Desde Buonocore, a adesão ao esmalte permaneceu consistente ao longo de décadas. Pelo contrário, a adesão à dentina revelou-se imprevisível, levando à sucessiva modificação dos sistemas adesivos, caracteristicamente focados na necessidade de ultrapassar as dificuldades na adesão à dentina. A enorme multiplicidade de adesivos continuamente introduzidos no mercado torna difícil manter um conhecimento atualizado relativo ao mecanismo de ação e vantagens de cada sistema. Por outro lado, a introdução dos adesivos de autocondicionamento relançou a necessidade de estudar a adesão ao esmalte. Este trabalho tem por objetivo sistematizar toda a evolução dos sistemas adesivos e expor o estado de arte atual sobre este tema, particularmente no que diz respeito à adesão ao esmalte.
Foi realizada pesquisa na MEDLINE/PubMed, ScienceDirect e B-On com as palavras-chave «Dental adhesives», «Dental Acid Etching», «Dentin», «Enamel» e «Self-etching adhesive systems», limitada a artigos publicados em língua inglesa, francesa e portuguesa entre 1955 e 2011.
Since Buonocore, the adhesion to enamel remained consistent for decades. The adhesion to dentin turned out to be unpredictable which lead to consecutive modifications of the adhesive systems, with the purpose of overcoming the dentin adhesion difficulties. Due to the enormous variety of the adhesion systems available in the market, it is difficult to remain up to date about the mechanisms and advantages of all them. The introduction of the self etch systems has set the need of studying again the enamel adhesion. The purpose of this work is to systematize the evolution of the adhesive systems and expose the state of the art about this subject, with a special focus on the enamel adhesion.
Survey was conducted in MEDLINE / PubMed, ScienceDirect and B-On with the keywords “Dental Adhesives”, “Dental Acid Etching”, “Dentin”, “Enamel” and “Self-etching adhesive systems”, limited to articles published in English, French and Portuguese between 1955 and 2011.
Desde os trabalhos de Buonocore, o conceito de adesão ao esmalte permaneceu simples, consistente e fiável ao longo de várias décadas1. Esta previsibilidade na adesão deve-se a que o esmalte é um substrato uniforme, composto fundamentalmente por cristais inorgânicos, bem organizados em prismas. Pelo contrário, a adesão à dentina revelou-se imprevisível, levando à sucessiva modificação dos sistemas adesivos, caracteristicamente focados na necessidade de ultrapassar as dificuldades na adesão a este tecido1.
A enorme multiplicidade de sistemas adesivos amelodentinários levou à necessidade de os classificar. De facto, os adesivos foram classificados de acordo com:
- 1)
A forma de tratamento da smear layer - removendo-a totalmente com o condicionamento ácido seguido de lavagem (adesivos de condicionamento total ou sistemas etch & rinse) ou incorporando-a na adesão (adesivos de autocondicionamento ou sistemas self-etch)2–4.
- 2)
Número de passos clínicos - sistemas total etch de 2 e 3 passos ou sistemas self-etch de 1 e 2 passos2,4–7.
- 3)
A geração a que pertencem (1.a a 7.a geração); esta classificação necessita de atualizações permanentes à medida que novos adesivos são introduzidos no mercado. Os adesivos das primeiras gerações já não são utilizados e nem sempre a geração seguinte representa uma melhoria relativamente à anterior4,6. No entanto, por ser a classificação mais usada6, será a descrita neste trabalho. A título exemplificativo, a tabela 1 expõe alguns dos sistemas adesivos atualmente comercializados em Portugal, pertencentes à quarta, quinta, sexta e sétima geração.
Tabela 1.Sistemas adesivos atualmente comercializados em Portugal, pertencentes à quarta, quinta, sexta e sétima geração.
