O plasmocitoma é uma proliferação unifocal monoclonal neoplásica das células plasmáticas com características histopatológicas idênticas às do mieloma múltiplo. Sua etiologia é desconhecida, sendo pouco frequente nos maxilares. Paciente, 56 anos, género feminino, melanoderma, em tratamento de neoplasia de mama, foi encaminhada por oncologista para o preparo da cavidade bucal a fim de iniciar o tratamento radioterápico. Ao exame físico foi observado, na região de corpo mandibular, presença de tecido de granulação e drenagem purulenta, sem envolvimento dentário. No exame radiográfico comprovou-se presença de lesão intraóssea extensa, radiopaca, delimitada por halo radiolúcido. As hipóteses de diagnóstico foram de osteomielite crónica difusa, displasia cemento-óssea, odontoma complexo, osteoma e fibroma ossificante. Após biópsia foi constatado o diagnóstico de um plasmocitoma. O objetivo deste trabalho é apresentar um relato de caso clínico de plasmocitoma ósseo solitário com acometimento primário da cavidade bucal, ressaltando seus aspetos clínicos, radiográficos e histológicos.
The solitary plasmacytoma is a monoclonal unifocal neoplastic proliferation of plasma cells with histopathologic characteristics similar to those of multiple myeloma. Its etiology is unknown, and rarely the jaws. VMS patient, 56 years old, female, melanoderma in treatment of breast cancer, referred to oncologist for the preparation of the oral cavity in order to start the radiotherapy treatment. On physical examination, presence was seen as a fluctuation in the region of mandible body, with granulation tissue and purulent drainage without dental involvement. In-radiographic examination showed the presence of intraosseous lesion long, radiopaque, surrounded by radiolucent halo. The chance of diagnosis was chronic osteomyelitis diffuse, cement-osseous dysplasia, complex odontoma, osteoma and ossifying fibroma. After biopsy, was found to be a plasmacytoma. The objective of this work is to present a clinical case report of solitary bone plasmacytoma with primary involvement of the oral cavity, emphasizing their clinical, radiographic and histological features.
O plasmocitoma ósseo solitário (POS) é um tipo de neoplasia plasmática de células linfóides do tipo B1–3, histologicamente similar ao mieloma múltiplo (MM)4, porém com acometimento localizado e sem manifestações sistémicas1.
Tendo em vista que a possibilidade de progressão do plasmocitoma para mieloma múltiplo é alta4–6, o diagnóstico precoce faz com que a instituição imediata da terapêutica favoreça o aumento da taxa de sobrevida dos pacientes acometidos.
O plasmocitoma ósseo solitário tem maior prevalência em homens do que em mulheres, com idade mediana de 55 anos e localização geralmente no esqueleto axial7,8. Embora o plasmocitoma seja uma patologia rara, principalmente na região de cabeça e pescoço, a sua ocorrência na cavidade bucal tem como locais de maior predileção a região de ângulo e ramo da mandíbula, devido à sua intensa atividade hematopoiética1,3,9.
Os critérios para estabelecer o diagnóstico de POS são os seguintes: (1) presença de um tumor ósseo solitário; (2) biópsia mostrando histologia de plasmócitos; (3) ausência de células de mieloma no exame da medula óssea; (4) ausência de anemia, hipercalcemia ou comprometimento renal; (5) ausência de componente monoclonal, ou componente monoclonal baixo na eletroforese do soro e (6) níveis normais de imunoglobulina após o tratamento10.
Nos exames imaginológicos, o POS é visto como uma lesão osteolítica multilocular isolada11, com bordas irregulares, expansivas e com destruição da cortical8. Em relação às características histopatológicas do POS, as mesmas são idênticas às do MM, por isso as neoplasias de células plasmáticas são consideradas histologicamente indistinguíveis3,4.
O tratamento de eleição para o POS constitui-se em radioterapia, ressecção cirúrgica ou combinação de ambos1. A quimioterapia é indicada para o tratamento de mieloma múltiplo12.
