A obesidade, a cárie dentária e as alterações na visão e no sono das crianças tornaram‐se problemas de saúde pública de considerável importância. Neste sentido, foi realizado um estudo, baseado num questionário e observações, em 72 crianças vigiadas nos cuidados de saúde primários, com o objetivo de definir a prevalência de obesidade, alterações da visão, cárie dentária, alterações do sono e hábitos de vida diários. Os resultados destacam a importância de medidas preventivas, que promovam a educação para a saúde e de hábitos de vida saudáveis junto dos profissionais de saúde, crianças e seus pais.
Obesity, tooth decay, alterations in vision and sleep in children have become a public health problem of considerable importance. In this regard, a study based on a questionnaire and observations of 72 children, monitored in primary care, was conducted with the aim of defining the prevalence of obesity, altered vision, tooth decay, changes in sleep patterns and daily life habits. The results highlight the importance of preventive measures that promote health education and healthy lifestyles among health professionals, children and their parents.
Os fatores genéticos e o ambiente intervêm na saúde da criança, mas os cuidados que lhes são prestados são também um aspeto importante. A manutenção e a promoção da saúde de todas as crianças é um ponto prioritário para os profissionais dos cuidados de saúde primários (CSP), na medida em que as crianças são o futuro da humanidade e a sua saúde permite‐lhes um correto desenvolvimento e um aumento da sua longevidade. O acesso à saúde é um direito da criança, aconselhando‐se a realização regular de consultas de vigilância ao longo de toda a infância e adolescência, pois é nos primeiros anos de vida que se devem instituir hábitos de vida saudáveis. É, então, deveras importante proceder‐se, nesta fase, à adoção de medidas que possam prevenir e/ou detetar precocemente qualquer problema de saúde.
É geralmente aceite que, se os sistemas de saúde estiverem assentes numa estrutura sólida de CSP, estes são mais eficientes, têm uma maior equidade e aumentam os níveis de saúde e satisfação dos indivíduos1,2. Os CSP são um sucesso em Portugal. Desde 1960 até 2002, houve uma grande evolução em indicadores como a esperança de vida à nascença, as taxas de mortalidade infantil e as taxas de mortalidade neonatal e perinatal3.
É também amplamente reconhecido o impacto positivo que a vigilância da saúde tem nas crianças4. Estas ações procuram identificar e colmatar possíveis vulnerabilidades físicas ou mentais que impeçam a criança de desenvolver o seu pleno potencial. Como tal, a manutenção e a promoção da saúde em todas as crianças é um ponto de importância fulcral para os profissionais e para os serviços5.
Existem vários fatores de saúde que podem influenciar um correto desenvolvimento da criança, e que devem fazer parte das prioridades de avaliação e intervenção precoce dos profissionais de saúde. Por exemplo, a obesidade tem sido reconhecida como um importante problema de saúde que afeta as crianças em países desenvolvidos6. A Organização Mundial de Saúde (WHO) define a obesidade como o excesso de gordura corporal acumulada, podendo atingir patamares em que pode vir a interferir com a saúde, e tem como causas fatores genéticos, metabólicos, ambientais e comportamentais7. A evidência recente sugere que os valores da obesidade infantil têm estabilizado nos últimos anos em alguns países desenvolvidos6. Contudo, a WHO alerta que, se não houver intervenção, metade da população possa ser obesa em 20257. Antunes e Moreira8 apresentam uma revisão de estudos, publicados entre 2007‐2009, sobre a prevalência de excesso de peso e obesidade em crianças e adolescentes. Num estudo mais recente, em 17.136 crianças portuguesas, entre 3‐10 anos de idade, Bingham et al.9 mencionaram uma prevalência de 19,7% de excesso de peso e 8,2% de obesidade. Assim, a promoção de hábitos alimentares saudáveis, o aumento da atividade física e a redução de comportamentos sedentários têm estado na base de muitas intervenções em países europeus10. Costa et al.11 relatam os resultados de uma intervenção em Portugal. Outro estudo12 analisou a associação entre a atividade física, TV, videojogos e a obesidade.
