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Vol. 31. Núm. 1.
Páginas 3-10 (enero - junio 2013)
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Vol. 31. Núm. 1.
Páginas 3-10 (enero - junio 2013)
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O efeito de um programa de exercício físico na qualidade de vida em doentes cardíacos
The effect of an exercise program on the quality of life of patients with heart diseases
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Nuno Tavaresa,
Autor para correspondencia
nuno.tavares@cm-vfxira.pt

Autor para correspondência.
, Raquel Madeirab, Ana Henriquesc, António Almeidac, Luís Nunoc
a Divisão de Desporto e Gestão de Equipamentos, Equipa Interdepartamental «Compromisso Cidade Saudável», Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Vila Franca de Xira, Portugal
b Faculdade de Educação Física e Desporto, Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, Lisboa, Portugal
c Serviço de Cardiologia, Hospital de Vila Franca de Xira, Vila Franca de Xira, Portugal
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Estadísticas
Tablas (5)
Tabela 1. Fases de intervenção
Tabela 2. Características da amostra
Tabela 3. Idade e dias de internamento
Tabela 4. Qualidade de vida: avaliação inicial vs. final
Tabela 5. Comparação entre grupos
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Resumo

As políticas públicas de saúde e os programas de reabilitação cardíaca, com exercício físico, são reconhecidos como uma componente essencial nos cuidados fornecidos aos cidadãos, permitindo preservar ou readquirir o seu lugar na comunidade, bem como aumentar a sua qualidade de vida.

Objetivo

Aplicar o exercício físico supervisionado (grupo ES), em fase de ambulatório precoce, realizado na comunidade, com vista a analisar e comparar os resultados desta aplicação com os dados obtidos pelos doentes sujeitos apenas ao tratamento convencional (grupo TC).

Método

O estudo teve uma duração superior a 3 meses, dividindo os doentes cardíacos em 2 grupos (grupo ES vs. grupo TC), tendo sido esclarecidos, através de consentimento informado, do propósito e procedimentos do estudo. Após a divisão, os doentes sujeitos ao exercício físico supervisionado (grupo ES) foram submetidos a um plano de intervenção estruturado em 3 fases, segundo a frequência, intensidade, tempo e tipo de exercício físico, conforme a devida estratificação do risco e recomendações da American Association of Cardiovascular and Pulmonary Rehabilitation (AACVPR). Os doentes realizaram 2 avaliações no Hospital de Vila Franca de Xira, recorrendo ao questionário MacNew para avaliar a qualidade de vida relacionada com a saúde na doença cardíaca. Avaliou-se a média e o desvio padrão para todas as variáveis em estudo, recorrendo-se aos testes não paramétricos e paramétricos para um nível de significância de alfa = 0,05.

Resultados

Foram observadas diferenças estatisticamente significativas ao nível da qualidade de vida geral (p<0,01), bem como uma variação percentual crescente (+ 53,86%) no grupo ES.

Conclusão

O exercício físico supervisionado, realizado na comunidade logo após alta hospitalar, com uma intensidade pelo menos moderada, potencia a qualidade de vida em doentes cardíacos.

Palavras-chave:
Exercício físico
Reabilitação cardíaca
Qualidade de vida
Abstract

The public health policies and the cardiac rehabilitation program, together with physical exercise, are essential in the care provided to heart patients, allowing the restoration of the patient to society or regaining of the status as a person in the community and increasing their quality of live.

Objective

To apply the supervised exercise (SE group) in the early outpatient phase, to analyze and compare the results of this application with the data obtained by the patients receiving conventional treatment (usual care group).

Method

The study lasted more than three months, dividing the cardiac patients into two groups (supervised exercise (SE) vs. conventional treatment (usual care)), which were presented, through informed consent, with the purpose and procedures of the study. After division, patients subjected to physical exercise (SE group) underwent a structured intervention plan in three phases (initial, improvement and maintenance combining the frequency, intensity, time and type of exercise, according to the stratification due risk and recommendations of the American Association of Cardiovascular and Pulmonary Rehabilitation (AACVPR). Patients underwent two evaluations at the Hospital of Vila Franca de Xira, using the questionnaire MacNew to assess the quality of life related to the heart disease condition. The mean and standard deviation were evaluated for all the variables under study using the non-parametric and parametric tests for a significance level of alfa=0,05.