Embora, o prognóstico do POS seja bom, há um risco para desenvolvimento do MM, por isso é necessário um acompanhamento a longo prazo4,13. Canger et al. (2007)11 afirmaram que tal risco seja de aproximadamente de 50%.
Caso clínicoMulher, 56 anos, melanoderma, compareceu em março de 2005 junto ao ambulatório odontológico trazendo carta de encaminhamento do seu oncologista, solicitando o preparo e remoção de focos de infecção dentária para dar início às sessões de quimioterapia e radioterapia.
Na história médica, a paciente relatou que no início de 2004 se submeteu a uma mastectomia para remoção de câncer de mama, diagnosticado como fibrohistiocitoma maligno.
Ao exame físico extrabucal, a paciente apresentava um aumento de volume na hemiface direita, que provocava assimetria facial, com ponto de flutuação e drenagem de secreção purulenta, em corpo mandibular (fig. 1).
Ao exame físico intrabucal, foram observados restos radiculares na maxila, bem como presença de tecido de granulação e secreção purulenta na região de molares inferiores, lado direito da face (fig. 2).
Os exames laboratoriais não revelaram alterações. Nos exames imaginológicos foi observada, na maxila, presença de restos radiculares e dente incluso. Além disso, na região de molares inferiores, lado direito, foi observada presença de uma lesão mista de padrão maduro, com aspeto de flocos de algodão e expansão de cortical vestibular e lingual (fig. 3).
Diante dos dados coletados as suspeitas diagnósticas foram de: osteomielite crónica difusa, displasia cemento-óssea, odontoma complexo, osteoma e fibroma ossificante.
Devido ao aspeto clínico e radiográfico da lesão optou-se pela realização de uma biópsia excisional, sob anestesia geral, visto que havia o risco de fratura mandibular. Na mesma sessão, optou-se pela extração da unidade 46, visto que a mesma encontrava-se próxima à referida lesão e a paciente apresentava higiene precária, o que poderia desencadear um novo quadro infeccioso.
Tendo em vista que a paciente estava com um quadro infeccioso associado, a mesma foi submetida à terapia antibiótica com Amoxicilina 500mg, de 8/8 horas durante 10 dias, assim como durante o procedimento cirúrgico foi colocado um dreno de Penrose para drenagem de secreção. Após 7 dias, a paciente retornou para remoção da sutura e se submeteu a irrigação com soro fisiológico no sítio operado. Na região extrabucal, não havia mais sinais de infecção (fig. 4).
No exame histopatológico, a secção histológica corada pela hematoxilina e eosina (HE), 20X, mostrou um infiltrado predominantemente composto por plasmócitos, em que no aumento de 100×, os plasmócitos observados exibem atipias e por vezes núcleos multinucleados (fig. 5).
Tendo em vista que o diagnóstico ainda não era conclusivo, foi realizada a Imuno-histoquímica para definição histogenética do tumor. Nas células neoplásicas foram pesquisados os seguintes marcadores com os respetivos resultados:
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CD45LCA (antígeno leucocitário comum).............Positivo difuso (fig. 6)
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CD20 (linfócito B)...................................................Negativo
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CD79α (células com diferenciação plasmática).......Positivo difuso
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VS38 (células plasmáticas).................................Positivo difuso (fig. 7)
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EMA (antígeno membranal epitelial)........................Positivo difuso
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Ki67 (antígeno de proliferação celular)........Positivo em 1% das células
A conclusão deste exame foi que a combinação dos aspetos clínicos, radiológicos e morfológicos associados aos achados da imuno-histoquímica favorece o diagnóstico de plasmocitoma em osso da mandíbula (à direita).
A paciente foi então encaminhada ao setor de Oncologia, onde a equipe de Oncologia, que já acompanhava a paciente durante o tratamento do câncer de mama, foi informada da presença do plasmocitoma mandibular. A paciente seria submetida a outros exames para investigar se a presente lesão era solitária ou se fazia parte de quadro sistémico de MM.
Para investigação de MM, a paciente foi submetida a exames radiográficos, a imunoeletroforese no sangue e pesquisa de imunoglobulinas séricas, com resultados conclusivos de ausência de alterações. Além disso, a mesma foi submetida à cintilografia óssea e mamografia para deteção de metástases do câncer de mama.
