Ameloblastomas são lesões benignas originárias do epitélio odontogênico que acometem mais comumente a mandíbula. O tratamento varia desde curetagem da lesão até resseção radical. Este trabalho apresenta um relato de caso de um ameloblastoma localizado em maxila, com 3 anos de evolução. Após biópsia incisional para confirmação diagnóstica, optou-se por uma resseção em bloco de toda a região envolvida. Devido ao alto grau de recidiva, sugere-se rigoroso acompanhamento clínico e radiográfico por pelo menos 5 anos.
Ameloblastoma is a benign odontogenic tumor with origin in odontogenic epithelium and commonly affecting the mandible. Its treatment ranges from curettage to radical resection. This paper presents a case report of an ameloblastoma located in the maxilla, with three years of evolution. After diagnostic confirmation by incisional biopsy, it was decided to proceed with a total resection of the entire region involved. Due to the high risk of recurrence, a strict clinical and radiographic control is suggested for at least five years.
Ameloblastomas são lesões que têm recebido atenção considerável pelo seu contraditório, paradoxo e incongruente aspecto de lesão benigna originária do epitélio odontogênico, exibindo, porém, um comportamento clínico agressivo com alta tendência de recidiva. Aproximadamente 85% das lesões ocorrem na mandíbula, com predileção pela região do corpo e ramo. Não há predileção por gênero1. Vários fatores etiológicos foram propostos, entre eles: irritação local não específica como extração dentária, cárie, trauma, infecção, inflamação ou erupção dentária; distúrbios nutricionais; patogênese de origem viral2.
Apresentam-se clinicamente como uma massa de crescimento lento, dolorosa ou não, consistente à palpação, e que geralmente levam a um abaulamento da cortical óssea3,4, com sintomatologia escassa, razão pela qual o diagnóstico raramente é precoce5.
O aspecto radiográfico pode variar entre lesões radiotransparentes uniloculares bem definidas, com ou sem esclerose marginal, que, frequentemente, estão associadas a um dente incluso; outros apresentam-se com aspecto multilocular, com septos internos e padrão em «favos de mel» ou «bolhas de sabão». As loculações podem ser ovais ou arredondadas e variam de dimensões. São tumores caracteristicamente expansivos, podendo apresentar margens denteadas, perfurar a cortical óssea e invadir tecidos moles adjacentes. Perda da lâmina dura, reabsorção e erosão das raízes dentárias, e deslocamento de dentes também são relatados6.
Histologicamente são classificados em folicular, plexiforme, acantomatoso, de células granulares, basaloide e desmoplástico7. O ameloblastoma folicular é o mais comum, seguido do plexiforme4. O achado histopatológico de células granulares é um indicativo da agressividade do tumor2.
O comportamento do ameloblastoma tende a ser bastante agressivo nas recidivas, com maior potencial de invasão e destruição óssea do que a lesão original8. Quando a lesão apresenta aspecto cístico, unilocular e bem definido, o diagnóstico diferencial faz-se principalmente com ceratocistos odontogênicos, cistos dentígeros e cistos ósseos traumáticos; já o aspecto expansivo multilocular deve ser diferenciado do tumor marrom do hiperparatireoidismo, granuloma de células gigantes e hemangiomas ósseos atípicos9. A forma localmente agressiva e as formas recidivantes podem ter aspectos semelhantes aos das neoplasias malignas, devendo-se considerar o carcinoma mucoepidermoide como diagnóstico diferencial10.
A escolha de um modo de tratamento adequado em virtude do potencial agressivo e recidivante dos ameloblastomas é muito complexa11–14. Pode-se recorrer a um tratamento conservador, curetagem, crioterapia ou uso de terapias mais radicais, como resseção em bloco15,16. Quimioterapia e radioterapia geralmente são contraindicados2.
O ameloblastoma tende a se infiltrar entre as trabéculas ósseas do osso esponjoso na periferia da lesão, antes de uma reabsorção óssea tornar-se evidente radiograficamente. Portanto, a verdadeira margem do tumor, muitas vezes, estende-se além da aparente margem clínica ou radiográfica. A tentativa de remover o tumor por curetagem pode deixar pequenas ilhas do tumor no osso, que mais tarde se manifestam como recorrências17. A resseção marginal é a forma mais comum de tratamento, porém, recorrências de 15% têm sido relatadas. Esta técnica minimiza o defeito da mandíbula, entretanto só pode ser aplicada em casos selecionados18.
O controle pós-operatório dos ameloblastomas é fundamental pois a maior parte das recidivas ocorre após 4 anos (53,3%), índice que coincide com a literatura pesquisada11,12. Um fator muito recomendado pela literatura é uma proservação dos tratamentos de ameloblastoma em períodos de longo prazo13,14.
Caso clínicoPaciente leucoderma, 57 anos, gênero feminino, casada, natural de Recife – PE, comerciante, compareceu na nossa clínica privada com queixas de aumento de volume na boca.
Na história da doença atual referiu que há cerca de 3 anos procurou um dentista clínico com queixas de aumento de volume na boca. Não se queixava de dor. O profissional realizou tratamento endodôntico em 2 dentes, mas não ocorreu a regressão. Posteriormente, procurou um outro profissional que, ao solicitar radiografia panorâmica, nos encaminhou para tratamento.