As doenças orais constituem outro dos principais problemas de saúde de crianças13. A saúde oral é definida como um estado livre de dor crónica orofacial, úlceras orais, cancro oral ou orofaríngeo, malformações congénitas, cáries e perdas de dentes, e outras doenças ou distúrbios que possam afetar a cavidade oral14. A cárie dentária diminuiu de forma significativa nos últimos anos, principalmente nas crianças e jovens portugueses, no entanto, tem ainda uma alta prevalência, sendo um problema de saúde pública a resolver15. As metas em saúde oral, a que a WHO se propõe para 2020, requerem um aumento nas ações de promoção da saúde e prevenção de doenças orais, o que por sua vez irá exigir um maior envolvimento dos profissionais de saúde e da educação16. Em particular, a promoção de hábitos de higiene oral afiguram‐se importantes para este desiderato. Veiga et al.17 discutiram os resultados de uma investigação sobre a prevalência da cárie dentária em 605 crianças, entre 8‐12 anos, do concelho de Satão.
A visão desempenha uma função muito importante na saúde e desenvolvimento infantil18, tratando‐se de um meio de comunicação fundamental no envolvimento entre indivíduos e na atividade profissional. Desde o nascimento que se deve preservar a visão, prevenindo e tratando qualquer problema que surja, logo desde o início, para preservação da qualidade de vida do indivíduo19. A melhor forma de detetar doenças oculares e/ou visuais é através da deteção precoce e do diagnóstico precoce20. O rastreio oftalmológico é um processo que pode ser concretizável nas consultas de vigilância de saúde infantil, sendo um rastreio que não tem custos acrescidos, e que apenas exige que se sigam protocolos de atuação para diagnósticos e encaminhamentos precoces21. Pinto et al.22 avaliaram a existência de problemas oculares em 704 indivíduos, desde um mês aos 15 anos de idade, que frequentavam a consulta de pediatria num centro de saúde urbano. Outro trabalho é relatado por Lança et al.23, que analisaram a prevalência de problemas visuais em 672 crianças, entre 6‐12 anos, da cidade de Lisboa.
Um sono adequado, em qualidade e duração, é um fator crítico na saúde das crianças. As perturbações no sono têm sido associadas a vários problemas de saúde nos primeiros anos de idade dos indivíduos, incluindo dificuldades de aprendizagem, comportamentos adversos, diminuição da coordenação motora, diminuição da saúde mental e da qualidade de vida24. Por perturbações de sono entende‐se qualquer alteração nos padrões desejáveis de sono, quer em quantidade quer em qualidade, resultante de dificuldades em iniciar ou manter o sono, sonolência excessiva, ou de comportamentos anormais durante o sono25. Um aspeto‐chave para a gestão das perturbações de sono é a educação de crianças e pais quanto à higiene do sono, incluindo, por exemplo, horas de deitar e levantar regulares, ambiente físico adequado, o evitar de bebidas com cafeína, entre outras26. Klein e Gonçalves27 examinaram a prevalência de perturbações do sono em 938 crianças, entre 7‐11 anos, dos concelhos de Braga e Faro. Padez et al.28 constataram que as crianças, entre 7‐9 anos, com uma menor duração de sono apresentavam um maior risco de obesidade.
As crianças são cada vez mais vigiadas nos CSP, quer pelo crescendo de confiança que se deposita nos profissionais de saúde das instituições, quer pela conjuntura financeira que o país atravessa, que condiciona as visitas a consultas privadas. Ao caracterizar‐se o perfil destas crianças, é possível conhecer melhor a população‐alvo e, deste modo, desenvolver intervenções que possam ir ao encontro dos problemas de saúde identificados. No percurso desta investigação não foram encontrados estudos que estudassem, no seu conjunto, os diferentes fatores, analisados neste trabalho, que interferem com a saúde, mas tão‐somente estudos que avaliam um ou 2 fatores em simultâneo9,11,12,17,22,23,27.
O objetivo geral desta investigação foi o de descrever o perfil de saúde da criança seguida em consulta de vigilância nos CSP. Para tal, este perfil foi definido pelo índice de massa corporal (IMC) (valor preditor de obesidade), pela integridade dentária, pela acuidade visual e pelas alterações no padrão de sono. A escolha incidiu sobre estes itens por serem parâmetros a observar obrigatoriamente em todas as consultas e por serem preditores de um nível de vida saudável6,10,13,18,21,24,25. Mais especificamente, os objetivos desta investigação, relativamente às crianças seguidas em CSP, foram:
- 1.
determinar a prevalência da obesidade;
- 2.
determinar a prevalência das alterações da visão;
- 3.
determinar a prevalência da cárie dentária;
- 4.
determinar a prevalência das alterações no sono.
Como objetivo secundário, pretendeu‐se analisar a relação destas variáveis com variáveis sociodemográficas e hábitos de vida diários.
