O almoço escolar, sendo uma das principais refeições do dia alimentar das crianças e jovens, assume um papel preponderante no aporte das suas necessidades energéticas e nutricionais, bem como no desenvolvimento de comportamentos alimentares e estilos de vida saudáveis.
O Projeto de Otimização das Dietas Escolares (P0DE) pretende atuar nas escolas do distrito de Viana do Castelo com o objetivo de garantir a oferta de refeições variadas e nutricionalmente equilibradas.
ObjetivoConstitui propósito do presente trabalho averiguar o cumprimento das capitações estabelecidas pelo P0DE nas escolas aderentes ao mesmo, utilizando dados referentes a 3 anos letivos.
MetodologiaForam analisadas 323 refeições fornecidas em 9 escolas, procedendo‐se ao cálculo do desvio relativo entre as capitações oferecidas às crianças e as capitações estipuladas pelo P0DE.
ResultadosOs resultados mostraram um défice no fornecimento de peixe e guarnição de hortícolas, bem como uma excessiva oferta de carne, guarnição de cereais e derivados, tubérculos e leguminosas, sal de adição e gordura de adição no prato. Relativamente ao desvio médio da refeição completa à referência (RMSD), encontraram‐se diferenças estatisticamente significativas nas capitações entre diversos tipos de ementas, métodos de confeção e escolas.
ConclusõesEste trabalho demonstra que a simples definição de capitações não garante o adequado aporte nutricional das refeições, sendo crucial uma monitorização contínua.
The school lunch, being one of the main meals of the daily children and young people food intake, plays a very important role in the contribution of their energetic and nutritional needs, as well as in the development of food behaviours and healthy life styles.
The Project of Optimization of School Diets (Projeto de Otimização das Dietas Escolares–P0DE) intends to act in the schools of the Viana do Castelo district with the objective of ensuring the offer of varied and nutritionally balanced meals.
AimThe purpose of this work is to evaluate the accomplishment of the portions established by the P0DE in the schools that joined the project, using data that refer to three school years.
Methodology323 meals provided in nine schools have been analysed, proceeding to the calculation of the relative deviation between the quantities of food portions offered to the children and the quantities established by the P0DE.
ResultsThe results showed a deficit in the supply of fish and vegetables, as well as an oversupply of meat, cereals and cereals products, potato and pulses, added salt and added fat in the dish. Concerning the mean deviation of the full meal to the reference (RMSD), significant statistical differences between several types of menus, preparation methods and schools were found.
ConclusionsThis work shows that the simple definition of portions doesn’t ensure the appropriate nutritional contribution of meals, thus being crucial a continuous monitoring
A infância e a adolescência constituem períodos cruciais para a saúde, desempenhando a alimentação um papel de relevo, dadas as necessidades nutricionais específicas destes grupos etários1.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) revela que a obesidade está associada a taxas de morte no mundo mais elevadas do que a desnutrição2, definindo‐a como a epidemia do século XXI3. Segundo o projeto Childhood Obesity Surveillance Initiative (COSI Portugal) de 20104, aproximadamente 30% das crianças portuguesas apresentam excesso de peso e mais de 10% são obesas. Vários estudos têm sugerido que o excesso de peso e a obesidade infantil são preditores do excesso de peso e obesidade na idade adulta. Além disso, verifica‐se um risco acrescido de desenvolver comorbilidades como diabetes mellitus tipo 2, hipertensão e dislipidemia nas crianças com sobrecarga ponderal5–7.
As escolhas alimentares são estabelecidas no início da vida e apresentam estabilidade a longo prazo, pelo que as intervenções em educação alimentar, quando desenvolvidas em grupos etários mais jovens, exibem resultados positivos no desenvolvimento de comportamentos alimentares e estilos de vida que perduram no adulto1,7–9. Desta forma, a aquisição de hábitos alimentares saudáveis desde a infância reverte num menor risco de desenvolver obesidade e comorbilidades na vida adulta1.
As crianças e jovens passam grande parte do seu tempo na escola, sendo este o espaço onde realizam o almoço, uma das principais refeições do seu dia alimentar10,11. Esta refeição deve ter em consideração os princípios de uma alimentação saudável, respondendo, por um lado, às necessidades energéticas e nutricionais das crianças, e constituindo, por outro, o período ideal para o desenvolvimento de comportamentos alimentares e estilos de vida saudáveis1,11.
