A dor lombar é uma condição de saúde comum em idades precoces, desconhecendo‐se, no entanto, o seu impacto a nível funcional. Na ausência de instrumentos adaptados e validados para a população adolescente portuguesa, que permitam avaliar o impacto funcional da dor lombar, desenvolveu‐se um estudo metodológico com o objetivo de realizar a tradução e adaptação da versão modificada do Hanover Functional Ability Questionnaire (MHFAQ) para a língua portuguesa (para uso em Portugal) e estudar as suas propriedades psicométricas.
Após o processo de tradução e retroversão, a versão portuguesa foi testada numa amostra piloto de 40 adolescentes com dor lombar, com o objetivo de analisar a sua consistência interna e estabilidade temporal, através do coeficiente de Cronbach's alpha e do coeficiente de correlação intraclasse (ICC2,1). A análise da validade de construto foi baseada no coeficiente de correlação de Spearman entre MHFAQ‐PT e a escala numérica da dor (END) para validade convergente e entre a MHFAQ‐PT e a dimensão saúde mental do Medical Outcomes Study Short‐Form Health Survey Instrument 12‐Item (SF‐12) para a discriminante, numa amostra de 127 adolescentes. As medidas de consistência interna obtidas, Cronbach's alpha=0,699 e de estabilidade temporal CCI=0,973 (IC: 95%: 0,948‐0,986, p<0,01), indicam que a versão portuguesa do MHFAQ possui bons níveis de fiabilidade. Relativamente à validade de construto, os resultados revelaram uma correlação positiva moderada entre a MHFAQ‐PT e a END (rs=0,591, p<0,01) e uma correlação negativa estatisticamente significativa moderada entre a MHFAQ‐PT e a dimensão saúde mental da SF‐12 (rs=−0,426, p<0,01). Concluiu‐se, assim, através dos resultados obtidos, que a versão traduzida e adaptada para a população adolescente portuguesa com dor lombar encontra‐se validada.
Low back pain is a common symptom in younger populations but the real functional impact of this condition remains underreported. In the absence of culturally adapted and validated instruments to assess the functional impact of low back pain in Portuguese adolescents, a methodological study was developed aiming to translate and culturally adapt the modified version of the Hanover Functional Ability Questionnaire (MHFAQ) to the European Portuguese language and examine its psychometric properties.
The MHFAQ was first translated and back translated following the published guidelines. The Portuguese version of the MHFAQ was then piloted in a Portuguese sample of 40 adolescents with low back pain complaints and assessed for reliability through internal consistency and reproducibility, using Cronbach's alpha and intraclass correlation coefficient (ICC2,1), respectively. Construct validity was assessed using Spearman's correlation analysis between the MHFAQ‐PT and the Numeric Pain Rating Scale (NPRS), for convergent validity, and between the MHFAQ‐PT and the Health Mental dimension of the Medical Outcomes Study Short‐Form Health Survey Instrument 12‐Item (SF‐12), for discriminant validity, in a new sample of 127 adolescents. One week test‐retest reliability was 0.973 (CI: 95%: 0.948‐0.986, p <0.01) and Cronbach's alpha was 0.699, indicating good reliability estimates for the Portuguese version of the MHFAQ. The results showed a moderate positive correlation between MHFAQ‐PT and END (rs=0.591, p<0.01), and a negative correlation between MHFAQ‐PT and Mental Health dimension of the SF‐12 (rs=−0.426, p<0.01). Therefore, the translated and adapted version of MHFAQ is acceptable to assess functional status of Portuguese speaking adolescents with low back pain complaints.