MétodosO estudo assumiu uma natureza exploratória e quantitativa. A amostra foi não probabilística, por conveniência, sendo constituída por 72 crianças, entre 8‐11 anos, cujos pais consentiram participar no estudo, que foram à consulta de vigilância programada de saúde infantil, entre um de julho de 2013 e 15 de setembro de 2013, em unidades de saúde de Viseu, nomeadamente: a Unidade de Saúde Familiar Viriato, Unidade de Saúde Familiar Lusitânia, Unidade de Saúde Familiar Alves Martins e Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados Dom Duarte.
A recolha de dados foi efetuada através de um questionário constituído por 3 partes. Na primeira parte fez‐se uma avaliação e registo de parâmetros biométricos da criança (peso e altura), registo da presença, ou ausência, de cárie dentária ou dentes obturados, e avaliação e registo da acuidade visual, sendo esta parte preenchida pelo profissional de saúde que efetuou essas mesmas avaliações. O peso e a altura foram avaliados numa balança calibrada de coluna mecânica com craveira, estando as crianças descalças, sem adereços na cabeça e apenas com uma peça de roupa vestida, ao nível do tronco e dos membros inferiores. O IMC foi calculado através da divisão do peso (kg) pelo quadrado da altura (metros) e o percentil do IMC foi determinado pela consulta das curvas de crescimento preconizadas pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), e adotadas pela Direção‐Geral de Saúde29, tendo por base o sexo, o valor do IMC e a idade da criança. Os valores de corte para classificar os níveis de peso foram os seguintes: IMC<5° percentil – peso baixo; 5° percentil <IMC<85° percentil – peso normal; 85° percentil <IMC<95° percentil – excesso de peso; IMC>95° percentil – obesidade. A deteção de cárie dentária ou dentes obturados foi realizada por observação direta da cavidade oral, com auxílio de um foco luminoso de bolso. A avaliação da acuidade visual foi efetuada às crianças que não usavam óculos, com recurso à tabela de Snellen, aplicando‐se as letras a partir da idade em que a criança já sabia ler, e aplicando a letra E em rotação às crianças que ainda não estivessem alfabetizadas. A tabela foi colocada aproximadamente a 1,5 metros do chão e a uma distância aproximada de 3 metros da criança, tendo sido testado primeiro o olho direito e, de seguida, o olho esquerdo. Considerou‐se haver visão alterada nas situações em que a criança usava óculos e quando a acuidade era igual ou inferior a 8/10 em ambos os olhos, ou apenas em um. A segunda e terceira partes do questionário foram constituídas por perguntas fechadas e abertas, relativamente à caracterização sociodemográfica da família da criança e aos hábitos de vida diários da criança, que foram preenchidas pelo responsável pela criança nessa mesma consulta.
Na análise de dados utilizaram‐se técnicas de estatística descritiva e inferencial, com o auxílio do software SPSS®.
ResultadosA amostra é constituída por 72 crianças, das quais 41 (56,9%) são do sexo masculino e 31 (43,1%) do sexo feminino (ver tabela 1). Estas crianças têm idades compreendidas entre 8‐11 anos, havendo uma maior predominância das crianças com 8 anos, 39 crianças (54,2%), seguida das crianças com 11 anos, 19 crianças (26,4%), depois das crianças com 9 e 10 anos, 7 crianças com cada uma das idades (9,7%). A maior parte da amostra vive na cidade ou na vila, 39 crianças (54,2%), e na aldeia vivem 33 (45,8%). Cerca de 90,3% (65) das crianças vivem com o pai e a mãe em simultâneo, 6,9% (5) vivem apenas com a mãe e 64 (88,9%) são filhos de pais casados ou em união de facto. Em casa das crianças vivem em média 4 pessoas, sendo que 62,5% das crianças têm 4 coabitantes na mesma casa. A maioria das crianças têm irmãos (88,9%), em média um irmão por criança (70,8% das crianças têm um irmão), bem como um quarto individual (76,4%). Relativamente às habilitações literárias dos pais, 11,1% têm os pais com escolaridade entre o 4‐6.° ano, 11,1% têm uma escolaridade entre 7‐9.° ano, 29,2% têm uma escolaridade entre 10‐12.° ano, e 48,6% têm uma escolaridade superior ao 12.° ano.