A saúde e a educação estão intimamente ligadas, pelo que as políticas e programas de intervenção direcionados às escolas constituem uma das estratégias mais importantes para melhorar as escolhas alimentares das crianças e combater a obesidade infantil12–15. Uma medida já adotada por vários países, incluindo Portugal16, prende‐se com a especificação da composição de refeições servidas nos refeitórios escolares, uma vez que a qualidade e a quantidade dos géneros alimentícios consumidos em meio escolar têm um forte impacto no crescimento, desenvolvimento e saúde das crianças8,10.
Segundo as recomendações americanas17 e britânicas18,19, o almoço escolar deve contribuir com aproximadamente 30‐32% do aporte energético diário. O equilíbrio dos nutrientes está dependente da quantidade e diversidade dos alimentos oferecidos. Para assegurar este equilíbrio, garantindo o aporte energético e nutricional, é importante definir capitações, isto é, o consumo «por cabeça» dos géneros alimentícios incluídos nas refeições, recorrendo às necessidades energéticas dos indivíduos, de acordo com a faixa etária20.
Neste âmbito, compete ao nutricionista a elaboração das ementas e o ajuste da composição das refeições e das preparações culinárias em cantinas escolares, bem como o planeamento, organização, implementação e avaliação de programas de educação alimentar e nutricional para as escolas21.
O Projeto de Otimização das Dietas Escolares (P0DE), que integra o Programa de Prevenção de Doenças Cardiovasculares do distrito de Viana do Castelo, foi criado pela Unidade de Saúde Pública do Alto Minho (USPAM) com a finalidade de contribuir para a diminuição da incidência e prevalência das doenças ligadas aos hábitos alimentares, intervindo nas crianças em idade escolar. O projeto visa atuar nas escolas do distrito de Viana do Castelo, garantindo a oferta de refeições variadas, normocalóricas e nutricionalmente equilibradas, armazenadas, confecionadas e servidas sob condições estruturais e funcionais que garantam os critérios de higiene e segurança alimentar22. Para o efeito, são realizadas avaliações periódicas da adequação nutricional em termos qualitativos e quantitativos.
Oficialmente implementado em 12 escolas no ano letivo de 2009/2010, o P0DE inclui no presente ano letivo 2012/2013 um total de 28 escolas, abrangendo 48% da globalidade dos alunos entre os 3 e os 18 anos de idade.
ObjetivosObjetivo geral- •
Aferir o cumprimento das capitações estabelecidas pelo P0DE em refeitórios escolares do distrito de Viana do Castelo, utilizando dados referentes a 3 anos letivos.
- •
Comparar as quantidades de géneros alimentícios utilizados para confecionar as refeições escolares com as capitações estabelecidas pelo P0DE.
- •
Averiguar variações no cumprimento de capitações em função das ementas e métodos de confeção utilizados.
- •
Verificar se existem diferenças no cumprimento das capitações entre as escolas em estudo.
O presente trabalho consiste num estudo descritivo transversal, realizado no âmbito do P0DE. Este abrange as escolas do distrito de Viana do Castelo, cujos alunos apresentam idades compreendidas entre os 3 e os 18 anos. Os dados analisados resultam de uma amostra de conveniência, a qual incluiu 9 das 12 escolas pioneiras do projeto no ano letivo 2009/2010 e que se mantiveram neste até ao passado ano letivo 2011/2012. As restantes 3 escolas não foram incluídas na amostra por terem abandonado o projeto, uma de forma temporária, outra de forma definitiva e a última por não cumprir a mesma metodologia de avaliação. Para cada escola foram selecionados 6‐7 meses completos (conforme os dados disponíveis), compreendidos entre os anos letivos acima mencionados. O ano 2012/2013 foi excluído por alterações ao nível das cozinhas/refeitórios em algumas das escolas estudadas. Em cada mês selecionaram‐se aleatoriamente 4‐7 refeições, cumprindo entre 4‐7 dos seguintes critérios: ementa de carne fatiada/peça, ementa de carne fracionada, ementa de peixe à posta, ementa de peixe fracionado (com e/ou sem ovo), ementa à base de ovo e ementa de peixe frito. Relativamente ao peixe fracionado, quando foram oferecidas, no mesmo mês, uma ementa com ovo e uma ementa sem ovo, recolheram‐se ambas as opções. Caso contrário, recolheu‐se a vertente presente naquele mês. A ementa à base de ovo e a ementa de peixe frito não foram oferecidas na totalidade dos meses avaliados, pelo que foram recolhidas apenas quando presentes no plano de ementas mensal.
As refeições com pratos compostos (feijoada, cozido à portuguesa, rancho e arroz de marisco) foram excluídas pelo facto de existirem divergências entre as escolas quanto à variedade de fontes proteicas e proporções utilizadas para confecionar os referidos pratos, dificultando os cálculos.