Results

There were significant differences observed between the groups, in terms of and overall quality of life (p<0,01), as well as in the percentage changes obtained by the SE group (+53.86%).

Conclusion

The supervised exercise held in the community after hospital discharge, implied in early clinical phase, with at least a moderate intensity, enhances the quality of life in cardiac patients.

Keywords:
Physical exercise
Cardiac rehabilitation
Quality of life
Texto completo
Introdução

O envelhecimento da população mundial e da população portuguesa em particular é hoje um dado adquirido, facilmente verificável pelos resultados do último censo (Instituto Nacional de Estatística, 2011), que reflete o aumento da longevidade da população1.

O incremento da esperança de vida encontra-se, habitualmente, associado à acessibilidade e à qualidade do serviço de saúde, bem como a profundas implicações sociais, culturais, económicas e individuais que favorecem o desenvolvimento do ciclo de vida2,3.

Estamos perante um conjunto de pontos de vista sobre a saúde que, embora atinjam o aumento da esperança média de vida, estão sujeitos a um conjunto de fatores genéticos, biológicos, comportamentais e ambientais que podem colocar o corpo humano suscetível a acidentes e a doenças2, entre as quais as cardiovasculares4–6.

Estas doenças são revestidas de uma natureza multidimensional, com graves consequências para o cidadão, para a sociedade e para o sistema de saúde, devendo ser encaradas como um problema de saúde pública que urge minorar7.

Esta preocupação implica construir políticas públicas de saúde, reorientar os serviços de saúde, criar ambientes de suporte e entreajuda, fortificar a ação comunitária e desenvolver as capacidades e qualidades pessoais na capacitação da comunidade, para atuar na melhoria da qualidade de vida8–10.

Nesta linha, a Rede Portuguesa de Cidades Saudáveis (RPCS), constituída por um conjunto de municípios, com o objetivo de divulgar e promover uma abordagem holística da saúde, bem como melhorar a qualidade de vida dos cidadãos8,9,11, reforça a necessidade de desenvolver projetos assentes em 3 pilares9: ambientes promotores de apoio e cuidados, vida saudável, e ambientes urbanos saudáveis e design.

O conceito de cidades saudáveis surge com a noção de que a cidade é o nível de governança mais próxima da população e que, desta forma, poderá influenciar os fatores que afetam a vida saudável e prevenir as doenças, onde se incluem as doenças cardiovasculares8.

O projeto de Vila Franca de Xira «Compromisso Cidade Saudável» resulta da adesão da cidade de Vila Franca de Xira à referida rede (RPCS), a qual tem na sua base o princípio de saúde, em função das necessidades e recursos concelhios, onde se inclui a vida saudável e os cuidados de saúde.

São eixos com o objetivo de contribuir para minimizar os fatores de risco de progressão de doença, desenvolver fatores de proteção ao nível individual, familiar e comunitário, bem como melhorar a qualidade de vida dos cidadãos.

Foi com a consciência da importância de uma mobilização geral da sociedade na preservação da saúde7,10, que o Município e o Hospital de Vila Franca de Xira uniram esforços e estruturaram um programa de reabilitação cardíaca (PRC), utilizando os recursos comunitários, com vista a aumentar a autonomia e a qualidade de vida dos doentes12.

Os programas de reabilitação cardíaca são, atualmente, reconhecidos como um componente essencial do tratamento das doenças cardiovasculares10,13, resultante de equipas multifacetadas e coordenadas, com vista a otimizar o doente com patologia cardíaca ao nível físico, psicológico e social10,13–15.

Estabilizar, abrandar ou mesmo reverter a progressão do processo aterosclerótico subjacente, reduzindo a morbilidade, a mortalidade e os reinternamentos, representa o âmago dos programas de ambulatório10,13–15. Programas que quebram o período de imobilização prolongado a que os doentes são sujeitos, sensibilizando-os para a importância do efeito terapêutico do exercício físico na reabilitação cardíaca são essenciais16.

A inclusão de exercício físico, por ser planeada, estruturada e repetitiva, na qual são efetuados movimentos corporais o intuito de melhorar ou manter uma ou mais componentes da condição física17, é recomendada pela comunidade científica como um excelente meio de preservar o bem-estar físico, psíquico e social em doentes cardíacos13,14,18,19.