Caracterização da amostra
Masculino | Feminino | Total | p | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | ||
Idade | |||||||
8 | 23 | 56,1 | 16 | 51,6 | 39 | 54,2 | 0,787a |
9 | 4 | 9,8 | 3 | 9,7 | 7 | 9,7 | |
10 | 3 | 7,3 | 4 | 12,9 | 7 | 9,7 | |
11 | 11 | 26,8 | 8 | 25,8 | 19 | 26,4 | |
Local de residência | |||||||
Aldeia | 18 | 43,9 | 15 | 48,4 | 33 | 45,8 | 0,705b |
Cidade/vila | 23 | 56,1 | 16 | 51,6 | 39 | 54,2 | |
Pessoas com quem vive | |||||||
Pai e mãe | 36 | 87,8 | 29 | 93,5 | 65 | 90,3 | 0,394a |
Mãe | 3 | 7,3 | 2 | 6,5 | 5 | 6,9 | |
Avó/tios | 2 | 4,9 | 0 | 0 | 2 | 2,8 | |
Número de habitantes na mesma casa | |||||||
<4 | 8 | 19,5 | 6 | 19,4 | 14 | 19,4 | 0,869a |
4 | 26 | 63,4 | 19 | 61,3 | 45 | 62,5 | |
>4 | 7 | 17,1 | 6 | 19,4 | 13 | 18,1 | |
Número de irmãos | |||||||
<1 | 4 | 9,8 | 4 | 12,9 | 8 | 11,1 | 0,96a |
1 | 30 | 73,2 | 21 | 67,7 | 51 | 70,8 | |
>1 | 7 | 17,1 | 6 | 19,4 | 13 | 18,1 | |
Estado civil dos pais | |||||||
Casado/união de facto | 35 | 85,4 | 29 | 93,5 | 64 | 88,9 | 0,274b |
Outro | 6 | 14,6 | 2 | 6,5 | 8 | 11,1 | |
Habilitações literárias dos pais | |||||||
4‐6 | 6 | 14,6 | 2 | 6,5 | 8 | 11,1 | 0,432a |
7‐9 | 3 | 7,3 | 5 | 16,1 | 8 | 11,1 | |
10‐12 | 14 | 34,1 | 7 | 22,6 | 21 | 29,2 | |
>12 | 18 | 43,9 | 17 | 54,8 | 35 | 48,6 |
A tabela 2 apresenta a distribuição do nível de peso por sexo das crianças, tendo por base o percentil de IMC. Cerca de 62,6% têm peso normal, 18,1% têm excesso de peso e 19,4% são obesas. Relativamente à distribuição por sexo, 51,6% das crianças do sexo feminino têm peso normal, 19,4% têm excesso de peso e 29% são obesas. Relativamente às crianças do sexo masculino, 12,2% são obesas, 17,1% têm excesso de peso e 70,7% têm peso normal.
Caracterização da amostra relativamente ao nível de peso com base no percentil de IMC
Masculino | Feminino | Total | pa | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | ||
Peso baixo (IMC<5°P) | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0,069 |
Peso normal (5°P<IMC<85°P) | 29 | 70,7 | 16 | 51,6 | 45 | 62,5 | |
Excesso de peso (85°P<IMC<95°P) | 7 | 17,1 | 6 | 19,4 | 13 | 18,1 | |
Obesidade (IMC>95°P) | 5 | 12,2 | 9 | 29 | 14 | 19,4 |
Relativamente à presença de cárie dentária e dentes obturados (ver tabela 3), 84,7% da amostra não tem dentes cariados e 40,3% tem dentes obturados. Quando analisados os dados por sexo da criança, 90,3% das crianças do sexo feminino não têm dentes cariados e 61,3% não têm dentes obturados, enquanto 80,5% das crianças do sexo masculino não apresentam cáries e 58,5% não têm dentes obturados. Cerca de 51,4% das crianças não tem dentes cariados nem obturados.
Caracterização da amostra relativamente à presença de cárie dentária ou dentes obturados
Masculino | Feminino | Total | pa | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | |||
Dentes cariados | Sim | 8 | 19,5 | 3 | 9,7 | 11 | 15,3 | 0,251 |
Não | 33 | 80,5 | 28 | 90,3 | 61 | 84,7 | ||
Dentes obturados | Sim | 17 | 41,5 | 12 | 38,7 | 29 | 40,3 | 0,814 |
Não | 24 | 58,5 | 19 | 61,3 | 43 | 59,7 |
Quanto à acuidade visual (ver tabela 4), 54,2% das crianças têm alterações na acuidade visual, das quais 29,2% já usam óculos. Cerca de 67,7% crianças do sexo feminino têm alterações na acuidade visual e 43,9% das crianças do sexo masculino também têm essas alterações. Relativamente aos problemas de visão, constata‐se que 62,5% das crianças têm familiares diretos com problemas na visão, sendo que em 48,6% dos casos é a mãe a portadora das alterações, 36,1% são os pais e 12,5% são os irmãos. Foi possível ainda apurar que 54,2% da amostra nunca foram a uma consulta de oftalmologia.