ProcedimentoRealizou‐se uma compilação das grelhas (em formato Microsoft Office Excel®) preenchidas pelas escolas aderentes ao projeto durante o período em estudo. Estas foram criadas e fornecidas pela equipa P0DE aos refeitórios, para fins avaliativos. Das grelhas correspondentes aos almoços a analisar recolheram‐se as quantidades brutas (peso real ou peso estimado a partir de medidas caseiras, em cru) de cada componente alimentar na sopa, prato e sobremesa (nomeadamente guarnição de hortícolas, guarnição de cereais e derivados, tubérculos e leguminosas, carne/peixe/ovo, gordura de adição, sal de adição e fruta), bem como o número total de refeições servidas e o número de refeições servidas apenas aos alunos entre os 3 e os 18 anos de idade (por forma a excluir o pessoal docente e não docente). Os cereais e derivados, tubérculos e as leguminosas foram incluídos no mesmo componente alimentar, uma vez que ambos fornecem quantidades semelhantes de hidratos de carbono (HC), facilitando assim a realização dos cálculos.
De modo a ponderar as capitações disponibilizadas pelas escolas, procedeu‐se à multiplicação das quantidades estimadas de cada componente alimentar, pela percentagem de refeições servidas apenas aos alunos. Para estimar a média das capitações recomendadas foi utilizado o Manual de Capitações P0DE23, que embora não se encontre publicado, poderá ser disponibilizado sob solicitação para o e‐mail delegadosaudeulsam@ulsammin‐saude.pt. Este teve origem nas recomendações da American Heart Association24, através das quais foram calculadas as necessidades nutricionais das crianças e jovens por faixa etária, tendo ainda em conta que a refeição do almoço deverá contribuir com 30% do valor energético diário, como proposto no manual Eating Well at School – Nutritional and Practical Guidelines (3‐5 anos – 350Kcal; 6‐9 anos – 400‐500Kcal; 10‐14 anos – 500‐550Kcal; 15‐18 anos – 550‐650Kcal). As capitações dos géneros alimentícios foram calculadas, por faixa etária, utilizando a parte edível disponível na Tabela da Composição de Alimentos Portuguesa (TCAP)25 e na Tabela Clássica de Equivalentes26. Atendendo ao facto do manual não incluir capitações para o pessoal docente e não docente que almoça no refeitório escolar, utilizaram‐se as recomendações da American Heart Association27 para estimar as necessidades energéticas dos adultos.
Dada a inexistência, no manual, de 3 hortícolas frequentemente presentes nas ementas, calcularam‐se as respetivas capitações brutas. Para o efeito, utilizaram‐se as quantidades edíveis de hortícolas crus estipuladas pela equipa P0DE para cada faixa etária, bem como a percentagem do peso edível de cada hortícola em questão25. A quantidade per capita de ovo, apresentada no manual sob a forma de unidades, foi convertida em gramas, considerando o peso médio de um ovo de tamanho L e a respetiva percentagem da parte edível25.
Análise estatísticaEm cada refeição eleita, procedeu‐se à comparação das capitações estipuladas pelo Manual de Capitações P0DE (em bruto) com as capitações realmente disponibilizadas (em bruto) no refeitório escolar. Para o efeito, foram calculados, no programa Microsoft Office Excel 2010®, os desvios relativos (DR) dos diferentes componentes da refeição à capitação de referência, bem como a raiz quadrada do desvio quadrático médio da refeição (RMSD), que fornece o desvio total da mesma ao recomendado.
No software Statistical Package for the Social Sciences®(SPSS) versão 21 para Microsoft Windows® avaliou‐se a normalidade das variáveis através dos coeficientes de simetria e achatamento, constatando‐se que nenhuma destas apresentava uma distribuição normal. Por conseguinte, foi utilizado o teste de Kruskall‐Wallis para comparar ordens médias de amostras independentes, procedendo‐se à distribuição das variáveis por quartis. As diferenças foram consideradas significativas sempre que o nível de significância crítico para rejeição da hipótese nula (p) foi inferior a 0,05.
ResultadosForam analisadas 323 refeições incluindo sopa, prato e sobremesa, das quais 116 corresponderam a ementas de carne, 137 a ementas de peixe (não frito), 32 a ementas à base de ovo e 38 a ementas de peixe frito (único componente frito permitido). O pão da refeição não foi incluído, dado que não se considera um componente essencial em termos nutricionais na composição do almoço, além de não ser consumido pela totalidade dos alunos. Não foi possível avaliar o cumprimento da capitação do sal de adição numa das 9 escolas em estudo, uma vez que esta apresentou as quantidades de sal na sua totalidade, não havendo separação entre as quantidades utilizadas na sopa e no prato.
