Avaliação ex‐vivo da influência do preparo cervical na determinação do diâmetro anatómico em molares mandibulares.
MétodosForam divididas 40 raízes mesiais de molares inferiores humanos extraídos em quatro grupos (n = 10), de acordo com o instrumento usado no preparo de terço cervical (grupo I: sem preparo cervical; grupo II: broca de Largo n°2; grupo III: CP Drill; grupo IV: LA Axess 20.06). Os canais foram explorados com lima tipo K 08 até que sua ponta estivesse visível no forame, para determinar o comprimento real do dente, e, com recuo de 1mm, foi determinado o comprimento real de trabalho. O diâmetro anatómico dos canais foi determinado com a inserção passivamente de limas tipo K, com início na 08, até que houvesse a sensação de travamento. Em seguida, a lima foi fixada com metilcianocrilato e foram feitas secções transversais no comprimento real de trabalho (CRT), para posterior análise em estereomicroscópio. Após a obtenção das imagens foi avaliado o diâmetro ocupado pelo instrumento e o diâmetro do canal, por meio do software UTHSCSA Image Tool. Os dados foram analisados estatisticamente com testes de D’Agostino & Pearson e Anova, com nível de significância de 5%.
ResultadosOs resultados mostraram que o grupo da L.A. Axxess apresentou a menor discrepância e o grupo sem preparo cervical, a maior. Enquanto que os grupos da broca de Largo e CPDrill mostraram resultados intermediários, apesar de não haver diferença estatística entre os grupos (p > 0,05).
ConclusãoNão havia diferença entre os instrumentos de ensaio e os três instrumentos testados favoreceram a fiabilidade na determinação do tamanho do ficheiro apical.
To evaluate ex‐vivo the influence of cervical preflaring on determining the apical file size in mandibular molars.
MethodsForty mesial roots of extracted human mandibular molars were divided into 4 groups (n=10) in accordance with the instrument used in the cervical preflaring (Group I: without cervical preflaring; Group II: Largo drill #2; Group III: CP Drill; Group IV: LA Axxess 20.06). The working length (WL) was set 1mm short of the apical foramen. Each root canal was sized using manual K‐files, starting with size 08 files with passive movements until the WL was reached. File sizes were increased until a binding sensation was felt at the WL, and the instrument size was recorded for each tooth. The apical region was then observed under a stereoscopic magnifier, images were digitally recorded and the differences between the root canal and maximum file diameters were evaluated for each sample. Statistical analyses were performed by the D’Agostino & Pearson and ANOVA test (α=0.05).
ResultsThe results showed that the LA Axxess group presented the highest values of diameters of the instrument that reached the working length, while the group without cervical preflaring presented the smallest diameters. Although the Largo and CPDrill showed intermediate results, there were no statistical differences (α > 0.05).
ConclusionIt was concluded that there was no difference between the instruments tested and the three tested instruments favored the reliability in determination of the apical file size.
O sucesso do tratamento endodôntico depende de alguns fatores, como o diagnóstico correto, o preparo biomecânico adequado, a obturação tridimensional e uma restauração final adequada. Todos os passos são interdependentes e apresentam o mesmo grau de importância. A persistência de restos necróticos ou produtos bacterianos pode levar o tratamento ao fracasso.1
Os restos necróticos e os produtos bacterianos são eliminados por meio do preparo biomecânico, pela ação mecânica dos instrumentos contra as paredes do canal e pela ação física e química das soluções irrigadoras.2,3 Consegue‐se a limpeza efetiva por meio de um bom protocolo de desinfecção, e não pela correta determinação do comprimento de trabalho ou alargamento. No entanto os fatores referidos são importantes para que ocorra essa mesma desinfecção.4