No que respeita às alterações do sono (ver tabela 5), 62,5% das crianças nunca tiveram dificuldades em adormecer no último mês. No entanto, 37,5% sentiram dificuldades em adormecer entre menos do que uma vez por semana (16,7%) até 3 ou mais vezes por semana (4,2%). Em 65,3% das crianças não houve um sono agitado, de má qualidade ou superficial no último mês e 34,7% tiveram este tipo de alterações no sono, entre menos do que uma vez por semana (25%) e 1‐2 vezes por semana (9,7%). A média de horas dormidas por noite, durante a semana, é 10 horas e 18 minutos e durante o fim‐de‐semana é 10 horas e 44 minutos. Cerca de 59,7% das crianças deitam‐se quase todos os dias à mesma hora e 20,8% apenas às vezes têm o mesmo horário de deitar.
Caracterização da amostra relativamente à dificuldade em adormecer quando se deitou, no último mês
Masculino | Feminino | Total | pa | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | |||
Dificuldade em adormecer | Nunca | 28 | 38,9 | 17 | 23,6 | 45 | 62,5 | 0,152 |
<1 vez por semana | 5 | 6,9 | 7 | 9,7 | 12 | 16,7 | ||
1‐2 vezes por semana | 6 | 8,3 | 6 | 8,3 | 12 | 16,7 | ||
>2 vezes por semana | 2 | 2,8 | 1 | 1,4 | 3 | 4,2 | ||
Sono agitado, de má qualidade ou superficial | Nunca | 28 | 68,3 | 19 | 61,3 | 47 | 65,3 | 0,477 |
<1 vez por semana | 10 | 24,4 | 8 | 25,8 | 18 | 25 | ||
1‐2 vezes por semana | 3 | 7,3 | 4 | 12,9 | 7 | 9,7 |
Relativamente aos hábitos de saúde diários, foram feitas questões sobre higiene oral, hábitos alimentares, o tempo que passam em frente de um ecrã e hábitos de exercício físico. Assim, 70,8% das crianças realiza a sua higiene oral antes de deitar e 47,2% ao fim do pequeno‐almoço. Cerca de 37,5% das crianças realizam a sua higiene oral abrangendo as gengivas, dentes e língua, e apenas 1,4% não costuma realizar a sua higiene oral. Nesta amostra, 63,9% não usam fio dentário, 31,9% usam fio dentário às vezes e apenas 4,2% usa fio dentário diariamente. Em média, cada criança realiza a sua higiene oral 1,78 vezes por dia, durante em média 3,17 minutos. Nos hábitos alimentares, 47,2% das crianças fazem 5 refeições por dia e 31,9% fazem 4 refeições diárias. Cerca de 94,4% das crianças ingere produtos lácteos, 75% fruta e 68,1% sopa e legumes todos os dias, 81,9% ingere gorduras, 58,3% peixe, 55,6% doces e 69,4% bebidas açucaradas entre 1‐3 vezes por semana. Em média, durante a semana, as crianças estão na frente de um ecrã durante 5 horas e 36 minutos e ao fim de semana em média 4 horas e 30 minutos, em que 56,9% da amostra durante a semana, e 66,7% durante o fim‐de‐semana, está entre 30 minutos e 4 horas em frente a um ecrã. A média de horas de exercício físico praticado durante a semana é 3 horas e 10 minutos. Perto de 59,7% das crianças praticam modalidades desportivas extraescola, e 90,3% pratica atividades ao ar livre, como caminhadas, andar de bicicleta, entre outras.