Os resultados alusivos aos componentes da refeição são apresentados na forma de DR da capitação oferecida relativamente à capitação de referência. Para expor o desvio da refeição completa à quantidade recomendada utilizou‐se o RMSD.
De acordo com os dados ilustrados na tabela 1, todos os componentes da sopa apresentaram um DR negativo, reproduzindo o baixo fornecimento destes ingredientes, comparativamente às capitações de referência.
No que respeita ao prato, o DR de cada componente foi avaliado em função da ementa servida (caracterizada pela componente proteica), gerando os dados representados na tabela 2.
Desvios relativos (DR) dos componentes do prato às capitações de referência, em função da ementa servida
Ementa DR (%) | Carne fatia/parte | Carne fracionada | Peixe posta | Peixe fracionado | Peixe frac.+ovo | Peixe frito | Ovo | p |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Carne/Peixe/ovo | 22,7(7,9; 41,8)n=58 | 9,2(−9,1; 30,0)n=58 | −14,8(−32,1; 17,4)n=58 | −31,2(−49,9; −13,0)n=39 | −26,6(−37,0; −10,6)n=40 | −21,6(−30,7; −8,8)n=38 | −1,2(−26,6; 9,5)n=32 | <0,001 |
Cereais, tub. e leg. | 29,5(−1,6; 81,5)n=58 | 44,1(15,3; 74,6)n=58 | 40,4(9,7; 81,0)n=58 | 42,0(−10,1; 54,1)n=39 | 55,9(18,9; 102,1)n=40 | 55,9(23,8; 99,2)n=38 | 45,2(22,9; 91,3)n=32 | 0,090 |
Hortícolas | −71,5(−81,5; −50,4)n=58 | −71,6(−80,5; −55,6)n=58 | −75,3(−81,6; −49,2)n=58 | −69,7(−77,0; −53,8)n=39 | −66,8(−76,2; −44,1)n=39 | −73,1(−81,4; −57,1)n=38 | −62,4(−76,1; −40,4)n=32 | 0,327 |
Gordura adição | 34,6(−47,1; 97,1)n=58 | 25,7(−51,8; 109,2)n=58 | 76,5(12,7; 160,4)n=58 | −2,1(−50,8; 124,6)n=39 | 87,1(15,4; 147,1)n=40 | 180,5(106,1; 265,0)n=38 | 32,6(−28,6; 85,3)n=32 | <0,001 |
Sal adição | 43,9(−22,0; 108,5)n=51 | 45,0(−36,4; 112,4)n=51 | 61,6(−15,6; 142,3)n=51 | 16,2(−46,8; 95,3)n=32 | 23,2(−35,4; 117,5)n=36 | 81,6(26,0; 135,7)n=35 | 36,2(−12,2; 89,0)n=28 | 0,267 |
Fruta | 28,6(−1,3; 53,5)n=58 | 16,1(−9,6; 51,0)n=57 | 23,4(−4,9; 67,5)n=56 | 31,5(1,4; 63,1)n=39 | 41,9(5,0; 81,1)n=38 | 20,6(−5,7; 84,0)n=37 | 10,8(−17,3; 36,3)n=31 | 0,138 |
RMSD | 65,8(55,5; 82,0)n=58 | 61,3(54,1; 93,9)n=58 | 73,6(57,8; 90,0)n=58 | 66,6(55,3; 79,4)n=39 | 75,8(61,8; 102,2)n=40 | 85,5(71,7; 112,5)n=38 | 63,0(53,9; 76,3)n=32 | <0,001 |
Cereais, tub. e leg.: cereais e derivados, tubérculos e leguminosas; Peixe frac.+ovo: peixe fracionado com adição de ovo.
Verificaram‐se diferenças estatisticamente significativas (p <0,001) para a disponibilidade de carne/peixe/ovo e gordura de adição em função da ementa servida (tabela 2).
Relativamente à componente proteica, observou‐se um défice geral no fornecimento de peixe, que contrastou com a excessiva oferta de carne. A capitação relativa às ementas de ovo é a que mais se aproxima do valor recomendado. De referir que as quantidades fornecidas são inferiores quando a carne ou o peixe são servidos na forma fracionada, comparativamente à carne e peixe fatiada/à posta (tabela 2). No que respeita à gordura de adição, e com exceção da ementa de peixe fracionado, esta apresenta valores sempre acima do recomendado, observando‐se um DR na ordem dos 180,5% para o peixe frito. Constatou‐se um menor DR para a gordura nas ementas de carne e ovo, relativamente às ementas de peixe (tabela 2).