A dor lombar nos adolescentes é uma experiência comum e apontada por diferentes autores como relacionada com a dor na idade adulta1–3. Os fatores de risco para o desenvolvimento da dor lombar em fases precoces da vida são o resultado de múltiplas componentes, não independentes, tendo especial impacto o ambiente onde os jovens se encontram, nomeadamente o ambiente escolar e familiar, riscos intrínsecos aos próprios e fatores relacionados com os seus hábitos e estilo de vida4. No entanto, a forma como se estabelece a interação entre os diferentes fatores, assim como o contributo de cada um para o desenvolvimento da dor, mantêm‐se inconsistentes. Pouco se sabe também sobre o impacto da dor a nível do estado de saúde dos adolescentes e da sua funcionalidade, e é difícil estabelecer a diferença entre a dor enquanto experiência ocasional e passageira e a dor enquanto condição de saúde1,5. Vários autores reportam que a dor tem um forte impacto na vida diária dos adolescentes, embora seja improvável que implique a procura de cuidados de saúde6,7. No entanto, parece ser consensual a importância da avaliação do impacto da dor lombar a nível da capacidade funcional para uma maior compreensão das suas implicações e relevância1,6,8,9. A existência de instrumentos válidos e fidedignos, que permitam avaliar o impacto da dor na funcionalidade dos adolescentes, é uma ferramenta importante para a prática dos profissionais de saúde, permitindo‐lhes avaliar/reavaliar os seus utentes, bem como demonstrar os resultados decorrentes da sua intervenção. Para a avaliação do impacto funcional da dor nos adolescentes têm sido utilizados instrumentos específicos, nomeadamente a versão modificada do Hanover Functional Ability Questionnaire (MHFAQ). Este instrumento foi adaptado e validado para a população adolescente por Watson et al. a partir do Hanover Functional Ability Questionnaire (HFAQ), que foi desenvolvido e validado para a população adulta com dor lombar por Roese et al.10 e que tem sido frequentemente utilizado em diferentes estudos, apresentando boas propriedades psicométricas11. Em 2002, Watson et al. desenvolveram e testaram para a população adolescente uma versão modificada deste instrumento reportando bons níveis de consistência interna (Cronbach's alpha=0,71) e uma correlação satisfatória dos itens vs. item‐total (0,35‐0,47)7. Desde então, este instrumento tem sido utilizado por diversos autores para avaliar a capacidade funcional na população adolescente com dor lombar1,6–8,12.
Trata‐se de um instrumento de autoadministração que incluiu 9 itens sobre atividades diárias com uma resposta dicotómica (sim/não) e com a pontuação total a variar entre 0 (ausência de incapacidade) e 9 (incapacidade severa). O somatório dos itens é categorizado em incapacidade ligeira (0‐1), moderada (2‐3) e elevada (4‐9)1.
Na ausência de instrumentos adaptados e validados para a população adolescente portuguesa que permitam avaliar o impacto funcional da dor lombar, desenvolveu‐se um estudo com o objetivo de realizar a tradução e adaptação do MHFAQ para a língua portuguesa (para uso em Portugal) e estudar a fiabilidade e validade de construto (convergente e discriminante).
Material e métodosO processo de adaptação cultural seguiu as recomendações das normas orientadoras propostas por Beaton et al. 13 e do MAPI Research Institute14 e foi organizado em 3 fases. A primeira fase incluiu o processo de adaptação cultural do instrumento; na segunda fase procedeu‐se ao estudo da fiabilidade da versão portuguesa, através da avaliação da consistência interna e da reprodutibilidade ou estabilidade temporal; e na terceira fase testaram‐se os efeitos de chão e teto e a validade de construto com base em hipóteses previamente definidas, utilizando‐se como instrumentos de referência a escala numérica da dor (END) para validade convergente e a dimensão saúde mental (SM) do Medical Outcomes Study Short‐Form Health Survey Instrument 12‐Item (SF‐12) para a discriminante.
A primeira fase englobou:
Tradução para a língua portuguesa – após a autorização do autor da versão original do instrumento, procedeu‐se à sua tradução por 2 tradutores independentes (T1 e T2), bilingues, com português como língua materna, com competências comprovadas na língua original da escala e com diferentes perfis e conhecimento dos conceitos incluídos no instrumento a traduzir; um com conhecimento dos conceitos clínicos relacionados com o questionário a traduzir e o outro sem conhecimento nem informação acerca dos conceitos em análise.
Versão síntese das traduções as 2 versões da tradução foram posteriormente analisadas e sintetizadas por um painel que incluiu 2 investigadores e 2 tradutores independentes dos 2 primeiros, mas com perfil similar, obtendo‐se assim uma primeira versão de consenso do instrumento traduzido. Este painel trabalhou a partir do questionário original e das versões de T1 e de T2. A partir das 2 traduções produziu‐se uma tradução comum, obtendo‐se a versão síntese 1.