Nome Comercial Fabricante 4aGeraçãoSistemas de 3 passos / Total etch / etch and rinse Adper™ Scotchbond™ Multi-Purpose Adhesive System 3M Dental ESPE 5aGeraçãoSistemas de 2 passos / Total etch / etch and rinse Adper™ Single Bond Plus Adhesive 3M Dental ESPE ExcITE F Ivoclar Vivadent Heliobond Ivoclar Vivadent Prime & Bond NT Dentsply DeTrey PQ1 Ultradent Products, In 6ae 7aGeraçãoSistemas de auto-condicionamento de dois passos / etch and dry AdheSE Ivoclar Vivadent Adper™ Scotchbond™ SE Self-Etch Adhesive 3M Dental ESPE CLEARFIL LINER BOND 2V Kuraray Dental CLEARFIL SE BOND Kuraray Dental CLEARFIL SE PROTECT Kuraray Dental GC UNIFIL BOND GC Corporation 6ae 7aGeraçãoSistemas de auto-condicionamento de um passo / etch and dry/ all-in-one AdheSE One F Ivoclar Vivadent Adper™ Easy Bond Self-Etch Adhesive 3M Dental ESPE Adper™ Prompt™ L-Pop™ Self-Etch Adhesive 3M Dental ESPE CLEARFIL DC BOND Kuraray Dental CLEARFIL S3 BOND Kuraray Dental GC G-BOND GC Corporation, Tokyo, Japan Xeno III Dentsply DeTrey Xeno V Dentsply DeTrey
Para a concretização do presente trabalho, foram pesquisados artigos científicos em publicações de referência, recorrendo às bases de dados electrónicas da MEDLINE/PubMed, ScienceDirect e B-On. Foram inseridos os termos «Dental adhesives», «Dental Acid Etching», «Dentin», «Enamel» e «Self-etching adhesive systems». A pesquisa foi limitada aos artigos publicados em língua inglesa, francesa e portuguesa, mas foi considerado um intervalo bastante amplo de anos de publicação, compreendido entre os anos de 1955 e 2011.
Perspetiva histórica sobre a evolução dos sistemas adesivosAdesivos de primeira geraçãoOs adesivos de primeira geração surgiram na década de 50 e 60 e foram baseados em cianoacrilatos, poliuretanos, na molécula de GPDM (ácido glicerofosfóricodimetacrilato) e na molécula de NPG-GMA (N-fenilglicina e glicidil-metacrilato)8–11:
Os cianoacrilatos são polímeros de baixo peso molecular, que foram usados como finas películas para promover a adesão ao esmalte8, ao passo que os poliuretanos foram usados como veículos de aplicação de flúor e aderiam ao conteúdo inorgânico do esmalte através de reações químicas com os grupos livres de isocianeto8,9. A molécula de GPDM também revelou alguma capacidade para aderir ao cálcio da hidroxiapatite, numa reação mediada por grupos de fosfatos ativos10 e a molécula de NPG-GMA, desenvolvida por Bowen, era uma molécula bifuncional em que uma das extremidades se ligava à dentina e a outra polimerizava com a resina composta11.
A primeira geração de adesivos amelodentinários uniu à dentina e ao esmalte por quelação com o cálcio. As suas limitações foram as dificuldades inerentes à manipulação clínica, instabilidade, decomposição por hidrólise intraoral e baixas forças adesivas, insuficientes para resistir à alta contração de polimerização e ao elevado coeficiente de expansão térmica das resinas acrílicas restauradoras usadas nesse período1,8,12.
Esta geração surgiu no final da década de 70. A principal modificação foi a introdução de ésteres de fosfato de resinas sem carga derivadas do metacrilato, como o Bis-GMA (bisfenol-A-glicidilmetacrilato) e o HEMA (hidroxietilmetacrilato), que apareceram em substituição do dimetacrilato mas que mantiveram a capacidade para se ligarem ao cálcio da estrutura dentária1,13,14. O desenvolvimento da molécula de Bis-GMA (que reúne uma resina dimetacrilato e um agente de união à base de silano) foi um grande avanço, ao melhorar a adesão entre as partículas de carga e a matriz de resina15.
A segunda geração de adesivos requeria a presença da smear layer, que consiste numa camada amorfa e não estruturada, originada pela instrumentação dos tecidos dentários e composta por resíduos de dentina, bactérias e constituintes salivares16. O seu mecanismo de adesão baseou-se na ligação iónica entre os grupos fosforilados da resina e o cálcio presente na smear layer dentinária. No entanto, a ligação à dentina não foi suficientemente forte para resistir à hidrólise intraoral, os valores de resistência adesiva permaneceram baixos e associados a uma considerável microinfiltração1,13.