Não se encontraram diferenças estatisticamente significativas para a guarnição de hortícolas, guarnição de cereais e derivados, tubérculos e leguminosas, sal de adição e fruta nos diversos tipos de ementas, observando‐se um défice geral de hortícolas, contrariamente aos restantes componentes, que apresentaram medianas de DR positivas. Realça‐se que o DR do sal de adição apresenta valores mínimos para o peixe fracionado e peixe fracionado com ovo, assumindo valores máximos nos casos do peixe à posta e peixe frito (tabela 2).
Considerando as refeições na sua totalidade foram encontradas diferenças estatisticamente significativas (p <0,001) entre as medianas de RMSD nas diversas ementas, observando‐se o valor mais elevado de RMSD para as refeições de peixe frito e o valor mais baixo para a carne fracionada (tabela 2).
Os resultados são coincidentes quando se comparam os componentes do prato com os métodos de confeção utilizados, verificando‐se diferenças estatisticamente significativas (p <0,001) para a gordura de adição, cuja mediana do DR é máxima no caso das refeições de peixe frito (180,5% [106,1; 265,0]) e mínima no caso dos salteados (32,6% [−28,6; 85,3]). De referir que o DR da gordura de adição presente nos grelhados (83,5% [−14,7; 147,8]) segue‐se ao DR dos fritos, apresentando valores superiores aos verificados nos assados (42,0% [−50,3; 121,1]), salteados (32,6% [−28,6; 85,3]), cozidos e estufados (45,4% [−24,8; 126,8]).
Comparando o cumprimento de capitações entre as diferentes escolas, as tabelas 3 e 4 ilustram os DR e o RMSD relativos a cada escola em estudo.
Desvios relativos (DR) dos componentes da sopa às capitações de referência, em função da escola
DR (%) Escolas | Cereais, tub. e leg. | Hortícolas | Gordura adição | Sal adição |
---|---|---|---|---|
1 | −82,7(−83,8; −79,1)n=40 | −85,7(−86,7; −83,9)n=40 | −44,3(−46,6; −42,6)n=40 | −20,4(−23,7; −18,0)n=40 |
2 | −30,2(−40,7; −18,0)n=30 | −90,0(−90,7; −88,0)n=30 | −53,6(−55,3; −53,2)n=30 | −32,4(−32,7; −12,2)n=30 |
3 | −61,2(−64,4; −56,1)n=36 | −79,3(−81,5; −75,8)n=36 | −64,0(−68,5; −39,6)n=36 | −73,2(−76,5; −59,9)n=36 |
4 | −60,1(−62,1; −57,0)n=35 | −75,2(−79,2; −71,3)n=35 | −73,0(−74,2; −71,2)n=35 | 0,9(−1,5; 5,8)n=35 |
5 | −16,7(−88,3; 7,8)n=35 | −56,3(−60,5; −42,6)n=35 | −73,3(−74,1; −72,6)n=35 | 75,1(44,0; 78,1)n=35 |
6 | −37,7(−46,6; −11,4)n=37 | −74,8(−79,0; −71,8)n=37 | −0,2(−37,1; 9,6)n=37 | 15,0(−17,9; 20,8)n=37 |
7 | −19,8(−44,5; −7,7)n=39 | −75,4(−79,7; −67,4)n=39 | 255,4(25,5; 303,5)n=39 | Não avaliado |
8 | −60,1(−66,6; −51,0)n=34 | −76,1(−79,8; −70,7)n=34 | −46,2(−49,1; −19,5)n=34 | −25,5(−33,8; 15,3)n=34 |
9 | −65,9(−75,2; −55,5)n=37 | −81,2(−83,9; −79,4)n=37 | −38,4(−49,8; −30,1)n=37 | −29,0(−38,8; −16,8)n=37 |
p | <0,001 | <0,001 | <0,001 | <0,001 |
Cereais, tub. e leg: cereais e derivados, tubérculos e leguminosas.