A extensão do alargamento apical baseia‐se na determinação do diâmetro anatómico apical, o qual é obtido pelo diâmetro do primeiro instrumento endodôntico que melhor se adapta nas paredes do canal radicular no comprimento de trabalho,5 que tem por objetivo a preparação do batente apical, onde o cone principal de guta‐percha se deverá adaptar, assim como o desgaste de dentina e pré‐dentina eventualmente infectadas. Dessa forma, é recomendado na terapia endodôntica, após a determinação do diâmetro anatómico, a dilatação com três limas de diâmetro superior.6
A determinação do diâmetro anatómico apical depende da sensibilidade táctil do clínico em determinar o primeiro instrumento que se adapta ao comprimento de trabalho. Estudos prévios demonstram que o canal radicular pode apresentar interferências nos terços cervical e médio e fazer com que essa determinação não seja confiável.4
Alguns fatores podem interferir na determinação do diâmetro anatómico apical, como a contínua e progressiva deposição de dentina na câmara pulpar, a qual poderá estreitar o diâmetro do canal radicular.7 Essas interferências podem dificultar a correta determinação do diâmetro anatómico apical.4,8
A realização do preparo cervical favorece a determinação mais precisa do diâmetro anatómico apical9‐11 em molares inferiores12 e em molares superiores13 e permite usar limas de maiores diâmetros na determinação do comprimento de trabalho e reproduzir com mais confiabilidade o diâmetro anatómico apical.8,14
A literatura apresenta com muita clareza a importância de se fazer o preparo cervical antes da determinação do diâmetro anatómico apical. Esse procedimento facilita etapas posteriores, como a irrigação e a obturação dos canais radiculares. Também parece bem sedimentado que o instrumento mais adequado para se fazer o alargamento cervical são as brocas de L.A. Axxess (SybronEndo, Glendora, CA).5,15
A broca de Largo é usada rotineiramente na medicina dentária. Porém, a literatura não apresenta artigos que usem as brocas de Largo no preparo cervical. A broca CP Drill Revolution é um instrumento novo, a literatura não apresenta relatos de seu desempenho.
Sabendo que a correta determinação do diâmetro anatómico apical é importante para nortear o número de instrumentos que deverão ser usados na instrumentação dos canais radiculares, tornou‐se importante e pertinente a feitura da presente pesquisa. O objetivo do presente estudo foi avaliar ex vivo a influência do preparo cervical com diferentes instrumentos na determinação do diâmetro anatómico apical em molares inferiores. A hipótese nula testada foi que o instrumento de preparação cervical não influencia a determinação do diâmetro apical.
Material e métodosO projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Sagrado Coração (USC), Bauru, São Paulo, Protocolo 001/10.
Foram usadas 40 raízes mesiais de molares inferiores provenientes do banco de dentes da Universidade Sagrado Coração. Inicialmente os dentes foram radiografados e comparados para minimizar possíveis diferenças de anatomia. Os dentes permaneceram imersos em solução aquosa de Timol a 1% à temperatura de 9° C até o momento da pesquisa. Antes do uso, os dentes foram lavados em água corrente por 24 horas, com a finalidade de remover restos de Timol.
Os procedimentos de abertura coronária foram feitos com auxílio de pontas diamantadas esféricas (1014 HL – KG Sorensen, São Paulo, SP, Brasil) e tronco‐cônicas (3083 – KG Sorensen, São Paulo, SP, Brasil) em alta rotação (Kavo, Joinvile, SC, Brasil), sob intensa refrigeração. A seguir, foi feita copiosa irrigação da câmara pulpar com hipoclorito de sódio a 2,5% e aspiração.
Cada canal radicular foi explorado com lima tipo K 08 (Dentsply – Maillefer, Ballaigues, Suíça) em toda sua extensão, até alcançar o forame apical. Desse comprimento foi recuado 1mm e se obteve o comprimento real de trabalho de cada amostra.
A seguir, os dentes foram divididos aleatoriamente em quatro grupos (n = 10), de acordo com o preparo cervical a ser feito: Grupo I: sem preparo cervical (grupo controle); Grupo II: broca de Largo n° 2 (Dentsply – Maillefer, Ballaigues, Suíça); Grupo III: CP Drill Revolution (Helse – Dental Technology, Brasil); Grupo IV: L.A. Axxess 20.06 (SybronEndo, Glendora, CA). Os instrumentos foram usados nos terços cervical e médio dos canais radiculares.
