covid
Buscar en
Revista Portuguesa de Saúde Pública
Toda la web
Inicio Revista Portuguesa de Saúde Pública Comunicação em saúde e a segurança do doente: problemas e desafios
Información de la revista
Vol. Tematico. Núm. 10.
Páginas 47-57 (noviembre 2010)
Compartir
Compartir
Descargar PDF
Más opciones de artículo
Vol. Tematico. Núm. 10.
Páginas 47-57 (noviembre 2010)
Acceso a texto completo
Comunicação em saúde e a segurança do doente: problemas e desafios
Visitas
43948
Margarida Custódio dos Santosa, Ana Griloa, Graça Andradea, Teresa Guimarãesa, Ana Gomesa
a Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa, Lisboa, Portugal
Este artículo ha recibido
Información del artículo
Resumen
Texto completo
Bibliografía
Descargar PDF
Estadísticas
Figuras (1)
Tablas (1)
Tabela 1. ¿ Fornecer informação ao doente sobre o tratamento proposto
A segurança do doente constitui um dos grandes desafios dos cuidados de saúde do séc. Xxi. O reconhecimento da ocorrência de erros ou acidentes adversos com consequências gravosas para os doentes e para as instituições de saúde, levou, recentemente, a organização mundial de Saúde (OMS) a nomear comissões centradas na identificação de situações de risco e na elaboração de soluções que possam servir de recurso para a prevenção dessas situações. O resultado dos trabalhos destas comissões tornou evidente a importância da comunicação como determinante da qualidade e da segurança na prestação de cuidados. Neste artigo é abordada a problemática da comunicação em saúde e a sua relação com a segurança do doente, identificados problemas e apontadas algumas pistas para a sua prevenção. São especificamente referidos os principais problemas de comunicação entre os profissionais de saúde (nas passagens de turno e nas equipas de saúde) e entre estes profissionais e os doentes.
Palavras-chave:
Segurança do doente
Comunicação
Cuidados centrados no doente
Passagem de turno
Equipas de saúde
Patient safety is a major challenge for the Xxi century health care. The recognition of inadvertent harm to patients as result of professional health care has, recently, led the World Health Organization (WHO) to appoint committees focused on identifying risk situations and developing solutions that can serve as a resource for the prevention of these adverse events. The outcome of these commissions has highlighted the importance of communication as a determinant of quality and safety in health care. In this article we address the issue of communication in health care and its relationship to patient safety, identifying problems and pointing out some clues to its prevention.
Keywords:
Patient safety
Communication
Patient-centered care
Handover
Health team
Texto completo

Introdução

A procura de assistência médica é motivada pela vontade de permanecer saudável ou de restabelecer a saúde. Na consulta médica, nos exames complementares de diagnóstico ou no tratamento, todas as pessoas esperam encontrar respostas fiáveis que as assegurem da sua saúde ou que as ajudem na solução da doença que as aflige. Respostas fiáveis transmitidas por pessoas confiáveis. Esquecem, no entanto, que, como tão acertadamente escrevia Séneca (4aC-65 DC), errare humanum est (...) e que os profissionais de saúde são tão humanos como os outros. Menos mal que, se errar é inerente ao ser humano, reconhecer o erro e desenvolver esforços para o prevenir, é distintivo dos "sapiens, sapiens". Como, aliás, concluía o filósofo latino (...) sed perseverare diabolicum.

um estudo recente sobre a percepção geral do público acerca do erro médico e das suas implicações, realizado pelo Directorate-general of Health and Consumer Protection 1, no qual participaram 25 países da união Europeia (Eu), entre os quais Portugal, concluiu que 78 % dos inquiridos considera o erro médico um "problema grave no seu país" e que 28 % já viveu (directamente ou num familiar próximo) consequências do erro de diagnóstico ou de tratamento.

Um conjunto alargado de investigações sobre prevalência do erro nos cuidados de saúde, estima que entre 3 a 16 % dos doentes são vítimas de erros de tratamento que poderiam ser evitados 2. Segundo o institute of medicine (uSa), estes erros são causa de 44.000 a 98.000 mortes por ano 3.

Em 1956, moser 4 chamava a atenção para a urgência da reflexão sobre "os desastres que acontecem nos tratamentos dos doentes". A partir de 2000 a segurança do doente torna-se uma questão pertinente no âmbito da Saúde e um foco de atenção e de desenvolvimento de acções, na sua maioria coordenadas pela World Health Organization's World Alliance for Patient Safety (WHO.WAP).

Em 2005, a organização mundial de Saúde (OMS) nomeia "The Joint Commission international Center for Patient Safety" que adopta como missão, por um lado identificar problemas e desafios à segurança do doente, e, por outro lado, estudar soluções promissoras através do feed¿back e da colaboração de profissionais de saúde, de grupos de especialistas e de outros elementos envolvidos no processo de prestação de cuidados (entre os quais a comunidade leiga) em mais de 100 países. Dos trabalhos da comissão, resultou o documento "Nine Life-saving Patient Safety Solutions" que sumaria o que foi aprendido sobre o "onde", o "como" e o "porquê" dos acidentes adversos em Saúde 5. Um destes nove desafios e soluções está directamente relacionado com o tema central do presente artigo e diz respeito à comunicação durante as mudanças de turno (handover). A este respeito é referido que perturbações e/ou falhas na comunicação entre e intra equipas de saúde podem ser causa de diminuição da qualidade dos cuidados, de erros no tratamento e de danos potenciais para os doentes. A importância da comunicação é igualmente realçada nas dez áreas de intervenção identificadas pela "The global Patient Safety Challenge" 6. Especificamente na área referida como "Patients for Patients Safety" é atribuído um valor central à perspectiva do doente, da sua família e do cidadão comum na definição e no êxito das acções da organização mundial da Saúde para a segurança do doente. Segundo a comissão responsável pela definição dos "The global Patient Safety Challenge" "a segurança poderá ser aumentada se os doentes forem incluídos como colaboradores activos (partners) nas iniciativas de reforma devendo as suas contribuições ser integradas de uma forma sistémica na melhoria da qualidade e da segurança" 7, p.227.

Neste artigo são abordadas duas áreas de relevante importância no âmbito da comunicação em saúde e da relação entre a comunicação e a segurança do doente: (1) a área da comunicação entre profissionais de saúde/doente e (2) a área da comunicação entre profissionais de saúde.

Comunicação Profissional de Saúde/Doente

"... good communication is important not only because it relates to specific outcomes of care, but because it is the core of what makes medicine a human endeavour."

Stein, Frankel e Krupat 8

Consulta médica: do diagnóstico aos resultados

"Listen to the patient, he is telling you the diagnosis."

Osler 9

É hoje largamente aceite que a promoção da relação médico-doente conduz a um incremento na qualidade dos cuidados de saúde pois contribui para melhorar o processo de entrevista médica, facilita a compreensão e memorização das recomendações médicas e, consequentemente, aumenta a adesão, diminui sintomas físicos e aumenta a satisfação do utente 10. A comunicação médico/doente é ainda referida como um elemento importante no estabelecimento do diagnóstico e, muito especialmente, na prevenção de erros de diagnóstico 11.