Desvios relativos (DR) dos componentes do prato às capitações de referência, em função da escola
DR (%)Escolas | Carne/peixe/ovo | Cereais, tub. e leg. | Hortícolas | Gordura adição | Sal adição | Fruta | RMSD |
---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | −11,7(−27,5; 10,4)n=40 | 36,9(2,0; 89,3)n=40 | −83,6(−85,6; −80,2)n=40 | 89,3(26,1; 177,3)n=40 | 68,2(36,2; 88,1)n=40 | 27,7(−20,9; 67,9)n=37 | 67,3(58,5; 81,8)n=40 |
2 | −19,2(−33,3; −2,4)n=30 | 33,8(−7,7; 42,5)n=30 | −79,2(−84,4; −70,9)n=30 | −25,6(−50,9; 49,5)n=30 | −44,5(−53,2; −36,0)n=30 | −13,9(−35,7; 6,4)n=29 | 52,1(49,4; 54,5)n=30 |
3 | 0,1(−30,3; 23,2)n=36 | 47,6(19,4; 60,3)n=36 | −69,2(−78,2;−48,6)n=36 | −12,0(−45,2; 164,7)n=36 | −41,5(−44,7; −11,4)n=36 | 4,2(−7,3; 23,1)n=36 | 63,6(55,9; 76,9)n=36 |
4 | −0,3(−18,5; 10,9)n=35 | 63,1(31,5; 77,6)n=35 | −59,5(−72,8;−53,6)n=35 | 79,3(27,1; 154,4)n=35 | 79,0(24,8; 120,6)n=35 | 7,2(−12,5; 60,8)n=35 | 66,5(54,5; 78,3)n=35 |
5 | −23,2(−31,5; 3,4)n=35 | 95,6(75,3; 128,4)n=35 | −51,5(−71,4; −27,9)n=35 | −69,4(−78,3; 50,8)n=35 | −15,3(−46,9; 20,3)n=35 | 40,5(9,4; 72,3)n=33 | 66,1(57,3; 73,6)n=35 |
6 | 10,9(−25,9; 23,2)n=37 | 43,7(−10,8; 81,9)n=37 | −55,2(−73,0; −40,3)n=36 | 80,9(24,9; 161,8)n=37 | 137,5(101,2; 214,2)n=37 | 27,9(14,8; 86,1)n=37 | 81,0(62,2; 99,4)n=37 |
7 | −0,5(−28,5; 14,8)n=39 | 30,9(6,1; 41,3)n=39 | −70,1(−78,5; −60,2)n=39 | 119,3(2,9; 157,0)n=39 | Nãoavaliado | 44,0(30,4; 75,0)n=38 | 111,1(76,7; 127,6)n=39 |
8 | 28,7(−36,2; 61,2)n=34 | 83,6(38,2; 139,8)n=34 | −55,9(−74,8; −32,0)n=34 | 115,6(42,1; 198,5)n=34 | 93,4(82,6; 192,5)n=34 | 74,3(25,6; 110,9)n=34 | 84,4(70,8; 111,7)n=34 |
9 | −10,0(−37,5; 11,0)n=37 | 17,4(−10,6; 48,8)n=37 | −73,0(−76,4; −59,9)n=37 | 65,9(16,6; 130,6)n=37 | 118,1(50,7; 176,2)n=37 | 10,8(−16,6; 55,1)n=37 | 68,9(60,2; 85,5)n=37 |
p | 0,066 | <0,001 | <0,001 | <0,001 | <0,001 | <0,001 | <0,001 |
Cereais, tub. e leg.: cereais e derivados, tubérculos e leguminosas.
Foram encontradas diferenças estatisticamente significativas (p <0,001) entre escolas para todos os constituintes da refeição, à exceção da componente proteica (tabelas 3 e 4).
De um modo geral, verificou‐se que as escolas onde são oferecidas menores capitações de hortícolas na sopa são também as que apresentam menores capitações para a guarnição de cereais e derivados, tubérculos e leguminosas (tabela 3).
No que concerne ao prato, constatou‐se a existência de 3 escolas com DR negativos para a gordura e sal de adição, ao contrário das restantes, que apresentam valores positivos para ambos os componentes (tabela 4).
Apesar da existência de diferenças estatisticamente significativas (p <0,001) entre as medianas de RMSD nos vários estabelecimentos de ensino, verificou‐se que todas as escolas apresentaram medianas superiores a 50% do valor recomendado, destacando‐se o desvio de 111% observado na escola 7 (tabela 4). A escola com maior RMSD foi a que apresentou também maiores DR de gordura, quer na sopa quer no prato. De realçar que a escola número 2, apesar de exibir o valor de RMSD mais baixo, apresentou o défice mais acentuado de hortícolas na sopa e um dos mais acentuados no prato (tabelas 3 e 4).
DiscussãoNo presente estudo constata‐se a dificuldade das escolas em cumprir as capitações estipuladas para as refeições escolares.
Os resultados apresentados evidenciam a baixa oferta de hortícolas na sopa e no prato, o que reverte num diminuto consumo destes alimentos pelas crianças/jovens. De facto, vários países classificam a alimentação infantil como deficitária em hortícolas, mesmo durante o almoço escolar28–30. Grande parte da população infanto‐juvenil refere não gostar de hortícolas, citando como principais fatores de desagrado a sua aparência e sabor amargo31.