A principal razão para o mau desempenho dos adesivos de segunda geração foi o facto de se basearem na adesão direta à smear layer, deixando-a intacta1,14. A resistência adesiva destes sistemas ficou assim limitada à resistência coesiva da própria smear layer ou à adesão desta à dentina subjacente, ambas com valores muito baixos de resistência adesiva, na ordem dos 6 a 7MPa17.
Adesivos de terceira geraçãoNa terceira geração, foi realizado pela primeira vez o condicionamento ácido da dentina, com o objetivo de modificar ou remover parcialmente a smear layer. Os procedimentos de adesão envolveram a: 1) aplicação do condicionador de dentina - os condicionadores representativos desta geração incluíram agentes quelantes, como o HEMA, ou ácidos fracos, como o ácido cítrico, nítrico, maleico, oxálico ou fosfórico em baixas concentrações, com o objetivo de abrir parcialmente os túbulos dentinários e aumentar a permeabilidade da smear layer, permitindo a penetração da resina na dentina subjacente; 2) aplicação do primer (agente promotor da adesão à dentina); e 3) aplicação do agente adesivo, tipicamente uma resina sem carga10,12,18.
O primer consistia numa molécula bifuncional, possuindo por um lado monómeros hidrofílicos, como o BPDM (bifenildimetacrilato), com afinidade para as fibrilhas de colagénio expostas e que por isso se infiltravam na smear layer e, por outro lado, possuindo grupos hidrófobos, que se ligavam quimicamente à resina adesiva. Estas propriedades do primer permitiram que este criasse uma interdigitação micromecânica com a dentina, em oposição à adesão puramente química, presente nas gerações anteriores1,2,19. Possivelmente por este motivo, esta geração trouxe consigo uma melhoria da resistência adesiva18,20. No entanto, a adesão à smear layer continuou fraca e inconsistente1.
As primeiras três gerações de adesivos basearam-se no uso de grupos ácidos, para reagir com o cálcio, e de grupos metacrilatos, para copolimerizar com a resina. A adesão fundamentou-se na modificação da smear layer, com base no conceito de que esta camada constituía uma barreira de proteção natural para a polpa. A interação dos adesivos com a dentina foi superficial e era necessário o condicionamento do esmalte com um ácido forte, num passo clínico separado2.
Adesivos de quarta geraçãoAté ao final dos anos 80, o condicionamento da dentina com ácido fosfórico foi desencorajado nos EUA e na Europa, devido ao consenso de que a exposição dos túbulos dentinários levaria à inflamação ou à necrose pulpar21,22. Como tal, os sistemas adesivos que continham ácido fosfórico não foram bem aceites até serem publicados os trabalhos de Fusayama, que defenderam o condicionamento ácido agressivo da dentina e refletiam um conceito já correntemente usado no Japão23.
A quarta geração de adesivos representou uma mudança na linha de pensamento em vez de um avanço no desenvolvimento dos materiais. Estes adesivos passaram a preconizar a aplicação de ácido fosfórico no esmalte e dentina, com o objetivo de remover por completo a smear layer e expor a malha de colagénio - técnica do condicionamento ácido total ou total-etch10,2,12. Os procedimentos de adesão continuaram a necessitar de três passos separados: 1) condicionamento simultâneo do esmalte e dentina, com ácido fosfórico entre 30 a 40% (deixando o esmalte seco e a dentina húmida, de modo a não desidratar nem colapsar a malha de colagénio); 2) aplicação do primer bifuncional; e 3) aplicação da resina adesiva, geralmente à base de metacrilatos, de modo a preencher os espaços entre as fibras de colagénio e a selar a abertura dos túbulos dentinários14.
