A prevalência moderada a elevada de doenças orais entre os adolescentes continua a ser uma realidade na nossa população. A frequência de escovagem, a utilização do fio dentário e a consulta regular ao médico dentista são importantes determinantes de saúde oral. Os objetivos deste estudo consistiram na determinação do índice de dentes permanentes cariados, perdidos e obturados (índice CPOD) e caracterização dos comportamentos de saúde oral numa amostra de adolescentes do concelho de Mangualde.
MétodosFoi realizado um estudo transversal com uma amostra de 156 adolescentes do sétimo e décimo anos de escolaridade da Escola Secundária Felismina Alcântara em Mangualde. A recolha de dados foi efetuada através de um questionário sobre comportamentos de saúde oral, respondido pelos adolescentes em sala de aula. O exame intraoral para a determinação do CPOD foi realizado com a sonda aprovada para diagnóstico da cárie pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em sala de aula e com luz natural e artificial.
ResultadosNeste estudo foi obtido um índice CPOD de 4,05±3,59 com um componente cariado de 2,92±2,86. Do total da amostra, 25,6% dos adolescentes não escovam os dentes pelo menos duas vezes por dia, 82,1% não utilizam o fio dentário diariamente e 32,7% não consultaram o médico dentista nos últimos doze meses.
ConclusõesO índice CPOD obtido enquadra-se no nível moderado preconizado pela OMS. Uma pequena percentagem de adolescentes apresenta comportamentos de saúde oral adequados relativamente a escovagem, utilização do fio dentário e consultas regulares ao médico dentista.
A moderate to high prevalence of oral diseases among adolescents remain a reality among our population. The frequency of toothbrushing, daily use of dental floss and regular dental appointments are important determinants of oral health. The main objectives of this study consisted in determining the average score of permanent decayed, missing and filled teeth (DMFT index) and characterize oral health behaviours in a sample of adolescents of the city of Mangualde.
MethodsA cross-sectional study was conducted with a sample of 156 adolescents of the seventh and tenth grade of the Felismina Alcantara elementary and high school of Mangualde. Data collection was conducted using a questionnaire containing questions related with oral health behaviours, completed by the adolescents in the classroom. The oral examination to determine the DMFT index was performed with the probe approved for diagnosis of dental caries by the World Health Organization (WHO) in the classroom and with natural and artificial light of the classroom.
ResultsIn this study a DMFT of 4.05 ± 3.59 was obtained with a decay component of 2.92 ± 2.86. Of the total sample, 25.6% of adolescents do not brush at least twice per day, 82.1% do not use dental floss daily and 32.7% had not visited the dentist in the last twelve months.
ConclusionsThe DMFT index obtained falls within the moderate level, not reaching the goals advocated by the WHO. A small proportion of adolescents present adequate oral health behaviours when analyzing toothbrushing, use of dental floss and regular dental appointments.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que a saúde oral faz parte da saúde e do bem-estar geral do indivíduo, sendo considerada importante para uma boa qualidade de vida1,2.
Segundo a OMS, a saúde oral consiste em estar livre de dor crónica oro-facial, cancro oral ou orofaríngeo, úlceras orais, malformações congénitas, doença gengival, cáries e perdas de dentes e outras doenças e distúrbios que afetam a cavidade oral3.
Atualmente, as doenças orais mais comuns são a cárie dentária e a doença periodontal, acometendo, cada patologia, 60-90% das crianças em idade escolar e 5-20% dos adultos de meia-idade, respetivamente3–7.
A importância dos objetivos de saúde oral foi pela primeira vez salientada em 1981 pela OMS como parte do programa «Saúde para Todos» que propunha as metas para 2000, destacando-se as seguintes: 50% das crianças de 5 e 6 anos de idade livres de cárie; um índice de dentes cariados, perdidos por cárie e obturados (índice CPOD), aos 12 anos inferior a 3; 85% da população mundial com 18 anos de idade não ter perda de dentes.
Mais recentemente a OMS juntou-se à Federação Dentária Internacional (FDI) e à International Association for Dental Research (IADR) para anunciarem os objetivos para 20201,8. Nesse documento, intitulado «Global Goals for Oral Health» encontra-se descrito que 80% das crianças com 6 anos de idade deverão estar livres de cáries e aos 12 anos o índice CPOD deverá ser inferior a 1,5 até ao ano 20208.
