Este trabalho teve como objetivo avaliar a prevalência de disfunções temporomandibulares (DTM) articulares em músicos de instrumentos de sopro e determinar a relação existente entre a prática de um instrumento musical de sopro e o desenvolvimento das DTM.
MétodosFoi realizado um estudo observacional descritivo, transversal, para determinar a prevalência de DTM articulares em estudantes de instrumentos de sopro da Escola Profissional de Artes da Beira Interior (Covilhã), utilizando a versão portuguesa dos Research Diagnostic Criteria for Temporormandibular Disorders e avaliar possíveis fatores de risco associados. A análise foi realizada com o IBM© SPSS© Statistics vs.20.0 (α=0,05).
ResultadosVerificou‐se uma prevalência de 68,3% indivíduos com diagnóstico de DTM articular, dos quais 29,3% apresentava anteposição discal (AD) com redução, 14,6% AD sem redução sem limitação de abertura, 17,1% diagnóstico de artralgia, 24,4% de osteoartrite e 19,5% de osteoartrose. Nenhum aluno observado apresentava diagnóstico de AD sem redução com limitação da abertura. Foi detetada diferença significativa na idade dos executantes de sopro por diagnóstico de disfunções do complexo côndilo‐disco (ANOVA, p=0,014), sendo que os que não têm diagnóstico são significativamente mais jovens que os que apresentam AD com redução (T. Scheffé, p=0,021), mas não existe diferença significativa entre os que apresentam AD sem redução/sem limitação com os restantes. O tipo de instrumento não está significativamente associado (p>0,05) ao diagnóstico.
ConclusãoOs fatores de risco, análise multivariada, associados às DTM articulares foram a idade e a interação entre esta e o número de anos de prática do instrumento musical.
The purpose of this study was to assess the prevalence of temporomandibular joint disorders in wind instrument players and to establish the relationship between the practice of a wind instrument and the development of temporomandibular disorders.
Materials and MethodsA cross‐sectional observational descriptive study, was conducted to determine the prevalence of temporomandibular joint disorders in students of winds instruments, at Escola Profissional de Artes da Beira Interior (Covilhã ‐ Portugal), using the Portuguese version of the Research Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders and to evaluate possible risk factors associated with it. Analysis was performed using IBM© SPSS© Statistics vs.20.0 (α=0.05).
ResultsIt was found a prevalence of 68.3% of individuals with temporomandibular joint pathology, of which 29.3% were diagnosed with disc displacement (DD) with reduction, 14.6% DD without reduction without limited opening, 17.1% with arthralgia, 24.4% with osteoarthritis and 19.5% with osteoarthrosis. None of the observed students had a diagnosis of DD without reduction with limited opening. A significant age difference of the wind instrument players was detected for the intra‐articular temporomandibular disorders (ANOVA, p=0.014), being the ones without diagnosis significantly younger than the ones with DD with reduction (T.Scheffé, p=0.021), but no difference was detected between the ones with DD without reduction/without limitation and the others. There was not an association between diagnosis and the type of instrument played (p>0.05).
ConclusionIn multivariable analysis, risk factors associated with the development of temporomandibular disorder were, age and the interaction age and years of instrument practice.
Nos últimos anos tem surgido um interesse crescente no estudo das lesões profissionais no músico. No entanto, existe uma escassez de estudos sobre o desenvolvimento de lesões ocupacionais, nomeadamente, em instrumentistas de sopro1–6. As lesões ocupacionais a que estes estão sujeitos podem muitas vezes interferir com a sua habilidade técnica e performativa, podendo mesmo pôr termo à carreira profissional7,8.
As disfunções temporomandibulares (DTM) são definidas pela American Academy of Orofacial Pain (AAOP)9 como o conjunto de problemas nos músculos da mastigação, da articulação temporomandibular (ATM) e das estruturas associadas, isolada ou coletivamente. Não existe uma causa isolada para os sinais e sintomas das DTM, sendo a etiologia desta patologia complexa e multifatorial10.
Os músicos são um grupo bastante suscetível ao desenvolvimento de DTM, podendo a sua prática apresentar‐se como um fator não só desencadeante desta patologia, como agravante ou perpetuante de um problema já existente7, conferindo uma limitação temporária ou permanente na habilidade e prática de um instrumento musical de sopro2.
A prática de um instrumento musical de sopro pode ser considerada uma parafunção do sistema estomatognático, uma vez que exige uma actividade mandibular superior à função fisiológica normal, sendo, por isso, um possível fator desencadeante ou agravante de DTM9, sendo o primeiro e principal sintoma a dor4. As DTM podem ser de origem muscular ou articular10, sendo as DTM articulares o objeto de estudo deste trabalho.