Os erros de diagnóstico são reconhecidos como uma das mais frequentes e financeiramente mais dispendiosa causa de processos judiciais. Numa investigação recente Phillips e colaboradores 12 concluíram que, dos 45.345 processos judiciais por má prática nos cuidados de saúde primários nos uSa, entre 1985 e 2000, um terço tinha como fundamento o erro no diagnóstico.

Segundo Kuhn 13 o processo de estabelecimento do diagnóstico integra três fases sequenciais: recolha da informação; integração da informação obtida; e verificação do diagnóstico. A recolha da informação é realizada durante a consulta essencialmente através da história/narrativa do doente, do exame objectivo e, eventualmente, da consulta do processo anterior do doente. A integração da informação é um processo cognitivo que envolve competências de análise e julgamento médico. A verificação do diagnóstico consiste na confirmação ou rejeição do diagnóstico inicial, através da análise de exames complementares de diagnóstico e da procura de informações adicionais. Qualquer uma destas fases, mas principalmente a recolha de informação e a verificação do diagnóstico, depende da qualidade de comunicação. Na realidade se erros de comunicação na fase de recolha de informação podem por em causa o diagnóstico e, consequentemente, a segurança do doente o mesmo pode acontecer quando, no decorrer da consulta cabe informar o doente acerca do diagnóstico e do tratamento 10.

Interessa deste modo referir o que tem vindo a ser apontado na literatura como problemas específicos desses dois momentos.

Recolha de informação

Apesar do desenvolvimento tecnológico ter permitido avanços significativos na realização de diagnósticos precisos, a entrevista clínica continua a ser o único instrumento através do qual, em pouco tempo, o profissional de saúde consegue aceder aos problemas do paciente. A comunicação eficaz durante uma consulta constitui, provavelmente, o maior determinante da precisão e extensão da informação recolhida pelo profissional de saúde. Alguns estudos indicam mesmo que a história do paciente contribui entre 60 a 80 % para a realização do diagnóstico 14.

Os pacientes são, efectivamente, os especialistas nos seus próprios sintomas, cabendo, ao médico, ouvir a sua história e compreender a sua perspectiva acerca da doença 15. Infelizmente, a investigação nesta área tem demonstrado que os clínicos apresentam dificuldades em recolher informação relevante, especialmente no que concerne às maiores preocupações e expectativas do paciente 16.

Frequentemente, na fase inicial da consulta, não é dada ao paciente oportunidade para se expressar abertamente. Os médicos regulam a quantidade de informação solicitada e utilizam questões fechadas para controlar o discurso do paciente. Como consequência, apenas uma minoria dos médicos identifica todas as preocupações dos pacientes. Em 1984, beckman e frankel 17 realizaram um estudo, cujos resultados viriam a tornar-se emblemáticos. Os autores verificaram que apenas 23 % dos pacientes tinham oportunidade de completar a sua queixa inicial. Em cerca de 70 % das consultas, os médicos interrompiam as afirmações iniciais dos pacientes e direccionavam as questões para um problema específico. Esta interrupção ocorria, em média, dezoito segundos depois dos pacientes começarem a falar. Mais recentemente, numa replicação do mesmo estudo, marvel e colaboradores 18 verificaram que os médicos redireccionavam a primeira questão do paciente após vinte e três segundos do início do discurso e que, depois do clínico se focalizar numa queixa específica, a probabilidade do paciente completar as suas preocupações iniciais era muito reduzida.

Este controlo exercido sobre o discurso do paciente dificulta o entendimento entre médico e utente acerca do propósito da visita médica 16 e tem consequências preocupantes. As investigações referidas anteriormente demonstram que o mais comum é o médico centrar-se na primeira queixa do paciente. Contudo como é sabido, frequentemente, o primeiro problema mencionado não é o principal 19. Por outro lado, e não menos importante, ao deixar de lado as principais preocupações do paciente dificilmente o profissional de saúde conseguirá elaborar um diagnóstico preciso 14 ou proceder às recomendações mais adequadas 16.

Para além da recolha de informação sobre as queixas dos pacientes, é fundamental que o profissional de saúde compreenda a perspectiva que o paciente tem sobre a sua doença, assim como os sentimentos desencadeados por esta 16. Também nesta área, a investigação aponta para falhas por parte dos clínicos. A este respeito barry e colaboradores 20 gravaram consultas de 20 médicos de clínica geral e entrevistaram os respectivos pacientes e verificaram que, na maioria das situações em que os pacientes tentam verbalizar as suas preocupações, necessidades ou ideias, os clínicos bloqueavam ou ignoravam essa comunicação. Apesar das tentativas para expressar as suas preocupações, os pacientes, especialmente os que apresentavam situações crónicas, saíam da consulta com questões por responder. Os autores concluíram ainda que este constrangimento da comunicação tinha como consequência o agravamento do estado de saúde de alguns dos pacientes.

Os problemas de comunicação ocorrem igualmente nas situações em que os médicos duvidam das descrições que os pacientes fazem. Enquanto, para os doentes, o sintoma representa um "alerta", para os clínicos, a queixa é encarada como algo "lógico" que deverá servir para chegar ao diagnóstico e subsequente plano de tratamento. Neste sentido, Salmon e colaboradores 21 verificaram que os clínicos gerais tendem a desvalorizar os pacientes que apresentam sintomas que não se enquadram numa interpretação exclusivamente biomédica. Esta tendência para descredibilizar as queixas dos pacientes traduz-se na prestação de cuidados inadequados 15, nomeadamente, através da prescrição de doses de analgésicos inferiores às que seriam aconselháveis.

Os sentimentos negativos desencadeados por estas falhas de comunicação resultam numa troca limitada de informação entre o profissional de saúde e o paciente. A informação recolhida pelo médico é limitada, quer em quantidade, quer em qualidade, aumentando a probabilidade de serem realizados diagnósticos imprecisos e propostas de tratamento inapropriadas 16 que podem colocar em causa a segurança do doente.

Fornecimento de informação

A adequação da informação às necessidades de cada utente contribui para aumentar a satisfação deste 22, aumentar a adesão, reduzir sintomas psicológicos como a ansiedade e diminuir o tempo de recuperação após cirurgia 19.

Todavia, quando fornecem informação, muitos profissionais de saúde fazem-no de uma forma intuitiva e/ou inflexível, ignorando o tipo de informação que o paciente realmente espera ou necessita. Não raras vezes, os pacientes queixam-se que a informação foi transmitida de forma insuficiente, imprecisa e até ambígua. Aparentemente, estas queixas não dependem do nível sócio-cultural do indivíduo, pois Shaw e colaboradores 23 verificaram que, mesmo pacientes com um nível de literacia razoável sentem dificuldades em compreender a informação médica.

