Avaliar a existência de contágio emocional de ansiedade no par relacional encarregado de educação/criança.
MétodosForam inquiridas 41 crianças (3‐6 anos) e respetivos encarregados de educação, que compareceram a uma consulta de odontopediatria da Clínica Dentária Universitária Egas Moniz, com o recurso à aplicação de um questionário demográfico e de 2 instrumentos de medição de ansiedade, específicos de contextos de consultas médico‐dentárias; o Venham Picture Test modificado (crianças) e a versão portuguesa da Modified Dental Anxiety Scale (encarregados de educação). Os dados obtidos foram submetidos a análise estatística na versão 21 do Statistical Package for the Social Sciences, nomeadamente recorrendo aos testes de Spearman's Roh, Shapiro‐Wilk e Mann‐Whitney, considerando‐se um nível de significância de 0,05.
ResultadosConstatamos que não existe uma correlação significativa entre a ansiedade vivenciada pelos EE e a ansiedade manifestada pelas crianças, sendo a maioria das crianças consideradas como livres de ansiedade (56,1%) e a maioria dos encarregados de educação considerada como moderadamente ansiosa (56,1%). No mesmo registo, assinalamos o facto das crianças, em ambos os grupos, se manifestarem ligeiramente mais ansiosas nas consultas de controlo.
ConclusãoApesar de não se verificar a existência de contágio emocional para a amostra estudada, é inegável a existência da problemática da ansiedade, nomeadamente quando equacionada no âmbito de consultas de medicina dentária.
To evaluate the Emotional Contagion of Anxiety existance between carers and their children.
Methods41 children (ages from 3 to 6) that were present in Paediatric Dentistry appointments at Clínica Dentária Universitária Egas Moniz and their respective carers were surveyed, using a demographic questionnaire and two instruments to measure the anxiety suffered in dental appointment settings; Modified Venham Picture Test (children) and the Portuguese Version of Modified Dental Anxiety Scale (carers). The data obtained were submitted to analysis with the 21st version of Statistical package for the Social Sciences, specifically recurring to, Spearman's Roh, Shapiro‐Wilk e Mann‐Whitney Tests, being considered a 0.05 level of significance.
ResultsNo significant correlation was found between the anxiety suffered by the children and the anxiety suffered by the carers with most of the children in the study (56.1%) considered free of anxiety and most of the carers in the study considered as moderately anxious (56.1%). On the same record we point the fact that children manifest slightly more anxious in follow‐up appointments.
ConclusionEven though no Emotional Anxiety Contagion was found on the studied sample, it is undeniable that the anxiety exists, especially in a Dentistry appointment setting.
A ansiedade manifestada pelas crianças na consulta de odontopediatria é uma problemática com que os médicos dentistas se deparam frequentemente, constituindo‐se como uma relevante barreira na prática clínica1–3, sendo reconhecida como o principal impulsionador de comportamentos não colaborantes4, relevando‐se em crianças de idade pré‐escolar como um dos problemas mais observáveis3,5. Neste sentido, o sucesso do tratamento no setting terapêutico parece estar relacionado com a capacidade do médico dentista lidar com as questões afetivo‐emocionais do paciente6,7. Por outro lado, configurando‐se a ansiedade como uma problemática de etiologia multifatorial enfatizamos no presente artigo a emergência do contágio emocional no contexto da díade‐relacional, encarregado de educação (EE)/criança.
A aprendizagem adaptativa é feita através da observação do ambiente envolvente6,8, assim, as crianças imitam frequentemente os seus familiares e pares internalizando os seus hábitos. Neste sentido, a vivência de medos e/ou reações adversas relativamente à medicina dentária, podem induzir na criança a preconceção de que «o dentista deve ser evitado»9–11.
A ansiedade consiste na resposta a uma situação não‐imediata2,9,12–15, que causa apreensão, desconforto e cria expetativas negativas ao doente12,14,16. O contágio emocional envolve uma tendência para imitar e sincronizar automaticamente expressões, vocalizações, posturas e movimentos com o outro, confluindo emocionalmente17–21.
A relação entre a ansiedade das crianças e das mães foi comprovada em múltiplos estudos8–10,13,15,22–26, principalmente em crianças em idade pré‐escolar6,7,15,23,27, por serem, naturalmente, mais dependentes das figuras parentais femininas15.