No estudo Heart Failure – Action (HF-Action), realizado por O’Connor et al.20, com o objetivo de avaliar o efeito de um programa de exercício físico na redução da mortalidade cardiovascular e hospitalização, verifica-se que o grupo sujeito ao exercício físico reduz em 15% a mortalidade cardiovascular, a hospitalização e ajuda a melhorar, de uma forma geral, a qualidade de vida dos doentes cardíacos21.

A qualidade de vida, apesar de ser um termo universal de difícil definição, representa a perceção individual da posição da pessoa na vida, no contexto, na cultura e nos valores22. É um conceito amplo, subjetivo, que inclui, de forma complexa, a saúde física da pessoa, o seu estado psicológico, o nível de independência, as relações sociais, as crenças e convicções pessoais e a sua relação com os aspetos importantes do meio ambiente23–25.

Ao investigar o efeito do exercício físico na qualidade de vida em doentes cardíacos, Bocalini et al.26, observam melhorias estatisticamente significativas na qualidade de vida em doentes sujeitos ao exercício físico. Ao analisar a variação percentual entre os grupos (sem exercício físico vs. com exercício físico), verificam-se variações percentuais superiores no grupo sujeito ao exercício físico ao nível da componente física (2±1 vs. 23±4%), do estado psicológico (1±1 vs. 20±2%), do social (3±2 vs. 16±1%) e ambiental (2±1 vs. 15±2%).

Foi com o propósito de que o exercício físico seja seguro e eficaz, em doentes cardíacos, no aumento da qualidade de vida13,20,21,27-29, bem como atendendo ao número crescente de doentes e à dificuldade na adesão, quer por razões pessoais, quer pelo deficiente financiamento da reabilitação cardíaca7,16, que o Município e o Hospital de Vila Franca de Xira estabeleceram uma parceria e celebraram um protocolo de cooperação no âmbito do PRC.

Este Programa de Recuperação Cardíaca dar resposta à epidemia de doenças crónicas e não transmissíveis, através de abordagens integradas na população, focada nos fatores de risco de progressão da doença coronária através de ações sustentáveis, com o objetivo de promover o retorno do doente a uma vida ativa e autónoma, enquanto parte integrante do processo de tratamento após um evento cardíaco, bem como recuperar e manter um ótimo nível fisiológico, psicológico e social.

Mas será que um programa de exercício físico supervisionado realizado na comunidade logo após alta hospitalar potencia a qualidade de vida dos doentes? É essa a grande questão que se coloca ao promover uma intervenção na comunidade o mais precoce possível.

Objetivos

Pretende-se com o presente estudo analisar e comparar os resultados da aplicação do exercício físico supervisionado, no programa de reabilitação cardíaca, em fase de ambulatório precoce, com os dados obtidos pelos doentes sujeitos apenas ao tratamento convencional. Avaliar a qualidade de vida geral, bem como a função emocional, física e social relacionada com a doença cardíaca.

MétodoDesenho do estudo

Optou-se por realizar um estudo, com uma duração superior a 3 meses, dividindo os doentes cardíacos em 2 grupos. Um dos grupos foi exposto a um programa de exercício físico supervisionado (grupo ES), enquanto o outro grupo foi submetido ao tratamento convencional com indicações para realizar exercício físico (grupo TC).

Sujeitos

Foram recrutados doentes cardíacos de ambos os sexos, entre os 28 e os 80 anos, considerando os seguintes critérios de inclusão: risco baixo a moderado segundo American Heart Association (AHA)30 e American Association of Cardiovascular and Pulmonary Rehabilitation (AACVPR)31 ou que, por avaliação do médico/a cardiologista, estão aptos para o estudo mencionado.