A utilização de jargões técnicos 19 constitui outro dos problemas do fornecimento de informação. Os profissionais de saúde parecem esquecer-se que a maioria dos pacientes não domina a terminologia médica, e que, alguns dos termos usados têm um significado diferente para as pessoas em geral (por ex. depressão) 24. Kerr e colaboradores 25 verificaram que 40 % dos pacientes com cancro do recto consideravam que a informação que lhes tinha sido fornecida, no que concerne à natureza e prognóstico da doença, era incompreensível ou insuficiente. Também já em 1955, Jarvinen 26 tinha demonstrado que a linguagem técnica utilizada pelos médicos num serviço de cardiologia, ao ser escutada, acidentalmente, pelos pacientes internados podia desencadear reacções emocionais excessivas a ponto de contribuir para o agravamento do quadro clínico destes últimos.

Estes resultados devem ser objectivo de alguma reflexão uma vez que o número de afirmações do médico, assim como a clareza do seu discurso, são dois dos factores que aumentam a capacidade de recordação do paciente 22. Efectivamente, para além das variáveis próprias do indivíduo, só uma compreensão adequada torna a pessoa capaz de levar a cabo as recomendações dos profissionais de saúde de forma apropriada e sem erros. As falhas na comunicação impedem esta compreensão e, consequentemente, induzem problemas graves de adesão. O relevante papel da comunicação e da relação entre profissionais de saúde e doentes na adesão dos doentes tem sido suportada por um conjunto muito alargado de estudos 27. Recentemente, mishra e colaboradores 28 verificaram que a comunicação ineficaz em aspectos relacionados com o modo como a medicação deve ser tomada e os efeitos secundários dos fármacos, assim como a atenção e o tempo dispendido pelo profissional de saúde com o utente, estavam directamente implicados na não adesão em doentes com tuberculose.

Se, de uma forma geral a comunicação profissional de saúde/doente é um elemento crucial na informação do doente, e na sua segurança, a qualidade da comunicação torna-se ainda mais relevante quando se trata de situações específicas, como são os exames complementares de diagnóstico ou os tratamentos.

Fornecimento de informação e comunicação em situações de exames complementares de diagnóstico e de tratamento

A realização de um exame de diagnóstico — como um electrocardiograma ou uma ressonância magnética — ou de um tratamento — por exemplo em fisioterapia ou medicina nuclear -, não devem ser entendidos como um evento isolado, mas entendidos como um dos momentos de um percurso mais longo que caracteriza a passagem de um doente/utente pelos serviços de saúde. Caracteriza-se pela interacção entre um ou vários profissionais de saúde e o utente/doente, relação que é mediada, frequentemente, por equipamento necessário à sua efectivação.

Estes eventos, em que o elemento humano se interliga ao elemento tecnológico, são passíveis de gerar a ocorrência de erros — cuja probabilidade aumenta à medida que aumenta o número de eventos que constituem o processo de intervenção junto do doente, e que a sua interdependência é mais acentuada — pondo em causa a segurança do doente e a qualidade da intervenção.

Dos vários factores considerados como fonte de erro e consequente risco para o doente, as falhas que se verificam a nível do processo de comunicação ocupam, como foi referido, lugar de destaque, relacionando-se com os maiores graus de insatisfação dos doentes e com grande parte das queixas apresentadas.

A natureza fragmentária e descentralizada dos serviços de saúde transforma o percurso de cada utente/doente num processo complexo, que implica a passagem por diferentes serviços/áreas de intervenção e consequente contacto com diferentes profissionais de saúde, os quais se encontram frequentemente imersos numa cultura de autonomia e isolamento face aos restantes profissionais.

Como abordaremos no ponto seguinte a comunicação entre profissionais de saúde poderá, nestas condições, tornar-se problemática e constituir potencial fonte de erro. Na realidade na maioria das vezes os profissionais não dispõem de informação completa relativa aos doentes que vão ser submetidos a determinado exame ou tratamento, o que poderá repercutir-se na qualidade e resultados da sua intervenção 29-31.

Falhas na comunicação a este nível podem conduzir a quebras na continuidade dos serviços prestados, a tratamentos/procedimentos inadequados ou pouco eficazes, com potenciais efeitos negativos para o doente. Um processo de comunicação desenvolvido de forma desadaptada do contexto e seus intervenientes, repercute-se negativamente nos seus comportamentos, promovendo a incompreensão e insatisfação, constituindo-se como fonte privilegiada de erro e más práticas dos profissionais de saúde 31-33.

Reduzir a possibilidade de ocorrência de erros em resultado de uma comunicação deficitária e, assim, diminuir o risco para os doentes é fundamental, pois permitirá aumentar a qualidade das intervenções dos profissionais de saúde, melhorando a relação profissional de saúde-doente, com consequente aumento da adesão por parte do doente.

Que estratégias poderão, então, ajudar os profissionais de saúde a melhorar a suas capacidades de comunicação e a desenvolver uma relação de qualidade com os utentes/doentes, nas situações de exames complementares de diagnóstico?

Sumariam-se algumas das mais referidas na literatura:

— Promover, sempre que possível, a comunicação frente-a-frente, procurando transmitir a informação de forma clara e organizada, recorrendo a frases curtas e a uma estruturação sob a forma de tópicos — reforçada através do recurso, quando adequado, a ilustrações e fotografias, gráficos e diagramas — complementando a transmissão oral com informação escrita, para que o receptor, seja ele um doente ou outro profissional de saúde, a possa compreender, isto é, que aceda ao sentido da mensagem tal como ela foi pensada pelo emissor.

— No que se refere especificamente às questões relativas à realização de exames de diagnóstico ou tratamentos, importa ter presente que este é um processo no qual se podem identificar três momentos distintos: a fase antes da sua realização, o momento da intervenção propriamente dita e o período após a sua efectivação. Todos eles se revestem de características particulares, apelando a precauções específicas que diminuam a possibilidade de erro e promovam a segurança do doente e sua consequente satisfação com os cuidados prestados 30,33.

— Relativamente à interacção com o doente, esta deverá desenvolver-se no sentido do seu envolvimento activo em todo o processo, o que implica a transmissão, por parte do profissional de saúde, de informação adaptada ao indivíduo e à situação, isto é, que promova a sua compreensão, que seja dirigida às suas necessidades próprias no contexto de determinada doença e/ou intervenção, que tenha em conta o seu grau de literacia, as suas especificidades culturais e linguísticas, bem como o seu grau de desenvolvimento cognitivo.

Assim, é importante que o doente saiba em que consistem os exames ou tratamentos a que vai ser submetido e porquê, como se processam e o que poderá vir a sentir, bem como o que se espera obter com a sua realização. O profissional de saúde deverá ainda informar o doente de quando e onde deverá comparecer, qual a documentação e exames de que se deverá fazer acompanhar e, quando for o caso, que tipo de preparação deverá efectuar.

No dia do procedimento o profissional de saúde deverá confirmar a identidade do doente e o procedimento a que vai ser submetido e, quando se aplique, conferir a sua adequada preparação. Fundamental, também, estabelecer com o doente uma relação de empatia que ajude a minimizar a ansiedade e receio que o momento de realização de um exame ou tratamento sempre representa para o doente, não só em consequência do procedimento em si, mas resultado, também, da perspectiva dos resultados alcançados e do que estes poderão representar para ele (diagnóstico de uma doença, agravamento da situação).

