante/disseminada. Por este motivo, pela apresentação clínica inicial pouco agressiva e pela preferência manifestada pelo doente em não ser submetido a nova intervenção cirúrgica cervical, optou‐se por não finalizar a tiroidectomia e manter vigilância clínica, analítica e imagiológica.

Este é, portanto, um caso raro de CMT com Ct minimamente elevada, que descrevemos pela sua forma de apresentação pouco usual.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Agradecimentos

Os autores apresentam os mais sinceros agradecimentos à SPEDM pela atribuição de uma bolsa para deslocação ao 15.° Congresso Europeu de Endocrinologia, que se realizou em Copenhaga, de 27 de abril a 1 de maio de 2013, para apresentação deste trabalho naquele evento.

Referências
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