Os músicos são bastante relutantes em procurar auxílio médico, por medo de comprometer as suas carreiras profissionais11–14. É por estes motivos que tendem a manter os seus hábitos15, encontrando meios de mascarar os efeitos deste problema7,14,16,17.
Existe uma grande carência na área da medicina dentária na instrução de saúde oral e aconselhamento preventivo em músicos1,15, assim como dos músicos relativamente à necessidade de cuidados especiais de saúde oral18.
Como objetivo deste trabalho pretende‐se estudar a prevalência das DTM articulares em estudantes de instrumentos de sopro e avaliar alguns fatores de risco a elas associados.
Materiais e métodosEstudo observacional descritivo de natureza transversal. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Fernando Pessoa. Todos os participantes receberam informação, oral e escrita, sobre o estudo e assinaram um consentimento informado (sendo menores esse consentimento foi assinado pelos representantes legais).
A população‐alvo foi constituída por todos os estudantes de música executantes de instrumentos de sopro da Escola Profissional de Artes da Beira Interior (EPABI) (Covilhã), de ambos os sexos e qualquer idade. A amostra foi constituída de forma não probabilística pelos estudantes que aceitaram participar no estudo (n=41; 57,7% da população‐alvo).
Os participantes preencheram um questionário (anexo) e foram submetidos a uma avaliação clínica com as perguntas e parâmetros de avaliação, do Eixo I, versão portuguesa19 dos Research Diagnostic Criteria for Temporormandibular Disorders (RDC/TMD), que permitiam o diagnóstico de disfunções articulares (Grupo II – disfunções do complexo côndilo‐disco; Grupo III – disfunções degenerativas). Preencheram um segundo questionário (anexo), com questões identificadas em estudos anteriores11,15,16,18,20–30, relacionado ao instrumento musical, às características do seu estudo, género e idade.
A avaliação clínica foi realizada entre abril e maio/2011 por uma única observadora (F. L.) previamente calibrada.
O tratamento estatístico foi realizado no programa IBM© SPSS© Statistics vs.20.0 (SPSS Inc, Chicago, IL, EUA), considerando α=0,05.
Para variáveis quantitativas, não normalmente distribuídas (teste de Kolmogorov‐Smirnov), a comparação da medida de tendência central entre 2 grupos independentes foi realizada utilizando o teste de Mann‐Whitney (n.° médio de horas que estuda/dia, bloco de estudo (min), n.° de intervalos que faz, tempo de intervalo (min) vs. género ou diagnóstico de DTM), ou t‐Student se existia normalidade (idade [anos], anos que toca o instrumento, anos que toca qualquer instrumento de sopro [atual + anterior] e outras variáveis de tempo vs. género ou diagnóstico de DTM). Para mais de 2 grupos (diagnóstico de DTM por grupo), realizou‐se o teste de Kruskal‐Wallis (para distribuição não normal) ou uma ANOVA (distribuição normal); tendo‐se detetado diferenças significativas estas foram investigadas através do teste de Mann‐Whitney (distribuição não normal) ou teste de comparação a posteriori de Scheffé (distribuição aproximadamente normal). O teste de qui‐quadrado e/ou o exato de Fisher foram usados para averiguar a existência de associação entre categorias de variáveis nominais/ordinais e o coeficiente de correlação de Spearman para variáveis quantitativas. O intervalo de confiança a 95% para a prevalência de DTM foi calculado usando o método exacto.
Após análise univariada de fatores associados ao diagnóstico DTM, os fatores significativamente associados (p<0,05) a DTM, assim como os que apresentaram p<0,20 foram incluídos num modelo de regressão logística multivariável (método de Wald regressivo, p=0,05/p=0,20 para inclusão/exclusão de variáveis), testando‐se também a interação idade*tempo que toca.
ResultadosA calibração da observadora com um operador experiente (num grupo de 10 estudantes universitários sem DTM e 10 com DTM, grupos II e III, pelo eixo I dos RDC/TMD) produziu muito boa a excelente concordância em todos os parâmetros do exame clínico (kappa de Cohen≥0,90 intraoperador e kappa ≥0,80 interoperador).
Nesta amostra, 68,3% dos indivíduos apresentavam diagnóstico de alguma DTM (IC 95%: 51,9‐81,9%), que não difere significativamente por sexo (p=0,276). As disfunções do complexo côndilo‐disco (tabela 1) tiveram uma prevalência de 46,3% (29,3% de anteposição discal [AD] com redução e 14,6% de AD sem redução e sem limitação de abertura de boca) e as disfunções degenerativas a prevalência de 43,9% (24,4% osteoartrite e 19,5% osteoartrose). A artralgia, per si, apresentou prevalência de 17,1%, mas considerando que existe concomitantemente na situação de osteoartrite, esta aumenta a sua prevalência para 41,5%.