Em Portugal, a prevalência de cárie dentária tem vindo a diminuir nas crianças e nos adolescentes, nos últimos anos, devido à implementação de programas de saúde oral. Contudo, as doenças orais continuam a possuir uma elevada prevalência, constituindo, assim, um importante problema de saúde pública9.
Em 1999, foi aprovado o Programa de Promoção da Saúde Oral em Crianças e Adolescentes (PPSOCA), o qual preconizava a prevenção das doenças orais, através da contratualização de clínicas/consultórios privados. Deste modo, em 2000, teve início a prestação de cuidados dentários nas crianças e adolescentes, visando o tratamento de cáries dentárias e a aplicação de selante de fissuras9.
Em 2005, foi criado o Programa Nacional de Promoção de Saúde Oral (PNPSO) com o objetivo de promover a saúde oral, bem como, prevenir e tratar as doenças orais entre os mais jovens9,10.
Existe uma forte evidência de que as doenças orais estão relacionadas com os comportamentos de saúde oral. Estas patologias podem diminuir com a melhoria significativa da higiene oral e a diminuição do consumo de alimentos açucarados10–18. A instrução e motivação dos pacientes são pontos-chave para a obtenção de comportamentos de saúde oral corretos19.
Em 1937, Klein e Palmer propuseram um indicador de saúde oral, denominado índice CPOD que permite calcular a média do número total de dentes permanentes cariados, perdidos por cárie e obturados num determinado grupo de indivíduos20.
Os objetivos estabelecidos para este estudo foramDeterminação do nível de saúde oral em adolescentes de Mangualde através da aplicação do índice CPOD e a sua comparação nas diferentes faixas etárias estudadas.
Análise dos comportamentos de saúde oral dos mesmos adolescentes, nomeadamente da frequência e caracterização da escovagem, da utilização do fio dentário e da frequência de consultas ao médico dentista.
Materiais e métodosFoi realizado um estudo epidemiológico observacional transversal, efetuado no âmbito de um programa de saúde oral, desenvolvido entre o Agrupamento de Escolas de Mangualde e o Departamento de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa.
A recolha de dados realizou-se nos meses de abril e maio de 2010. A obtenção da informação referente aos comportamentos de saúde oral foi conseguida através de um questionário autoaplicado preenchido pelos adolescentes em sala de aula antes da observação intraoral. O questionário utilizado neste estudo já foi aplicado em trabalhos de investigação anteriores9.
A cárie dentária foi avaliada através de observação intraoral realizada por seis alunos finalistas do Mestrado Integrado em Medicina Dentária da Universidade Católica Portuguesa com recurso ao espelho bucal e sonda WHO probe e realizada em sala de aula com luz natural e artificial. Três dos alunos realizaram a observação intraoral enquanto que os restantes três alunos do Mestrado Integrado em Medicina Dentária anotaram as observações do respetivo binómio. Antes da recolha de dados, foi efetuada uma calibragem dos examinadores participantes. Cada um dos três examinadores observou 8 alunos previamente, obtendo um valor de concordância interexaminadores de 83,2% e intraexaminadores de 78,6%. A determinação do nível de saúde oral dos adolescentes foi efetuada através do cálculo do CPOD de cada indivíduo. Foram respeitados os critérios de diagnóstico recomendados pela OMS21.
A análise dos dados recolhidos foi efetuada com recurso ao programa estatístico Statistical Program for the Social Sciences (SPSS 18.0). Foi realizada a estatística descritiva dos dados, sendo calculada a frequência das variáveis e a média e desvio padrão do CPOD.
Para a realização deste estudo foi obtida a aprovação por parte do Departamento de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa e a autorização formal pelo Agrupamento de Escolas de Mangualde. Foi igualmente recebido os consentimentos informados dos alunos participantes no estudo e dos seus responsáveis legais. A informação recolhida por questionário era anónima, voluntária e confidencial não havendo qualquer tipo de referência nominal aos adolescentes participantes.
ResultadosFoi selecionada uma amostra de conveniência, pois a escola tomou a decisão que o estudo deveria ser realizado aos alunos do 7° e 10° anos. Todos os alunos selecionados para o estudo foram considerados elegíveis para participar no estudo, desde que frequentassem o 7° ou o 10° ano com idades compreendidas entre os 12 e os 19 anos. Foram distribuídos 24 questionários para os alunos do 7° ano, tendo sido preenchidos 21, havendo uma percentagem de participação de 87,5%, enquanto que entre os alunos do 10° ano foram distribuídos 138 questionários e recolhidos 135 com uma percentagem de participação por parte deste grupo de alunos na ordem dos 97,8%. Todos os alunos que preencheram o questionário realizaram de seguida a observação intraoral.
