A constrição na região da pré‐maxila é característica em doentes com fendas labiopalatinas, sendo a expansão rápida maxilar o tratamento de escolha neste tipo de situação. O expansor em leque é citado como o mais adequado para esta situação, por promover uma maior expansão na região anterior. Pretende‐se relatar o tratamento de 2 casos clínicos de fenda labiopalatina unilateral e comparar as mudanças dentoesqueléticas ocorridas após a expansão. Foram usados 2 aparelhos diferentes: um expansor em leque e um mini‐Hyrax invertido com barra transpalatina, aos quais se atribuem maior restrição da expansão na região posterior. Através de tomografias computorizadas de feixe cônico, foram realizadas sobreposições de modelos virtuais tridimensionais, análise por mapas de códigos de cores e por medições lineares. Esperava‐se das 2 configurações de disjuntores o controle da expansão na região posterior da maxila. Todavia, apenas o mini‐Hyrax com barra transpalatina se mostrou capaz de controlar a expansão na região posterior.
Cleft lip and palate patients usually have a transverse deficiency, especially on the premaxilla. Rapid maxillary expansion is often included in orthodontic treatment. Expansion control in the posterior region is mandatory in these cases and the fan‐type expander has been frequently indicated. The present paper reports two cases of patients with unilateral cleft lip and palate, and compares morphological changes after expansion using two expanders: the fan‐type, and a new configuration (mini‐Hyrax combined with a transpalatal arch), which aims to improve expansion control in the posterior region. Three‐D surface virtual models were constructed from cone beam computed tomography, which allowed a virtual analysis using semi‐transparent overlays, color‐maps, and linear measurements. Both expanders demonstrated a significant greater expansion in the anterior region, however the inverted mini‐Hyrax with transpalatal arch showed an absolute control of the expansion in the posterior segment.
A fenda labiopalatina mista completa (FLPMC) é uma malformação congênita, resultante da falha na fusão embrionária entre os processos maxilares e nasais mediais. Esta falha, que pode ser unilateral ou bilateral, gera uma fenda que ultrapassa o lábio, processo alveolar e palato, envolvendo o forâmen incisivo1,2. A abordagem terapêutica para a FLPMC inicia‐se nos primeiros meses de vida, com cirurgias reparadoras de lábio e palato, unindo os segmentos que estão separados. Esta união reduz a dimensão transversal da maxila e gera um tecido cicatricial, que provoca uma força limitante ao crescimento habitual da região. Pacientes portadores de FLPMC possuem atresia maxilar transversal, podendo apresentar retrusão nasomaxilar, mordida cruzada anterior, mordida cruzada posterior unilateral ou bilateral e vias aéreas superiores limitadas, entre outras discrepâncias dentoesqueléticas3–5.
A expansão rápida da maxila (ERM) é um procedimento habitual no tratamento ortodôntico dos pacientes com fenda. O efeito desejado da ERM varia de acordo com a necessidade de cada paciente e a técnica utilizada deve ser concordante com a morfologia da maxila. Para muitos portadores de fenda labiopalatina mista completa unilateral (FLPMCU), a expansão na região posterior é um efeito indesejável, já que a maioria da deficiência transversal se localiza na região anterior6,7. Os expansores maxilares, que priorizam efeitos na região anterior, são os mais adequados com as necessidades da maioria dos pacientes portadores de FLPMCU, como o expansor em leque (fan‐type), que possui uma dobradiça na região posterior, limitando a expansão naquela região8–10. Na tentativa de restringir ainda mais a expansão apenas na região anterior, foi desenvolvida uma nova configuração de aparelho expansor maxilar: o mini‐Hyrax invertido com barra transpalatina (BTP), cuja retenção, por meio de bandas ortodônticas, é efetivada nos primeiros pré‐molares. Adicionalmente, uma BTP é instalada nos primeiros molares superiores permanentes, como tentativa de minimizar ainda mais a expansão posterior11.
Este artigo tem como propósito ilustrar comparativamente, em 2 pacientes portadores de FLPMCU, a aplicação destes expansores maxilares, que priorizam o efeito na região anterior: o expansor em leque e o mini‐Hyrax invertido com BTP. A análise das alterações morfológicas foi realizada por meio de modelos tridimensionais (3D) de superfície, utilizando mapas por códigos de cores e superposições por semitransparência.