Distribuição de frequências de variáveis relativas aos músicos, de diagnóstico (Grupo II e III) e de tipo de instrumento tocado. Comparação por género
Variável | Categoria | Todos (%) | Feminino (%) | Masculino (%) | p |
---|---|---|---|---|---|
Diagnóstico de DTM | Sem diagnóstico | 13 (31,7) | 2 (16,7) | 11 (37,9) | 0,276 |
Com DTM | 28 (68,3) | 10 (83,3) | 18 (62,1) | ||
Diagnóstico Grupo II | Sem diagnóstico | 23 (56,1) | 3 (25) | 20 (69) | 0,020 |
AD c/redução | 12 (29,3) | 7 (58,3) | 5 (17,2) | ||
AD s/redução s/limitação | 6 (14,6) | 2 (16,7) | 4 (13,8) | ||
Diagnóstico Grupo III | Sem diagnóstico | 16 (39) | 3 (25) | 13 (44,8) | 0,280 |
Artralgia* | 7 (17,1) | 1 (8,3) | 6 (20,7) | ||
Osteoartrite | 10 (24,4) | 4 (33,3) | 6 (20,7) | ||
Osteoartrose | 8 (19,5) | 4 (33,3) | 4 (13,8) | ||
Instrumentos | Metais | 22 (53,7) | 3 (25) | 19 (65,5) | 0,052 |
Palheta única | 11 (26,8) | 4 (33,3) | 7 (24,1) | ||
Palheta dupla | 4 (9,8) | 2 (16,7) | 2 (6,9) | ||
Pequena abertura | 4 (9,8) | 3 (25) | 1 (3,4) |
Valores de p a negrito indicam diferenças significativas.
A distribuição das DTM articulares por sexo (tabela 1) permite concluir que existem diferenças significativas na prevalência das disfunções do complexo côndilo‐disco, sendo a AD com redução significativamente mais prevalente nas mulheres (58,3%) do que nos homens (17,2%). Os homens apresentam uma prevalência significativamente inferior de disfunções do complexo côndilo‐disco (p=0,010). Não se detetou diferença significativa por sexo de disfunções degenerativas e artralgia (p=0,280), nem mesmo após recodificação da variável em presença/ausência de disfunções degenerativas (p=0,305). Quanto ao tipo de instrumentos tocados, embora não seja detetado um padrão significativo (p=0,052), observa‐se uma tendência para os metais serem mais tocados por homens e os instrumentos (madeiras) de palheta dupla e de pequena abertura serem tocados por mulheres.
A idade dos praticantes (tabela 2) é significativamente mais elevada para quem tem diagnóstico de DTM (teste t‐Student, p=0,001) (18,3 vs. 15,9anos). Os alunos desta amostra estudavam/tocavam o instrumento, em média, há 5,2 anos, e qualquer instrumento de sopro há 6,0 anos, valores que diferem significativamente para diagnóstico de DTM (teste t‐Student, p=0,012 e 0,005), com quem tem diagnóstico de DTM articular toca o seu instrumento musical atual, ou qualquer de sopro, há significativamente mais tempo (6,0 e 6,8 anos) do que quem não apresenta DTM (3,6 e 4,2 anos).