Foram realizados alguns testes inferenciais entre as variáveis do estudo, cujos resultados se sumariam em seguida. Por exemplo, testou‐se se o nível de peso das crianças estava relacionado com a distribuição do número de horas em frente a um ecrã, não se tendo registado diferenças estatisticamente significativas (teste Kruskal‐Wallis, p=0,845 – durante a semana, p=0,517 – o fim‐de‐semana). Analogamente, não se verificou uma diferença estatisticamente significativa na relação entre a distribuição do número de horas de sono e o nível de peso das crianças (teste Kruskal‐Wallis, p=0,372 – durante a semana; p=0,566 – durante o fim‐de‐semana). Testaram‐se também se as habilitações literárias dos pais estavam associadas à presença de cáries, tendo‐se constatado que as crianças cujos pais têm maiores habilitações literárias têm menor probabilidade de terem cáries (teste qui‐quadrado, p=0,020). No entanto, não se verificaram diferenças significativas na associação entre a presença de obturações e as habilitações literárias dos pais (teste qui‐quadrado, p=0,585). Adicionalmente, apurou‐se que o sexo da criança está associado às alterações na acuidade visual, existindo maior probabilidade de as crianças do sexo feminino apresentarem essas alterações do que as crianças do sexo masculino (teste qui‐quadrado, p=0,044). Finalmente, inferiu‐se existir uma relação estatisticamente significativa entre a qualidade do sono da criança e esta ter um quarto só para ela, sendo que a qualidade do sono tem maior probabilidade de não ter qualquer alteração em crianças que têm um quarto só para elas (teste Mann‐Whitney, p=0,024).
DiscussãoSegundo a WHO30, na Itália, 36% das crianças com 9 anos são obesas ou têm excesso de peso, enquanto na Grécia, em crianças entre 6‐17 anos, há uma prevalência de obesidade de 19% no sexo feminino e 26% no sexo masculino. Portugal é o sexto país europeu com a maior prevalência de obesidade, sendo que cerca de 3,5% das despesas anuais da saúde em Portugal se destinam a esta doença31. Bingham et al.9 obtiveram resultados de prevalência de 19,7% de excesso de peso e 8,2% de obesidade. Em idades entre 8‐11 anos este estudo apresenta valores de obesidade superiores (19,4%). Os valores de obesidade das crianças do sexo feminino são também superiores aos valores correspondentes dos estudos revistos por Antunes e Moreira8, o que reforça a necessidade de se inverter esta situação.
No estudo realizado por Veiga et al.17 a prevalência de cárie dentária em crianças entre 8‐12 anos foi de 78,8%. Relativamente à investigação aqui relatada, 84,7% da amostra não tem dentes cariados e apenas 40,3% tem dentes obturados. No cruzamento de dados denota‐se que 51,4% das crianças nem tem dentes cariados nem obturados, pelo que estes dados estão fora das metas estabelecidas pela WHO para 2020.
A visão rege 85% da aprendizagem de uma criança e a WHO estima que 7,5 milhões de crianças em idade escolar possam ter uma alteração na visão, mas apenas 25% apresentam sintomas32. Pinto et al.22 mencionaram a existência de problemas oculares em 25,9% da amostra. Lança et al.23 constataram uma prevalência de problemas visuais em 13,8% das crianças, sendo que 23,3% da amostra já utilizava óculos. Quando observada a acuidade visual das crianças vigiadas nos CSP em Viseu, 54,2% das crianças têm alterações na acuidade visual e 29,2% já usam óculos. Apurou‐se igualmente haver uma associação entre a prevalência das alterações na acuidade visual e o sexo das crianças. Os resultados encontrados são superiores aos citados por Pinto et al.22 e Lança et al.23 (especialmente no que toca à prevalência das alterações na visão), o que denota a importância da realização de um estudo oftalmológico mais extenso e sistemático na região de Viseu.
Conhecer o sono das crianças é necessário, para que não se confundam fenómenos fisiológicos com distúrbios da organização do sono33. Blader et al.34 observaram uma prevalência relativamente elevada de problemas de sono em crianças de idade escolar, entre eles, 27% de crianças com resistência à hora de deitar, 11% que acordam durante a noite, 17% tem problemas ao acordar de manhã e 17% apresentam muito cansaço. Outro estudo35 revelou uma prevalência de problemas de sono em crianças em idade escolar em 10,8% da amostra. No estudo de Klein e Gonçalves27 observou‐se que 56,4% das crianças dormia mais de 9 horas por noite e 18,6% das crianças apresentava perturbações do sono. Quando comparados com estes trabalhos, denota‐se que as alterações do sono são ligeiramente mais elevadas neste estudo. Tal pode justificar‐se, por exemplo, pelo fácil acesso a videojogos com jogos estimulantes, pelo tipo de programas televisivos e desenhos animados, ou pelo consumo de bebidas açucaradas com cafeína. Em contraste com Padez et al.28, não se registaram, no estudo aqui apresentado, diferenças estatisticamente significativas na relação entre a distribuição do número de horas de sono e o nível de peso das crianças.
