Avaliação da efetividade de 2 protocolos de esterilização de bandas ortodônticas.
MétodosForam utilizadas 40 bandas ortodônticas para realizar o estudo, 5 não foram utilizadas em pacientes, funcionando como controlo negativo. As outras 35 bandas foram testadas em volta dos primeiros molares superiores de 10 indivíduos. Posteriormente foram removidas da boca e 5 foram separadas para controlo positivo. As restantes 30 bandas foram imersas num banho ultrassónico com desinfetante Elusept®, 15min. Depois, as 30 bandas foram divididas em 3 grupos. O primeiro serviu como controlo do desinfetante, o segundo e o terceiro foram submetidos, adicionalmente, a uma esterilização por calor seco (210° C, 30min) e vapor (121° C, 33min), respetivamente. Finalmente cada banda foi colocada numa solução de tampão fosfato, a fim de remover os microrganismos aderentes e a suspensão resultante foi inoculada em nutriente agar. O número de unidades formadoras de colónia (UFC) foi observado em cada placa de petri, 4 dias após incubação a 37°C.
ResultadosQuantificou-se um elevado nível de contaminação nas placas de petri que continham os controlos positivos. As restantes placas de petri, em que as amostras foram sujeitas a desinfeção e/ou esterilização, não evidenciaram sinais de contaminação.
ConclusãoPerante a metodologia utilizada e tendo por base o estudo de formas de vida bacteriana, o risco de infeção cruzada, aquando da reutilização de bandas ortodônticas, é pequeno, após qualquer um dos protocolos testados.
Evaluation of the effectiveness of two orthodontic bands sterilization protocols.
Methods40 orthodontic bands were used to accomplish the study, 5 of them were not used on individuals, being used as negative control. The other 35 bands were tested around the first upper molars of 10 individuals. Then, they were removed from the mouth and 5 were separated for positive control. The remaining 30 bands were immersed in an ultrasonic bath with Elusept® disinfectant for 15minutes. Afterwards, the 30 bands were divided into 3 groups. The first one worked as disinfection control, the second and the third ones were subjected to an additional sterilization with dry heat (210° C, 30min) and steam (121° C, 33min) respectively. Finally, each band was placed in a phosphate buffer solution to remove adherent microorganisms and the resulting suspension was inoculated in a nutrient agar. The number of colony-forming units (CFU) was observed in each petri dish, 4 days after incubation at 37°C.
ResultsIt was quantified a high level of contamination on the petri dishes that contained positive controls. The remaining petri dishes, where the samples were subjected to disinfection and/or sterilization, showed no signs of contamination.
ConclusionAccording to methodology and based on the study of bacterial life forms, the risk of cross infection is small when reusing orthodontic bands after any of the sterilization tested protocols.
A experimentação em molares de bandas ortodônticas pré-formadas, de tamanhos variados, é uma prática comum. Com efeito, várias bandas podem ter de ser testadas num mesmo paciente antes de se conseguir obter um ajuste exato. A rejeição de bandas após experimentação na boca, devido a tamanho inadequado, não é financeiramente viável, nem justificável1. Contudo, há poucas orientações sobre os procedimentos a adotar, conducentes à limpeza e esterilização adequadas, de forma a eliminar qualquer risco de contaminação cruzada1–4.
O surgimento do vírus da imunodeficiência humana, na década de 1980, despoletou novas preocupações entre profissionais, proporcionando melhorias significativas no controlo da infeção cruzada5. Desde então implementaram-se medidas de precaução universais na prática clínica diária, passando todos os pacientes a ser tratados como potencialmente infetados. Assim, é uma obrigação legal e uma responsabilidade ética e profissional dos médicos dentistas a garantia de que todos os instrumentos que tenham ou que possam ter tido contacto com os fluidos orais ou corporais sejam eliminados de acordo com as diretrizes estabelecidas ou, quando reutilizáveis, sofram um processo de esterilização adequado1,2,4.
Estima-se que a cavidade oral possua cerca de 500 espécies diferentes de bactérias6–9. Embora a maioria destes microrganismos sejam comensais, alguns são oportunistas, podendo causar doenças sistémicas6. Torna-se então necessário um controlo rigoroso da descontaminação dos instrumentos dentários reutilizáveis.
Este processo de descontaminação passa, geralmente, por uma descontaminação ou limpeza prévias, esterilização e armazenamento1,2,10–12.