Ao exame físico, apresentava a face simétrica, cadeias ganglionares cervico-faciais sem ingurgitamentos, mucosa normocorada. Presença de lesão ao nível gengivo-vestibular do 23-26, de consistência dura à palpação, de coloração semelhante à mucosa circunvizinha com pequenos pontos de ulceração. Ausência de sinais flogísticos na área. Elementos dentários sem sintomatologia à percussão e com ausência de mobilidades patológicas (fig. 1).
Exame radiográfico panorâmico dos maxilares exibia áreas radiolúcidas multiloculares, de pequenas dimensões, situada na região do 23-26 (fig. 2). Solicitou-se, então, tomografia de feixe cônico, que revelou extensa área radiolúcida, multilocular (fig. 3). Com fins de diagnóstico, realizou-se biópsia incisional sob anestesia local na região vestibular com profundidade aproximada de 0,7mm. Enviado o material para exame histopatológico, o resultado apontou um ameloblastoma do padrão folicular.
Diante dos resultados dos exames clínicos e radiográficos, com o relatório do histopatológico, foi proposta uma cirurgia de resseção em bloco de toda a área comprometida e fechamento primário com margem de segurança. Requisitou-se os exames laboratoriais e parecer cardiológico rotineiros, que encontravam-se dentro do padrão de normalidade.
Sob anestesia geral, entubação naso-traqueal direita, após infiltração subperiostal periférica de solução de cloridrato de bupivacaína 0,5% com adrenalina (NEOCAÍNA®, São Paulo, Brasil), foi empreendida uma incisão por bisturi lâmina 15 (Lamedid Solidor, São Paulo, Brasil) englobando a área tumoral, estendendo-se até região do 27 com divertículo posterior relaxante. O descolamento muco-periostal foi realizado, a seguir, expondo a cortical vestibular (fig. 4).
Uma incisão intrassulcular foi realizada do lado palatino, com exposição da cortical, onde pôde-se observar já perfuração da mesma pela lesão (fig. 5). Através de brocas cirúrgicas de N. 702 (FG - dentsply/maillefer, São Paulo, Brasil), foi realizada a osteotomia, com a posterior remoção em bloco de todo o tumor (fig. 6). O 27 foi também removido, a seguir, uma vez que encontrava-se envolvido com a lesão na superfície mesial da sua raiz (fig. 7).
Após a regularização da osteotomia com brocas para acabamento ósseo, realizou-se a toilete da ferida, irrigação/aspiração do antro maxilar, seguido de sutura oclusiva e estanque da mucosa com fios de poligalactina 910 (Vicryl™ 3-0 Ethicon. Johnson & Johnson, São Paulo, Brasil) (fig. 8).
Prescreveu-se medicação antibiótica (cefadroxila – 500mg – um comprimido de 12/12 horas por 7 dias)/anti-inflamatória (nimesulida – 100mg – um comprimido de 12/12 horas por 6 dias)/analgésica (paracetamol – 750mg – um comprimido de 6/6 horas em caso de dor) para o pós-operatório, que transcorreu sem qualquer intercorrência significante.
A sutura foi removida no 10°. dia do pós-operatório (fig. 9), tendo sido após o 15°. dia solicitado ao seu dentista clínico a confecção de uma prótese provisória removível para reabilitá-la cosmética e funcionalmente (fig. 10).
O laudo do exame histopatológico da peça operatória foi idêntico ao da biópsia inicial, quando firmamos em definitivo nosso diagnóstico provisório (fig. 11).
A paciente encontra-se no seu 2°. ano de controle pós-operatório, não apresentando até à presente data qualquer indício clínico ou radiográfico de recidiva tumoral (fig. 12).
A mesma será submetida a controle periódico por um período de 5 anos, tendo sido cientificada da necessidade de rigoroso controle pós-operatório clínico e radiográfico por toda sua vida, pelo caráter recidivante da lesão.
DiscussãoAmeloblastomas são tumores relativamente comuns, responsáveis por cerca de 10% de todos os tumores odontogênicos. A faixa etária mais acometida situa-se entre 30-40 anos. O diagnóstico tende a ser tardio devido à ausência de sintomatologia. No presente caso, uma lesão com aspecto multilocular localizada na maxila foi diagnosticada numa paciente de 57 anos após 3 anos de evolução. Apesar do aumento de volume na região, não havia relato de sintomatologia dolorosa.
Dados clínicos e radiográficos são essenciais para o diagnóstico, além da realização de biópsia incisional. Pode-se solicitar mais de um tipo de tomada radiográfica para delimitação da lesão. O tratamento pode ser feito através de curetagem, enucleação e curetagem ou cirurgia radical. Ameloblastomas localizados em maxila devem ser tratados radicalmente. Entretanto, lesões uniloculares podem ser tratadas de forma conservadora quando as suas áreas são controladas no transoperatório. A recorrência após resseção varia de 0-25% dos casos. O acompanhamento pós-operatório é de suma importância para o ameloblastoma pois mais de 50% ocorrem até 5 anos da realização da cirurgia.
No caso relatado, a escolha por cirurgia radical deveu-se à localização (maxila) e à extensão da lesão. A realização de biópsia incisional prévia também foi fator decisivo para o tipo de abordagem. A paciente encontra-se no segundo ano de pós-operatório, sem características clínicas e radiográficas de recidiva.
ConclusãoO caso apresentado relatou um ameloblastoma em maxila tratado de forma radical. Apesar de benigna, devido às suas características de agressividade, reitera-se a importância do diagnóstico precoce dessas lesões por parte do médico dentista para o rápido e correto tratamento.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.