Acidentes e complicações relacionados à exodontia de terceiros molares inferiores são comumente relatados na literatura, dentre eles as fraturas mandibulares. Esse acidente requer rápido tratamento para evitar complicações mais graves. Os métodos abertos ou fechados de tratamento podem ser usados para tais fraturas. O objetivo deste trabalho é apresentar um caso clínico de uma paciente de 22 anos que durante uma tentativa de exodontia do dente 38, feita fora do nosso serviço, teve sua mandíbula fraturada. A paciente procurou o Hospital Universitário Regional Norte do Paraná e foi tratada cirurgicamente pela nossa equipe, que conseguiu um restabelecimento completo de sua função mastigatória.
Accidents and complications related to third molar extraction surgery are commonly reported in the literature, including mandibular fractures. This accident requires prompt treatment to avoid more serious complications. Open or closed treatment methods can be used. The objective of this paper is to present the clinical case of a 22‐year old female patient, who suffered a mandibular fracture during an attempted extraction of a left lower third molar at her dentist's office. The patient was admitted to the Hospital Universitário Regional Norte do Paraná (North Regional University Hospital of Paraná) for assessment and surgical treatment of the fracture. Surgery and postoperative period were uneventful and the patient had a full recovery of occlusion and function.
A extração de terceiro molar inferior é o procedimento mais comumente feito pelos cirurgiões buco‐maxilo‐faciais em todos os países.1 Devido a esse fato, acidentes e complicações relacionados a esse procedimento são comumente relatados na literatura mundial. As principais intercorrências intra e pós‐operatórias relacionadas à exodontia de terceiro molar impactado são: sangramento, dor, luxação de dentes adjacentes, danos aos tecidos moles, enfisema subcutâneo, lesão nervosa, trismo edema, infecção, fraturas dentárias e fratura mandibular.2
A incidência intra ou pós‐operatória de fraturas mandibulares relacionadas à exodontia de terceiros molares é muito baixa, varia de 0,0033% a 0,0036% ou 0,0013% a 0,0046%, a depender da literatura3,4. Tal fratura requer rápido tratamento para evitar complicações mais graves e maior morbidade ao paciente. Sendo assim, apesar da baixa incidência percentual da fratura mandibular nesses casos, devido ao grande número de extrações de terceiros molares feito o cirurgião deve compreender a etiopatogenia dessa intercorrência para atuar na prevenção, assim como instituir o diagnóstico e o tratamento adequados.5
A fratura ocorre quando a força de resistência do osso é superada pelas forças que atuam sobre ele.1 Os terceiros molares inferiores associados a lesões radiolúcidas ou a ostetomia em excesso podem favorecer a ocorrência da fratura.5 Fraturas no transoperatório são mais comuns no sexo feminino, com faixa de 26 a 79 anos e pico de incidência de 36 a 45, e ocorrem com maior frequência nos dentes mesioangulados (32,6%) e com menos frequência nos distoangulados (12,8%), com predileção pelo lado esquerdo.6
Métodos abertos ou fechados de tratamento podem ser usados para as fraturas de mandíbula.
Ostetomia mínima com odontosecção e uso adequado dos extratores com pressão suave devem ser a norma para a remoção de todos os terceiros molares.6
A capacidade de prever a dificuldade cirúrgica de extração do terceiro molar inferior é essencial na concepção de um plano de tratamento, pois ajuda a avaliar e minimizar os acidentes e as complicações e também prepara o paciente para o pós‐operatório1.
Caso clínicoPaciente do gênero feminino, 22 anos, saudável, negava hábitos e alergias, compareceu ao Hospital Universitário Regional do Norte do Paraná, em Londrina, encaminhada por um hospital de uma cidade vizinha, e relatou queixas álgicas em mandíbula à esquerda e alteração de oclusão. Afirmava ter sido submetida a tentativa de exodontia do dente 38 dez dias antes, na sua cidade de origem, que resultou em fratura de mandíbula à esquerda e insucesso na exodontia. Ao exame físico apresentava: dor, discreto edema em região de ângulo mandibular esquerdo, restrição de abertura bucal, discreta mordida aberta posterior à esquerda e crepitação durante a manipulação da região do dente 38 (fig. 1). Nos exames imaginológicos observou‐se imagem sugestiva de traço de fratura no ângulo mandibular esquerdo entre os dentes 37 e 38 (figs. 2 e 3). Por meio da anamnese, exame físico e exames imaginológicos chegou‐se ao diagnóstico de fratura composta de ângulo mandibular esquerdo. A paciente foi internada, prescrita antibioticoterapia endovenosa com Cefalotina 1g 6/6h, conforme protocolo do serviço para profilaxia em fraturas mandibulares, além de medicação analgésica e anti‐inflamatória devido à queixa álgica da paciente, com pioria nos últimos dias.