Nestes sistemas, cada passo de adesão cumpre objetivos específicos. O ácido fosfórico remove a smear layer e os smear plugs, abrindo os túbulos dentinários e aumentando a permeabilidade da dentina. O ácido dissolve seletivamente os cristais de hidroxiapatite da dentina intertubular e peritubular, permitindo o estabelecimento de extensões de resina no interior dos túbulos e aumentando a estabilidade da camada híbrida14. A remoção da smear layer leva a que a pressão pulpar positiva aumente o gradiente de fluidos para fora dos túbulos. Para reverter esta situação, os monómeros do primer foram dissolvidos em solventes orgânicos, como a acetona ou o etanol que, dadas as suas propriedades de volatilização, removem consigo a água residual da superfície. Assim, as funções do primer são «molhar» o colagénio e os respetivos espaços interfibrilhares, aumentar a energia superficial da dentina, deslocar a humidade da superfície e transformar a superfície dentinária hidrofílica numa superfície hidrófoba e «esponjosa’», recetiva à impregnação pelos monómeros de resina adesiva6,14. A resina adesiva copolimeriza com o primer, formando uma camada de colagénio impregnada com extensões de resina, designada por camada híbrida2,12,14. A camada híbrida foi definida como «uma estrutura formada nos tecidos dentários duros, pela desmineralização da superfície e subsuperfície, seguida pela infiltração e polimerização dos monómeros»24 e representa o mecanismo de adesão primário dos adesivos de quarta geração.
Adesivos de quinta geraçãoOs adesivos de quinta geração surgiram com o objetivo de simplificar e reduzir o número de passos clínicos, o tempo de trabalho e minimizar a introdução de erros técnicos1,2,25,26. Inicialmente, estes sistemas foram classificados em duas categorias: adesivos one-bottle ou total-etch single bottle e adesivos de autocondicionamento, denominados self-etching primers1,27. Dado o mecanismo de atuação inovador dos adesivos de autocondicionamento, esta segunda categoria de adesivos foi mais tarde classificada como de sexta e de sétima geração.
Sistemas adesivos one-bottle ou total-etch single bottleEstes adesivos passaram a reunir o primer e a resina adesiva numa só solução2 mas assentam num conceito de adesão igual ao da geração anterior. Ambos preconizam a adesão à dentina húmida – wet bonding, como forma de otimizar a formação da camada híbrida e com base no pressuposto de que se as fibras de colagénio não sustentadas estiverem demasiado secas irão colapsar, inibindo a impregnação pelo primer28. Contudo, um teor excessivo de humidade irá diluir os monómeros do primer, comprometendo a adesão14. Estes aspetos levaram à dificuldade em definir o grau ideal de humidade, facilitando a introdução de erros1,12.
Estas duas gerações de adesivos potenciaram a introdução de outros erros clínicos, como o condicionamento excessivo da dentina, capaz de induzir uma desmineralização demasiado profunda e inacessível à completa penetração pela resina, o que por sua vez pode gerar uma sensibilidade pós-operatória2,4 e favorecer a permanência de uma zona porosa sob a camada híbrida, suscetível de sofrer infiltração, designada por nanoinfiltração29,30.
Dadas as limitações referidas, e seguindo a linha evolutiva em torno da simplificação, surgiu na década de 90 uma nova categoria de adesivos - sistemas adesivos de autocondicionamento ou sistemas self-etching.
Adesivos de sexta e sétima geração (adesivos de autocondicionamento)Classificação e composição químicaDe acordo com o valor de pH, grau de agressividade e número de passos clínicos, os sistemas adesivos de autocondicionamento foram classificados em:
- 1)
Self-etching primers (sistemas de dois passos), que reúnem na mesma solução o condicionamento ácido e o primer, necessitando de uma aplicação separada da resina adesiva. De um modo geral, estes adesivos tendem a ser menos acidificados (pH entre 1 e 2,5) e apresentam uma capacidade de condicionamento moderada, sendo neste caso também designados por sistemas de autocondicionamento «médios».
- 2)
Self-etching adhesives (sistemas de um passo ou all-in-one), que combinam na mesma solução o primer acidificado e o adesivo. É comum que esta subcategoria seja mais acidificada, possuindo um pH inferior a 1 e por isso uma ação de condicionamento mais agressiva e próxima do ácido fosfórico. Neste caso, os adesivos também são classificados como sistemas de autocondicionamento «fortes»5,7,31–33.