O espaço amostral foi constituído por adolescentes que frequentavam o sétimo e décimo ano de escolaridade na Escola Secundária Felismina Alcântara em Mangualde, obtendo-se uma amostra final de 156 adolescentes. Do total da amostra, 21 dos adolescentes frequentavam o 7° ano e 135 o 10° ano de escolaridade com uma média de idades de 16,1±1,3 com a idade a variar entre os 12 e os 19 anos (Tabela 1).
Caracterização da amostra estudada (n=156)
Masculino | Feminino | Total | ||||
n | % | N | % | n | % | |
74 | 47,4 | 82 | 52,6 | 156 | 100 | |
Idade | ||||||
12 | 2 | 2,7 | 1 | 1,2 | 3 | 1,9 |
13 | 4 | 5,4 | 4 | 4,9 | 8 | 5,1 |
14 | 6 | 8,1 | 1 | 1,2 | 7 | 4,5 |
15 | 3 | 4,1 | 0 | 0 | 3 | 1,9 |
16 | 26 | 35,1 | 56 | 68,3 | 82 | 52,6 |
17 | 23 | 31,0 | 15 | 18,3 | 38 | 24,4 |
18 | 7 | 9,5 | 5 | 6,1 | 12 | 7,7 |
19 | 3 | 4,1 | 0 | 0 | 3 | 1,9 |
Escolaridade | ||||||
7° ano | 15 | 20,3 | 6 | 7,3 | 21 | 13,5 |
10° ano | 59 | 79,7 | 76 | 92,7 | 135 | 86,5 |
Na amostra final deste estudo verificou-se um índice CPOD de 4,05±3,59, correspondente a uma mediana de 3 em que dos 156 alunos participantes, apenas 21,8% apresentavam um CPOD igual a zero (moda=0 correspondente a n=34).
Obteve-se um valor médio de dentes permanentes cariados de 2,92±2,86, dentes permanentes perdidos devido a cárie de 0,23±0,77 e dentes permanentes obturados de 0,90±1,51.
Por grupo etário, o índice CPOD entre os adolescentes dos 12 aos 15 anos foi de 4,05±3,03 e de 4,05±3,86 entre os adolescentes com idades compreendidas entre os 16 e os 19 anos. Tanto para os adolescentes entre os 12 e 15 anos, como para os de 16 a 19 anos, o CPOD com maior percentagem é o igual ou superior a 3, ou seja, 71,4% vs. 57%, respetivamente (Tabela 2).
Constatou-se que a prevalência de cárie entre os adolescentes participantes neste estudo foi de 71,8%, sendo que por grupos etários é mais elevada no grupo dos 12 aos 15 anos (81%), do que no de 16 aos 19 anos de idade (71,8%).
A frequência de escovagem duas ou mais vezes por dia foi de 74,4%, enquanto que a frequência de escovagem menos de uma vez por dia apenas 3,2%. Já distribuída por grupos etários, dos 12 aos 15 anos a opção mais escolhida foi «Uma vez por dia» com 71,4%, enquanto 70,4% dos adolescentes com idades compreendidas entre os 16 e os 19 anos afirmam escovarem os dentes duas vezes por dia (Tabela 3).
Frequência de escovagem distribuída por grupos etários (n=156)
Frequência de escovagem | |||||||||||
Menos uma vez por dia | Uma vez por dia | 2 vezes por dia | Mais que 2 vezes por dia | Total | |||||||
n | % | n | % | n | % | n | % | n | % | ||
Grupos etários | 12 aos 15 anos | 1 | 4,8 | 15 | 71,4 | 5 | 23,8 | 0 | 0 | 21 | 100,0 |
16 aos 19 anos | 4 | 3,0 | 20 | 14,8 | 95 | 70,4 | 16 | 11,9 | 135 | 100,0 | |
Total | 5 | 3,2 | 35 | 22,4 | 100 | 64,1 | 16 | 10,3 | 156 | 100,0 |
Relativamente aos períodos do dia em que cada adolescente realizava a sua escovagem, verificou-se que 10,9% afirmaram realizar a escovagem apenas após o pequeno-almoço e 11,5% referem escovar ao fim das três principais refeições (Tabela 4).