Estatísticas relativas à idade e a variáveis relacionadas com prática musical, e comparação por género e diagnóstico de DTM
Diagnóstico de DTM | Sexo | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Todos | Não tem | Tem DTM | p | Fem | Masc | p | |
n (%) | 41 (100) | 13 (31,7) | 28 (68,3) | 12 (29,3) | 29 (70,7) | ||
Idade (anos) | |||||||
Média (±DP) | 17,5 (±2,2) | 15,9b (±1,6) | 18,3a (±2) | 0,001 | 17,9 (±1,6) | 17,4 (±2,4) | 0,400 |
Me (Q1‐Q3) | 18 (16‐19) | 16 (14,5‐17) | 18 (17‐20) | 18 (17‐18,8) | 17 (15,5‐19,5) | ||
Min‐max | 13‐22 | 13‐18 | 15‐22 | 15‐21 | 13‐22 | ||
N.° de anos que toca o instrumento | |||||||
Média (±DP) | 5,2 (±2,9) | 3,6b (±2,1) | 6,0a (±2,9) | 0,012 | 4,8 (±2,4) | 5,4 (±3,1) | 0,564 |
Me (Q1‐Q3) | 5 (3‐7) | 3 (2‐5,5) | 6 (3,3‐8,8) | 5 (3‐6) | 5 (3‐7,5) | ||
Min‐max | 1‐13 | 1‐7 | 1‐13 | 1‐10 | 1‐13 | ||
N.° de anos que toca qualquer instrumento de sopro | |||||||
Média (±DP) | 6 (±2,9) | 4,2b (±2,4) | 6,8a (±2,7) | 0,005 | 5,5 (±2,5) | 6,1 (±3,0) | 0,525 |
Me (Q1‐Q3) | 6 (3‐8) | 3 (2,6‐6,5) | 7 (4,5‐9) | 5 (3‐6,8) | 7 (3,3‐8,5) | ||
Min‐max | 1‐13 | 1‐8 | 3‐13 | 3‐10 | 1‐13 | ||
N.° médio de horas que estuda/dia | |||||||
Média (±DP) | 3,9 (±1,2) | 4,3 (±1,4) | 3,8 (±1,1) | 4,4 (±1,7) | 3,8 (±0,9) | ||
Me (Q1‐Q3) | 4 (3‐4) | 4 (4‐4,8) | 4 (3‐4) | 0,125 | 4 (3,5‐4) | 4 (3‐4,3) | 0,893 |
Min‐max | 2‐8 | 2‐8 | 2‐8 | 3‐8 | 2‐5 | ||
Bloco de estudo (min) | |||||||
Média (±DP) | 57,4 (±18,3) | 60,4 (±19,2) | 56 (±18,1) | 65 (±20,3) | 54,2 (±16,8) | ||
Me (Q1‐Q3) | 60 (46,3‐60) | 60 (50‐60) | 52,5 (45‐60) | 0,354 | 60a (54,4‐60) | 51,3b (45‐60) | 0,042 |
Min‐max | 20‐120 | 40‐120 | 20‐120 | 45‐120 | 20‐120 | ||
N.° de intervalos que faz | |||||||
Média (±DP) | 3,4 (±1,7) | 3,9 (±2,0) | 3,2 (±1,5) | 3,6 (±2,2) | 3,4 (±1,4) | ||
Me (Q1‐Q3) | 3 (2‐4) | 4 (2‐5,5) | 3 (2‐4) | 0,220 | 3 (2‐4) | 3 (2‐4) | 0,712 |
Min‐max | 1‐8 | 1‐8 | 1‐8 | 2‐8 | 1‐6 | ||
Tempo de intervalo (min) | |||||||
Média (±DP) | 15,1 (±7) | 12,7 (±3,7) | 16,2 (±7,9) | 15,8 (±5,7) | 14,8 (±7,6) | ||
Me (Q1‐Q3) | 15 (10‐15) | 15 (10‐15) | 15 (10,6‐21,3) | 0,196 | 15 (11,3‐16,9) | 15 (8,8‐15) | 0,400 |
Min‐max | 5‐30 | 7,5‐20 | 5‐30 | 10‐30 | 5‐30 |
Valores de p a negrito indicam diferenças significativas.
a,b: letras diferentes indicam diferenças significativas (a: média ou mediana mais elevada, b: média ou mediana menor) de acordo com o teste t‐Student ou de Mann‐Whitney.
A idade e número de anos que toca o instrumento de sopro atual estão diretamente e significativamente correlacionadas (rs=0,502, p=0,001), o mesmo sendo válido para a relação entre a idade e o número de anos que toca qualquer instrumento de sopro (rs=0,548, p<0,001).
O estudo médio diário era de aproximadamente 4 horas/dia. Todos os indivíduos faziam intervalos durante o estudo, numa média de 3,4 intervalos/dia, com uma duração média de 15,1 minutos/intervalo e uma média de 57,4 minutos de estudo seguido («bloco»). A duração do bloco de tempo de estudo não difere para diagnóstico de DTM, mas difere por sexo (teste Mann–Whitney, p=0,042), com os homens a apresentarem significativamente menor duração de estudo consecutivo.
Cerca de 20% estudava com picos de intensidade (tabela 3), intensificando o seu estudo em momentos de maior responsabilidade performativa. Constatou‐se que 70,7% dos indivíduos faziam exercícios de aquecimento e 58,5% faziam exercícios de relaxamento. Cerca de 93% dos indivíduos admitiram sentir ansiedade em momentos de performance e 68,3% referiram que essa ansiedade os podia prejudicar na execução do seu instrumento. A perceção de «no pain no gain» foi referida por 90% dos inquiridos. Nenhuma destas questões mostrou associação ao diagnóstico DTM e o diagnóstico de DTM é independente da tipologia de instrumento tocado.
