A sialolitíase é a desordem mais comum das glândulas salivares acometendo principalmente a glândula submandibular e o seu ducto. A maioria dos cálculos salivares é de pequenos tamanhos; no entanto, podem atingir grandes proporções, sendo considerados como sialolitos gigantes. O presente trabalho tem como objetivo relatar um caso de sialolito gigante localizado no ducto da glândula submandibular tratado através de remoção cirúrgica por acesso intraoral.
Sialolithiasis is the most common salivary disorder, predominantly affecting both the submandibular gland and the Wharton's duct. Most of the salivary calculi are small in size but can reach large proportions, called giant sialoliths. This paper aims to describe a case of giant sialolith located in the submandibular gland duct, which was treated by surgical removal using an intraoral approach.
A sialolitíase é a doença mais comum das glândulas salivares em adultos1,2. Caracteriza-se pela formação de cálculos ou sialolitos no interior do ducto ou do próprio parênquima glandular3. Normalmente, medem de 5-10mm no seu maior diâmetro; no entanto, quando atingem tamanhos maiores do que 10mm são considerados raros, sendo classificados como cálculos gigantes4.
A etiologia do sialolito pode estar associada ao pH alcalino e aumento da concentração de cálcio na saliva, além de fatores anatómicos como estenose ou diverticulação do ducto salivar2,5. A glândula submandibular é a mais comummente acometida (80-95%)1,3, devido às suas características anatómicas, entre elas: 1) comprimento do ducto e 2) trajeto tortuoso e ascendente do ducto da glândula submandibular3, seguida pela glândula parótida (5-10%). Raramente ocorre nas glândulas sublinguais e glândulas salivares menores4,6.
A sialolitíase afeta 12 a cada 1 000 indivíduos da população adulta, sendo mais comum em pacientes do género masculino e raramente acomete crianças1,4,7. Na maioria das vezes, os sialolitos são assintomáticos, mas podem evoluir com dor, aumento de volume e sinais de infeção3,6.O tratamento pode ser conservador ou cirúrgico, variando de acordo com a glândula afetada, a localização e o tamanho do cálculo8.
O objetivo deste trabalho é relatar um caso clínico de sialolito gigante localizado no ducto da glândula submandibular tratado através de remoção cirúrgica, bem como discutir a literatura pertinente sobre o tema.
Caso clínicoPaciente do género feminino, 46 anos de idade, leucoderma, foi encaminhada em abril de 2012 ao Serviço de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Belo Horizonte, Brasil) queixando-se de aumento de volume em região de soalho bucal direito, disfagia e disfonia. A paciente relatou ocorrência de episódios de dor e edema na região, principalmente após períodos de alimentação.
Durante a anamnese, não foi relatada história de infeção ou episódios de febre. A história médica pregressa não foi contribuitória. Ao exame físico extrabucal, a glândula submandibular apresentava-se palpável e discretamente endurecida. Ao exame intraoral, observou-se aumento de volume na região de soalho bucal direito que se estendia do primeiro molar inferior até a região da carúncula sublingual (fig. 1). Durante a palpação, observou-se um nódulo de consistência endurecida e móvel. Foi realizada compressão das glândulas submandibulares e sublinguais, onde foi evidenciada uma quantidade mínima de drenagem salivar do lado direito.
Foi solicitada uma radiografia oclusal da mandíbula, na qual se observou a presença de uma massa radiopaca cilíndrica e alongada na região correspondente do ducto da glândula submandibular do lado direito (fig. 2). Com base na história clínica e no achado radiográfico, estabeleceu-se o diagnóstico clínico de sialolitíase.
O tratamento proposto foi a remoção cirúrgica, através de acesso intraoral sob anestesia local. Uma pequena incisão foi realizada no soalho bucal sobre o cálculo, preservando-se a região da carúncula sublingual. O ducto foi localizado e dissecado até a remoção completa do cálculo gigante (fig. 3). A sutura foi realizada com bastante critério, somente sobre a mucosa, evitando-se o fechamento do ducto e a formação de um fenómeno de retenção de saliva no período pós-operatório.
O material coletado medindo 20 x 10mm foi incluído em solução formalina a 10% e encaminhado para análise histopatológica (fig. 4). Os cortes histológicos evidenciaram estruturas calcificadas dispostas em laminações concêntricas e formações amorfas. O diagnóstico definitivo de sialolito foi obtido. Decorrido o período de 7 dias, a paciente voltou para remoção da sutura, apresentando ótima cicatrização. No momento, encontra-se com 3 meses de proservação, apresentando fluxo salivar normal e ausência de aumento de volume no soalho bucal.