O processo de limpeza inicial inclui a remoção manual ou ultrassónica dos contaminantes1,2,10. A unidade de ultrassons permite um desbridamento do material contaminado com sangue, saliva e outros detritos, em água corrente, podendo, alternativamente, utilizar-se com um agente desinfetante. O processo de desinfeção consiste na eliminação dos microrganismos patogénicos capazes de causar infeção13, atingindo formas vegetativas de microrganismos, mas não necessariamente os esporos bacterianos13–15.
Os álcoois constituem um tipo de desinfetante cujo mecanismo de ação passa pela desnaturação de proteínas, podendo também levar à desintegração das membranas celulares e à dissolução de lípidos. Os álcoois mais frequentemente utilizados na desinfeção são o etanol e o isopropílico10.
Relativamente à esterilização – eliminação de todas as formas de vida14,13, inclusive as mais resistentes, como os esporos bacterianos14 – pode ser realizada de diversas formas, tais como a calor seco, a vapor húmido, a vapor químico, com esferas de vidro, com óxido de etileno, a frio (imersão química) e a laser10,13.
O calor constitui o método físico de controlo microbiano mais comummente utilizado. Quando associado à humidade mata microrganismos, principalmente pela coagulação de proteínas causada pela rutura das pontes de hidrogénio que mantêm a estrutura tridimensional das proteínas. Este processo requer temperaturas muito elevadas, frequentemente obtidas por vapor sobre pressão, em autoclave. A esterilização por calor seco causa oxidação destrutiva, desnaturação das proteínas bacterianas e danos oxidativos e efeitos tóxicos nas células bacterianas10,11.
Assim, o objetivo do trabalho foi determinar a eficácia de 2 métodos de esterilização em bandas ortodônticas após experimentação na cavidade oral.
MétodosForam utilizadas 40 bandas ortodônticas, previamente desinfetadas e esterilizadas. Destas, 5 foram testadas diretamente (ausência de contaminação), servindo como controlos negativos. As restantes 35 foram testadas na boca de 10 pacientes. A amostra de pacientes foi selecionada utilizando como critérios de exclusão os utilizados na seleção de pacientes ortodônticos: presença de cáries dentárias e doença periodontal ativa.
Estes pacientes participaram no estudo voluntariamente, tendo-lhes sido explicados todos os aspetos relacionados com o trabalho. Seguidamente, assinaram a Declaração de Consentimento Informado aprovada pela Comissão Ética.
Previamente à experimentação das bandas ortodônticas foram colocados separadores Dentalastics® (Dentaurum, GmbH &Co. KG, Ispringen, Alemanha) nas faces interproximais dos primeiros molares superiores de todos os pacientes. Passados 2 dias os separadores foram removidos e experimentaram-se as 35 bandas ortodônticas (Ormco, Sybron Dental Specialties Inc., EUA) em torno dos referidos dentes (fig. 1), permanecendo na boca dos pacientes o tempo necessário para concluir se o tamanho da banda era, ou não, o correto. As 35 bandas foram então removidas com um saca-bandas e 5 foram selecionadas, aleatoriamente, para serem utilizadas como controlos positivos (presença de contaminação). As restantes 30 foram limpas por imersão num banho de ultrassons, Quantrex® (L&R, Bruxelas, Bélgica) com desinfetante Elusept® (Pierre Fabre, Ramonville, França), na concentração de 2%, durante 15 minutos e passadas por água durante um minuto.
Cada banda foi examinada cuidadosamente e passada por água, até que nenhuma contaminação residual fosse visível. Quando secas, as bandas foram aleatoriamente divididas em 3 grupos de 10, sendo que o primeiro grupo foi testado diretamente, o segundo foi colocado num esterilizador horizontal a vapor de água saturada (JSM®, Matosinhos, Portugal), vulgarmente denominado de autoclave, a 121°C, durante 33 minutos e o terceiro conjunto de amostras foi colocado num esterilizador ortodôntico rápido a calor seco, Dentronix® (Coltène Whaledent, Cuyahoga Falls, EUA), à temperatura de 191-210°C, durante 30 minutos (fig. 2).
Finalmente, cada uma das 40 bandas foi colocada individualmente num frasco com 10ml de tampão fosfato (fig. 3) de modo a remover os microrganismos aderentes.