Planejou‐se para o caso um procedimento cirúrgico sob anestesia geral, com intubação nasotraqueal, no dia seguinte à admissão da paciente. A fratura foi acessada através de uma incisão em mucosa mandibular (acesso intrabucal para mandíbula) que aproveitou a incisão feita pelo profissional durante a tentativa de exodontia do 38. Notou‐se então deslocamento significativo do coto distal e extensa ostetomia feita durante o procedimento da exodontia que falhara (fig. 4). Foi instalada então a barra de Erich com concomitante remoção do dente 38 e bloqueio maxilomandibular. A fratura foi reduzida e fixada com duas placas do sistema 2.0da marca Synthes®, Brasil, uma com seis elos na zona de tensão com parafusos monocorticais e outra com quatro elos na zona de compressão com parafusos bicorticais (fig. 5), instaladas com auxílio de um trocarte. No primeiro dia de pós‐operatório, os exames radiográficos apresentavam boa redução e fixação da fratura (figs. 6 e 7), a paciente apresentava edema compatível com o tempo de procedimento, oclusão estável, controles gerais normais e não apresentava queixas álgicas. Recebeu alta hospitalar nessa data. No primeiro retorno com cinco dias de pós‐operatório, sua oclusão estava mantida, movimentos mandibulares normais e restrição de abertura bucal compatível com o período; no 15° dia a paciente apresentava regressão total do edema, boa cicatrização do acesso cirúrgico, movimentos mandibulares mantidos e abertura bucal de 20mm; com 30 dias de pós‐operatório a paciente apresentou melhoria significativa da abertura bucal (38mm). Com 60 dias de pós‐operatório a paciente encontrava‐se completamente restabelecida funcionalmente, com abertura bucal de 51mm, boa função mastigatória, oclusão dentária e movimentos mandibulares mantidos (figs. 8, 9 e 10).
O caso clínico descrito corrobora a literatura quanto ao gênero do paciente e o lado acometido pela fratura. Neste caso, existe uma alta probabilidade de a fratura mandibular ter ocorrido por imperícia do cirurgião dentista, pois notamos durante o procedimento de redução da fratura algumas técnicas não compatíveis com a exodontia convencional, como a incisão relaxante posterior na mucosa por lingual em vez de seguir o ramo ascendente, e o excesso de ostetomia durante a confecção da canaleta vestibular, o que provavelmente ocasionou a fratura. O emprego de uma técnica cirúrgica precisa e correta é primordial para a prevenção desse tipo de acidente.
De acordo com a literatura as fraturas mandibulares durante a exodontia são mais comuns entre as classes II/ III e tipo B/C da classificação de Pell e Gregory, em relação à classe I e ao tipo A, e com maior incidência nos dentes mesioangulados, quando comparados com outras angulações6. O relativo risco aumentado de fraturas associadas às impacções horizontais pode estar relacionado à necessidade de remoção óssea adicional e ao ponto mais profundo da aplicação de força que muitas vezes é requerida.7
No presente caso, o dente era classe II, tipo C e estava mesioangulado, mostrava que em relação à classificação também está de acordo com a literatura.
As medidas preventivas para reduzir a probabilidade de fratura iatrogênica da mandíbula incluem evitar força excessiva aplicada à mandíbula, ostetomia mínima, odontosecção sempre que indicado, dar sempre preferência à odontosecção em vez da ostetomia. Se o dente afetado estiver localizado perto do bordo inferior da mandíbula, considerar a abordagem extraoral e orientar os pacientes para uma dieta macia, ou seja, ingerir alimentos que não exijam força mastigatória excessiva durante quatro semanas de pós‐operatório.8
As fraturas do ângulo mandibular necessitam de uma atenção clínica redobrada, pois apresentam uma maior taxa de complicação pós‐operatória quando comparadas com outras fraturas mandibulares de mesma complexidade. 9,10 A literatura relata que para fixação de fratura de ângulo mandibular a fixação interna com placa de reconstrução (Association for Osteosynthesis/Association for the Study of Internal Fixation (AO/Asif) por meio de acesso extraoral e a fixação com o uso de um único dispositivo na zona de tensão, por meio de acesso intraoral, estão associadas com as menores complicações11. Neste caso, devido à remoção do dente 38 e à ostetomia aumentada, não conseguimos estabilidade adequada da fratura com um único dispositivo. Portanto optamos por mais um dispositivo na zona de compressão, como preconiza a Arbeitsgemeinschaft für Osteosynthesefragen Craniomaxillofacial (AOCMF)12, o que resultou em uma boa estabilidade da fratura, proporcionou um contorno facial adequado, ausência de complicações pós‐operatórias, boa relação interoclusal e consolidação da fratura e restabeleceu a função e a estética da paciente.
Com base na literatura consultada, consideramos que as fraturas do ângulo mandibular durante exodontia de terceiro molar são relativamente raras.1,3,4 A observação dos critérios de diagnósticos relatados e da técnica cirúrgica correta são importantes fatores para que esse acidente seja evitado. Uma vez diagnosticada a fratura, o tratamento aberto com fixação estável se mostra o método mais eficaz de tratamento.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta pesquisa não se fizeram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse desse documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.