Numa investigação anterior, foram aplicadas: a Frankl Behaviour Scale, a 119 crianças entre os 5‐16 anos, e a Modified Dental Anxiety Scale (MDAS) aos pais, e os resultados denunciaram que a ansiedade parental influenciava significativamente o comportamento da criança na consulta24. Em contradição, um outro estudo que consistiu na aplicação do Venham Picture Test (VPT) modificado, ainda na sala de espera e, posteriormente, na avaliação do comportamento da criança no setting de consulta com recurso à Frankl Behaviour Scale, a 50 crianças entre os 4‐9 anos, bem como na aplicação da Dental Anxiety Scale aos respetivos EE, revelou que 47,83% das crianças entre os 4‐6 anos e 55,56% dos sujeitos entre os 7‐9 anos foram consideradas livres de ansiedade, e 98% dos pais avaliados obtiveram pontuações equivalentes a níveis baixos/moderados de ansiedade. Contudo, este estudo, apesar de identificar uma relação entre os níveis de ansiedade infantil e a cooperação da criança na consulta, não parece denunciar uma relação linear entre a ansiedade dos pais e a ansiedade das crianças7.
Assim, na presente investigação, constitui‐se como questão principal o facto de se saber até que ponto a ansiedade do EE pode influenciar a ansiedade infantil na consulta odontopediátrica.
Pretendemos, assim, averiguar se existe uma relação entre ansiedade do EE e das crianças (3‐6A), que acederam a uma consulta de odontopediatria na Clínica Dentária Universitária Egas Moniz (CDUEM), testando, neste sentido, a hipótese da existência de contágio emocional entre as crianças e os seus EE. Avaliamos, também, a relação entre a ansiedade da criança e o género, a ansiedade da criança e a idade, a ansiedade do EE e o género e a ansiedade da criança, numa consulta de primeira vez vs. consulta de controlo.
Materiais e métodosA presente investigação emoldura‐se num estudo clínico de natureza transversal, efetuado com o recurso a instrumentos previamente validados – versão portuguesa da MDAS e VPT modificado – e de um questionário demográfico.
O VPT modificado é composto por 4 personagens (uma para cada 8 pares de figuras), 2 meninos e 2 meninas, de etnia branca e negra6,7. Cada conjunto de 8 pares de figuras apresenta várias reações emocionais e a criança deverá escolher, em cada par, aquela que melhor reflete as suas emoções. À figura reveladora de um sentimento negativo é atribuído um ponto e à figura representativa de um sentimento positivo não é atribuída pontuação, obtendo‐se, no final, uma pontuação entre 0 (criança livre de ansiedade) e 8 pontos2,6,14.
A MDAS é um questionário de autoanálise, convidando‐se o sujeito a avaliar o seu nível de ansiedade de acordo com 5 situações‐tipo no âmbito da medicina dentária (v. g. consulta no dia seguinte, sala de espera, consulta de destartarização, preparo cavitário e anestesia local)28. Para cada uma das situações são propostas 5 opções de resposta, que vão desde nada ansioso (à qual é atribuído um ponto) a extremamente ansioso (à qual são atribuídos 5 pontos). No final, somam‐se as pontuações das 5 questões e obtém‐se um valor entre 5‐25; valores superiores a 20 subentendem níveis fóbicos de ansiedade.
Optou‐se pela MDAS por ser um instrumento confiável e validado28,29, inclusivamente na sua versão portuguesa30. Recorreu‐se ao VPT modificado por ser um instrumento recente, validado, adaptado à população em idade pré‐escolar e visualmente mais atrativo que o VPT original31. Finalmente, realça‐se a importância da escolha de instrumentos que medem especificamente a ansiedade médico‐dentária e não em contextos generalistas.
Após a aprovação do estudo por parte da Comissão de Ética da Egas Moniz‐CES/CRL, foram inquiridas 41 crianças (3‐6 A) e os respetivos EE. Para a seleção da amostra foram utilizados como critérios de inclusão: crianças com idades entre os 3‐6 anos, que compareçam à consulta de odontopediatria da CDUEM, sem denunciarem necessidades especiais e devidamente acompanhadas por um adulto; como critérios de exclusão, EE iletrados e, como tal, impossibilitados de preencher o questionário demográfico e/ou a MDAS.