Depois de agitar cada frasco no vórtex, semearam-se, por espalhamento, 100μl da solução proveniente de cada frasco em placas de petri com agar nutritivo 20g/l. A partir de cada frasco foram realizadas 3 culturas. Todo este procedimento de cultura microbiológica foi realizado numa câmara de fluxo laminar (Ehret®, Emmendingen, Alemanha). Finalmente, as culturas foram colocadas numa estufa (Heraeus®, Hanau, Alemanha), a 37°C. As placas de petri foram observadas 4 dias após inoculação.
Realizou-se a contagem das unidades formadoras de colónias (UFC) e calculou-se a sua concentração por mililitro, segundo a fórmula: UFC.ml−= (n.° de colónias × fator de diluição)/100μl.
ResultadosA observação das 120 placas permitiu verificar um elevado número de unidades formadoras de colónias por mililitro (UFC.ml−1) nas placas de petri que continham os controlos positivos, com um valor médio de 3,7×103 UFC.ml−1 (fig. 4). As placas correspondentes aos restantes 4 grupos (grupo de controlo negativo, grupo controlo das bandas que apenas foram desinfetadas, grupo constituído pelas bandas desinfetadas em banho ultrassónico e submetidas à esterilização por calor húmido e grupo formado pelas bandas submetidas ao banho ultrassónico e à esterilização por calor seco) não evidenciaram qualquer sinal de contaminação (fig. 5).
DiscussãoA reutilização de bandas ortodônticas é polémica e não consensual, facto que se deve, provavelmente, à escassez de estudos sobre o assunto e à divergência de metodologias de descontaminação utilizadas.
Neste trabalho as bandas ortodônticas foram previamente esterilizadas segundo o protocolo anteriormente referido, com o objetivo de eliminar qualquer possível contaminação relacionada com o processo de fabricação e/ou embalagem. Para garantir que não haveria contaminação proveniente desse processo foram selecionadas 5 bandas que nunca tinham sido introduzidas na boca de pacientes. Estas funcionaram como controlo negativo. Por outro lado, foram usados 5 controlos positivos e, tal como era de prever, o nível de contaminação era elevado (valor médio de 3,7×103 UFC.ml−1). Assim, a esterilização destas bandas é fundamental para evitar a contaminação cruzada.
A solução desinfetante, Elusept®, cujo princípio ativo é o álcool isopropílico, foi escolhida uma vez que é a habitualmente utilizada no processo de pré-esterilização de bandas ortodônticas realizado no SO-FMDUP, sendo rotulada como bactericida, fungicida e viricida. Esta solução foi diluída de acordo com as recomendações do fabricante. As 10 amostras submetidas a este passo do processo de desinfeção em banho ultrassónico não evidenciavam quaisquer sinais de contaminação. Estes resultados remetem para a ideia de que este passo do procedimento de descontaminação é suficiente no processo de reutilização das bandas. Uma vez que após este processo não havia sinais de contaminação, era presumível que depois das fases seguintes do protocolo também não houvesse. Foi o que efetivamente se verificou. Os 2 grupos submetidos adicionalmente, um ao esterilizador a vapor saturado horizontal e o outro ao esterilizador a calor seco, foram também eficazmente descontaminados. O primeiro grupo visou simular o processo mais comummente utilizado; o segundo pretendeu reproduzir o protocolo de descontaminação de bandas ortodônticas considerado ideal. Este processo é considerado o mais indicado devido à ausência de humidade a ele associada11.
A ausência de contaminação das bandas testadas na boca, após processamento de acordo com os protocolos preconizados, deve ser avaliada com precaução. É importante ter em linha de conta que os processos de descontaminação podem causar danos suficientemente amplos que impeçam os microrganismos de recuperar em culturas de laboratório, podendo, no entanto, não causar a sua morte ou extermínio. Além disso, existem microrganismos sem capacidades de se multiplicarem na presença de oxigénio atmosférico, uma vez que este apresenta um efeito deletério, não sendo, portanto, contabilizados no estudo. A instabilidade dos microrganismos anaeróbios estritos ao oxigénio explica a dificuldade existente no seu isolamento em laboratório. Loesche16 demonstrou que a capacidade de crescimento de certos microrganismos em agar, na presença de oxigénio molecular, é variável. Referiu que o isolamento empregando técnicas de anaerobiose contínua em câmaras anaeróbias permitiria o cultivo de todos os anaeróbios, cujas exigências nutricionais fossem satisfeitas pelo meio.