Critérios de inclusão

Foram incluídos no estudo os sujeitos que, segundo a estratificação do AHA para a participação e supervisão da atividade física30 e segundo a estratificação do risco da AACVPR para eventos cardíacos durante o exercício físico31, preenchiam os seguintes critérios: classe B para a participação e supervisão com base AHA; capacidade funcional superior a 6 Metabolic Equivalent Task (MET) ou equivalente metabólico; ausência de sinais ou sintomas após evento (Enfarte do miocárdio [EM], Percutaneous Transluminal Coronary Angioplasty [PTCA], Coronary Artery Bypass Graft [CAGB]); hemodinamicamente estáveis, com uma fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) superior a 40%; ausência de arritmias; doentes que em consulta apresentavam múltiplos fatores de risco, embora não tendo tido nenhum evento cardíaco; doentes que não apresentavam limitações físicas intelectuais e sociais para integrarem o programa; doentes que, reunindo todas estas condições e através de consentimento informado, aceitaram integrarem o estudo referido; doentes que não preenchiam os critérios de inclusão, mas, por avaliação do médico/a cardiologista, estavam aptos para o respetivo estudo.

Critérios de exclusão

Os sujeitos que apresentaram as seguintes indicações não participaram no estudo referido: angina instável; tromboembolismo recente; infeção aguda ou febre de origem desconhecida; bloqueio auriculoventricular (AV) de 3.° grau; pericardite e miocardite aguda; arritmia não controlada; insuficiência/estenose mitral ou insuficiência/estenose aórtica; insuficiência cardíaca congestiva (ICC) descompensada; hipertensão arterial (HTA) descontrolada; depressão do segmento ST>2mm; diabetes descompensada31.

Instrumentos de avaliaçãoAvaliação do risco de segurança pós-evento

Foi realizada com base na avaliação do risco clínico de segurança pós-evento da AACVPR31, os critérios do AHA para o exercício físico30 e a classificação de insuficiência cardíaca do New York Heart Association (NYHA)32.

Qualidade de vida

A qualidade de vida relacionada com a saúde (QVRS) na doença cardíaca foi avaliada com base no questionário MacNew29. O MacNew é constituído por 27 itens divididos em 3 funções (física, emocional e social), em que se abordam os sintomas de angina de peito, falta de ar, cansaço e de tonturas. A pontuação máxima possível, em qualquer domínio, é de 7 pontos (QVRS alta) e o mínimo é um (QVRS pobre).

É de salientar que as respostas em falta não contribuíram para a pontuação, por exemplo: nos casos de 10 dos 14 itens respondidos, a pontuação calculada foi a média das 10 respostas. A pontuação global foi calculada com a média de todos os itens29.

O MacNew foi validado para a população portuguesa num estudo que envolveu 150 doentes com síndroma coronário agudo com um teste-reteste (r>0,72), concluindo que o questionário é um instrumento válido na avaliação QVRS28.

Procedimentos

Os doentes cardíacos que preencheram os critérios de inclusão foram convidados a participar no PRC, garantindo o acesso de todos ao efeito terapêutico do exercício físico supervisionado. Neste grupo, determinou-se a alocação dos doentes atendendo aos que consentiram participar nas sessões de exercício físico supervisionados (grupo ES) e os que, por motivos diversos, optaram por não participar nas referidas sessões (grupo TC).

Neste sentido, transmitiu-se, através de consentimento informado, o propósito e os procedimentos do estudo, a privacidade dos dados e os possíveis riscos e benefícios, tendo a cada uma das especialidades pertencido as seguintes funções:

Medicina

Os doentes foram analisados pelos médicos cardiologistas, os quais solicitaram e avaliaram todos os exames e análises necessárias para inclusão dos doentes no estudo, bem como a supervisão do programa de reabilitação cardíaca, quer em fase hospitalar, quer em fase ambulatória.

Enfermagem

Além de ser o elo de ligação entre o doente, o cardiologista e a equipa de reabilitação cardíaca, incluindo o especialista de exercício físico, realizaram, em conjunto com o cardiologista, a avaliação inicial e aplicaram o questionário MacNew.

Dietista

Avaliou e educou nutricionalmente os doentes cardíacos, quer no internamento, quer na consulta, sempre que necessário, em situações cuja adequação ou correção alimentar fosse complementar com a terapêutica.

Cardiopneumologia

Aplicaram métodos e técnicas de diagnóstico, através de equipamentos com uma base eletrónica e informática, com vista a obter imagens que permitam fazer o diagnóstico médico.

Fisioterapia

Orientaram os doentes e familiares para adotar medidas com o intuito de maximizar a funcionalidade do doente, tendo em conta as suas diferentes dimensões.