Findo o procedimento, o doente deverá ser informado de eventuais efeitos que poderá vir a sentir, especificando o que será normal ocorrer e identificando os incidentes que deverão ser interpretados como sinal de alarme da necessidade de contactar o profissional de saúde ou de recorrer ao serviço de saúde. Nesse sentido, poderá ser importante referenciar o profissional a quem o doente deve recorrer em caso de necessidade ou mesmo para o esclarecimento de quaisquer dúvidas.

Como podemos verificar, a informação a transmitir ao doente é muita e variada, o que sublinha a importância do desenvolvimento de uma comunicação eficaz que permita a sua apreensão e memorização. Uma estratégia que pode contribuir para melhorar a eficácia da comunicação do profissional de saúde consiste no pedido ao doente para repetir a informação recebida, o que permite ao profissional verificar até que ponto ela foi compreendida e memorizada, procedendo, quando necessário, à clarificação e adequação da informação ao doente (fig. 1). Para o doente, esta estratégia proporciona a oportunidade para se aperceber de falhas na sua compreensão, incentivando-o a colocar as suas dúvidas e questões, dando a conhecer ao profissional a sua percepção relativamente à informação recebida 34.

Figura 1 ¿ Processo interactivo de comunicação profissional de saúde — doente (adaptado de Schillinger et al., 2003)

No caso especifico dos tratamentos, após solicitar informação ao doente, de forma a explorar as suas concepções 24, o profissional pode avançar para o fornecimento de informação específica sobre o tratamento a implementar 10.

O Quadro seguinte (tabela 1) apresenta algumas acções que devem ser tidas em conta no caso específico da implementação de regimes terapêuticos.

A negociação de um plano mútuo de acção, por oposição a um plano centrado no profissional de saúde permite que o tratamento se concretize com condições mais favoráveis de segurança para o doente, aumentando a probabilidade de ser implementado de forma persistente e adaptada. Ao suscitar, nesta fase, aquilo que o doente imagina poder ser a integração efectiva do tratamento no quotidiano, sobretudo no que concerne às suas principais preocupações em relação às consequências do tratamento, ou às barreiras e dificuldades percebidas 35, é possível ao profissional de saúde discutir com o doente objectivos realistas e sugerir formas de resolver pequenos (grandes) problemas, numa atitude colaborativa (por ex, a integração das prescrições nas rotinas do doente, estudo de pistas que lembrem ao doente dos comportamentos a adoptar 24.

Uma relação de qualidade entre profissionais de saúde e doentes, na qual se desenvolve uma comunicação eficaz, constitui um dos passos fundamentais na diminuição da probabilidade de risco, resultando num aumento da segurança do doente e na sua satisfação, fundamentais para o envolvimento activo nos processos de saúde e de doença e, consequente, para reforço dos comportamentos de adesão.

Comunicação entre os Profissionais de Saúde

Como referido na introdução deste artigo não é possível falar-se sobre qualidade em saúde sem se referir a qualidade da interacção e da comunicação entre os profissionais que são responsáveis pelo cuidado, e por isso pela segurança, do doente. A este respeito consideramos, por um lado, a comunicação no momento específico de handover (i.e. passagem de turno) e, por outro lado, a comunicação mais alargada intra e inter equipas de saúde.

Comunicação nas "passagens de turno"

O desenvolvimento da medicina, quer no que diz respeito aos procedimentos do diagnóstico, quer em relação ao tratamento, tem levado à crescente complexidade no acompanhamento do doente e hoje este acompanhamento exige a articulação entre vários especialistas. No meio hospitalar, ou nas instituições em que o doente está internado e deverá ser monitorizado vinte e quatro horas por dia, a efectiva articulação entre os vários profissionais de saúde está muito dependente da comunicação. Problemas de comunicação entre os profissionais de saúde têm sido associados, em vários estudos, à diminuição de qualidade de cuidados e a mortes por erros médicos que poderiam ser evitados 36. A este respeito uma investigação que envolveu 28 hospitais australianos concluiu que a comunicação era a principal causa de eventos adversos nos serviços e que problemas de comunicação eram responsáveis por duas vezes mais mortes do que a ineficiência clínica 37.

Um dos momentos cruciais de articulação e de comunicação entre os profissionais de saúde acontece nos handover.

Em 1969 Clair e Trussel 38 definiram handover como a comunicação oral entre os profissionais de saúde (por ex. enfermeiros) de informação pertinente acerca dos pacientes, sempre que acaba um turno de actividade e um outro começa. Esta definição tem vindo a evoluir mantendo no entanto o aspecto caracterizador essencial de "sistema de comunicação de informação" necessário para o objectivo último, "facilitar o cuidado do doente".

Recentemente handover foi referido pela TeamStepps: Team Strategies and Tools to Enhance Performance and Patient Safety 39 como "a transferência de informação (assim como de autoridade e responsabilidade) que acontece no continum de cuidados dos doentes nos momentos de transição e que inclui a oportunidade para levantar questões, clarificar e confirmar" p.33. Segundo a Joint Comission on accreditation of Health Care (JCaHo) (2005) 40 handover é um processo de passagem de informação entre os profissionais de saúde que tem como missão a continuidade e segurança dos cuidados.

Trata-se, deste modo, de uma interacção importante que implica um processo de comunicação entre profissionais — assim como a transferência de responsabilidade do cuidado — e que acontece num sistema organizacional e cultural complexo. A complexidade do tipo de informação a ser transmitida, os meios de comunicação adoptados, e as características dos vários cuidadores tem impacto na efectividade e eficiência do handover e, consequente, na segurança do doente 41.

O aumento da qualidade dos handover tem sido associado a melhor qualidade dos serviços, à diminuição de erros e à diminuição da mortalidade 42.

Segundo Kerr 43 o handover tem 3 funções principais: (1) de comunicação expressa, que inclui a informação sobre aspectos objectivos essenciais ao cuidado e o ensino das práticas médicas; (2) de informação encoberta, que integra os elementos psicológicos e sociais dos cuidados (3) de integração cultural, que tem como objectivo a construção da identidade profissional. Para além destas tem sido atribuído ao handover valor como: suporte emocional dos profissionais, pois pode constituir uma boa oportunidade para trocar experiências e para lidar com o stress ocupacional; elemento motivador; forma de socialização e de promoção da integração nas equipas de saúde; e elemento de coesão das equipas de saúde 44.

Na literatura existe referência a situações diversas de handover. Constituem as que têm merecido maior número de estudos os que acontecem: entre turnos no mesmo serviço; entre serviços (por ex. os de enfermaria e os de diagnóstico ou tratamento); e nas transferências de instituição. Ainda que cada situação tenha características próprias que devem ser consideradas, muitas das barreiras à qualidade do handover, e especialmente as que dizem respeito à comunicação, escrita e oral, são transversais. Apresentam-se algumas:

— Uma das mais frequentes é a omissão de dados importantes. Em relação a este aspecto um conjunto alargado de estudos tem concluído que, numa grande percentagem de situações, os relatórios e notas não contêm toda a informação relevante. Exemplo desses estudos é o realizado por mcmahon 45 no qual o autor verificou que um número significativo de handover elaborados pelos participantes não incluía informação relevante para a segurança do doente, como deficiências auditivas e visuais, problemas motores, necessidades especiais de higiene e nutrição, ou dificuldades de expressão e comunicação.

