A paragem cardíaca súbita é a principal causa de morte. O início imediato do protocolo de suporte básico de vida (SBV) aumenta a probabilidade de sobrevivência. A formação em SBV, em Portugal, embora seja recomendada a todos os cidadãos, encontra‐se numa fase muito embrionária. O início precoce da mesma nas escolas traduz‐se em adultos com conhecimentos em situações de reanimação. Coloca‐se a questão: a partir de que idade se deve iniciar a formação? Quando iniciada no final do primeiro ciclo, apresenta‐se como uma opção bastante atrativa e viável, embora não seja consensual entre a comunidade científica que as manobras de SBV preconizadas pelo Conselho Europeu de Ressuscitação sejam corretamente realizadas.
Cardiopulmonary arrest is the main cause of death. The immediate initiation of Basic Life Support (BLS) protocol increases the likelihood of survival. The BLS training in Portugal, although recommended for all citizens, is in a very early stage. The early start of the BLS training in schools translates into adults with skills in resuscitation situations. This raises the question: to what age should the BLS training start? When started at the end of the first cycle, it presents itself as a very attractive and viable option, although it is not consensual among the scientific community that the BLS maneuvers recommended by the European Resuscitation Council are properly carried out.
A paragem cardíaca súbita é a principal causa de morte na Europa. Segundo o Conselho Português de Ressuscitação1, a doença cardiovascular representa cerca de 40% de todas as mortes antes dos 75 anos, com a morte súbita por doença coronária a representar mais de 60%. A mesma entidade refere que a morte súbita de causa cardíaca é frequente em Portugal2. Quando surge uma paragem cardíaca e/ou respiratória, as hipóteses de sobrevivência para a vítima variam em função do tempo de intervenção3. A maioria das situações que provocam paragem cardiorrespiratória (PCR) ocorrem fora dos hospitais e longe do alcance dos profissionais de saúde. Quer seja em casa, no trabalho, na estrada ou no decorrer de atividades desportivas e de lazer, o cidadão comum é o primeiro interveniente. O seu papel é limitado e temporário, mas primordial. A sua capacidade de avaliar rapidamente a urgência da situação e a aplicação imediata dos conhecimentos são determinantes. As potencialidades de recuperação das vítimas de mal‐estar súbito aumentam em relação à rapidez com que as situações de urgência/emergência são reconhecidas e adequadamente tratadas1,3,4. Preconiza‐se o início precoce de manobras de suporte básico de vida (SBV) pelo cidadão.
O SBV define‐se pela manutenção da via aérea permeável, da circulação e respiração de suporte sem o uso de equipamento, à exceção do equipamento de proteção. É a primeira medida necessária para reverter com sucesso uma paragem cardíaca. As manobras de reanimação cardiorrespiratória permitem um fluxo de sangue pequeno, mas essencial, para o coração e cérebro e aumentam a probabilidade de reverter a fibrilhação ventricular (FV) com desfibrilhação. O objetivo principal do SBV será permitir ganhar tempo até à chegada de socorro mais diferenciado, capaz de instituir procedimentos de suporte avançado de vida. Mas, o Conselho Português de Ressuscitação2 refere que a cultura de emergência médica em Portugal, nomeadamente ao nível de SBV, é incipiente. Bohn et al.5, numa revisão da literatura, identificam como principais motivos para que os cidadãos não iniciem manobras de SBV: a falha no reconhecimento da PCR; a falta de conhecimentos sobre SBV; o medo de infeção e o medo de fazer algo errado. Concluindo que, a principal razão de não se iniciarem manobras de SBV, é a vítima manter uma respiração agónica, não sendo interpretado como pré‐sinal de PCR, por quadro de respiração não eficaz.
A evidência científica mais recente indica que o início precoce de manobras de SBV em ambiente pré‐hospitalar é um fator primordial para o aumento das possibilidades de recuperação da vítima de PCR, com diminuição de sequelas1. Para o Conselho Português de Ressuscitação1 e Bohn et al.5, quando as manobras de SBV são iniciadas por alguém que testemunha a PCR, a taxa de sobrevivência aumenta o dobro ou o triplo. Nesse campo, Valenzuela et al.6 salientam que a taxa de sobrevivência após PCR diminui 7‐10% por cada minuto sem SBV. Em concordância com estes dados, o INEM3 refere que a chegada de um meio de socorro ao local (ambiente pré‐hospitalar), ainda que muito rápida, pode demorar tanto como 6 minutos. Salienta que as hipóteses de sobrevivência da vítima terão caído de 98 para 11% se os elementos que presenciaram a situação não souberem atuar em conformidade. Concluem que, em condições ideais, todo o cidadão devia estar preparado para saber fazer SBV, de acordo com as recomendações do Conselho Europeu de Ressuscitação (guidelines publicadas no ano de 2010)1,7.
Tendo em conta o que foi referido anteriormente, poderemos questionar: será a ausência de formação em SBV pelo cidadão um problema de saúde pública? E em que idade se deverá iniciar esta formação? Não será a resposta a esta questão uma emergência da comunidade?