Quanto à composição química, os adesivos de autocondicionamento são compostos por 3 grupos de monómeros, solubilizados numa solução aquosa31:
- 1)
Monómeros adesivos, que são moléculas bifuncionais compostas por a) grupos polimerizáveis, como os metacrilatos, que copolimerizam com outros monómeros adesivos e com a resina restauradora; b) grupo adesivo acidificado, que condiciona e interage com o esmalte e dentina e c) grupo espaçador que, segundo a sua composição química, influencia algumas das propriedades do adesivo, como a rigidez, flexibilidade, solubilidade, viscosidade e a capacidade de impregnação da superfície.
- 2)
Monómeros dimetacrilatos entrecruzados, dos quais os mais comuns são o Bis-GMA e o TEGDMA (trietilenoglicoldimetacrilato), que aumentam a taxa de polimerização e asseguram a formação de uma rede polimérica, menos solúvel e com propriedades mecânicas superiores aos polímeros lineares.
- 3)
Co-monómeros monofuncionais, como por exemplo o monómero de baixa viscosidade HEMA.
Os adesivos de autocondicionamento possuem uma natureza química muito hidrofílica não só porque têm mais monómeros hidrofílicos do que os adesivos convencionais (HEMA e monómeros adesivos acidificados), como também possuem uma grande quantidade de água como solvente31. O HEMA é um monómero de metacrilato solúvel em água, de pequenas dimensões, baixo peso molecular e com propriedades hidrofílicas e polares34. A sua incorporação diminui a viscosidade e aumenta a capacidade de impregnação do adesivo na superfície, ao mesmo tempo que estabiliza as fibrilhas de colagénio e previne o seu colapso, aumentando a permeabilidade dentinária e a difusão dos monómeros adesivos. As propriedades hidrofílicas deste monómero são aproveitadas para aumentar a solubilidade dos adesivos, atuando assim em sinergia com o solvente ao impedir a separação das duas fases. Contudo, o HEMA apenas possui um grupo polimerizável, pelo que a sua presença aumenta a proporção de polímeros lineares, com piores propriedades mecânicas, em detrimento dos polímeros entrecruzados34. Por outro lado, não é hidroliticamente estável e as suas propriedades hidrofílicas determinam que os adesivos possuam maior apetência para atrair e captar água, atuando como membranas semipermeáveis e tornando-se vulneráveis à hidrólise, degradando-se mais do que os adesivos hidrófobos. Parece que os sistemas de autocondicionamento mais acidificados apresentam uma instabilidade hidrolítica consideravelmente maior4,5,31,33,35.
Fundamento e mecanismo de açãoOs self-etching primers trouxeram um conceito inovador que foi a junção, na mesma etapa, do condicionamento ácido e do primer. Estes adesivos baseiam-se no uso de monómeros acidificados hidrofílicos, sendo por isso mais tolerantes ao teor de água na superfície4. Os self-etching adhesives surgiram como evolução em relação aos self-etching primers, seguindo o princípio de simplificação da técnica adesiva e de redução do tempo e do número de passos clínicos necessários para estabelecer adesão ao esmalte e à dentina4,36.
Os adesivos de autocondicionamento seguem uma filosofia de adesão diferente dos sistemas adesivos anteriores. Estes agentes penetram, dissolvem e incorporam a smear layer na interface adesiva e num único passo clínico. A desmineralização e a hibridização tornaram-se assim absolutamente correspondentes, uma vez que a infiltração no colagénio e a desmineralização dos componentes inorgânicos da dentina passaram a ocorrer em simultâneo e exatamente à mesma profundidade que a penetração dos monómeros adesivos, polimerizados in situ, sem necessidade de lavagem. Teoricamente, deixou de existir uma zona desmineralizada e não molhada pelo primer, as microporosidades passaram a ser totalmente preenchidas e foram minimizados os defeitos ultra estruturais da interface, ao ser assegurada uma estreita continuidade entre a superfície e os monómeros de resina adesiva2–4,31,33,37–39. Foi unanimemente reconhecido que o mecanismo de ação dos adesivos de autocondicionamento trouxe uma vantagem importante, uma vez que diminui a sensibilidade à introdução de erros técnicos e elimina etapas difíceis de estandardizar, como a subjetividade inerente ao conceito de adesão à dentina húmida2–4,31,33,37–39. Outra vantagem atribuída aos adesivos de autocondicionamento e diretamente relacionada com o seu modo de atuação foi a menor sensibilidade pós-operatória4,40, mas este benefício não é consensual na literatura41.