Analisando especificamente os componentes da sopa, verificou‐se que, além da guarnição de hortícolas, a guarnição de cereais e derivados, tubérculos e leguminosas também exibiu capitações abaixo do desejável em todas as escolas. Através do contacto com os refeitórios averiguou‐se que as escolas cujo DR referente à guarnição de cereais e derivados, tubérculos e leguminosas se encontrava mais próximo da capitação de referência (mais próximo de 0) correspondiam a escolas onde a ingestão da sopa é obrigatória. Pelo contrário, escolas com maiores desvios não impõem essa obrigatoriedade. Embora não sendo tão linear, a guarnição de hortícolas apresentou a mesma tendência. Do mesmo modo, a análise geral da sopa mostrou que a gordura e o sal de adição apresentaram quantidades abaixo do recomendado, contrastando com o estudo de Paiva et al.32, no qual foi verificado que as sopas servidas nas escolas em estudo exibiam teores de sal próximos ao valor máximo recomendado para a refeição completa. Além do mais, a sopa em Portugal foi considerada um dos principais veículos do consumo excessivo de sal nas unidades de restauração coletiva33,34. Assim sendo, este conjunto de evidências sugere que a sopa não só apresentou baixas quantidades de hortícolas na sua constituição, como também foi confecionada em quantidades inferiores ao que seria esperado, tendo em conta o número total de alunos e suas faixas etárias. Este facto poderá dever‐se a uma tentativa das funcionárias em reduzir os desperdícios, dada a resistência dos alunos à ingestão da sopa.
No que concerne ao prato, o menor fornecimento de peixe relativamente à carne, bem como o baixo fornecimento da guarnição de hortícolas, pode igualmente dever‐se ao desagrado dos alunos por estes alimentos. De acordo com um estudo português que analisou as alterações dos hábitos alimentares de crianças/jovens obesos, existe maior preferência pela carne relativamente ao peixe35. Um outro estudo onde foram contabilizados os desperdícios alimentares do prato nos refeitórios escolares verificou que estes eram elevados principalmente nos casos do peixe e guarnição de hortícolas36. Relativamente à apresentação da componente proteica, as diferenças encontradas entre a carne fatiada ou peixe à posta e a carne ou peixe fracionados revela que nestes últimos casos as capitações oferecidas são inferiores. Em compensação, verificou‐se que a guarnição de cereais e derivados, tubérculos e leguminosas apresentou DR maiores para os mesmos casos, evidenciando o esforço das funcionárias no sentido de garantir que a quantidade de comida servida seja suficiente para satisfazer as crianças/jovens.
Como seria de esperar, o peixe frito foi o componente que apresentou maior DR para a gordura de adição, uma vez que fritar consiste na cocção total dos alimentos por imersão em azeite ou óleo. Assim, o alimento absorve gordura, aumentando consequentemente o seu valor energético37. Ainda nos métodos de confeção verificou‐se que os grelhados apresentaram maiores teores de gordura de adição do que os assados, cozidos, estufados e salteados, o que aparentemente não seria de esperar, dado que este procedimento culinário não inclui gordura, submetendo os alimentos diretamente ao calor, sob uma superfície quente37. Contudo, é provável que os referidos grelhados não sejam confecionados de forma correta, havendo adição de gordura na superfície de contacto, de modo a evitar a aderência dos alimentos.
Relativamente ao sal adicionado no prato, os valores positivos para os DR encontrados em todos os tipos de ementas analisadas são concordantes com os resultados obtidos por Paiva et al.32, nos quais os pratos, por si só, apresentavam valores de sal superiores ao máximo recomendado para a refeição completa. O peixe fracionado e o peixe fracionado com ovo apresentaram os DR mais baixos, o que não significa que sejam as ementas menos salgadas. Estas são maioritariamente compostas por bacalhau ou atum enlatado, peixes que possuem naturalmente quantidades consideráveis de sal, levando à sua menor adição durante a confeção. Alguns estudos suportam a evidência que o sal mascara o sabor amargo dos hortícolas e do peixe, podendo assim ser usado como um auxiliar na aceitação destes alimentos pelas crianças e jovens38,39. Contudo, a sua ingestão tem vindo a apresentar‐se demasiado elevada entre a população jovem, promovendo o aparecimento de hipertensão arterial na infância, com consequente agravamento e desenvolvimento de doenças cardiovasculares na vida adulta40–43. Revela‐se, assim, necessário promover diminuições graduais no teor de sal adicionado aos alimentos44, tendo sido verificado que reduções de 25‐32% não são percetíveis ao paladar45,46. Curiosamente, os dados mostraram DR negativos para o sal adicionado no prato, em 3 escolas, apresentando 2 delas valores na ordem dos 40‐45%. Estes valores concordam com as avaliações quantitativas efetuadas pela equipa P0DE, demonstrando o notável esforço e evolução das referidas escolas no sentido de confecionar refeições agradáveis com pouca adição de sal.