Num estudo recente com doentes pediátricos também Catchpole et al. 46 concluíram que uma percentagem expressiva de handover continha mais do que um erro ou omissão, quer na área técnica e clínica, quer nos aspectos relacionados com a informação relevante sobre o doente ou os seus cuidadores.

A falta/omissão de informação para além da estritamente médica é ainda apontada como diminuindo a qualidade dos dados que são transmitidos e que, por insuficientes, preparam pouco o profissional que vai tomar a responsabilidade do doente para alterações emocionais ou comportamentais importantes para a prestação de cuidados.

— A falta de precisão ou de consistência da informação que é transmitida é igualmente referida como uma importante barreira à qualidade dos handover. Nos handover escritos a utilização de descritores pouco definidos como "bem" ou mesmo "ok", ou de abreviaturas, é comum e, estudos recentes, têm demonstrado que estas imprecisões podem gerar problemas de interpretação mcCloughein et al. 44. Ainda o uso de jargões técnicos pouco convencionais ou o grafismo elegível de alguns profissionais podem por em risco a informação a transmitir e levar a interpretações potencialmente danosas para os doentes.

Quanto à consistência da informação transmitida alguns estudos verificaram a existência de dados contraditórios ou dúbios em handover entre turnos no mesmo serviço e handover entre os serviços de enfermaria e os de diagnóstico ou tratamento 47.

A não consistência na transmissão de dados acontece também no handover verbal e presencial. Nestas situações foi identificada disparidade entre o conteúdo verbal e a linguagem não verbal, assim como distracções que põem em risco a fiabilidade da informação a ser transmitida. Acresce a este facto o tempo limitado que é frequentemente atribuído à passagem de turno. Esta limitação impede o feedback em relação ao que é transmitido e, consequentemente, torna mais difícil a correcta compreensão de todos os dados.

— Ainda no que diz respeito à comunicação nas situações de handover, têm sido apontadas como barreiras a permanente interrupção e os ruídos frequentes que inviabilizam a clareza da informação a ser transmitida. Em relação a este aspecto, um estudo que teve como objectivo examinar o padrão de comunicação entre médicos e enfermeiros, verificou que um terço das situações de comunicação era interrompida (uma média de 15 interrupções por hora) e que, na maioria dos casos, os profissionais demoravam tempo a retomar o assunto no ponto em que o tinham deixado 48.

Um aspecto que é igualmente referido na literatura como determinante da qualidade dos handover é a competência individual para a sua execução e, paralelamente, a falta de preparação dos profissionais de saúde para esta tarefa. Na realidade é praticamente inexistente a formação nesta área durante os anos de aprendizagem académica e, na comunidade clínica, persiste a ideia de que estas são competências que se aprendem no exercício da profissão. No entanto a investigação empírica e a constatação no terreno provam o contrário, demonstrando que não só as competências comunicacionais pioram com o tempo de exercício, como, frequentemente, os modelos a que os profissionais estagiários (ou no início da actividade) são expostos pouco contribuem para a sua aprendizagem 49. Este facto leva a que a qualidade do que é transmitido seja sobretudo fruto das capacidades de cada profissional.

Comunicação nas equipas de saúde

Os cuidados em saúde actuais exigem que profissionais de saúde, diferenciados em mais de 50 especialidades, actuem conjuntamente em micro sistemas ao nível de enfermarias, unidades ou departamentos. Face a esta complexidade organizacional é natural que o trabalho em equipa (TE) seja sistematicamente referido como um factor humano fundamental para a qualidade do cuidado prestado nas instituições de saúde. Contudo, o funcionamento em equipas de trabalho (ET) vem contrariar o modelo vigente, baseado na perícia e competência pessoal, auto-suficiência e responsabilidade individual. Face à necessidade de diminuir o erro humano este modelo tende a produzir soluções que se baseiam no esforço individual, contínuo e crescente de profissionais altamente treinados. Como é extensivamente demonstrado na literatura sobre ET e erro humano, esta não é uma estratégia eficaz.

Os problemas referidos mais frequentemente como potenciadores de erro situam-se nas áreas da comunicação, tomada de decisão e treino no TE. As ET em situações de alto risco e/ou grande intensidade de trabalho (por ex. urgências, cuidados intensivos) cometem menos erros que os indivíduos a trabalhar autonomamente 50, dada a complexidade de competências e experiências requeridas, que ultrapassa em muito a capacidade de cérebro humano de gerir variáveis.

Nas instituições de saúde as ET apresentam-se adequadas a funções de gestão, cuidado, projecto (por ex. equipa para melhoria da qualidade) e controlo, podendo ser equipas de longa ou curta duração, multi ou intradisciplinares. Salienta-se a importância das ET formadas por elementos da direcção, do corpo clínico e não clínico para o desenvolvimento de uma cultura de segurança, promovendo assim a comunicação e a decisão conjunta de grupos fundamentais na avaliação, decisão e implementação de medidas.

O TE não é algo que surge naturalmente quando se trabalha em grupo. Uma equipa tem características específicas que a diferenciam e que permitem atingir níveis de qualidade e eficácia no desempenho bastante superiores a um grupo de profissionais com tarefas em comum 51, das quais se salienta a qualidade no processo de comunicação inter e, mais importante, intradisciplinar.

A comunicação entre os membros da equipa é fundamental para fomentar a partilha de um mesmo modelo mental (i.e., ideias comuns relativamente a objectivos, modo de funcionamento, padrões temporais, papeis e funções individuais, valores relacionados com a actividade da equipa e visão sobre o contexto em que esta se insere). A integração neste modelo mental de uma atitude positiva em relação à cultura de segurança é fundamental para a redução do erro. Este modelo mental deve ser um dos temas que domina as primeiras interacções logo no início da actividade da equipa e depois fomentado ao longo de toda a sua actividade. Os múltiplos instrumentos de avaliação de atitudes em relação ao TE e à prevenção do erro, que servirão para a identificação dos pontos que necessitam de ser mais trabalhados com os membros da equipa 52.

Na fase inicial é também importante que os membros da ET discutam a aceitação da responsabilidade partilhada, a delegação de tarefas e poder de decisão por parte do líder para que haja uma resposta proactiva dos membros de acordo com estes princípios. A auto-correcção, considerada fundamental para o evitamento de erros e melhoria de qualidade nas instituições de saúde, é também uma constante no funcionamento das ET eficazes. A existência de hábitos de monitorização intermédia do desempenho da equipa com consequente análise das situações de risco ou erro, permitem a identificação e correcção atempada de problemas numa fase inicial e consequentemente a diminuição da probabilidade de erro, de stress e insatisfação nos membros da equipa.