Distribuição de variáveis relacionadas com prática musical, e comparação por diagnóstico de DTM
Diagnóstico de DTM | ||||
---|---|---|---|---|
Todos (%) | Não tem (%) | Tem DTM (%) | p | |
Prática com picos de intensidade (sim) | 8 (19,5) | 1 (7,7) | 7 (25) | 0,398 |
Faz exercícios de aquecimento (sim) | 29 (70,7) | 11 (84,6) | 18 (64,3) | 0,183 |
Faz exercícios de relaxamento (sim) | 24 (58,5) | 7 (53,8) | 17 (60,7) | 0,678 |
Ansioso em momentos de performance (sim) | 38 (92,7) | 12 (92,3) | 26 (92,9) | ≅1,000 |
Ansiedade prejudicou performance (sim) | 28 (68,3) | 10 (76,9) | 18 (64,3) | 0,493 |
«No pain no gain» (sim) | 36 (90) | 12 (92,3) | 24 (88,9) | ≅1,000 |
Instrumentos | ||||
Metais | 8 (61,5) | 14 (50) | 0,922 | |
Palheta única | 3 (23,1) | 8 (28,6) | ||
Palheta dupla | 1 (7,7) | 3 (10,7) | ||
Pequena abertura | 1 (7,7) | 3 (10,7) |
É detetada diferença significativa (tabela 4) na idade dos executantes de sopro por diagnóstico de disfunções do complexo côndilo‐disco (ANOVA, p=0,014), sendo que os que não têm diagnóstico são significativamente mais jovens que os que apresentam AD com redução (teste Scheffé, p=0,021), mas não há diferença significativa entre os que apresentam AD sem redução e s/limitação com os restantes (provavelmente devido à menor dimensão amostral deste grupo). Também se verifica diferença significativa relativamente ao n.° médio diário de horas que estuda (teste de Kruskal‐Wallis, p=0,047), tendo os executantes com AD com redução um menor tempo de estudo quando comparados com os que não têm diagnóstico (teste Mann‐Whitney, p=0,016).
Estatísticas relativas à idade e a variáveis relacionadas com prática musical, e sua comparação diagnóstico de disfunções do complexo côndilo‐disco (Grupo II)
Diagnóstico Grupo II | ||||
---|---|---|---|---|
Sem diagnóstico | AD c/redução | AD s/redução s/limitação | p | |
n (%) | 23 (56,1) | 12 (29,3) | 6 (14,6) | |
Idade (anos) | ||||
Média (±DP) | 16,7b (±2) | 18,8a (±1,7) | 18,3ab (±2,4) | 0,014 |
Me (Q1‐Q3) | 17 (15‐18) | 18 (17,3‐20) | 19 (15,8‐20,3) | |
Min‐max | 13‐21 | 17‐22 | 15‐21 | |
N.° de anos que toca o instrumento | ||||
Média (±DP) | 4,5 (±2,5) | 6,5 (±3,5) | 5,5 (±2,4) | 0,154 |
Me (Q1‐Q3) | 4 (3‐7) | 6 (3,3‐9,8) | 5 (3,8‐7) | |
Min‐max | 1‐9 | 1‐13 | 3‐10 | |
N.° de anos que toca qualquer instru‐mento de sopro | ||||
Média (±DP) | 5,3 (±2,7) | 7,2 (±3,2) | 5,9 (±2,6) | 0,225 |
Me (Q1‐Q3) | 6 (3‐7) | 6,5 (4,3‐10) | 5 (4‐8,5) | |
Min‐max | 1‐10 | 3‐13 | 3‐10 | |
N.° médio de horas que estuda/dia | ||||
Média (±DP) | 4,2 (±1,2) | 3,7 (±1,5) | 3,8 (±0,6) | |
Me (Q1‐Q3) | 4a (4‐5) | 3,5b (3‐3,9) | 4a,b (3‐4,1) | 0,047 |
Min‐max | 2‐8 | 2‐8 | 3‐4,5 | |
Bloco de estudo (min) | ||||
Média (±DP) | 59,7 (±21) | 54,5 (±6,8) | 54,2 (±22,9) | |
Me (Q1‐Q3) | 60 (50‐60) | 60 (45‐60) | 55 (38,8‐67,5) | 0,921 |
Min‐max | 37,5‐120 | 45‐60 | 20‐90 | |
N.° de intervalos que faz | ||||
Média (±DP) | 3,7 (±1,7) | 2,9 (±1,8) | 3,7 (±1,2) | |
Me (Q1‐Q3) | 4 (2‐4) | 2,5 (2‐3) | 3 [3‐4,5] | 0,182 |
Min‐max | 1‐8 | 1‐8 | 3‐6 | |
Tempo de intervalo (min) | ||||
Média (±DP) | 12,9 (±5,4) | 19 (±7,3) | 15,6 (±9,6) | |
Me (Q1‐Q3) | 15 (10‐15) | 15 (15‐28,1) | 15 (5,8‐24,4) | 0,060 |
Min‐max | 5‐30 | 10‐30 | 5‐30 |
Valores de p a negrito indicam diferenças significativas.
a,b: letras diferentes indicam diferenças significativas (a: média ou mediana mais elevada, b: média ou mediana menor) de acordo com o teste t‐Student ou de Mann‐Whitney.