Especialista de exercício físico

Concretizou e executou as ações de organização e realização do planeamento geral, com vista ao acompanhamento dos doentes cardíacos, de baixo a moderado risco, após devida indicação médica, assegurando a prescrição e o desenvolvimento da atividade física e do exercício físico num ambiente de qualidade e segurança.

Após a divisão dos doentes, submeteu-se os do grupo ES a um plano de intervenção estruturado em 3 fases (inicial, melhoria e manutenção). A dose do exercício foi prescrita segundo a frequência, intensidade, tempo e tipo de exercício, conforme a devida estratificação do risco14 e recomendações da AACVPR33.

Exercício físico supervisionado

O grupo ES foi sujeito a um treino multicomponente, genericamente definido como uma combinação de exercício aeróbio, de coordenação, de equilíbrio, de força e de flexibilidade34, realizado 3 vezes por semana, num pavilhão gimnodesportivo.

As sessões de exercício físico foram compostas por um momento de aquecimento, parte fundamental e retorno à calma/alongamentos. Na fase inicial do programa, foi dada maior importância ao aquecimento e ao retorno à calma, ficando a parte fundamental reduzida a uma parte de adaptação do organismo ao exercício físico. Nas fases mais avançadas (melhoria e manutenção), aumentou-se a parte fundamental, diminuindo o aquecimento e o retorno à calma.

Tratamento convencional

Os participantes no grupo TC receberam um conjunto de informações, materiais educativos e recomendações sobre o exercício físico. Solicitou-se ao grupo referido para aumentar a sua atividade física, bem como a realização de exercício físico com uma frequência de 3 vezes por semana, com pelo menos 48 h de intervalo entre sessões de treino, com uma intensidade de 11 a 13 do índice de perceção do esforço (IPE), escala de Borg30, com 40 a 50% da frequência cardíaca de reserva ou uma frequência cardíaca de repouso mais 20 bpm. O tempo recomendado foi de pelo menos 30 min por sessão, de forma contínua ou acumulada. Já em relação ao tipo de exercício, salientou-se os que não implicassem demasiado stress ortopédico, como a marcha.

Recolha de dados

Após a deliberação da Comissão de Ética do Hospital de Vila Franca de Xira, procedeu-se ao recrutamento dos doentes, através de consentimento informado, com vista a participarem no presente estudo. Aquando das devidas autorizações, executou-se a recolha dos dados, recorrendo à base da fase hospitalar e de ambulatório precoce obtidos nas várias consultas de follow-up após nota de alta, assim como as avaliações realizadas ao terceiro, sexto e décimo segundo mês.

Análise estatística

O tratamento estatístico dos dados foi realizado recorrendo ao software SPSS (IBM, SPSS statistics 19 graduate pack). A média e o desvio padrão (estatística descritiva) foram calculados para todas as variáveis em estudo, utilizando o Paired Samples T-Test para testar a diferença da média amostral dentro dos grupos em estudo.

Para determinar a significância dos resultados, relativa à comparação entre grupos (grupo ES vs. grupo TC), procedeu-se à aplicação do teste não paramétrico (Mann-Whitney) e do teste paramétrico (Independent Samples T-Test) de 2 medidas independentes. Os pressupostos deste método estatístico, nomeadamente, a normalidade da distribuição e a homogeneidade de variâncias nos 2 grupos foram avaliadas, respetivamente, com o teste de Kolmogorov-Smirnov com a correção de Lilliefors e com o teste de Levene35. As diferenças estatisticamente significativas foram consideradas entre médias para um p<0,05.

Já a variação percentual foi analisada pela razão entre a avaliação inicial e final, através do Independent Samples T-Test, expressa na forma de percentagem para comparar os 2 grupos em estudo.

Resultados

Foram identificados 107 doentes na base de dados do programa de reabilitação cardíaca, em fase hospitalar, elegendo apenas 52 doentes para o presente estudo.

Desenho do estudo

Dos 52 doentes elegíveis para o estudo, 22 constituíram o grupo TC, representando os que referiram falta de tempo 4 (18%), falta de transporte 5 (23%), incompatibilidade com a sua vida profissional 9 (41%), falta de motivação 2 (9%) ou que não expressaram razões para participar no grupo de exercício físico supervisionado 2 (9%). Os restantes 30 doentes foram incluídos no grupo ES (exercício físico supervisionado) (tabela 1).