Retroversão – a partir da versão síntese 1, foi realizada a retroversão com recurso a 2 tradutores (R1 e R2) bilingues, que não os tradutores iniciais (T1 e T2), totalmente cegos em relação à versão original e ao processo de tradução e sem conhecimentos na área da dor lombar. De forma idêntica ao processo de tradução, foram obtidas 2 versões independentes que foram analisadas por um painel de 2 investigadores e 2 elementos independentes dos anteriores. A versão resultante foi enviada ao autor original, de forma a obter parecer sobre a equivalência com os itens da versão original. Após esta revisão e avaliação obteve‐se a versão pré‐final da versão portuguesa do MHFAQ.
Estudo piloto do instrumento – o estudo piloto foi realizado com o objetivo de receber informação dos potenciais utilizadores do instrumento (adolescentes com dor lombar e profissionais de saúde da área). O estudo piloto englobou o pré‐teste do instrumento, com recurso a uma amostra de 40 adolescentes com dor lombar de origem não específica e a revisão por 3 peritos da área clínica (condições musculosqueléticas). Aos primeiros foi‐lhes solicitado que avaliassem a clareza, a compreensão, a adequação das palavras utilizadas no instrumento, a sua dimensão e ainda o tempo de preenchimento. Aos segundos foi solicitado que avaliassem a terminologia utilizada no MHFAQ‐PT e a sua adequação conceptual e cultural aos adolescentes portugueses com dor lombar. A todos os participantes no estudo piloto (adolescentes e clínicos) foi entregue um dossier que continha a carta convite aos participantes, com explicação dos objetivos e procedimentos do estudo piloto, o consentimento informado, a versão pré‐final do instrumento em adaptação, um teste de compreensão e um formulário de caracterização sociodemográfica e clínica. Posteriormente ao preenchimento do instrumento e resposta ao teste de compreensão, foi solicitado a 4 adolescentes escolhidos de forma aleatória que participassem numa entrevista conduzida por um elemento externo ao estudo, para explorar aspetos relativos à clareza, compreensão, relevância cultural e adequação das palavras utilizadas no instrumento, questão a questão (cognitive debriefing), de acordo com um formulário tipificado. As respostas dos adolescentes foram submetidas a análise de conteúdo.
A segunda fase deste processo teve como objetivo testar a fiabilidade da versão portuguesa da MHFAQ, tendo sido considerada para este estudo a estimativa da consistência interna e fiabilidade teste‐reteste, uma vez que o instrumento é de autoadministração e, como tal, sem necessidade de recorrer a um avaliador externo. Esta fase foi realizada durante o estudo piloto, tendo sido recrutados aleatoriamente estudantes de 4 turmas do ensino secundário de uma escola secundária do distrito de Setúbal que cumpriam os seguintes critérios de inclusão:
- •
idade igual ou inferior a 18 anos;
- •
nacionalidade portuguesa;
- •
adolescentes que reportassem dor localizada na região lombar no último mês;
- •
ausência de patologia/condição de saúde conhecida associada à dor;
- •
consentimento livre e esclarecido por parte dos próprios e dos responsáveis legais.
Esta fase foi completada uma semana após a primeira recolha, assumindo‐se que neste período não ocorreu qualquer alteração na condição de dor lombar dos adolescentes. Este intervalo de tempo é sugerido na literatura como o mais indicado em estudos metodológicos e tem sido o intervalo utilizado em estudos similares para estimar a fiabilidade teste‐reteste, que se encontra associada à reprodutibilidade do instrumento, traduzindo o grau com que o instrumento fornece resultados estáveis no tempo15. A fiabilidade teste‐reteste foi estimada pelo coeficiente de correlação intraclasse (CCI), modelo 2,1, utilizando as pontuações obtidas no MHFAQ‐PT no primeiro e segundo momentos de avaliação. O CCI é considerado mais adequado para estimar a fiabilidade teste‐reteste, uma vez que os coeficientes de correlação de Pearson ou Spearman não têm em consideração os erros sistemáticos, sendo o CCI o mais comummente utilizado17. O CCI é um coeficiente que varia entre 0 (sem fiabilidade) e 1 (fiabilidade perfeita)16.