Este trabalho teve como objetivo a pesquisa de sinais de contaminação bacteriana das bandas. Como a maioria dos vírus são tão instáveis ao calor como as bactérias, a metodologia empregue neste trabalho de investigação constitui uma forma segura de descontaminação17.
Os priões constituem proteínas mutantes altamente estáveis, com potencial infecioso, sendo extremamente resistentes à destruição por agentes químicos e físicos convencionalmente empregues11. Atualmente, a melhor forma de os eliminar dos utensílios reutilizáveis é fonte de controvérsia, contudo, não constituem uma forma importante de contaminação a partir do sangue ou da saliva não sendo, dessa forma, considerados um importante fator de risco em medicina dentária15.
Quanto a endosporos bacterianos, estudos advogam certos desinfetantes como esporicidas, no entanto, mesmo os mais eficazes são considerados um fraco substituto da esterilização por calor18.
Os resultados obtidos neste estudo vêm ao encontro dos dados apresentados em 2003 por Fulford et al.3, que demonstraram que as bandas ortodônticas rejeitadas após ensaio na boca, submetidas a imersão num desinfetante enzimático e a um processo de esterilização numa autoclave de bancada gravitacional convencional durante 3 minutos, a 134° C, ou numa autoclave de bancada a vácuo durante 3 minutos, a 134° C, não apresentavam crescimento bacteriano quando inoculados em meio de cultura brain heart infusion e incubadas a 37° C, durante 5 dias. Estes autores concluíram que o risco de infeção cruzada, aquando da reutilização de bandas ortodônticas previamente testadas na boca e após desinfeção e esterilização, era mínimo.
Diferentes estudos sobre a descontaminação de bandas ortodônticas artificialmente contaminadas e limpas através de banho ultrassónico, seguido de autoclave19,20,21 e esterilização por calor seco21, corroboram também a eficácia destes métodos de esterilização3.
Lowe et al.5,22 demonstraram que após descontaminação de bandas matriz havia um elevado nível de contaminação residual. Porém, aqui as condições diferiam significativamente das relacionadas com o presente estudo, uma vez que a presença residual de materiais restauradores e cimentos dentários pode comprometer o processo de descontaminação subsequente. Apesar das bandas ortodônticas experimentadas na boca, no processo de seleção, não apresentarem o problema da contaminação residual por materiais restauradores ou cimentos dentários, a presença de detritos ou outros contaminantes noutras situações, como é o caso das bandas que são descoladas após permanência na boca durante um período mais ou menos prolongado, pode impedir a exposição ao calor, deixando microrganismos potencialmente viáveis presentes na superfície das bandas. Torna-se, por isso, essencial o processo de pré-limpeza.
Este trabalho de investigação, com os condicionamentos metodológicos apresentados, pretende representar e criar um ponto de partida para o desenvolvimento de novos estudos na área da infeção cruzada, abrangendo entidades patogénicas mais complexas e exigentes tecnologicamente, como os esporos e os priões, conduzindo ao estabelecimento e à criação de protocolos de descontaminação seguros e universais.
ConclusõesO presente estudo permitiu retirar as seguintes conclusões:
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O potencial de contaminação de bandas ortodônticas testadas na boca é elevado;
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A utilização Elusept® em banho ultrassónico é eficaz na descontaminação de bandas experimentadas na boca;
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A desinfeção com Elusept® em banho ultrassónico, seguida de esterilização a vapor é segura no que se refere à reutilização de bandas ortodônticas;
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O segundo protocolo testado, desinfeção com Elusept® em banho ultrassónico seguida de esterilização a calor seco, é eficaz.
Os autores declaram que os procedimentos seguidos estavam de acordo com os regulamentos estabelecidos pelos responsáveis da Comissão de Investigação Clínica e Ética e de acordo com os da Associação Médica Mundial e da Declaração de Helsinki.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos de seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes e que todos os pacientes incluídos no estudo receberam informações suficientes e deram o seu consentimento informado por escrito para participar nesse estudo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram ter recebido consentimento escrito dos pacientes e/ou sujeitos mencionados no artigo. O autor para correspondência deve estar na posse deste documento.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.
Suporte pecuniário pela Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto e apoio logístico através do empréstimo de material técnico pela empresa ormodent.