O mecanismo de adesão por parte dos adesivos de autocondicionamento assenta na retenção micromecânica e hibridização do esmalte e dentina, complementado por uma importante interação química entre os monómeros funcionais e a hidroxiapatite. Esta diferença face aos adesivos tradicionais deve-se a que os seus monómeros têm potencial para aderir quimicamente à estrutura dentária, através de ligações primárias covalentes e iónicas, mediadas pela reação dos grupos adesivos (protões dos monómeros ácidos) com o componente inorgânico da estrutura dentária (grupos hidroxilo da hidroxiapatite). Os monómeros também se podem ligar por quelação com os iões de cálcio do esmalte e dentina, ou estabelecer ligações covalentes com as fibras de colagénio dentinárias. A união química ao dente é ainda complementada por forças secundárias, como as forças de atração molecular de Van der Waals6,31,33.
Os adesivos de autocondicionamento são baseados em água, que é o solvente fundamental para as reações químicas descritas, uma vez que constitui o meio para a ionização dos monómeros acidificados e gera os iões de hidrogénio necessários para a desmineralização do tecido dentário33,42–44.
O condicionamento por parte destes adesivos é autolimitado: os monómeros acidificados do primer são em algum ponto neutralizados pelos iões de cálcio, fosfato e hidroxilo, libertados a partir da hidroxiapatite durante a sua dissolução37,38. Estes monómeros ficam retidos «em suspensão» na água mas, quando esta evapora, a precipitação de cálcio e fosfato faz com que estes iões adquiram uma concentração muito elevada, impedindo que a desmineralização prossiga em profundidade39,45.
Comportamento no esmalte: adesãoUm dos primeiros trabalhos com sistemas adesivos de autocondicionamento foi o de Perdigão et al(1997)39 que avaliaram, em margens de esmalte, a resistência adesiva ao cisalhamento de um adesivo de autocondicionamento de dois passos. Os valores de adesão encontrados foram satisfatórios e equivalentes ao condicionamento tradicional com ácido fosfórico (entre 18 e 25MPa). Outros autores corroboraram estes resultados e observaram valores de resistência adesiva equivalentes ou até pontualmente superiores aos alcançados pelos adesivos que usam ácido fosfórico, independentemente de terem utilizado testes de adesão às forças de cisalhamento38,46–48, de tração25,49 ou de microtração50,51.
Apesar destes resultados, a literatura mostra que a adesão ao esmalte voltou a ser imprevisível, quando mediada pelos adesivos de autocondicionamento. No estudo de Agostini, Kaaden e Powers52, os sistemas de autocondicionamento alcançaram valores de resistência adesiva à tração satisfatórios, na ordem dos 18 a 19MPa, mas significativamente mais baixos que os adesivos convencionais, pelo que os autores recomendaram novos estudos que tentassem esclarecer o desempenho destes adesivos. Alguns dos estudos publicados desde então corroboraram a menor adesão ao esmalte gerada pelos sistemas de autocondicionamento, independentemente do pH, grau de agressividade e número de passos clínicos53–56. Noutros trabalhos, a resistência adesiva dependeu do tratamento do esmalte e do grau de agressividade do adesivo: em esmalte não preparado, os adesivos de autocondicionamento foram sempre piores que os convencionais, ao passo que em esmalte preparado, ambos foram equivalentes57 ou apresentaram valores equivalentes aos convencionais no caso dos self-etching primers, e estatisticamente piores, no caso dos self-etching adhesives58.