Aos EE foi pedido que preenchessem o questionário demográfico e respondessem às 5 questões que constituem a MDAS. Seguidamente, foi apresentado à criança o VPT modificado (com a figura adaptada à sua etnia e género), pedindo‐lhe que escolhesse, em cada par, a figura mais próxima das emoções que estava a sentir naquele momento. O questionário demográfico inquiria os EE sobre a sua idade e género, bem como sobre a idade e género da criança que acompanhavam.
Os dados obtidos foram inseridos na base de dados e submetidos a análise estatística na versão 21 do Statistical Package for the Social Sciences (IBM© SPSS©), nomeadamente recorrendo aos testes de Spearman's Roh, Shapiro‐Wilk e Mann‐Whitney, considerando‐se um nível de significância de 0,05.
ResultadosA média de idades das crianças foi de 4,9 anos, 22 meninos (53,7%) e 19 meninas (46,3%); 19 crianças (46,3%) compareceram a uma consulta de primeira vez e 22 crianças (53,7%) a consultas de controlo. Relativamente aos EE, a idade média foi de 38,9 anos, sendo 73,2% dos sujeitos do género feminino e 26,8% do género masculino. Os valores obtidos com recurso ao VPT modificado são apresentados nas figuras 1 e 2.
O valor médio dos resultados obtidos através da MDAS foi de 10,6, sendo os valores distribuídos de acordo com a tabela 1. Os dados agrupados evidenciam que a maioria dos EE integra o grupo – ansiedade moderada (fig. 3). Na tabela 2 são apresentados os valores médios, referentes a cada uma das questões constituintes da MDAS.
No sentido de avaliar a relação entre a ansiedade do EE e a ansiedade da criança, recorreu‐se ao teste de Spearman's Roh, tendo sido obtido um coeficiente de correlação de –0,112 com uma significância de 0,485, rejeitando‐se, assim, a hipótese de partida de contágio emocional. No que concerne à relação entre os valores do VPT, correspondentes à ansiedade das crianças e a idade (tabela 3), obteve‐se, no teste de Spearman's Roh, um coeficiente de correlação de –0,268 com um valor de significância de 0,9. Neste sentido, podemos afirmar que, com um aumento da idade da criança, parece existir uma diminuição ligeira dos seus valores de ansiedade.
Relativamente aos valores de ansiedade da criança e à variável género, no género masculino, o valor médio do VPT foi de 1,86 e, no género feminino, de 0,74, revelando‐se as meninas ligeiramente menos ansiosas. Ainda assim, a maioria das crianças é considerada livre de ansiedade (figs. 2 e 4). Apenas os meninos obtiveram pontuações entre 4‐8 (6 sujeitos), podendo ser considerados como significativamente ansiosos (fig. 4).
A média dos valores de ansiedade obtidos (VPT modificado) para as consultas de primeira vez é de 1,11 e de 1,55 para consultas de controlo, considerando‐se assim que, em consultas de controlo, as crianças são ligeiramente mais ansiosas.
Relativamente aos valores obtidos na MDAS, referentes à ansiedade dos EE e à sua relação com o género, o género feminino (x¯=10,8) revelou‐se, em média, ligeiramente mais ansioso que o género masculino (x¯=9,9). Em ambos os géneros foram encontrados indivíduos livres de ansiedade (5 pontos), sendo o valor mais elevado no género masculino de 17 pontos e no género feminino de 22, tendo sido também identificados 2 indivíduos com níveis fóbicos de ansiedade (>19 pontos) no género feminino.
DiscussãoDe acordo com os resultados obtidos, sublinha‐se o facto de 56,1% das crianças se revelarem livres de ansiedade, resultados estes que parecem corroborar outros estudos empíricos consultados1,7,32. Este facto prende‐se, eventualmente, com a desmistificação atual do medo associado à imagem do médico dentista33 e à emergência de programas de intervenção precoce, que promovem a higiene oral em ambientes escolares. Por outro lado, 56,1% dos EE revelaram níveis médios de ansiedade, indo ao encontro dos resultados obtidos em outras investigações7,10,24.
Analisando os valores médios, relativos a cada uma das questões da MDAS, podemos arrogar que os EE se sentem mais ansiosos quando confrontados com uma situação hipotética de injeção com anestésico local, seguindo‐se a situação hipotética de brocar um dente (ou seja, quando confrontados com a carpule e a agulha para a injeção com anestésico local e com a turbina/contra‐ângulo), corroborando, novamente, os resultados obtidos noutros estudos3,8,14,16,23,27.