Os dados relativos à fruta indicam que praticamente todas as escolas apresentaram fornecimentos superiores aos estipulados pelas capitações do P0DE. Este facto é concordante com os resultados encontrados por Alemão47, os quais revelaram um aumento da oferta de fruta na ordem dos 19,5% para a mesma população em estudo. Usualmente verifica‐se maior preferência e consumo de fruta pelas crianças em comparação com os hortícolas, dado o seu sabor mais adocicado48,49. De resto, as escolas analisadas referem que os alunos, além de ingerirem a fruta como sobremesa, recolhem uma segunda unidade para comer durante a tarde. Assim sendo, a oferta aumentada de fruta poderá refletir indiretamente um aumento do seu consumo pela população escolar.
Os RMSD superiores a 50% revelados pelas diversas escolas sugerem que a simples definição de capitações não é suficiente para garantir o adequado aporte nutricional das refeições, sendo crucial a monitorização contínua do seu cumprimento e a utilização de medidas padronizadas que possibilitem um empratamento uniforme, atendendo às diferentes faixas etárias50,51.
Adicionalmente, torna‐se necessário criar novas estratégias/projetos que reforcem o consumo de hortícolas e peixe pelos alunos, destacando‐se a importância dos professores enquanto modelos nas crianças mais jovens, uma vez que estas apreendem os hábitos alimentares observando os adultos e vivenciando a escolha, preparação e confeção dos alimentos52. Assim, o almoço dos professores no refeitório escolar é determinante para encorajar as crianças ao consumo da refeição e a experimentarem novos alimentos53. No estudo realizado por Martins51 numa amostra de crianças a frequentar o 4.° ano de escolaridade, o acompanhamento do almoço escolar pelos professores reduziu o desperdício alimentar (maioritariamente representado pela guarnição de hortícolas), tanto na sopa, como no prato. Face ao exposto, a autora sugere que a hora de almoço dos docentes poderia ser incluída no horário de trabalho, reduzindo o número de horas atribuído a outras atividades51.
O horário do almoço é outro determinante no consumo alimentar, uma vez que os almoços servidos demasiado cedo realizam‐se muito próximos ao lanche da manhã, enquanto os almoços servidos demasiado tarde levam a que os alunos recorram a outros alimentos. Ambas as situações revertem num menor apetite dos alunos, com consequente diminuição na ingestão da refeição fornecida pela escola54.
Ainda no que concerne às medidas a adotar para reforçar o consumo de alimentos com elevado valor nutricional, e consequentemente reduzir o desperdício alimentar nos refeitórios escolares, o investimento na formação dos manipuladores de alimentos torna‐se fundamental51. Esta deve assentar, quer na padronização de procedimentos e medidas caseiras50 quer na melhoria dos aspetos sensoriais das refeições, através da conjugação de diferentes texturas e cores, da utilização de especiarias, ervas aromáticas e dos próprios produtos hortícolas como intensificadores do sabor51.
Uma das limitações do presente estudo consiste no facto das grelhas serem preenchidas por pessoas diferentes em cada escola, além das quantidades de alguns temperos, como o sal e o azeite, serem estimadas a partir de medidas caseiras. Uma segunda limitação consiste no facto de ser avaliada a disponibilidade de alimentos no refeitório e não a ingestão real dos alunos. Assim sendo, os baixos valores observados para o fornecimento da guarnição de hortícolas e peixe poderão, na realidade, estar ainda mais agravados, caso exista desperdício.
ConclusõesO cumprimento das capitações relativas às refeições escolares é fundamental para garantir o correto aporte energético e nutricional das crianças e jovens. Contudo, no presente estudo é notável a dificuldade das escolas em seguir as recomendações, verificando‐se um incumprimento geral das capitações, que varia, todavia, em função das ementas e dos métodos de confeção. As variações no cumprimento das capitações entre escolas também são visíveis para todos os componentes da sopa e prato, à exceção da componente proteica.
Desta forma, aumentar a disponibilidade de hortícolas e peixe, diminuir a oferta de carne e guarnição de cereais e derivados, tubérculos e leguminosas no prato, controlar a adição do sal e gordura e monitorizar a distribuição das refeições são as principais medidas a adotar pelas escolas estudadas, a fim de aproximar as capitações oferecidas às capitações de referência.