A consistência interna foi verificada através do coeficiente de Cronbach's alpha, que estima quão uniformemente os itens contribuem para a soma não ponderada do instrumento, variando numa escala de 0‐1, em que quanto mais elevadas forem as covariâncias (ou correlações entre os itens) maior é a homogeneidade dos itens e maior é a consistência com que medem a mesma dimensão ou construto teórico. Por outro lado, se o valor do coeficiente for baixo (mais próximo do 0) aumenta a probabilidade do instrumento medir mais do que um construto18.
Na terceira fase e para o estudo dos efeitos de chão e teto e da validade da MHFAQ‐PT, foi utilizada uma amostra de 127 adolescentes com dor lombar de origem não específica, recrutados aleatoriamente de 2 escolas do ensino secundário do distrito de Setúbal, que cumpriam os mesmos critérios de inclusão do estudo piloto e cujos responsáveis legais deram o consentimento livre e esclarecido. Considera‐se que os efeitos de chão e teto estão presentes quando os valores pontuados nas extremidades do instrumento são superiores a 15%, sendo provável que os itens extremos do instrumento sejam definidos como inexistentes. Desta forma e como consequência, os utentes que pontuarem os valores extremos do instrumento não podem ser diferenciados, o que resulta numa redução da fiabilidade do instrumento19. Este aspeto reveste‐se de particular importância na prática clínica, uma vez que os utentes que pontuarem nesses valores representam os utentes para os quais as estimativas relativas à incapacidade podem ser inválidas.
Para o estudo da validade convergente, não sendo possível utilizar outro instrumento que avaliasse o impacto funcional da dor lombar nos adolescentes por não existir nenhum disponível em português, optou‐se por usar outros procedimentos que permitem avaliar o impacto da dor lombar de forma indireta, nomeadamente a avaliação da intensidade da dor pela aplicação de uma END. Apesar da END e o MHFAQ não avaliarem o mesmo construto, admite‐se que existem conteúdos partilhados pelos 2 instrumentos e por isso pressupõe‐se uma correlação positiva entre os mesmos20,21. Para além disso, a END tem sido o instrumento utilizado em outros estudos de validação de instrumentos que avaliam o impacto da dor lombar na capacidade funcional22. A END classifica a dor de 0‐10 em que o 0 corresponde à ausência de dor e o 10 à dor máxima alguma vez sentida, sendo solicitado aos utentes que selecionem o número que representa a intensidade da dor. Esta escala é consensualmente utilizada por diversos autores por ser considerada fiável, com bom poder de resposta e com boa capacidade discriminativa23. Assim, no domínio da avaliação da validade de construto e para validade convergente, os autores estabeleceram como hipótese que os resultados de ambos os instrumentos deveriam apresentar uma correlação positiva moderada no coeficiente de correlação de Pearson (0,3≤ r ≥0,5) ou uma correlação positiva moderada no coeficiente de correlação de Spearman (0,5≤ rs ≥0,7), consoante se verificasse a normalidade ou não da distribuição das variáveis através do teste de Kolmogorov‐Smirnov24. No domínio da validade discriminante, foi utilizado o Medical Outcomes Study Short‐Form Health Survey Instrument 12‐Item (SF‐12), por ser um instrumento validado para a população portuguesa e que, supostamente, não avalia o mesmo construto que o MHFAQ, nomeadamente a sua dimensão de SM. Este instrumento desenvolvido por Jonh Ware Jr. (1994), foi validado para a população portuguesa, pelo Centro de Estudo e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra, a partir da versão portuguesa do Medical Outcomes Study Short Form 36 Health Survey Instrument (SF‐36)25. Este questionário permite medir e avaliar o estado de saúde de populações e indivíduos com ou sem doença, monitorizar doentes com múltiplas condições, comparar doentes com condições diversas e comparar o estado de saúde de doentes com o da população em geral. O SF‐12 sumaria a saúde do indivíduo em 2 dimensões: a saúde física (SF) e a SM, a partir da resposta dada a 12 itens. Assim, no domínio da avaliação da validade de construto, a validade discriminante foi testada colocando‐se a hipótese a priori de que existiria uma correlação negativa moderada no coeficiente de correlação de Pearson (−0,3≤ r ≥−0,5) ou uma correlação negativa moderada no coeficiente de correlação de Spearman (−0,5≤ rs ≥−0,7), consoante se verificasse a normalidade ou não da distribuição das variáveis através do teste de Kolmogorov‐Smirnov24, entre a dimensão SM medida pelo questionário de estado de saúde (SF‐12) e a capacidade funcional medida pelo MHFAQ‐PT. Os valores esperados de correlação nas hipóteses em teste resultaram, no caso da validade convergente, de ter sido utilizado um instrumento que não avalia o mesmo construto mas em que se admite a utilização de conteúdos associados e, como tal, pressupõe‐se uma correlação positiva moderada. O mesmo acontece para a validade discriminante, em que foi utilizado um instrumento (SF‐12) que supostamente não avalia o mesmo construto.