Tabela 1.

Fases de intervenção

  Fase inicial (4 semanas)  Fase de melhoria (16 semanas)  Fase de manutenção (4 semanas) 
Frequência  3 × semana  3 × semana  3 × semana 
Intensidade  40-50% FC reserva (11-13 IPE)  60-80% FC reserva (11-13 IPE)  60-80% FC reserva (11-13 IPE) 
    Uma série de 10-15 repetições (8 a 10 exercícios)  Uma série de 10-15 repetições (8 a 10 exercícios) 
Tempo  15-30 min  20-40 min  30-60 min 
Tipo  Marcha e exercícios de mobilidade e respiratórios  Multicomponente (marcha, músculo-esqueléticos, alongamentos)  Multicomponente (marcha, músculo-esqueléticos, alongamentos) 
Características da amostra

Ao observar a tabela 2, verificou-se uma percentagem superior do sexo masculino, bem como o enfarte agudo do miocárdio (EAM) e a angioplastia transluminal percutânea (PTCA) como o diagnóstico mais referido. Os fatores de risco mais objetivados foram a inatividade física, o excesso de peso, a dislipidemia, a hiperglicemia e a HTA.

Tabela 2.

Características da amostra

  n.° (%) de doentes
  Grupo ES (n=30)  Grupo TC (n=22) 
Sexo     
Masculino  24 (80%)  21 (95,5%) 
Feminino  6 (20%)  1 (4,5%) 
Diagnóstico
EAM  29 (96,7%)  21 (95,5%) 
CABG  3 (10%)  3 (13,6%) 
PTCA  29 (96,7%)  22 (100%) 
AVC  1 (3,3%)  1 (4,5%) 
ICC  2 (6,7%) 
Fatores de risco
História familiar  16 (53,3%)  8 (36,4%) 
DMnid  8 (26,7%)  3 (13,6%) 
Hipertensão arterial  21 (70%)  15 (68,2%) 
Dislipidemia  24 (80%)  17 (77,3%) 
Hiperglicemia  19 (63,3%)  11 (50%) 
Tabagismo  8 (26,7%)  10 (45,5%) 
Obesidade  14 (46,7%)  11 (50%) 
Álcool  2 (6,7%) 
Inatividade física  25 (83,3%)  11 (50%) 

AVC: acidente vascular cerebral; CABG: coronary artery bypass graft; DMnid.: diabetes mellitus não insulinodependente (tipo 2); EAM: enfarte agudo do miocárdio; ICC: insuficiência cardíaca congestiva; PTCA: percutaneous transluminal coronary angioplasty.

Ao comparar a idade dos participantes, na tabela 3, podemos constatar que não se observaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, tendo o mesmo sido verificado em relação aos dias de internamento.

Tabela 3.

Idade e dias de internamento

  Grupo ES n=30Grupo TC n=22
  Min.  Máx.  X  DP  Min.  Máx.  X  DP   
Idade (anos)  30  74  57,23  9,85  29  80  52,68  14,53  0,185a 
Dias de internamento  10  6,10  1,52  5,82  1,47  0,588a 
a

Mann-Whitney, U Test: p<0,05*.

É de referir que também não se observaram diferenças estatisticamente significativas (grupo ES vs. grupo TC) ao nível dos β -bloqueadores (6,14±10,46mg vs. 5,46±5,97mg), inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECA) (6,07±11,64mg vs. 2,50±4,64mg), diuréticos (1,00±2,68mg vs. 1,05±3,15mg), antidiabéticos (130,17±428,18mg vs. 2,63±11,47mg), antiagregantes (162,50±67,83mg vs. 169,74±27,10mg) e estatinas (23,00±17,65mg vs. 38,42±53,23mg), não tendo sido contemplados 3 elementos do grupo TC, por dificuldade na aferição da medicação.

Intervenção

Os doentes incluídos no grupo ES realizaram uma média de 40,80±9,76 sessões (X±DP), com uma intensidade de 43,11±21,03 por cento da frequência cardíaca de reserva (Karvonen)30, correspondendo a frequências cardíacas de 89,30±19,02 bpm e um índice de perceção do esforço de 12,41±0,71 (moderado). Durante a realização das sessões de treino obtiveram valores tensionais de 115,94±14,99 (TAS) e 75,51±9,83 (TAD), originando um duplo produto (DP) de 10 391,30±2 780,51 (FC × TAS). Já o tempo despendido nas sessões de exercício físico foi de 40,76±8,23 min, em sessões multicomponentes envolvendo a marcha, transposição de obstáculos, jogos de grupo, exercícios com bola (receção e lançamento de bola em superfícies estáveis) e exercício envolvendo o peso do próprio corpo.