A higiene dentária deve ser realizada pelo menos 2 vezes ao dia, sendo que uma das vezes é obrigatório que seja antes de deitar16. No trabalho realizado por Veiga et al.17 53,9% das crianças escovam os dentes 2 ou mais vezes por dia, 21,9% das crianças referem usar fio dentário e 41,4% das crianças fez uma visita ao dentista nos últimos 12 meses. Os resultados deste estudo são claramente mais positivos relativamente a estes hábitos, apresentando valores de 66,7, 36,1 e 79,2%, respetivamente. De modo análogo ao trabalho de Veiga et al.16, este estudo identificou que a prevalência de cárie está associada às habilitações literárias dos pais; contudo, não foi encontrada uma associação estatisticamente significativa com a idade ou local de residência. No estudo de Costa et al.11, quando analisados os hábitos alimentares das crianças, 95% dos inquiridos referem fazer 3 refeições diárias, sendo que 81% dessas refeições são cozinhadas fora de casa. No estudo aqui relatado, os resultados aparentam ser mais animadores, uma vez que 47,2% das crianças fazem 5 refeições por dia e 31,9% fazem 4 refeições diárias. Relativamente ao tipo de alimentos ingeridos, 94,4% das crianças ingere produtos láteos, 75% fruta e 68,1% sopa e legumes todos os dias, 81,9% ingere gorduras, 58,3% peixe, 55,6% doces e 69,4% bebidas açucaradas entre 1‐3 vezes por semana.
Nos estudos de Hancox et al.36 e Carvalhal et al.12 inferiu‐se uma correlação positiva significativa entre a obesidade infantil e as horas de visionamento televisivo. No estudo de Gentile et al.31 as crianças passam durante a semana em média 4 horas a ver televisão e apenas uma a fazer os trabalhos de casa. Em média, durante a semana, as crianças nesta investigação estão na frente de um ecrã durante 5 horas e 36 minutos e ao fim de semana em média 4 horas e 30 minutos, em que 56,9% da amostra durante a semana, e 66,7% durante o fim‐de‐semana, está entre 30 minutos e 4 horas em frente a um ecrã. Estes valores são superiores aos apresentados por Gentile et al.31. Não se detetaram diferenças significativas entre a distribuição do número de horas em frente a um ecrã e o nível de peso das crianças.
Costa et al.11 denotaram que 89% das crianças estudadas eram sedentárias. Almeida37 refere que a prática de atividade física nas crianças diminui devido a uma importância aumentada, por parte dos pais, com a componente académica da educação e com as dificuldades económicas; também interfere um aumento da preocupação dos pais com lesões que possam acontecer aos seus filhos. Como os pais também acham que todos os locais exteriores são inseguros e não permitem os filhos sair para brincar, as crianças gastam mais tempo a ver televisão ou a jogar jogos de computador38. Almeida37 salienta que os pais não têm noção de qual o tempo adequado que uma criança deve dedicar a atividades físicas e não sabem, ao certo, quanto tempo o seu filho dedica ao exercício físico. A média de horas de exercício físico praticado durante a semana, pelas crianças, é 3 horas e 10 minutos. Observou‐se que 59,7% das crianças praticam modalidades desportivas extraescola e que 90,3% pratica atividades ao ar livre, como caminhadas, andar de bicicleta, entre outras.
ConclusãoOs resultados deste estudo poderão servir de auxílio ao desenvolvimento e implementação de uma intervenção mais efetiva na educação para a saúde, de forma a prevenir e detetar, o mais precocemente possível, os casos em que as crianças estão em risco de desenvolver determinadas alterações, que possam prejudicar a sua saúde, e ajudar os pais a tomarem consciência sobre a importância da prevenção desses mesmos problemas de saúde. Relativamente às implicações para as unidades de saúde, as direções poderão dinamizar e promover formação na área dos comportamentos alimentares, saúde oral, vigilância e avaliação da cavidade oral, na avaliação e manutenção da acuidade visual e padrões de sono e comportamentos associados, para os profissionais que nessas instituições prestam serviços. Terá que haver uma maior consciencialização dos profissionais de saúde de que os hábitos e dinâmicas de vida diárias estão em constante mudança, pelo que não pode haver acomodação no local de trabalho e nos conhecimentos até aí adquiridos. As unidades de saúde poderão permitir, para além do tempo dedicado pelos profissionais às consultas de vigilância, gerir o tempo de trabalho para que se faça uma maior intervenção na comunidade em termos de prevenção, criando equipas específicas de educação para a saúde e promovendo sessões em escolas, juntas de freguesia, associações, entre outros locais. Ao nível da gestão das unidades de saúde, também poderão ser implementados indicadores quantitativos e qualitativos relativos aos fatores interventivos na saúde da criança, com metas definidas e respetivos prazos de consecução, para um incentivo dos profissionais à obtenção dos melhores resultados possíveis. No seu todo, estas medidas preventivas poderão contribuir para uma melhor qualidade de vida da criança e futuro adulto, e para uma redução das despesas de saúde do Estado português com os tratamentos de diversas doenças passíveis de ser prevenidas.