Quanto à inexistência de uma relação entre a ansiedade do EE e da criança, os resultados não parecem ir ao encontro do esperado no âmbito das hipóteses de partida formuladas, bem como no âmbito de alguns estudos da literatura científica consultada8–10,13,15,22–26, contudo, existem estudos que corroboram os resultados obtidos no presente estudo7,15,16,34–43. Assim, os resultados obtidos podem, eventualmente, ter sido alvo de um enviesamento metodológico, na medida em que foram utilizadas 2 escalas distintas. Porém, dada a diferença entre as 2 faixas etárias escolhidas, consideramos a utilização dos instrumentos escolhidos a opção mais assertiva e pertinente em termos metodológicos.
No que diz respeito à relação entre a ansiedade da criança e a idade, os resultados parecem ir ao encontro de outros estudos elaborados com esta faixa etária, apontando para a hipótese de um incremento do nível de maturidade emocional e a consequente diminuição da ansiedade27,44.
O facto de as crianças que comparecem a consultas de controlo se terem revelado ligeiramente mais ansiosas que as crianças em consulta de primeira vez, vai ao encontro dos resultados obtidos por outros investigadores27,45,46. Partimos do pressuposto que muitas crianças que necessitam de várias consultas de controlo já efetuaram, anteriormente, tratamentos invasivos, dolorosos e desconfortáveis. Reforçamos, assim, a necessidade de iniciativas no âmbito da educação para a saúde oral, de consultas de rastreio e de procedimentos de natureza preventiva, evitando que a saúde oral da criança esteja de tal modo deteriorada que possa precipitar a ocorrência de procedimentos clínicos considerados traumáticos.
Os resultados obtidos denunciam também que os EE do género feminino são mais ansiosos que os EE do género masculino, conciliando‐se com os resultados obtidos por Dikshit et al.10, eventualmente, justificados pelo facto de as mulheres expressarem mais fácil e frequentemente as suas emoções. Por outro lado, acresce referir que, nos dias de hoje, face à informação veiculada pelos mass media e pelos Planos Nacionais de Saúde, os EE tentam, cada vez mais, promover precocemente a saúde oral dos seus filhos, ultrapassando, assim, os seus temores pessoais7.
A maioria dos estudos referenciados na literatura de suporte configura a sua problemática de estudo, no âmbito do contágio da ansiedade na díade mãe/criança34,47. No presente estudo, constitui‐se como algo de inovador o facto de se eleger, na qualidade de EE, o acompanhante da criança à consulta, independentemente do género ou do facto de serem ou não os progenitores da criança. Contudo, ainda que seja considerável uma amostra de 41 sujeitos, uma amostra mais alargada poderia, eventualmente, permitir uma generalização mais sedimentada dos resultados.
Sugerimos, futuramente, estudos empíricos análogos, abrangendo, não só crianças em idade pré‐escolar, como também em estádios de desenvolvimento diferenciados, alargando, assim, o espectro de influência da variável idade quando cruzada com os níveis de ansiedade, bem como o recurso a instrumentos de medida que avaliem o comportamento e o grau de adesão terapêutica da criança.
ConclusõesDe acordo com os resultados obtidos, podemos afirmar que, na amostra estudada, não se identificaram contornos que delineiem a existência de contágio emocional da ansiedade na díade criança/EE. A maioria das crianças foi considerada como livre de ansiedade. Por outro lado, a maioria dos EE apresenta‐se como moderadamente ansiosos, sendo o procedimento que invoca uma maior ansiedade associado à injeção com anestésico local. Quando a idade da criança aumenta, a ansiedade tende a diminuir. As crianças do género feminino revelaram‐se menos ansiosas que as do género masculino, sendo mais ansiosas em consultas de controlo do que em consultas de primeira vez. De registar, também, que os EE do género feminino demonstraram ser ligeiramente mais ansiosos do que os do género masculino.
Apesar dos dados obtidos não corroborarem a problemática do contágio emocional de ansiedade na díade EE/criança, não poderemos sublimar a influência da variável ansiedade quando conotada com settings terapêuticos em medicina dentária, tornando‐se imprescindível que, ao nível da formação de base dos futuros médicos dentistas, sejam administrados conteúdos programáticos no âmbito das ciências sociais e comportamentais, que capacitem o MD para o correto diagnóstico emocional dos seus doentes.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com os da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsinki.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.