Comportamento no esmalte: micromorfologiaO padrão de condicionamento gerado pelos adesivos de autocondicionamento é muito heterogéneo, variando sobretudo em função do pH. Os sistemas de agressividade média apresentam menor capacidade para desmineralizar o esmalte, gerando um padrão de condicionamento que tende a ser mais superficial, menos retentivo, menos definido e menos uniforme que o gerado pelo ácido fosfórico39,54,57,58. Estes adesivos são insuficientemente ácidos para promover a descalcificação do núcleo prismático, gerando uma topografia de esmalte onde predomina a descalcificação das zonas interprismáticas49. Nos sistemas de agressividade média, a profundidade de infiltração interprismática pode não exceder os 2 a 4μm e a infiltração intraprismática pode ser ainda mais superficial, apesar de bem definida57. As extensões de resina tendem a observar-se em menor número e a ser mais curtas, finas, laminares, pouco definidas, porosas ou até estruturalmente incompletas49,57,58. A interface adesiva pode conter defeitos ultra estruturais54 e por vezes observam-se zonas de esmalte sem um padrão de condicionamento reconhecível, especialmente nos casos em que se promoveu a adesão ao esmalte intacto53.
Os sistemas mais agressivos promovem uma ultra morfologia da interface mais próxima do ácido fosfórico, desmineralizando preferencialmente o esmalte prismático e deixando uma zona de hibridização profunda e sem defeitos interfaciais53,54,59.
As diferenças apontadas entre a topografia do esmalte condicionado com ácido fosfórico ou com as duas categorias de adesivos de autocondicionamento poderão não ser relevantes, tendo em conta que se demonstrou não existir nenhuma relação direta entre a agressividade do padrão de condicionamento, a espessura da camada híbrida e os respetivos valores de resistência adesiva32,39,49,53,60,61.
DiscussãoA revisão da literatura mostra que as gerações mais recentes de sistemas adesivos não representam as gerações com melhor desempenho. Neste sentido, a classificação dos adesivos por gerações, apesar de comercialmente apelativa, irá necessitar de constantes atualizações e pode induzir o clínico em erro, uma vez que não traz necessariamente uma vantagem face à geração anterior.
Na realidade, os sistemas convencionais de quarta geração ainda são os que asseguram a adesão ao esmalte mais estável, previsível, consistente e eficaz, representando o gold standard dos adesivos contemporâneos. Este facto encontra-se bem sustentado num trabalho de revisão sistematizada da literatura7 que menciona, para os adesivos de quarta geração, uma taxa média de falha anual na ordem dos 4,8%. A superioridade desta classe de adesivos deve-se à excelente interdigitação com o esmalte, resultante de um padrão de condicionamento muito retentivo e que por sua vez é acompanhado por uma boa hibridização da dentina7.
Os adesivos one-bottle de quinta geração apresentam taxas de insucesso anual com maior amplitude e uma média de falha de 6,2% ao ano7. Apesar de ligeiras, estas diferenças face aos adesivos da geração anterior devem-se a uma relação solvente / monómero mais elevada e são um reflexo de uma infiltração e hibridização subótimas e de uma maior suscetibilidade à hidrólise5,7. Mesmo assim, os valores de resistência adesiva no esmalte alcançados pelos adesivos de quinta geração são equivalentes aos obtidos pelos de quarta geração5.
A superioridade dos adesivos que utilizam o ácido fosfórico pode também estar relacionada com o facto de o condicionamento ácido em separado, seguido pela lavagem, assegurar a remoção dos precipitados que se depositam na superfície. Adicionalmente, o primer não contém monómeros acidificados, mas sim neutros, o que facilita a sua difusão e infiltração nos tecidos e potencia a retenção micromecânica56.
No que diz respeito ao grupo de adesivos de autocondicionamento, os sistemas de dois passos apresentam uma taxa média de falha anual de 4,7%, sendo a categoria de adesivos que se encontra mais próxima dos de quarta geração7. Assim, estes adesivos são sem dúvida promissores e podem oferecer uma boa alternativa aos convencionais, dado que reúnem um bom desempenho clínico e laboratorial, têm maior facilidade de manipulação, menor sensibilidade técnica e boa estabilidade na adesão a longo prazo5. Pelo contrário, os sistemas all-in-one são os que apresentam maior inconsistência e pior desempenho clínico, com uma taxa média de falha anual de 8,1%7. Estes adesivos são também os que apresentam os piores valores de resistência adesiva, que podem mesmo ser estatisticamente inferiores aos adesivos de autocondicionamento de dois passos25,58. Deste modo, esta classe em particular de sistemas adesivos necessita de ser melhor investigada para que possa ser adoptada sistematicamente no contexto clínico.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.