DiscussãoA sialolitíase é definida pela presença de cálculos nas glândulas ou ductos salivares e representa cerca de 30% das alterações salivares4,9. A maioria dos cálculos tem origem na glândula submandibular que obstrui o ducto submandibular, também conhecido como ducto de Wharton1,9. As glândulas submandibulares são mais suscetíveis ao desenvolvimento desses cálculos (80-95%) devido a fatores químicos da saliva e às características anatomicas3,6. A glândula parótida tem menor prevalência (4-10%) devido ao auxílio dos músculos da expressão facial no fluxo salivar associado a disposição horizontal do ducto de Stenon4. A rara prevalência da glândula sublingual (1-2%) deve-se ao menor comprimento dos ductos e ao facto de possuir várias aberturas, favorecendo a drenagem da saliva10.
O sialolito desenvolve-se como resultado da deposição de cristais minerais ao redor de nichos bacterianos, muco ou de células descamadas9. A retenção associada ao aumento do pH salivar, infeção, inflamação ou trauma do ducto ou da glândula salivar podem ser fatores predisponentes para a formação do cálculo10,11. A literatura descreve uma leve predileção pelo género masculino. Acomete principalmente indivíduos de meia idade, embora possa atingir pacientes jovens, idosos e raramente crianças1. A sialolitíase ocorre em aproximadamente 1,2% da população, não tendo predileção por raça7. O presente caso envolveu uma paciente do género feminino, 46 anos de idade, sem história de trauma, inflamação ou infeção associado às glândulas salivares.
Os sialolitos são normalmente unilaterais e podem ser simples ou múltiplos12. Um único sialolito representa 75,3% dos casos, 2 representam 15,6%, 3 representam 2,9% e 4 a 8 sialolitos representam 6,2% dos casos7,12. A forma do cálculo pode fornecer informações importantes para sua localização. Normalmente, os sialolitos alongados ou de forma cilíndrica encontram-se nos ductos e os arredondados ou de forma ovoide no interior da glândula3. Na maioria dos casos, os cálculos salivares são pequenos, medindo de 1 a 10mm. Os sialolitos maiores do que 10mm são considerados raros e classificados como gigantes3, como no caso apresentado. O maior sialolito encontrado na literatura localizado no ducto da glândula submandibular atinge o tamanho de 72mm5. A sintomatologia pode variar de acordo com o tamanho e a localização do cálculo, podendo ser encontrado um aumento de volume da glândula afetada principalmente durante as refeições, sinais de infeção, longos episódios de dor e sinais flogísticos, além de disfagia e disfonia na presença de cálculos gigantes6,11, conforme descrito no caso relatado.
Na maioria dos casos, o diagnóstico clínico é associado aos exames radiográficos convencionais, mas, em alguns casos, pode ser necessário utilizar técnicas mais avançadas, como tomografia computadorizada, sialografia, ultrassonografia, cintilografia e ressonância magnética para uma melhor localização, mensuração do tamanho do cálculo e planeamento cirúrgico13.
O tratamento pode ser conservador quando o tamanho do cálculo não atinge grande proporção, através de massagem glandular, uso de sialogogos, calor húmido e hidratação, resultando em expulsão espontânea14. Em casos de sialolitos maiores, o tratamento adequado é a remoção cirúrgica como no caso apresentado. Por vezes, torna-se necessária a excisão completa da glândula afetada5,7. Os tratamentos alternativos através de endoscopia e litotrícia (onda de choque extracorpórea) encontram-se na literatura11,14. Quando abordados por acesso intraoral, as complicações após a remoção dos sialolitos são incomuns; no entanto, pode ocorrer estenose do ducto, fibrose na área do ducto e, mais comummente, formação de um fenómeno de retenção de saliva13. Conforme descrito no presente caso, uma correta dissecção do ducto e sutura criteriosa após a remoção do cálculo minimizam o surgimento de complicações no pós-operatório. Em casos em que foram instituídos tratamentos mais agressivos, principalmente por acesso extrabucal, a paralisia do nervo facial é a complicação mais comum3.
ConclusãoExistem vários métodos de tratar os sialolitos, dependendo do tamanho, da glândula afetada e da localização do cálculo. O sialolito gigante localizado no ducto da glândula submandibular pode ser facilmente diagnosticado através do exame clínico e de imagem e tratado através de remoção cirúrgica por acesso intraoral.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.