Em termos de educação para a saúde, recomenda‐se um maior incentivo à redução de comportamentos sedentários e promoção de estilos de vida saudáveis e ativos, de forma a prevenir e tratar a obesidade infantil. Algumas das intervenções a sugerir serão: a promoção do exercício físico, a redução do tempo que a criança passa em frente a um ecrã, o aumento de consumo de frutas e legumes, a redução de doces e bebidas açucaradas, e a diminuição das porções alimentares, tanto fora de casa, como em casa. Os conhecimentos e comportamentos corretos e adequados, relativos à higiene oral e prevenção de cárie dentária e problemas de saúde oral, são essenciais para a redução do risco destas doenças. Relativamente à saúde dos olhos, deve haver um grande incentivo ao início dos rastreios visuais, com colaboração direta da criança, o mais precocemente possível e, novamente, insistir na educação para a saúde na redução do número de horas que os pais permitem à criança estar em frente a um ecrã; incentivar à não permissão de jogos violentos e demasiado estimulantes, que poderão intervir com a visão mas também com as alterações no sono, o aumento da ansiedade e perturbações no descanso. Relativamente ao sono, deve ser estimulada a sua correta higiene, incentivando os pais a insistir com a manutenção fixa do horário de dormir da criança, tanto durante a semana como no fim‐de‐semana, promovendo rituais de calma e descontração antes da hora de dormir, mantendo um ambiente calmo junto ao quarto de dormir da criança e, no próprio quarto, evitar ter televisões, videojogos portáteis ou computadores nos locais de descanso da criança.
Relativamente à investigação propriamente dita, há aspetos que podem ser melhorados. Numa futura investigação, e dada a pertinência do tema, pode ser realizado um estudo em amostra probabilística para um melhor significado populacional. O método de colheita de dados poderá passar também por uma entrevista, de modo a ser mais fácil esclarecer as dúvidas dos pais relativamente a algumas perguntas, e para que o investigador chegue mais facilmente aos objetivos a que se propõe. Outra situação que poderia ter interesse científico, era fazer estas avaliações em períodos diferentes às mesmas crianças, ou seja, fazer a avaliação dos parâmetros biométricos e questões sobre hábitos de vida em determinado momento, implementar a educação para a saúde, dando conselhos e estratégias de intervenção para colmatar as alterações que fossem encontradas, encaminhando para consultas de medicina dentária e de oftalmologia para confirmação de diagnóstico, e fazendo uma segunda avaliação, após determinado período de tempo, de forma a concluir se há mudança nos estilos de vida e se essas mudanças intervêm ou não na alteração dos parâmetros biométricos.
O tratamento da obesidade infantil em Portugal, no ano de 2002, custou ao Estado uma quantia de 297 milhões de euros39, pelo que a estratégia de intervenção nesta doença terá que ser bem delineada e posta em ação de forma a reduzir os gastos, para uma melhor economia na saúde. A prevenção dos problemas de saúde oral poderá traduzir‐se em gastos económicos reduzidos e em relevantes ganhos em saúde. No ano de 2007, o Estado português gastou com tratamentos dentários a crianças 3.293.487€15, não estando incluídos nestes gastos o que os pais de muitas crianças, que não adquiriram os cheques‐dentistas, gastaram em consultas de medicina dentária particulares, nem a comparticipação dos subsistemas de saúde, pelo que, este valor, na globalidade, será maior do que o referido. Relativamente aos casos de tratamentos de acuidade visual ou de problemas do sono, não se encontram gastos descritos.
Uma boa gestão de intervenção e implementação de estratégias poderá intervir na diminuição dos custos efetivos da saúde em Portugal, pelo que é necessário «pôr mãos à obra». Dado que as crianças são o futuro da humanidade, são estas em quem deve haver uma grande aposta para um bom estado de saúde e uma qualidade de vida aumentada.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.