Relativamente ao diagnóstico de disfunções degenerativas (tabela 5), verificam‐se diferenças significativas para idade, anos que toca o instrumento e anos que toca qualquer instrumento de sopro (ANOVA, p=0,010, p=0,002 e p=0,004, respetivamente). Assim, os instrumentistas sem diagnóstico são significativamente mais jovens e tocam há menos tempo que os que apresentam osteoartrose (teste Scheffé, p=0,006 e p=0,001, respetivamente), não se detetando diferenças para os outros diagnósticos.
Estatísticas relativas à idade e a variáveis relacionadas com prática musical e sua comparação diagnóstico de disfunções degenerativas (Grupo III)
Diagnóstico Grupo III | |||||
---|---|---|---|---|---|
Sem diagnóstico | Artralgia | Osteoartrite | Osteoartrose | p | |
n (%) | 16 (39) | 7 (17,1) | 10 (24,4) | 8 (19,5) | |
Idade (anos) | |||||
Média (±DP) | 16,4b (±1,9) | 17,3ab (±2,4) | 18,0ab (±1,6) | 19,4a (±1,8) | 0,010 |
Me (Q1‐Q3) | 16,5 (15,3‐17,8) | 17 (15‐20) | 18 (16,8‐19,3) | 19 (18‐21) | |
Min‐max | 13‐21 | 15‐20 | 15‐20 | 17‐22 | |
N.° de anos que toca o instrumento | |||||
Média (±DP) | 3,7b (±1,9) | 5,7ab (±2,6) | 5,1ab (±2,8) | 8,1a (±3,0) | 0,002 |
Me (Q1‐Q3) | 3 (2,3‐5) | 6 (3‐8) | 4,5 (3‐6,8) | 8 (6,3‐10) | |
Min‐max | 1‐7 | 2‐9 | 1‐10 | 3‐13 | |
N.° de anos que toca qualquer instrumento de sopro | |||||
Média (±DP) | 4,1b (±2,1) | 6,8ab (±1,9) | 6,5ab (±2,9) | 8,1a (±3,0) | 0,004 |
Me (Q1‐Q3) | 3,5 (3‐6) | 7 (5‐8) | 5,5 (4‐10) | 8 (6,3‐10) | |
Min‐max | 1‐8 | 3,5‐9 | 3‐10 | 3‐13 | |
N.° médio de horas que estuda/dia | |||||
Média (±DP) | 4,2 (±1,2) | 3,6 (±1) | 3,8 (±0,8) | 4 (±1,8) | 0,472 |
Me (Q1‐Q3) | 4 (4‐4,4) | 4 (3‐4) | 3,8 (3‐4,3) | 3,8 (3‐4,4) | |
Min‐max | 2‐8 | 2‐5 | 3‐5 | 2‐8 | |
Bloco de estudo (min) | |||||
Média (±DP) | 60,3 (±17,8) | 46,4 (±14,1) | 63,5 (±21,4) | 54,1 (±16,5) | |
Me (Q1‐Q3) | 60 (50‐60) | 50 (37,5‐60) | 60 (51,9‐63,8) | 47,5 (45‐60) | 0,120 |
Min‐max | 40‐120 | 20‐60 | 45‐120 | 37,5‐90 | |
N.° de intervalos que faz | |||||
Média (±DP) | 3,7 (±1,9) | 3,3 (±1,4) | 2,9 (±0,7) | 3,8 (±2,2) | |
Me (Q1‐Q3) | 4 (2‐4,8) | 3 (2‐4) | 3 (2‐3,3) | 3 (2‐5,5) | 0,786 |
Min‐max | 1‐8 | 2‐6 | 2‐4 | 2‐8 | |
Tempo de intervalo (min) | |||||
Média (±DP) | 14,5 (±5,9) | 15 (±7,6) | 16,4 (±8,3) | 14,7 (±8,2) | |
Me (Q1‐Q3) | 15 (10‐15) | 15 (10‐15) | 15 (12,8‐20,6) | 13,8 (8,1‐20,6) | 0,876 |
Min‐max | 7,5‐30 | 5‐30 | 5‐30 | 5‐30 |
Valores de p a negrito indicam diferenças significativas.
a,b: letras diferentes indicam diferenças significativas (a: média mais elevada, b: média menor) de acordo com o teste de Scheffé.