Nas sessões de acompanhamento realizadas pelo serviço de Cirurgia Bucomaxilofacial a paciente foi orientada a fazer irrigações com soro fisiológico, na área da mandíbula uma vez que não foi conseguida a cicatrização inicial, a fim de evitar a instalação de nova infecção e consequentemente fratura da mandíbula. Essas irrigações eram feitas em casa, após a alimentação, pela própria paciente e também de 15 em 15 dias no ambulatório hospitalar.
Atualmente, já decorridos 4 anos de proservação, a região afetada da mandíbula encontra-se cicatrizada, sendo evidenciada, em novo exame radiográfico de controle, neoformação óssea (fig. 8). Além disso, o hemograma e coagulograma da paciente, assim como exames radiográficos, permanecem sem alterações, sugerindo que a doença não evoluiu para MM.
DiscussãoApesar do POS ser considerado pouco frequente na cavidade oral, Rojas et al. (1997)9 afirmam que o mesmo deve ser incluído dentro dos diagnósticos diferenciais de lesões radiolúcidas multiloculares em corpo e ângulo de mandíbula, devido a maior incidência encontrada no seu estudo. Além disso, esses autores sugerem a realização de novos estudos de incidência e prevalência da doença. No caso clínico apresentado pode-se notar que se trata de uma forma rara da patologia, confirmada na literatura8,14,15, tendo em vista que houve o acometimento de uma pessoa do sexo feminino e na mandíbula.
Segundo Canger et al. (2007)11, o POS é mais frequentemente visto nas vértebras e secundariamente nos ossos longos. Sua presença na maxila e mandíbula é extremamente rara e quando é visto o ângulo e o ramo mandibular são os locais de ocorrência mais comum. No caso clínico relatado foi observado um POS mandibular em paciente do género feminino, sendo que a região afetada condiz com a localização mais frequentemente relatada na literatura segundo a incidência.
A apresentação radiográfica das lesões pode variar, dependendo do grau de evolução16. No caso clínico apresentado, a imagem radiográfica da lesão intraóssea era mista de padrão maduro com aspeto de flocos de algodão, discordando dos aspetos radiográficos descritos na literatura8,11, sugerindo também outras hipóteses diagnósticas. Entretanto, a cintilografia óssea, altamente sensível na deteção de metástases ósseas de câncer de mama e próstata, não apresenta a mesma sensibilidade em MM17. Tendo em vista que a paciente do referido caso também apresentava câncer de mama, justifica-se então a utilização deste exame para deteção de metástases.
Embora o risco de conversão de POS para MM seja alto, esta conversão pode ser retardada devido ao tratamento por radiação local e quimioterapia2. Este dado é relevante, pois reflete a importância do acompanhamento a longo prazo visto que o tratamento pode mascarar a evolução do POS para MM.
A recorrência local e/ou disseminação do POS é significativamente mais frequente em pacientes com proteína M sérica encontrada no diagnóstico do que naqueles sem proteína M. Portanto, a mesma serve para avaliar o prognóstico da doença8. Neste caso clínico, pode-se observar a ausência de proteína M sérica através dos exames de imunoeletroforese favorecendo um melhor prognóstico.
Conclusões- -
O aparecimento de lesões bucais pode ser o primeiro sinal do POS, portanto é imprescindível que o profissional de saúde esteja capacitado a reconhecer alterações do padrão de normalidade óssea e da mucosa bucal, para que o mesmo possa tomar atitudes que possibilitem o diagnóstico precoce destas alterações e quando esse diagnóstico histopatológico for de lesão maligna, a exemplo do POS, encaminhar prontamente o paciente para atendimento oncológico especializado.
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O POS apresenta alto risco de conversão para o MM. Desta forma, além do diagnóstico precoce da doença ser essencial, o paciente deve ter acompanhamento a longo prazo.
Proteção de pessoas e animais. Os autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dados. Os autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.
Direito à privacidade e consentimento escrito. Os autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.