A determinação do diâmetro anatómico foi feita por meio de limas tipo K (Dentsply – Maillefer, Ballaigues, Suíça), com 25mm de comprimento. As limas foram introduzidas no canal com movimentos de cateterismo, ou seja, ¼ de volta no sentido horário e ¼ de volta no sentido anti‐horário. Foi considerado diâmetro anatómico apical o primeiro instrumento que se ajustasse no comprimento real de trabalho. Todos os procedimentos experimentais foram feitos pelo mesmo operador. Após a seleção e adaptação dos instrumentos no comprimento de trabalho nos diferentes grupos, eles foram fixados na entrada dos canais com metilcianocrilato (Super‐Bonder, Loctite, São Paulo, Brasil). Todas as raízes foram seccionadas transversalmente com o auxílio de um disco diamantado dupla face (KG Sorensen, São Paulo, Brasil) a 10mm do ápice radicular. Na sequência, os ápices radiculares foram seccionados transversalmente com disco diamantado a 1mm do seu término. A seguir, os cortes apicais foram planificados até expor o canal radicular e o instrumento (com remoção da guia ativa), por meio de lixas d’água de granulação 500. As amostras foram imersas em solução de EDTA líquido a 17% (Biodinâmica Química e Farmacêutica Ltda., Ibiporã, Paraná, Brasil), sob agitação de ultrassom (Gnatus, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil) por três minutos. A seguir, foram lavados em água corrente por 30 minutos para eliminar possíveis resíduos da ação da lixa.
Cada amostra foi posicionada no campo visual de um estereomicroscópio acoplado a uma câmera digital (Wild, Heerbrug, Suíça), com o ápice voltado para a objetiva em aumento de 50X, onde foram feitas fotomicrografias.
As fotomicrografias obtidas no estereomicroscópio foram transferidas ao software UTHSCSA Image Tool (Universidade do Texas em San Antonio, USA), onde foram feitas as mensurações dos diâmetros do instrumento e do canal radicular e se obtiveram os valores da discrepância (em mm).
Após a tabulação dos dados, foi feita a análise estatística pelos testes de D’Agostino & Pearson e Anova, com nível de significância de 5%, com o uso do software Prisma 5.0 (GraphPad Software Inc., La Jolla, CA, USA).
ResultadosOs valores médios e os desvios padrão (em mm) das discrepâncias entre o diâmetro do instrumento e o diâmetro do canal radicular para cada grupo experimental são apresentados na figura 1. Na tabela 1 são apresentados as medianas e os valores máximo e mínimo do diâmetro da lima, do diâmetro total do canal e da discrepância entre os dois. Não se observaram diferenças estatisticamente significativas entre as discrepâncias obtidas nos diferentes grupos (p < 0,05).
Mediana, valores máximo e mínimo dos diâmetros da lima, diâmetros das discrepâncias e o diâmetro total
Diâmetro lima (mm) | Discrepância(mm) | Diâmetro total (mm) | |
---|---|---|---|
Grupo 1 (sem preparo cervical) | |||
Mediana | 0,15a | 0,2805a | 0,4305a |
Máximo | 0,20 | 0,5530 | 0,7430 |
Mínimo | 0,10 | 0,1750 | 0,2750 |
Grupo 2 (Largo #2) | |||
Mediana | 0,20b | 0,2435a | 0,4370a |
Máximo | 0,30 | 1,064 | 1,314 |
Mínimo | 0,15 | 0,0180 | 0,2110 |
Grupo 3 (CP Drill) | |||
Mediana | 0,20b | 0,2155a | 0,4405a |
Máximo | 0,25 | 0,6680 | 0,8680 |
Mínimo | 0,15 | 0,0450 | 0,2450 |
Grupo 4 (L.A. Axxess) | |||
Mediana | 0,20b | 0,1875a | 0,4010a |
Máximo | 0,30 | 0,5790 | 0,8290 |
Mínimo | 0,15 | 0,0540 | 0,2310 |
Letras diferentes indicam diferença estatisticamente significativa.
A feitura do preparo apical em molares é controversa.14 No entanto, o uso de molares inferiores extraídos de humanos nesta pesquisa foi devido à anatomia complexa nesse tipo de dentes.16,17
Optou‐se por dentes naturais em vez de blocos de acrílico justamente para simular a anatomia do molar inferior, os quais têm uma projeção de dentina na embocadura dos canais.
Com o objetivo de se aproximar as condições clínicas, os dentes permaneceram em timol a 0,1% a 9oC, o qual os manteve hidratados, isentos de fixação dos tecidos e proliferação bacteriana.
Foram usados diferentes instrumentos neste estudo com o propósito de comparar se o preparo cervical feito com cada um deles influencia na determinação do diâmetro anatómico apical.
Os instrumentos usados foram escolhidos por suas características: 1) Broca de Largo 2, por ser instrumento amplamente difundido e usado como alargador dos terços cervicais, porém sem relatos na literatura sobre sua eficiência; 2) CP Drill Revolution, desenvolvida atualmente, e também sem relatos científicos sobre sua eficiência; 3) LA Axxess (20.06), por ser instrumento introduzido recentemente no mercado endodôntico, mas com comprovação já sedimentada na literatura;5,11,13,15 e 4) sem preparo cervical.