O tipo de instrumento e o diagnóstico, tanto do Grupo II como do Grupo III, não estão associados (p >0,05 ambas as comparações).
Em análise univariada de fatores de risco de DTM (tabela 6) apenas se deteta associação significativa (p<0,05) deste diagnóstico com as variáveis idade, anos que toca o instrumento (atual ou atual+anterior). Em análise multivariada verificou‐se que a idade e a interação entre idade e anos que toca o instrumento constituem fatores de risco significativamente associados à DTM (tabela 6, modelo 1). Quando contabilizado o tempo total a tocar qualquer instrumento de sopro (atual e anterior), verifica‐se que, para além da idade e a da interação entre idade e anos que toca qualquer instrumento de sopro, o tempo de cada intervalo também constitui fator de risco significativamente associado à presença de DTM (tabela 6, modelo 2). O sexo feminino, embora retido nos modelos e apresentando um OR elevado, não é detetado como fator de risco significativo para DTM nesta população.
Análise univariadas e multivariada de fatores (de risco) associados à presença de DTM
Análise univariada | p | OR | IC 95% OR |
---|---|---|---|
Idade (anos) (por incremento de um ano) | 0,004 | 2,039 | 1,249‐3,327 |
Sexo feminino | 0,196 | 3,056 | 0,562‐16,615 |
Instrumento = Metais | 0,923 | 1 | |
Instrumento = Palheta Única | 0,603 | 1,524 | 0,312‐7,442 |
Instrumento = Palheta Dupla | 0,663 | 1,714 | 0,152‐19,359 |
Instrumento = Pequena abertura | 0,663 | 1,714 | 0,152‐19,359 |
N.° de anos que toca o instrumento | 0,021 | 1,472 | 1,060‐2,045 |
N.° de anos que toca qualquer instrumento de sopro | 0,012 | 1,504 | 1,094‐2,067 |
N.° médio de horas que estuda/dia | 0,264 | 0,729 | 0,418‐1,271 |
N.° de intervalos que faz | 0,210 | 0,774 | 0,519‐1,155 |
Bloco de estudo (min) | 0,482 | 0,987 | 0,953‐1,023 |
Tempo de intervalo (min) | 0,147 | 1,089 | 0,970‐1,223 |
Faz exercícios de aquecimento (sim) | 0,196 | 0,327 | 0,060‐1,780 |
Faz exercícios de relaxamento (sim) | 0,678 | 1,325 | 0,351‐5,000 |
Faz prática regular c/picos de intensidade (sim) | 0,219 | 4,000 | 0,438‐36,539 |
Sente ansiedade no momento da performance (sim) | 0,950 | 1,083 | 0,089‐13,145 |
A ansiedade prejudica a performance (sim) | 0,422 | 0,540 | 0,120‐2,430 |
No pain no gain (sim) | 0,737 | 0,667 | 0,063‐7,109 |
Modelo 1* | |||
Idade (anos) | 0,033 | 1,774 | 1,048‐3,005 |
Idade* N.° de anos que toca o instrumento | 0,006 | 1,032 | 1,009‐1,056 |
Sexo feminino | 0,121 | 4,955 | 0,657‐37,381 |
Tempo de intervalo (min) | 0,060 | 1,200 | 0,992‐1,452 |
Constante | 0,016 | 0,008 | |
AUC (IC 95%) | Sensibilidade | Especificidade | |
0,861 (0,75‐0,972) | 0,643 | 1,000 | |
Modelo 2** | |||
Idade (anos) | 0,004 | 2,032 | 1,252 ‐ 3,296 |
Idade* N.° anos que toca qualquer instrumento de sopro | 0,004 | 1,035 | 1,011 ‐ 1,060 |
Sexo feminino | 0,104 | 5,768 | 0,698 ‐ 47,657 |
Tempo de intervalo (min) | 0,048 | 1,192 | 1,001 ‐ 1,418 |
Constante | 0,009 | 0,005 | |
AUC (IC 95%) | Sensibilidade | Especificidade | |
0,891 (0,792‐0,991) | 0,786 | 0,923 |
Valores de p a negrito indicam diferenças significativas.
Variável(is) inserida(s) na 1.a etapa: Idade (anos), N.° de anos que toca o instrumento, interação idade*N.° de anos que toca o instrumento, Sexo, Tempo de intervalo (min), Faz exercícios de aquecimento (sim);.