As reuniões de equipa são também um determinante da sua eficácia. Mesmo quando as exigências da tarefa implicam contacto frequente ou mesmo contínuo, as reuniões são fundamentais pois evitam lapsos através da transmissão formal de informação a todos os membros da equipa, exigem propostas mais reflectidas para a resolução de problemas e são momentos de excelência para a promoção do espírito de equipa. Caberá ao líder, em função das circunstâncias e do momento que a equipa vive e do feedback dos restantes membros, decidir sobre a regularidade ideal das reuniões, que deverão ser frequentes. O conteúdo das reuniões deve limitar-se à partilha formal de informação, tomada de decisões, delegação de tarefas, avaliação de desempenho e auto-correcção, onde se insere a necessidade de discussão sobre as forças e fraquezas da equipa na capacidade de oferecer um desempenho de qualidade e com baixa margem de erro. Esta directiva pode parecer restritiva e contrária à ideia de livre comunicação que deverá ocorrer nas ET, mas não o é por duas razões: a discussão prematura de ideias/temas, com o processo de debate que inevitavelmente acarreta, leva ao prolongamento do tempo de reunião e ao surgimento em muitos membros do sentimento de "tempo inútil"; por outro lado, espera-se que fora das reuniões os membros comuniquem livremente entre si, podendo discutir ideais, problemas, soluções de um modo mais informal, recebendo feedback dos colegas e permitindo uma estruturação mais construtiva de ideias, que então já reflectidas, farão parte da agenda das reuniões. Esta comunicação informal pode ser também promovida em plataformas Web para facilitar a entrada de dados, análise e consulta de relatórios relacionados com segurança. Uma estratégia de prevenção de erro adequada a algumas ET será a realização de breafings antes e depois da execução de determinados procedimentos (por ex. cirurgias). Nos briefings que antecedem o procedimento são discutidos vários assuntos que podem ser geradores de problemas (por ex. comorbilidade, falta de pessoal, cansaço, dificuldades técnicas esperadas). Nos briefings após o procedimento devem ser discutidos os problemas identificados e a forma como a equipa lidou com eles.

A comunicação é por vezes difícil em equipas de saúde interdisciplinares, nas quais a hierarquia resultante de uma cultura profissional e institucional leva a que alguns grupos profissionais possam sentir dificuldade em se expressar abertamente com outras classes profissionais. Por outro lado, em alguns contextos profissionais existe a norma de evitamento da crítica dentro do mesmo grupo profissional. Estas barreiras comunicacionais são hoje identificadas como facilitadoras de erro, na medida em que o feedback a um procedimento incorrecto e a proposta de alternativas mais eficazes não são verbalizados, impedindo uma correcção atempada. O líder terá aqui um papel primordial ao desencadear, reforçar e servir de modelo a uma atitude e comportamentos de valorização da Pessoa e de respeito mútuo, facilitando uma comunicação intragrupal confortável e esbatendo as distâncias geradas pela estrutura hierárquica e de poder. É também importante que o líder solicite aos membros da equipa informação frequente sobre situações potenciadoras de acontecimentos adversos bem como relatos de situações adversas ocorridas.

A qualidade na estruturação e sincronização dos esforços de todos os elementos é fundamental para evitar sobreposições ou incapacidade de atingir os objectivos. A estruturação dos membros da ET será tanto mais importante quanto a interdependência das tarefas. Esta será em grande parte da responsabilidade do líder da equipa, mas sempre resultante de uma abertura contínua ao feedback dos restantes membros.

O espírito de entreajuda, uma característica fundamental do TE, traduz-se em comportamentos de colaboração, por oposição à competitividade ou passividade, que devem estar ausentes da ET. Este é um apoio proactivo, em que é fundamental a capacidade de antecipar e percepcionar as necessidades dos membros da equipa.

A coesão da ET deve ser elevada, gerando uma forte motivação de pertença ao grupo. Neste processo a comunicação intergrupal é fundamental. O TE tem por si só já alguns factores que a promovem (por ex. objectivos partilhados, interdependência e cooperação, redes de comunicação adequadas, articulação e adequação de papeis), contudo convém não esquecer as relações interpessoais gratificantes como um dos determinantes de coesão, pelo que a existência de mecanismos predefinidos de resolução de conflitos é um pressuposto essencial ao bom funcionamento da equipa. Estes mecanismos evitam o desgaste temporal e emocional da escalada de conflitos, o qual implica custos elevados de tempo, envolvimento pessoal e atenção, criando um clima propício para o erro.

O feedback ao desempenho da ET é um motivador fundamental e deverá centrar-se nos resultados da equipa e evitar reforços individuais. Uma questão fundamental diz respeito ao feedback aos erros. As normas de uma ET eficaz evitam a culpabilização individual ou grupal, transformando o erro num precipitante de aprendizagem para prevenção de situações semelhantes.

Os aspectos relacionados com a tarefa são também importantes, especialmente porque as ET em saúde deverão estar particularmente adaptadas a desempenhar uma quantidade grande de trabalho em pouco tempo. Assim, quando há um desequilíbrio na relação tempo-tarefa (um dos factores que propicia o não cumprimento dos procedimentos de segurança), deverão ser tomadas medidas que poderão exigir a redefinição do método de trabalho (ex., delegação, alteração dos canais/formas de comunicação, reorganização de prioridades, sistemas de controlo para utilização do plano de acção definido) ou da própria composição da ET (ex., introduzir assistentes de apoio às tarefas, incluir membros com experiência ou competências diferentes). Alguns dos factores individuais que determinam a eficácia da ET remetem para uma fase anterior à sua formação. Numa situação em que é possível a escolha dos membros que irão constituir a equipa, estes deverão ser seleccionados considerando as competências relacionadas com as tarefas a desempenhar, mas também as suas aptidões para trabalhar em equipa em que se salientam as competências comunicacionais (por ex. assertividade, capacidade de escuta) entre outras (por ex. capacidade de aprendizagem, iniciativa, criatividade, adaptabilidade, resistência ao stress). Estas duas áreas de competência (i.e. tarefa e ET) terão igual peso no funcionamento, pelo que as actividades de formação em que os membros da equipa venham a participar deverão contemplar estas áreas 50. De entre as competências directamente relacionadas com o funcionamento em equipa de saúde é importante salientar a necessidade de formação do membro designado para líder para o exercício desta função. Na ET o papel do líder é de treinador e facilitador, ajudando as equipas a definir tarefas, estruturar actividades, a controlar/avaliar o seu próprio progresso e a evoluir através da inovação. Para que o líder active processos de inovação é fundamental que tenha competências para lidar com a resistência à mudança e motivar todos os membros da equipa em novos objectivos. É ainda tarefa do líder a transmissão clara dos objectivos de segurança do doente, tornando-os prioritários no grupo.

O desempenho da ET deve ser monitorizado interna e externamente. Para este efeito é importante que a equipa produza relatórios ou outros documentos em que esteja claro em que medida a ET atingiu os objectivos previamente definidos, os custos, o tempo e qualidade de desempenho. Esta avaliação deve provir de várias fontes como a administração da instituição, os doentes e a própria equipa. A avaliação pelos membros da equipa deve focar os seguintes critérios: estabilidade da equipa, liderança, comunicação, eficácia, reflexividade, confiança, credibilidade interprofissional e segurança do doente. Contudo o sucesso pessoal dos membros da ET deve ter um peso relevante na avaliação da eficácia, salientando-se critérios como a satisfação dos membros, o desejo de trabalharem em ET no futuro e o grau em que avaliam ter havido aprendizagem de novos conhecimentos e/ou competências 53.