Caso clínicoDois pacientes, portadores de FLPMCU, recebem atendimento sistematizado multiprofissional no núcleo familiar do Centro de Tratamento e Reabilitação de Fissuras Labiopalatais e Deformidades Craniofaciais (CENTRARE) do Hospital da Baleia, Belo Horizonte, Brasil, e foram referenciados à Faculdade de Odontologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, Brasil, para receberem tratamento odontológico e ortodôntico.
A paciente A, do sexo feminino, passou por procedimentos cirúrgicos condizentes ao protocolo de reconstrução da fenda labiopalatina na primeira infância, como queiloplastia, palatoplastia e faringoplastia12. Como esperado, houve redução da largura do arco dentário superior devido à junção dos segmentos e uma limitação no crescimento do terço médio da face. Aos 12 anos, em estágio pré‐puberal, CS1 de maturação óssea13, a paciente apresentava clinicamente um perfil côncavo, molares com padrão de oclusão em Classe I de Angle, atresia transversal maxilar severa na região anterior e mordida cruzada anterior (figs. 1 e 2). Pelo exame da telerradiografia em norma lateral da face, observou‐se a sugestão de estreitamento e constrição das vias aéreas, relação esquelética de Classe I (ANB=3,6°), mas apresentando uma tendência à Classe III (Wits=−3,3mm), maxila retroposicionada em relação à base do crânio (SNA=80,6°), bom posicionamento de incisivos superiores (1.NA=3,5mm; 1.NA=21,9°) e projeção vestibular de incisivos inferiores (1.NB=8,9mm; 1.NB=28,1°; IMPA=93,7°) (fig. 3). Como parte da documentação ortodôntica inicial para o planeamento do tratamento, que incluía os enxertos ósseos na região da fenda, a paciente foi submetido a uma tomografia computadorizada por feixes cônicos (TCFC), no tomógrafo i‐CAT (Imaging Sciences International, Hatfield, Pennsylvania, Estados Unidos da América [EUA)), com field of view (FOV) de crânio estendido (23cmx17cm), voxel de 0,3mm3, 36,90mA, 120kV e tempo de exposição de 40 segundos. Frente a todas as características encontradas, foi determinada uma maior necessidade de ERM na região anterior, em preparação para enxerto ósseo e tratamento ortodôntico corretivo. Após o diagnóstico, foi escolhido o expansor em leque. O aparelho foi confeccionado com um parafuso expansor em leque (Morelli, Sorocaba, São Paulo, Brasil). O aparelho possui bandas nos primeiros molares permanentes e uma dobradiça na região posterior, fixada em acrílico, de onde partem extensões de fio 0,9mm, apoiadas nas superfícies palatinas dos molares decíduos ou pré‐molares. Este aparelho é considerado dentomucossuportado (fig. 4).
O histórico de cirurgias do paciente B, sexo masculino, se assemelha ao da paciente anteriormente descrito, assim como os efeitos sobre sua maxila e suas características relativas ao perfil facial, padrão esquelético e dentário (figs. 5 e 6). Igualmente acompanhado pelo CENTRARE, concordou‐se em iniciar a ERM aos 12 anos. Realizados exames clínicos e TCFC, observou‐se: tendência a uma má oclusão esquelética de Classe III (ANB=0,6°; Wits=–2,1mm), maxila bem posicionada em relação à base do crânio (SNA=81,1°), incisivos superiores retroposicionados e retroinclinados (1.NA=‐1,5mm; 1.NA=11,6°) e incisivos inferiores bem posicionados na base óssea (1.NB=28,5 graus; IMPA=92,8 graus) (fig. 7). Diante da necessidade de expansão limitada à região anterior, foi instalado em JFRL o disjuntor mini‐Hyrax invertido com BTP11. Confeccionado com um mini parafuso (Variety Expander, DynaFlex, Saint Ann, Missouri, EUA) posicionado na região mais anterior possível do palato. Extensões provenientes do parafuso (fio 1,4mm) contornaram a superfície palatina dos caninos, passando pelas bandas nos primeiros pré‐molares e chegando até à superfície palatina dos segundos pré‐molares. Além disso, uma BTP (fio 0,9mm) foi soldada em bandas nos primeiros molares permanentes (fig. 8).
Fotografias intraorais, após a expansão com o aparelho mini‐Hyrax invertido com BTP. Mini parafuso posicionado na região anterior do palato, bandas nos primeiros pré‐molares, extensões apoiadas nos caninos até aos segundos pré‐molares, BTP (fio 0,9mm) soldada em bandas nos primeiros molares permanentes e contenção (fio de latão 0,7mm).