Avaliação da qualidade de vida

O período entre a avaliação inicial e final para a qualidade de vida foi de 6,36±2,62 meses para o grupo ES e de 8,25±3,33 meses para o grupo TC. Na avaliação mencionada não se contemplou 16 (53%) participantes do grupo ES e 10 (45%) do grupo TC, por não terem preenchido os questionários de qualidade de vida relacionada com a doença cardíaca.

Ao observar as diferenças na qualidade de vida do grupo ES (tabela 4), verificaram-se melhorias estatisticamente significativas ao nível das emoções [t(13)=−3.497; p=0,004], da função física [t(13)=−3.207; p=0,007], da função social [t(13)=−3.470; p=0,004] e da qualidade de vida em geral [t(13)=−3.466; p=0,004]. Já em relação ao grupo TC, sujeito aos cuidados usuais, observou-se apenas melhorias estatisticamente significativas ao nível da função física [t(11)=−2.658; p=0,022].

Tabela 4.

Qualidade de vida: avaliação inicial vs. final

Qualidade de vida  Grupo ES n=14Grupo TC n=12
  Av. inicialAv. finalAv. inicialAv. final
  X  DP  X  DP    X  DP  X  DP   
Emoções  4,46  1,73  5,90  0,680  0,004**  4,97  0,712  4,98  0,963  0,981a 
Física  4,72  1,77  6,00  0,689  0,007**  5,27  0,639  5,51  0,738  0,022* 
Social  4,61  1,75  6,05  0,678  0,004**  5,24  0,594  5,45  0,705  0,052 
Geral  13,79  5,13  17,97  1,99  0,004**  15,49  1,74  15,94  2,15  0,231 

aPaired Samples T-Test: p<0,05*; p<0,01**.

Comparação entre grupos

As diferenças observadas entre as médias da qualidade de vida geral, emocional, física e social entre os 2 grupos (tabela 5) não foram estatisticamente significativas na avaliação inicial, bem como da função física na avaliação final. Já o mesmo não foi observado ao nível da avaliação final para a função emocional [t(24)=2.863; p=0,009], função social [t(24)=2,230; p=0,035] e qualidade de vida em geral [t(24)=2.486; p=0,020].

Tabela 5.

Comparação entre grupos

Qualidade de vida  Avaliação inicialAvaliação final
  Grupo ES (n=14)Grupo TC (n=12)Grupo ES (n=14)Grupo TC (n=12)
  X  DP  X  DP    X  DP  Δ%  X  DP  Δ%   
Emoções  4,46  1,73  4,97  0,71  0,320a  5,90  0,68  + 58,64a  4,98  0,96  + 0,62a  0,009a** 
Física  4,72  1,77  5,27  0,64  0,295a  6,00  0,69  + 52,00a  5,51  0,74  + 4,61a  0,092a 
Social  4,61  1,75  5,24  0,59  0,223a  6,05  0,68  + 59,44a  5,45  0,71  + 3,90a  0,035a* 
Geral  13,79  5,13  15,49  1,74  0,261a  17,97  1,99  + 53,86a  15,94  2,15  + 2,96a  0,020a* 
a

Independent Samples T-Test: p<0,05*; p<0,01**.

Em relação à variação percentual, averiguou-se que o grupo ES obteve uma taxa percentual crescente na qualidade de vida geral (+ 53,86%) muito superior à obtida pelo grupo TC (+ 2,96%).

Discussão

O presente estudo pretendeu analisar os resultados obtidos pela aplicação de um programa de exercício físico multicomponente, numa fase de ambulatório precoce na comunidade, e comparar os seus resultados com os doentes sujeitos apenas ao tratamento convencional.