Com que idade se deve iniciar a formação em suporte básico de vida?A evidência científica identifica que o início precoce da formação em SBV traz ganhos efetivos, com diminuição da morbilidade e mortalidade por PCR em ambiente pré‐hospitalar8. Roppolo e Pepe9 referem que, quantos mais cidadãos apresentarem formação em SBV, maior será a possibilidade de este ser realizado eficientemente, com aumento da sobrevida em contexto pré‐hospitalar. Para o Conselho Português de Ressuscitação2, ensinar SBV ao maior número de pessoas possível é um dos processos mais eficaz para salvar pessoas.
Nesse sentido, a American Heart Association10 recomenda a incorporação da formação em SBV nas escolas. Esta recomendação deriva da opinião que, ao longo do tempo, crianças com formação em reanimação contribuem significativamente para o aumento de adultos com formação em SBV na comunidade. A mesma instituição identifica esta estratégia como sendo de excelência, pois as escolas providenciam um acesso privilegiado a uma grande franja da população. Em concordância com este pressuposto, Colquhoun11 preconiza que a formação em SBV faça parte dos planos curriculares desde idades mais jovens, pois as escolas apresentam o perfeito ambiente para cativar os futuros cidadãos. O mesmo autor indica que já são vários os países europeus onde o SBV faz parte dos planos curriculares, com destaque para a Noruega, que iniciou a inclusão da formação em SBV nos curricula em 1961. O Conselho Português de Ressuscitação2 refere que, além da Noruega, também o Reino Unido introduziu progressivamente o ensino de SBV nas escolas. Na mesma linha de pensamento, Bohn et al.5 sugerem que a implementação da formação em SBV pode ser realizada nas escolas do primeiro ciclo, com um mínimo de alteração dos curricula.
Mas se introduzir esta matéria nos curricula é consensual entre os educadores, a idade para iniciar a formação é algo que se encontra em discussão, apresentando a justificação da maturidade intelectual e performance física (capacidade de realizar compressões cardíacas externas e ventilação assistida) como possíveis pontos desfavoráveis a registar nestas idades.
Em relação à realização de compressões cardíacas externas no adulto, o Conselho Português de Ressuscitação1 refere que esta técnica permite gerar um fluxo de sangue que é crítico para o cérebro e miocárdio, numa frequência de 100 por minuto, com depressão do esterno em cerca de 5cm. Salienta que no caso das ventilações desconhecem‐se os valores ideais do volume corrente, com necessidade de evitar a hiperventilação, quer pelo risco de induzir o vómito, quer pelo aumento da pressão intratorácica com diminuição do retorno venoso e consequente diminuição do débito cardíaco. O rácio deve ser de 30 compressões seguidas de 2 ventilações.
No sentido de avaliar a eficiência da realização de compressões torácicas por crianças, foram realizados alguns estudos. Maconochie et al.8 e Jones et al.12 comparam os resultados obtidos em 3 escalões etários distintos: dos 9/10, 11/12 e dos 13/14 anos de idade. Concluíram que apenas as crianças com mais de 13 anos conseguiam realizar compressões torácicas na profundidade recomendada – entre 38‐51mm –, mas as crianças mais jovens conseguiam aprender a posicionar corretamente as mãos sobre o peito da vítima. Na mesma linha de pensamento, Jones et al.12 referem que, embora as crianças mais novas não apresentem força suficiente para executar as compressões cardíacas, executam corretamente a técnica da colocação das mãos. Realçam que estes aprendem a parte teórica do SBV com a mesma qualidade que as crianças mais velhas. Nos estudos realizados por Roppolo e Pepe9, concluíram que só as crianças com 13 ou mais anos conseguem realizar a massagem cardíaca corretamente. Em 2009 Fleischhackl et al.13, num estudo realizado a alunos com média de idade de 13 anos (±2 anos), com o objetivo de avaliar as competências adquiridas após formação em SBV, concluiu que as crianças a partir dos 9 anos mostram competências para aprender eficientemente técnicas de SBV, com boa retenção da parte teórica, apresentando dificuldade em realizar corretamente as técnicas de massagem cardíaca externas e insuflações manuais em adultos. Para Berthelot et al.14, num estudo realizado a crianças de 10 e 12 anos, concluíram que as crianças não executaram corretamente as compressões, mas conseguiram realizar insuflações com volumes adequados, assim como uma frequência de compressões cardíacas, conforme preconizado pela American Heart Association. Realçam ainda que interiorizaram corretamente os passos e sequência do SBV. Um outro estudo com a duração de 4 anos (prospetivo), realizado por Bohn et al.5, na Alemanha, refere que não existe diferença entre competências adquiridas nas idades de 10 e 13 anos.
Em função dos resultados alcançados, os estudos sugerem que as crianças do grupo etário mais jovem, não realizando corretamente a técnica de compressões cardíacas, poderiam utilizar o seu conhecimento para alertar e até instruir os adultos sobre a técnica mais adequada para realização de manobras de SBV, ao mesmo tempo que tomariam conhecimento da importância destes gestos que salvam e da utilização correta dos serviços de emergência médica8,12–14.