Os instrumentos usados na determinação do diâmetro anatómico em todos os grupos experimentais foram limas tipo K (Dentsply‐Maillefer, Ballaigues, Suíça), para que não houvesse variáveis quanto ao tipo de instrumento que pudessem modificar a área ocupada pelo instrumento no canal radicular. Optou‐se pelo uso de limas de aço inoxidável, por serem as mais usadas em cursos de licenciatura em medicina dentária e por clínicos em geral.14
As limas endodônticas ajustadas no comprimento de trabalho de cada grupo foram fixadas na entrada dos canais radiculares com metilcianoacrilato (Loctite Ltda., São Paulo, Brasil) a fim de evitar o deslocamento do instrumento na hora do corte da porção apical.5,11,13,15
Com a finalidade de evitar o desgaste excessivo do diâmetro anatómico, os cortes das regiões apicais foram feitos com disco dupla face, em busca de apenas remover a ponta inativa do instrumento e expor sua secção transversal. Para remoção dos resíduos promovidos pela lixa, optou‐se pelo uso da solução EDTA, devido às suas conhecidas propriedades, na qual a desmineralização feita cessa quando o equilíbrio entre os íons de cálcio no agente quelante e na dentina se estabelece.18,19
As fotomicrografias foram feitas sob aumento de 50x em estereomicroscópio. Usou‐se a escala da própria fotomicrografia de comprimento conhecido e se estabeleceu um referencial para a calibração do programa usado na mensuração de cada fotomicrografia individualmente. Além do que, como as medidas são feitas comparativamente entre o diâmetro do instrumento e o diâmetro total do canal na mesma fotomicrografia, o mesmo fator de distorção para mais ou para menos que incide sobre uma delas altera de igual modo a outra, de modo que a relação pesquisada mantém‐se constante.
Optou‐se pela captação das imagens em estereomicroscópio por promover imagens de boa resolução, pelo custo ser inferior ao microscópio eletrônico de varredura.20 Neste estudo, optou‐se pela mensuração da área do instrumento e da área total do canal com o programa Image Tool, diferentemente da metodologia usada por Wu.4 Porém, tal situação somente seria possível de ocorrer em canais perfeitamente circulares ou ovalados, e não naqueles de anatomia complexa.
A curvatura dos canais radiculares é diminuída se for alterado o ângulo de entrada do instrumento.21 A redução do ângulo de curvatura dos canais radiculares foi possível por meio do uso de instrumentos rotatórios na dilatação do orifício de entrada dos condutos radiculares.22
No presente estudo, a remoção de interferências cervicais permitiu a inserção de instrumentos de maior diâmetro, que se prenderam no comprimento de trabalho, após o alargamento prévio dos terços cervical e médio. Esses resultados estão de acordo com os encontrados por outros autores.5,8,10,11,13‐15
Apesar de a análise estatística não ter detectado diferenças significativas, percebeu‐se que o grupo sem preparo cervical apresentou a maior discrepância entre o diâmetro da lima e do canal radicular (0,3355mm), como já bem descrito na literatura.5,8,11,13,15
Outros instrumentos já foram testados para fazer o preparo cervical ProTapers,7,12 Flare File4, Orifice Openers7,12 e Gates Glidden.4,7,9,10,12 A opção de testar as brocas de Largo e CP Drill são justificadas pelo custo mais acessível ao médico dentista e pela ausência de trabalhos que avaliem a sua eficiência.
A melhor determinação do diâmetro anatómico promovido pelo uso dos instrumentos em teste possivelmente se deu pela remoção de interferências na região cervical e média do canal radicular. Isso faz com que o instrumento não encontre resistência nessas possíveis interferências e tenha e sensação de travamento. Com a remoção das interferências, o instrumento encontra resistência na região apical e faz com que essa determinação seja mais confiável.
Há necessidade de desenvolver um instrumento que promova uma melhor adaptação do diâmetro anatómico e as paredes do canal, para que exista contato dos instrumentos com todas as paredes do canal radicular e se promova, assim, a melhor descontaminação possível do sistema de canais radiculares.
ConclusãoA preparação cervical não influencia na determinação do diâmetro anatómico.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis pela Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com os da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsinque.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar de posse desse documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.