O expansor da paciente A foi cimentado com Ultra Band‐Lok Blue (Reliance Orthodontics Products, Itasca, Illinois, EUA). O expansor do paciente B foi cimentado com Vidrion C (SS White, Rio de Janeiro, Brasil). As bandas receberam tratamento prévio com óxido de alumínio (partículas de 50 micrômetros), para aumento da retenção. No expansor em leque foi utilizada resina composta (Z 100tm Restorative, 3M ESPE, Dental Products, Saint Paul, Minnesota, EUA) como apoio na região de pré‐molares durante a expansão. O protocolo de ativação foi de meia volta no parafuso por dia (¼ de volta pela manhã e ¼ de volta à noite). A ativação foi realizada até que fosse obtida a sobrecorreção da atresia maxilar, representada pela cúspide palatina do primeiro pré‐molar superior ocluindo com a ponta da cúspide vestibular do primeiro pré‐molar inferior (figs. 4 e 8). Após a fase de ativação, os disjuntores foram travados com fio de latão 0,7mm, para fase de contenção. Depois de 3 meses estável, os expansores foram substituídos por uma BTP com extensões anteriores de fio 0,9mm, até que a próxima etapa do tratamento ortodôntico fosse iniciada. No rápido intervalo, cerca de 24 horas, entre a retirada dos expansores e a instalação da BTP, foi realizada uma segunda TCFC nos mesmos padrões das anteriores, com o objetivo de planejar o enxerto ósseo.
Discussão e conclusõesConsiderada a deformidade craniofacial mais prevalente, a FLP pode ser diagnosticada no primeiro trimestre de vida intrauterina, através de ultrassonografia14,15. O diagnóstico precoce favorece um planeamento adequado que, associado às novas técnicas cirúrgicas de tratamento reabilitador, reduz a severidade da constrição maxilar. Embora a evolução das técnicas venha acontecendo, os pacientes ainda necessitam de tratamento ortodôntico/ortopédico, como a ERM, que compensa a relação maxilomandibular aumentando a dimensão transversal da maxila6,16. Nos 2 casos clínicos aqui descritos, os pacientes haviam se submetido a queiloplastia e palatoplastia no primeiro ano de vida. Ambos desenvolveram perfil côncavo, atresia transversal maxilar severa e mordida cruzada anterior. O momento selecionado para executar a expansão maxilar e a correção da deficiência transversal foi o período pré‐puberal (CS1) de maturação esquelética. Espera‐se que, pela imaturidade óssea, ocorra a ruptura da sutura palatina mediana de maneira mais fácil, aumentando a eficácia da ERM13.
A expansão de maxila foi publicada primeiramente por Angell, em 1860, e quase 100 anos depois se popularizou pelos trabalhos de Haas17,18. Várias modificações nas configurações dos aparelhos vêm sendo realizadas, sempre com o intuito de tornar o tratamento mais confortável e efetivo, eliminando resultados indesejáveis8,10,11,17,18. Para a grande maioria dos pacientes com fenda unilateral, a deficiência transversal é maior na região anterior da maxila, necessitando de expansão exclusiva, ou em maior dimensão, nesta região4. Vários estudos vêm sendo desenvolvidos com a finalidade de comparar diversos expansores em pacientes com fenda. Muitos apontam o aparelho do tipo em leque como o mais adequado para esses casos8,10. Com o intuito de priorizar ainda mais à expansão na região anterior, uma nova configuração foi proposta por Oliveira et al. em 2014: o mini‐Hyrax invertido com BTP. Estudo prévio demonstrou que o mini‐Hyrax invertido com BTP tem excelente controle e restrição das alterações na região dos molares permanentes8,11.