Para as ET eficazes serem uma realidade é fundamental que as instituições de saúde formalizem e apoiem as actividades em equipa. Este apoio reflecte-se na comunicação da filosofia e objectivos lançados pela instituição, no fornecimento de recursos (administrativos, financeiros e temporais) para o funcionamento da ET, na formação adequada dos seus membros em TE, comunicação, liderança e procedimentos de segurança e também na manutenção de canais de comunicação (formal e informal) que permitam avaliar o decorrer do TE, mostrar interesse e responder às necessidades específicas das diferentes equipas. Consequentemente os órgãos de gestão deverão ter contactos informais com os membros da ET, estar pontualmente presentes em reuniões de equipa, participarem na avaliação de desempenho, responderem com celeridade aos problemas postos pela ET e facilitarem o acesso à informação relacionada com os objectivos da instituição e com as tarefas a realizar pela equipa.

A variedade de contextos de trabalho nas instituições de saúde, a conjugação de competências e experiências variadas e os níveis de elevado desempenho apontam o TE como uma metodologia extremamente adequada às actuais exigências de qualidade que são feitas às instituições de saúde 54. A ET com processos de comunicação funcionais e estruturação adequada de tarefas é uma resposta para muitos destes desafios e em particular para a consecução de uma análise sistemática, intervenção e prevenção das situações indutoras de erro ou acontecimentos adversos.

Conclusão

Tendo como fundamento as mais recentes orientações da organização mundial de Saúde no que diz respeito à qualidade da prestação de cuidados, pretendemos, neste artigo, abordar a temática da comunicação em Saúde e relacioná-la com a segurança do doente.

A abrangência do assunto levou-nos a incluir na nossa abordagem os aspectos relacionados com a comunicação entre os profissionais de saúde e os doentes e a comunicação entre e intra equipas de saúde.

Do que foi apresentado tem especial realce, por um lado a necessidade da comunicação descentrada do profissional de saúde e centrada no doente, respeitando-o como um elemento activo no seu processo de saúde, doença e tratamento e, por outro lado, a importância da comunicação consistente e efectiva entre os profissionais de saúde (intra e inter equipas), quer em situações especialmente críticas, como são os handover, quer no seu funcionamento diário.

Entre os obstáculos transversais à qualidade da comunicação foi referida a falta de formação e treino dos profissionais de saúde, problema já reconhecido pelas comunidades clínicas e académicas e que tem motivado a alteração dos curricula dos cursos na área da Saúde. Na realidade, indo ao encontro das conclusões dos estudos mais referidos na literatura, as competências comunicacionais deverão ser entendidas como parte integrante da formação dos profissionais de saúde e, tal como acontece com outras competências de ordem técnica e clínica, deverão ser sistematicamente actualizadas.

Este é o entendimento subjacente às recomendações do Consensus de Toronto 55 relativas ao desenvolvimento, implementação e avaliação dos programas de competências comunicacionais em saúde. Estas recomendações, revistas na Communication in Health Care Conference organizadas pelo NiVEL, o Netherlands institute of Primary Health Care em amesterdão, em Junho de 1998 56, apontam como linhas de actuação: que o ensino e avaliação das competências comunicacionais seja baseado numa visão abrangente da comunicação em saúde, fazendo parte de um plano coerente de formação em que seja efectiva a complementaridade na aquisição de competências clínicas/técnicas e de relação com o doente; que se promova o crescimento pessoal e profissional dos estudantes ajudando-os a implementar a utilização do modelo de centração no paciente; e que se promova e apoie a formação dos docentes.

Assim, haja vontades!

Conflito de interesse

Os autores declaram não haver conflito de interesse.


*Autor para correspondência.

Correio electrónico: margarida.santos@estesl.ipl.pt (m. Custódio dos Santos)

INFORMAÇÃO SOBRE O ARTIGO

Historial do artigo:

Recebido em 1 de Setembro de 2010

Aceite em 1 de Outubro de 2010

Bibliografia
[1]
European commission..
directorate-general of health and consumer protection..
Special eurobarometer survey on medical errors,
[2]
Vincent CA..
Analysis of clinical incidents: a window on the system not a search for root causes..
Qual Saf Health Care, 13 (2004), pp. 242-3
[3]
Kohn LT, Corrigan JM, Donaldson MS, ed..
lit..
To err is human: building a safer health system: a report of the Committee on Quality of Health Care in America, Institute of Medicine, National Academy Press, 2000 (Washington, DC),
[4]
Moser RH..
Diseases of medical progress..
N Engl J med, 255 (1956), pp. 606-14
[5]
WHO collaborating centre for patient safety releases..
Nine life-saving patient safety solutions: WHO News..
Intern J Risk Saf Med, 19 (2007), pp. 171-3
[6]
WHO..
world alliance for patient safety..
Forward programme 2006-2007, World Health organisation (Geneva), pp. 2006
[7]
Novo A..
World Alliance for Patient Safety..
, WHO Sarajevo office, 2007 (Sarajevo),
[8]
Stein T, Frankel RM, Krupat E..
Enhancing clinician communication skills in a large healthcare organization: a longitudinal case study..
Patient Educ Couns, 58 (2005), pp. 4-12
[9]
Osler W..
Aequanimitas with other addresses to medical students, nurses, and practitioners of medicine..
1st ed, Blakiston's Son & Co (Philadelphia), pp. 1904
[10]
Haes H, Bensing J..
Endpoints in medical communication research, proposing a framework of functions and outcomes..
Patient Educ Couns, 74 (2009), pp. 287-94
[11]
Graber M, Franklin N, Gordon R..
Diagnostic error in internal medicine..
Arch Intern Med, 165 (2005), pp. 1493-9
[12]
Phillips R, Bartholomew L, Dovey S, Fryer G, Miyoshi T, Green L..
Learning from malpractice claims about negligent, adverse events in primary care in the United States..
Qual Saf Health Care, 1 (2004), pp. 121-6
[13]
Kuhn GJ..
Diagnostic errors..
Acad Emerg Med, 9 (2002), pp. 740-50
[14]
Silverman J, Kurtz S, Draper J..
Skills for communication with patients..
Oxford: Radcliffe Publishing, Ltd, 2005
[15]
Joyce-Moniz L, Barros L..
Psicologia da doença para cuidados de saúde: desenvolvimento e intervenção..
, Edições Asa (Lisboa), pp. 2005
[16]
Roter D, Hall J..
Doctors talking with patients/patients talking with doctors: improving communication in medical visits..
, Praeger Publishers (Westport, CT), pp. 2006
[17]
Beckman H, Frankel R..
The effect of physician behaviour on the collection of data..
Ann Intern Med, 101 (1984), pp. 692-6
[18]
Marvel M, Epstein RM, Flowers K, Beckman HB..
Soliciting the patient''s agenda: have we improved? Jama..
, 281 (1999), pp. 283-7
[19]
Melo M..
Comunicação com o doente: certezas e incógnitas..
, Lusociência, 2005 (Loures),
[20]
Barry C, Bradley CP, Britten N, Stevenson FA, Barber N..
Patients'' unvoiced agendas in general practice consultations: qualitative study..
Br Med J, 320 (2000), pp. 1246-50
[21]
Salmon P, Peters S, Clifford R, Iredale W, Gask L, Rogers A, et al..
Why do general practitioners decline training to improve management of medically unexplained symptOMS? J Gen Intern Med..
, 22 (2006), pp. 565-71
[22]
Ley P..
Communicating with patients: improving communication, satisfaction and compliance..
, Chapman & Hall (London), pp. 1988
[23]
Shaw A, Ibrahim S, Reid F, Ussher M, Rowlands G..
Patients'' perspectives of the doctor-patient and information giving across a range of literacy levels..
Patient Educ Couns, 75 (2009), pp. 114-20
[24]
Corney R..
O desenvolvimento de perícias da comunicação e aconselhamento em medicina..
, Climepsi (Lisboa), pp. 2000
[25]
Kerr J, Engel J, Schlesinger-Raab A, Sauer H, Hölzel D..
Doctor-patient communication: results of a four-year prospective study in rectal cancer patients..
Dis Colon Rectum, 46 (2003), pp. 1038-46
[26]
Jarvinen, K..
Can ward rounds be dangerous to patients with myocardial infarction? Br Med J..
, 1 (1955), pp. 318-20
[27]
Martin LR, Williams SL, Haskard KB, Dimatteo MR..
The challenge of patient adherence..
Therap Clin Risk Manag, 1 (2005), pp. 189-99
[28]
Mishra P, Hansen EH, Sabroe S, Kafle KK..
Adherence is associated with the quality of professional-patient interaction in Directly Observed Treatment Short-Course, DOTS..
Patient Educ Couns, 63 (2006), pp. 29-37
[29]
WHO collaborating centre for patient safety solutions..
Nine patient safety solutions approved by the international Steering Committee in april 2007..
[internet],
[30]
McLaughlin BK..
Identifying methods to communicate with patients and enhance patient satisfaction to improve return on investment..
JMMH, 2 (2009), pp. 427-41
[31]
Scalise D..
Clinical communication and patient safety..
[internet],
[32]
Bensing JM, Verhaak PFM..
Communication in medical encounters. in: Kaptein A, Weinman J, ed..
Health psychology, 2004. p. 261-87 (Oxford: Blackwell Publishing),
[33]
Woods MS..
The DUN factor: how communication complicates the patient safety movement.[internet]. Patient Safety & Quality Healthcare. (May/June 2006). [Cited 2010 April]. available from http://www.psqh..
com/mayjun06/toc, (html),
[34]
Schillinger D, Piette J, Grumbach K, Wang F, Wilson C, Daher C, et al..
Closing the loop: physician communication with diabetic patients who have low health literacy..
Arch Intern Med, 163 (2003), pp. 83-90
[35]
Chan C, Wun YT, Cheung A, Dickinson JA, Chan KW, Lee HC, et al..
Communication skills of general practitioners: any room for improvement? how much can it be improved? Med Educ..
, 514-26 (2003),
[36]
Solet DJ, Norvell Mm, Rutan GH, Frankel RM..
Lost in translation: challenges and opportunities in physician-to-physician communication during patient handoffs..
Acad Med, 80 (2005), pp. 1094-9
[37]
Wilson RM, Runciman WB, Gibberd RW, Harrison BT, Newby L, Hamilton JD..
The quality in australian health care study..
Med J Aust, 163 (1995), pp. 458-71
[38]
Clair L, Trussell PM..
The change of shift report: study shows weakness, how it can be improved..
Hospitals, 43 (1969), pp. 91-5
[39]
Agency for Healthcare Research And Quality TeamSTEPPS: Team Strategies and Tools to Enhance Performance and Patient Safety: pocket guide..
Rockville, MD: Agency for Healthcare Research and Quality..
, 2006.
[40]
Joint Commission International..
Center for Patient Safety Strategies to improve hand-off communication: implementing a process to resolve the questions.. [internet]..
Oak Brook, IL: Center for Patient Safety,
[41]
Friesen MA, White SV, Byers JF..
Handoffs: implications for nurses. in: Hughes RG, ed. Patient safety and quality: an evidence-based handbook for nurses..
Chapter 34,
[42]
Pothier D, Monteiro P, Mooktiar M, Shaw A..
Pilot study to show the loss of important data in nursing handover..
[43]
Kerr MP..
A qualitative study of shift handover practice and function from a socio-technical perspective..
J Adv Nurs, 37 (2002), pp. 125-34
[44]
McCloughen A, O''brien L, Gillies D, McSherry C..
Nursing handover within mental health rehabilitation: an exploratory study of practice and perception..
Int J Mental Health Nurs, 17 (2008), pp. 287-95
[45]
McMahon R..
What are we saying? Nursing Times..
, 86 (1990), pp. 38-40
[46]
Catchpole K, de Leval MR, McEwan A, Pigott N, Elliott MJ, McQuillan A, et al..
Patient handover from surgery to intensive care: using formula 1 pit-stop and aviation models to improve safety and quality..
Pediatr Anesth, 17 (2007), pp. 470-8
[47]
Santell JP, Hicks RW, Cousins DD..
MEDMARX data report: a chartbook of 2000-2004 findings from intensive care units and radiological services..
[48]
Spencer R, Coiera E, Logan P..
Variation in communication loads on clinical staff in the emergency department..
Ann Emerg Med, 44 (2004), pp. 268-73
[49]
Kurtz S, Silverman J, Draper J..
Teaching and learning communication skills in medicine..
2nd ed, Radcliffe (Oxford), pp. 2005
[50]
Yule S, Flin R, Paterson-Brown S, Maran N..
Non-technical skills for surgeons: a review of the literature..
Surgery, 139 (2006), pp. 140-9
[51]
Salas E, Sweezey RW..
Toward an understanding of team performance and training..
in: Sweezey RW, Salas E, ed,
[52]
Flin R, Yule S, McKenzie L, Paterson-Brown S, Maran N..
Attitudes to teamwork and safety in the operating theatre..
Surgeon, 4 (2006), pp. 145-51
[53]
HOEGL M, Gemueden HG..
Teamwork quality and the success of innovative projects: a theoretical concept and empirical evidence..
Organization Science, 12 (2001), pp. 435-49
[54]
Morey JC, Simon R, Jay GD, Wears RL, Salisbury M, Dukes KA, et al..
Error reduction and performance improvement in the emergence department through formal teamwork training: evaluation results of the MedTeams Project..
Health Serv Res, 37 (2002), pp. 1553-81
[55]
Simpson M, Buckman R, Stewart M, Maguire P, Lipkin M, Novack D, et al..
Doctor-patient communication: the Toronto consensus statement..
Br Med J, 303 (1991), pp. 1385-7
[56]
Makoul G, Schofield T..
Communication teaching and assessment in medical education: an international consensus statement..
Patient Educ Couns, 37 (1999), pp. 191-5
Descargar PDF
Opciones de artículo
es en pt

¿Es usted profesional sanitario apto para prescribir o dispensar medicamentos?

Are you a health professional able to prescribe or dispense drugs?

Você é um profissional de saúde habilitado a prescrever ou dispensar medicamentos