Mas outras razões são apontadas para o início precoce de formação em SBV. Maconochie et al.8 salientam que os cursos devem ser ministrados, principalmente, a crianças a partir dos 10 anos, pois, nesta idade, desenvolvem um maior pensamento abstrato e têm maior capacidade de realizar as compressões cardíacas externas. Estes autores defendem a implementação nos curricula escolares de formação em SBV como uma necessidade, com duração mínima de 3 horas seguidas por ano letivo. Um outro estudo, realizado por Hill et al.15, concluiu que as crianças entre 10‐11 anos são capazes de realizar SBV com eficiência, após formação de 2 horas na escola. Indicam que, usando o rácio de compressões cardíacas externas/ventilação de 15:2, obtêm melhores resultados que usando o rácio 30:2. A American Heart Association10 recomenda que a formação tenha entre 2‐3 horas de duração. Para Bohn et al.5, a formação iniciada em idade escolar induz à diminuição da ansiedade no momento de ajuda, a probabilidade de errar e aumento do número de ações em reanimação.
E em Portugal?A formação em SBV no ensino básico, em Portugal, ainda é um assunto que desperta pouca atenção entre os responsáveis pedagógicos e comunidade científica. Na revisão da literatura realizada para a elaboração do artigo, nenhuma publicação de caráter científica foi identificada. Mas este é um tema prioritário, emergente, como ficou provado recentemente, em 22 de fevereiro de 2013, pela aprovação na Assembleia da República de uma recomendação ao Governo, no sentido de introduzir no terceiro ciclo do ensino básico das escolas nacionais uma formação, de frequência obrigatória, em SBV, com a duração total de 6‐8 horas16. Embora nenhum estudo longitudinal tenha sido realizado para avaliar o impacto sobre o ensino nas escolas e o seu impacto em adultos10, o investimento inicial na formação deverá ser uma prioridade. A formação nas escolas apresenta‐se como alvo preferencial, que irá no futuro ampliar o conhecimento da população em geral na execução de manobras de SBV. Citando Fleischhackl et al.13: «(…) If the goal of primary school training is to teach the basic skills of education and survival, that is reading, writing and arithmetic (the 3 Rs), perhaps as educators we need to take one giant step forward and introduce the fourth R–Resuscitation».
Nesse sentido, apresentados os exemplos internacionais supracitados, com a vontade e interesse para o desenvolvimento de projetos de intervenção de cidadania, sugere‐se a inclusão de programas de SBV nos curricula escolares, a ter início no final do primeiro ciclo.
Prevendo‐se dificuldades no início deste tipo de projetos, preconiza‐se a instituição de parcerias entre escolas, entidades locais e entidades com relevo na formação em SBV, com financiamento local, público e privado. Como exemplo, temos o projeto inovador iniciado e desenvolvido a nível local no ano curricular 2013‐2014, pelos profissionais do Centro Hospitalar do Oeste – Unidade de Caldas da Rainha, junto dos Agrupamentos Escolares D. João II, Raúl Proença, Rafael Bordalo Pinheiro e escolas primárias privadas das Caldas da Rainha, em parceria com a Câmara Municipal das Caldas da Rainha, Liga dos Amigos do Centro Hospitalar das Caldas da Rainha, Fundação Portuguesa de Cardiologia – Delegação Centro e o Conselho Português de Ressuscitação, com o objetivo de formar em SBV todos os alunos do concelho a frequentarem o quarto ano (600 alunos). Prevê‐se que esta formação seja contínua ao longo dos anos e que vá aumentando de complexidade, à medida que os alunos vão progredindo ao longo dos anos curriculares.
Considerações finaisApós análise e reflexão da literatura, conclui‐se que a inclusão da formação em SBV nos curricula escolares no final primeiro ciclo é recomendável e exequível. Embora os estudos referenciados demonstrem que nem sempre os alunos conseguem executar na plenitude todas as competências do algoritmo do SBV, são um grupo preferencial, de fácil acesso e motivado. Todas estas vantagens traduzem‐se em ganhos quando adultos, na medida em que estão mais despertos para a realização de manobras de reanimação, sempre que necessário.
Como maior constrangimento/dificuldade, evidencia‐se a dificuldade sentida em encontrar artigos científicos/estudos da realidade portuguesa. É premente realizar estudos com caráter inovador sobre esta temática. A idade em que se deve iniciar, métodos de ensino e duração da formação às crianças são algumas dimensões a investigar sobre esta temática. Mas outras mais existem, como quem deverá ser o responsável pela formação (Profissionais de saúde? Os professores?), quem financia a formação, ou ainda estudos de caráter prospetivo, avaliando o impacto da formação iniciada em crianças nos futuros adultos, e indicadores onde se reflita a morbilidade/mortalidade das PCR extra‐hospitalares. A finalizar, considerando que «as crianças de hoje são os adultos de amanhã(sa, sd)», todo o investimento bem feito será retribuído no futuro, na esperança que cada um de nós receba o que de melhor hoje plantou. Nessa lógica de pensamento, perspetivam‐se adultos capazes e confiantes, com competências elevadas na execução de manobras de SBV.