Lisboa, 20 de novembro de 2014
Exmo. Editor:
No último número da Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial publicaram Nuno Ribeiro Santos et al. o interessante artigo «Aplicação do índice de necessidades de tratamento ortodôntico numa população ortodôntica portuguesa».
Dado que afirmam que nesta área há «escassez de estudos populacionais em Portugal» e não é feita qualquer referência a estudos anteriores, decidi procurar dar uma contribuição de natureza meramente bibliográfica sobre trabalhos historicamente mais antigos e que acompanham o início da construção da ortodontia portuguesa contemporânea.
Estou a referir‐me a trabalhos efetuados até à década de 90, dedicados parcial ou exclusivamente ao âmbito das anomalias dento‐faciais, evidentemente com critérios diagnósticos distintos dos atuais e com âmbitos e dimensões também muito distintos entre si, mas que, admito, não devem ser ignorados, apesar disso.
Em primeiro lugar refiro os 3 estudos em que participei com outros autores, nomeadamente o Prof. Manuel Clarimundo Emílio, que orientou o primeiro entre aqueles estudos. Nele colaboraram também o então responsável da Organização Mundial da Saúde (OMS) pela área da saúde oral, Ingolf Möller, que fez a calibragem dos observadores, e o Prof. Thomas Marthaler, consultor da OMS, que colaborou na análise dos resultados. No estudo de 1999 colaboraram também a Dra. Sónia de Jesus e o Dr. António Toscano.
Estes 3 estudos foram concretizados em 19831–3, 19904 e 19995 e em todos foi utilizado o mesmo modelo de amostragem, foram diagnosticadas as mesmas áreas patológicas (anomalias dento‐faciais, doenças do periodonto, cárie, hipoplasias e opacidades, fluorose dentária, fraturas coronárias e avulsões traumáticas) e seguiram‐se os mesmos critérios de diagnóstico adotados pela OMS e apresentados no seu manual para o estudo epidemiológico das doenças orais6. Assinalo que o primeiro estudo incluiu também um pequeno questionário sobre conhecimentos, atitudes e comportamentos em saúde oral.
Todos os jovens foram sempre selecionados nas mesmas escolas, sucessivamente em 1983, 1990 e 1999, em 14 localidades desde Chaves e Boticas até Beja e Aljustrel. Em 1999 foram 16 as localidades porque Faro e S. Brás de Alportel foram também incluídas.
A OMS atribuiu a designação de método «pathfinder» aos estudos com o modelo por nós utilizado. Aliás, foi a própria OMS que propôs à Direção Geral de Saúde que fosse aquele o método a utilizar.
Com a aplicação de mesma metodologia em 3 estudos sucessivos é possível ter uma imagem muito concreta da prevalência das diferentes doenças orais, incluindo as anomalias dento‐faciais, em 3 momentos das décadas de 80 e 90. Também se obtém uma noção da sua evolução ao longo daqueles anos, o que é particularmente interessante sobretudo para o conhecimento da evolução da prevalência e gravidade da cárie nos níveis etários 6 e 12 anos, dentição decídua e dentição permanente.
Nos 3 estudos foram observados respetivamente 1.891 indivíduos de 6 (n=642), 12 (n=630) e 35‐44 (n=619) anos em 1983, 2.123 jovens de 6 (n=714), 12 (n=705) e 15 (n=704) anos em 1990, e 1.599 jovens de 6 anos (n=799) e 12 anos (n=800) em 1999. Assinalo que se verificou alguma variação quanto aos níveis etários em observação, mas em todos os estudos se incluíram os níveis etários 6 e 12 anos por serem considerados níveis etários de referência, em particular para a análise da distribuição da cárie na população jovem do país.
Mas deve referir‐se que antes destes outros estudos foram levados a cabo no mesmo âmbito das anomalias dento‐faciais. Estão citados na tabela I‐II da publicação do estudo de 19904, o qual foi executado no âmbito duma tese de doutoramento. São 10 estudos e constituem, tanto quanto é do meu conhecimento, uma listagem exaustiva dos trabalhos executados no nosso país, no âmbito das anomalias dento‐faciais até 1990, e todos, exceto 2, foram também publicados nesta revista cuja sobrevivência e atualização foi assegurada por sucessivas direções da Sociedade Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial em esforço muito notável e importante para a estomatologia e medicina dentária portuguesas, por isso merecedor de todo o apoio e aplauso.
As 2 exceções foram os estudos do Prof. José Cruz7 e do Doutor Pedro Leitão8. Este último deve ser destacado porque incidiu essencialmente sobre as anomalias dento‐faciais e constituiu uma tese posteriormente equiparada a doutoramento e apresentada no âmbito de um curso de especialização em ortodontia levado a cabo no Instituto de Odontologia da Universidade de Bergen, em 1990.
Termino o meu comentário com o incentivo para que os autores do estudo sobre a «Aplicação do índice de necessidades de tratamento ortodôntico numa população ortodôntica portuguesa» continuem com entusiasmo os seus estudos e os publiquem.