Os grupos em estudo apresentaram uma média de idades de 57,23±9,85 anos para o grupo ES e de 52,68±14,53 anos para o grupo TC, não existindo diferenças estatisticamente significativas entre os grupos ao nível da idade e dos dias de internamento. O mesmo foi observado para a medicação ao nível dos β-bloqueadores, dos inibidores da enzima de conversão da angiotensina, dos diuréticos, dos antidiabéticos, dos antiagregantes e das estatinas.

Aquando da análise da quantidade e volume aplicado, verifica-se uma ligação às várias posições para a prescrição de exercício físico do European Society of Cardiology (ESC)27, American College of Sports Medicine (ACSM)30 e AACVPR33, os quais definem para a doença cardíaca uma frequência de 3 a 5 vezes por semana, com uma intensidade que poderá variar entre os 40 e os 70% da frequência cardíaca de reserva e um tempo por sessão de 15 a 60 min, conforme a fase de intervenção.

As modificações dos fatores de risco de progressão da doença cardíaca, bem como o aumento da capacidade de funcionamento do miocárdio, contribuem para a melhoria da função física, mental e social, as quais são fundamentais para que o doente possa, pelos seus próprios meios, retomar a sua vida na comunidade21,36.

Ao analisar a qualidade de vida, dos grupos (ES vs. TC), verifica-se que o grupo ES obteve diferenças significativas, passados 6,36±2,62 meses, para a qualidade de vida geral, função emocional, função física e função social. É de salientar que o grupo TC apenas obteve diferenças significativas ao nível da função física.

No que respeita à variação percentual, apuraram-se taxas percentuais crescentes da qualidade de vida do grupo ES em relação ao grupo TC para a qualidade de vida geral (+ 58,64 vs. + 0,62%), função física (+ 52,00 vs. + 4,61%), função emocional (+ 59,44 vs. + 3,90%) e função social (+ 53,86 vs. + 2,96%), as quais correspondem às melhorias avaliadas no estudo de Bocalini et al26.

A qualidade de vida tem sido utilizada com um indicador na avaliação da eficácia, da eficiência, no impacto do tratamento e na comparação entre os procedimentos para o controlo da saúde, assim como no conhecimento do doente e da sua adaptação às condições da vida diária37,38.

Atendendo à noção de que a qualidade de vida é considerada como um dos resultados esperados das práticas assistenciais e das políticas públicas, no campo da promoção da saúde37, no âmbito da parceria estabelecida entre o Município e o Hospital de Vila Franca de Xira, observou-se um aumento da qualidade de vida nos doentes sujeitos ao exercício físico supervisionado.

Conclusão

A convergência de esforços entre o Município e o Hospital de Vila Franca de Xira, ao criar ambientes de suporte e entreajuda, através de um programa de reabilitação cardíaca, realizado na comunidade logo após a alta hospitalar, com exercício físico supervisionado, revela-se benéfica para a qualidade de vida em doentes cardíacos.

A recuperação foi fruto da aplicação do exercício físico supervisionado com uma duração superior a 3 meses (40,80±9,76 sessões), uma intensidade de 43,11±21,03% da frequência cardíaca de reserva, com um índice de perceção do esforço de 12,41±0,71 (moderado) e um tempo de 40,76±8,23 min por sessão, dando primazia à marcha, aos jogos de grupo, aos exercícios com bola (receção e lançamento de bola) e aos exercícios que envolvam o peso do próprio corpo, como o tipo de exercícios de eleição.

Estamos perante um excelente instrumento potenciador do aumento da qualidade de vida geral (+ 53,86%), capaz de influenciar positivamente a função social (+ 59,44%), função física (+ 52,00%) e a função emocional (+ 58,64%).

Com base no estudo apresentado, poder-se-á concluir que a parceria estabelecida, entre o Município e o Hospital de Vila Franca de Xira, potencia a qualidade de vida em doentes cardíacos, sujeitos a um PRC com exercício físico supervisionado, quando comparada com os doentes apenas sujeitos ao tratamento convencional.

Conflito de interesses

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Agradecimentos

Agradecemos a todos os profissionais do Hospital e da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, bem como ao corpo docente do Mestrado em Exercício e Bem-Estar da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias que, de forma direta ou indireta, contribuíram na implementação e operacionalização do estudo.

Por último, mas não menos importante, aos doentes cardíacos pela confiança e experiências partilhadas fundamentais na concretização do presente estudo.

A todos o nosso muito obrigado!

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