O surgimento e o aumento da acessibilidade da TCFC agregaram uma maior credibilidade ao diagnóstico clínico e às investigações científicas no estudo das deformidades craniofaciais19. Todavia, as informações 3D fornecidas pelas TCFC ainda vêm sendo rotineiramente analisadas de forma 2D, por medidas lineares em cortes ortogonais5,20. A construção e sobreposição de modelos virtuais 3D ainda é uma metodologia pouco difundida. Este estudo é um dos pioneiros que utiliza este método para avaliação de ERM em pacientes com fenda. A sobreposição baseia‐se na construção dos modelos virtuais 3D, utilizando o software SLICER21, pelos arquivos obtidos na TCFC, seguida pela sua justaposição, que utiliza a base do crânio como referência e a final obtenção dos métodos de medidas intitulados: sobreposição por semitransparência e mapa por códigos de cores22. A sobreposição por semitransparência revela uma análise qualitativa, em que o momento pós‐tratamento é retratado por uma malha preta translúcida, sobre o modelo inicial em vermelho (figs. 9 e 10). O aparelho em leque demonstrou um deslocamento de quase todos os dentes para vestibular e uma movimentação vestíbulo‐posterior do segmento menor (lado esquerdo [fig. 9]). O mapa por códigos de cores permite um complemento da análise visual, sendo que cada cor reflete uma alteração na posição das estruturas: azul – recuo; verde – estabilidade e vermelho – expansão. A intensidade da cor está diretamente relacionada à quantidade de movimentação. Todo o mapa é seguido por uma escala, com os valores em milímetros para cada cor (figs. 11 e 12). A observação feita na sobreposição por semitransparência do expansor em leque é confirmada no mapa por código de cores e nas medidas lineares. Uma menor porção de vermelho é visualizada em molares, quando comparada aos pré‐molares. O deslocamento para posterior e vestibular do menor segmento é constatado pela presença de azul na mesial dos dentes e vermelho nas eminências alveolares do lado em questão. Diferentes tonalidades de azul são vistas na cervical dos incisivos, possivelmente uma retroinclinação em decorrência da ausência de apoio mecânico no local. Para a quantificação das mudanças no posicionamento dentário, primeiramente identificou‐se, nos 3 cortes ortogonais, os pontos de referência para a medida (ponta da cúspide mésio vestibular dos primeiros molares superiores e ponta da cúspide dos caninos), tanto do lado direito como do lado esquerdo, utilizando o software ITK Snap23. Os pontos foram marcados com uma esfera de 0,5mm de diâmetro, identificando a posição 3D destas referências no espaço (fig. 13). A aferição das distâncias Euclidianas entre as esferas foi realizada com o auxílio da ferramenta Q3DC no programa SLICER23. O paciente A obteve um aumento de 3mm na distância intercanina e de 6mm na distância intermolar. Na elucidação do paciente que utilizou o disjuntor mini‐Hyrax invertido com BTP (B), observa‐se na sobreposição por semitransparência um deslocamento vestibular, principalmente dos pré‐molares e uma constância das demais áreas, achados corroborados no mapa por código de cores. A área que não está verde é a região de pré‐molares, vermelho por vestibular e azul por palatino, notando uma tonalidade entre verde e vermelho (amarelo) no corpo da maxila do lado menor (esquerdo). A oclusal dos molares, em vermelho, representa a erupção dos elementos.
Sobreposição com semitransparência dos modelos 3D do tratamento com o aparelho em leque. Antes da expansão representado por vermelho e após a expansão pela malha fina translúcida. Observa‐se um trespasse da malha preta para vestibular em molares, pré‐molares e canino, indicando que houve expansão em toda essa região.
Sobreposição com semitransparência dos modelos 3D do tratamento com o aparelho mini‐Hyrax invertido com BTP. Antes da expansão representado por vermelho e após a expansão pela malha fina translúcida. Observa‐se um trespasse da malha preta para vestibular na região dos pré‐molares, indicando expansão concentrada nessa região.
Os 2 casos clínicos aqui apresentados demonstram um efeito isolado da ERM em pacientes portadores de FLPMCU e não podem ser generalizados como comportamento esperado em ERM de pacientes com fenda. Todavia, é nosso objetivo demonstrar que o expansor em leque não correspondeu com sua indicação, apresentando um comportamento diferente do relatado na literatura24. A quantidade de expansão foi inesperadamente maior na região posterior em relação à anterior. Adicionalmente, objetiva‐se difundir na literatura outra opção terapêutica: o mini‐Hyrax invertido com BTP. Este aparelho correspondeu aos achados anteriores, priorizando a expansão anterior e com mínima, ou nenhuma, interferência em posterior. Demais estudos de ensaio clínico devem ser realizados, aperfeiçoando a metodologia e inserindo novas configurações de expansores maxilares, elucidando de forma embasada os efeitos de cada um. O modo de expansão desejada dita o aparelho a ser usado, e essa escolha afeta diretamente o tratamento e prognóstico do paciente.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.