Variável(is) inserida(s) na 1.a etapa: Idade (anos), N.° anos que toca qualquer instrumento de sopro, interacção idade*N.° anos que toca qualquer instrumento de sopro, Sexo, Tempo de intervalo (min), Faz exercícios de aquecimento (sim); AUC: área sob a curva ROC; OR: Odds Ratio; IC 95%: intervalo de confiança com 95% de confiança.
As DTM mais prevalentes foram a AD com redução e a artralgia. Isto deve‐se, provavelmente, à idade precoce dos estudantes avaliados e aos poucos anos de prática instrumental, o que os leva a desenvolver DTM ainda iniciais.
Nenhum diagnóstico de AD sem redução com limitação de abertura foi atribuído. Isto pode dever‐se ao facto de todos os alunos estarem em plena atividade musical e, portanto, nenhum foi encontrado em fase aguda da lesão.
Um estudo anterior29 encontrou uma prevalência mais baixa de DTM (em 22,5% dos músicos), 31% apresentavam dor dentária ou na ATM, 9% apresentava sinais de bloqueio na ATM e 13% ruídos articulares. Noutro7 verificou‐se que 38,57% sentiam ruídos articulares, 27,14% tinham dores na ATM e 21,42% limitação na abertura de boca, valores mais elevados que os deste estudo (comparando sintomas referidos com patologias associadas). Outros autores30 encontraram uma prevalência de 63% com dor na zona dos dentes/mandíbula e/ou na ATM.
Neste estudo o sexo feminino apresenta mais DTM articulares. Em ambos os sexos a AD com redução e a artralgia são os diagnósticos mais prevalentes.
Estudos anteriores16,21,25,27,31–37, à semelhança deste, referem uma prevalência mais elevada de DTM em mulheres instrumentistas de sopro. No entanto, nem todos os estudos apresentam esta diferença como significativa para mulheres (prevalência de 51%17 e de 55%23, sem diferenças significativas para homens).
Observou‐se que quanto mais velhos e mais anos de prática instrumental, maior a prevalência de DTM articulares, relação também confirmada por outros estudos23,26,29. Este facto pode dever‐se à acumulação dos efeitos da prática musical na ATM e ao aparecimento de responsabilidades musicais acrescidas que possam despoletar ou agravar um diagnóstico de DTM articular21,23,27,38,39.
Neste estudo alunos com diagnóstico de DTM articular, nomeadamente AD com redução, estudavam menos horas por dia, o que pode ser explicado, como outro autor21 também sugeriu, pela dificuldade destes indivíduos suportarem os seus sintomas.
Enquanto o sexo feminino só univariadamente se encontra associado à DTM, de forma multivariada, quer a idade quer a interação desta com os anos que toca estão associados à DTM. Para além disso, se contabilizado todo o tempo de prática de instrumentos de sopro, o aumento de tempo de intervalo entre sessões está associado a DTM, o que poderá ser explicado por uma necessidade de maiores intervalos/paragem se a DTM já existe ou sintomas articulares existem, tal como se verificou noutro estudo29.
Este estudo apresenta algumas limitações, como por exemplo, os fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais que não foram tidos em conta nesta avaliação, podendo ter interferido nos resultados obtidos. As limitações dos RDC/TMD são também limitações deste estudo. Apesar desta ferramenta epidemiológica ter demonstrado um grau de confiança suficiente para o diagnóstico clínico das DTM mais comuns40, não observado, para todos os diagnósticos articulares obtidos pelos RDC/TMD (Grupo II e Grupo III) sensibilidade≥0,70 e especificidade ≥0,9541. No entanto, na data de realização deste trabalho os RDC/TMD eram considerados o protocolo de diagnóstico de desordens articulares de maior sucesso41. A dimensão da amostra é pequena, embora outros estudos25,42,43 tenham amostras da mesma ordem de grandeza. Este facto não permitiu a subdivisão da análise por faixas etárias; como foram poucos os executantes de instrumentos de palheta dupla e pequena abertura, não se testou a relação entre patologias desenvolvidas e o tipo de instrumento de sopro e o sexo do praticante.
ConclusõesDentro das limitações do estudo realizado verificou‐se existirem, nos estudantes de instrumentos de sopro, como fatores de risco para DTM, o género (univariadamente), a idade e a interação desta com o número de anos de prática musical (análise multivariada). Verificou‐se que as disfunções mais prevalentes (AD com redução e artralgia) correspondiam aos diagnósticos de menor gravidade, compatível com o facto de os instrumentistas serem ainda/apenas estudantes.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.
A autora M. C. Manso agradece o financiamento de fundos da União Europeia (FEDER, através do COMPETE) e de fundos nacionais (Fundação para a Ciência e Tecnologia) pelo projecto Pest‐C/EQB/LA0006/2013.