Apenas 1,9% afirmaram utilizarem o fio dentário diariamente, 16,0% às vezes e 82,1% não complementa a sua higiene oral com recurso ao fio dentário (Tabela 5).
Foi analisada a frequência de consultas ao médico dentista por parte dos adolescentes que participaram no estudo. Verificou-se que 67,3% consultaram o médico dentista, mas 32,7% não o fizeram nos últimos doze meses (Tabela 6).
DiscussãoNo estudo de Almeida et al. foi obtida uma percentagem de prevalência de cárie de 52,9% aos 12 anos de idade. No nosso estudo, ainda que na faixa etária compreendida entre os 12 e 15 anos, foi encontrada uma prevalência superior (81%)22. O mesmo se verifica quando comparando com o estudo de Pattussi et al., cuja prevalência de cárie é de 33,3%9,23. No entanto, se compararmos com o estudo de Ditmyer et al., a prevalência de cárie obtida em ambos os estudos é semelhante24. Contudo, se tivermos por base os dados que Gorbatova et al. obtiveram aos 15 anos de idade, verificamos que a nossa prevalência de cárie se encontra ligeiramente abaixo entre os 12 e 15 anos (91,8% vs. 81%)25.
Tendo em conta o índice CPOD obtido neste estudo, 4,05±3,03 nos adolescentes dos 12 aos 15 anos e 4,05±3,86 entre os de 16 e 19 anos, podemos afirmar que obtivemos um índice CPOD superior ao encontrado no Estudo Nacional de Prevalência das Doenças Orais publicado em 2008 (índice CPOD=1,48) e o encontrado no estudo de Suominen-Taipale et al. realizado na Finlândia para adolescentes de 12 anos (1,24) e de 17 anos (3.99)9,26.
Relativamente à frequência de escovagem, obtivemos 74,4% para a opção «duas ou mais vezes por dia». Contudo, se nos centrarmos em grupos etários, verificamos que entre os 12 e os 15 anos, a maioria dos adolescentes escovam uma vez por dia os dentes (71,4%), contrastando com os 55,6% dos adolescentes com 12 anos examinados por Almeida et al. que afirmam escovar duas vezes por dia os dentes, bem como com o estudo publicado pela DGS em 2008, o qual revelou que 67% dos adolescentes com 12 anos e 69% dos adolescentes com 15 anos também escovavam os dentes duas vezes por dia9,22.
Relativamente ao uso de fio dentário, registou-se uma prevalência elevada de adolescentes que não utilizam o fio dentário. Percentagens também elevadas para a mesma opção foram encontradas no estudo realizado pela DGS em 2008 (aos 12 anos 74,43% e aos 15 anos 79,44%) e no de Macgregor et al. (63,2%)10,22,27.
Quanto à consulta ao médico dentista nos últimos doze meses, neste estudo obteve-se uma percentagem bastante considerável. Contudo, os resultados obtidos neste estudo foram inferiores comparativamente aos registados no estudo nacional publicado em 2008 em Portugal que afirma que cerca de 85% dos adolescentes de 12 e 15 anos de idade consultaram o médico dentista nos últimos 12 meses9. Contudo, um estudo mais recentemente publicado em Portugal (2009) revela que apenas 55% dos adolescentes visitaram o médico dentista nos últimos 12 meses10. Além fronteiras, verificou-se, também, a obtenção de uma prevalência superior de consultas ao médico dentista nos últimos 12 meses em comparação com o estudo realizado por Pattussi et al. (67,3% vs 52,1%)23.
É necessário desenvolver este estudo com uma amostra superior e mais representativa dos adolescentes do concelho de Mangualde de modo a possibilitar a definição de estratégias eficazes para melhorar a saúde oral dos mais jovens.
ConclusõesO índice CPOD obtido enquadra-se no nível moderado, não atingindo a meta prevista pela OMS para a Região Europeia para 2020 (índice CPOD aos 12 anos inferior a 1,5).
A maioria dos adolescentes apresenta um CPOD individual superior a 3.
Os comportamentos de saúde oral na amostra estudada revelam que um quarto dos adolescentes não realiza uma escovagem regular diária (pelo menos duas vezes por dia) e cerca de 82.1% não utilizam o fio dentário.
Cerca de um terço dos adolescentes não foi consultado pelo médico dentista nos últimos doze meses.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.