Resultados1.a faseNo processo de tradução, as diferenças encontradas entre os tradutores foram mínimas, sendo que as opções realizadas pelo painel refletiram sobretudo a clareza da descrição das atividades referidas tendo em conta a população alvo. Em relação aos diferentes itens que compõem o instrumento, no item 3 ouve uma diferença na tradução de T1 «Estar sentado numa cadeira…» e de T2 «Sentar‐se numa cadeira…». Esta diferença foi resolvida considerando o comentário de T1, que considerou que estar sentado refletia a relação com a permanência no tempo pretendida no item relacionada com a duração de um tempo letivo. Ambos os tradutores afirmaram ter tido dificuldades na tradução do item 7 no que se relaciona com a palavra «armchair», cuja tradução é poltrona ou cadeirão, mas optaram por sofá, por ser a palavra mais usualmente utilizada pelos adolescentes mesmo para se referirem apenas a um sofá de um só lugar.
No processo de retroversão as divergências entre os 2 tradutores foram igualmente mínimas e relacionaram‐se com o enquadramento do verbo na ação. Assim, R2 inicia todas as frases por «To» (ex: To reach…; To carry…; To move…; To bend…; To run…), enquanto R1 utiliza «Reaching…; Carring…; Bending…; Running…». Optou‐se pela tradução de R2 para a língua inglesa, por se considerar que utilizar diretamente o verbo enquadrado na ação seria mais adequada. A versão resultante foi enviada ao autor original que considerou que na generalidade a versão refletia os conteúdos dos itens da versão original.
No estudo piloto foram distribuídos 84 questionários, tendo sido devolvidos 65 pelo facto dos restantes alunos não terem comparecido no dia e hora da passagem dos questionários. Dos 65 adolescentes que preencheram os questionários, apenas 40 cumpriram os critérios de inclusão. Dos 25 excluídos, 16 foram por não apresentarem dor localizada na região lombar, 6 por terem patologia associada e 3 por idade superior a 18 anos.
Dos 40 adolescentes incluídos, 25 (62,5%) eram do sexo feminino e 15 (37,5%) do masculino, com idades entre os 15‐18 anos (média±dp: 16,45±1,084). No que se refere à caracterização da dor lombar, a intensidade da dor autorreportada no último mês na END variou entre 1‐10 (média±dp: 4,75±2,25). Em termos da frequência da dor, 19 (47,5%) participantes referiram ter tido dor entre 2‐3 vezes no último mês e 11 (27,5%) apenas uma vez. A maioria dos participantes, 29 (72,5%), referiu que a dor permaneceu entre 12‐24h e 11 (27,5%) consultaram um médico por causa da dor. A pontuação total MHFAQ‐PT variou entre 2‐9 (média±dp: 3,91±1,87).
Relativamente à avaliação do MHFAQ‐PT pelos adolescentes, todos os participantes responderam à totalidade das questões da versão portuguesa pré‐final do MHFAQ e apenas 3 dos participantes fizeram comentários ao instrumento, referindo que o período de aulas era de 50minutos ou 90minutos, não correspondendo ao período referido na questão 3. Todos os participantes consideraram as instruções claras, não antecipando qualquer dificuldade de resposta e não tiveram qualquer dúvida na compreensão das questões. Adicionalmente, todos referiram não ter tido qualquer dificuldade de leitura, nomeadamente devido ao tamanho/tipo de letra utilizado ou estrutura/formato do questionário, tendo considerado o formato claro e sugestivo. Consideraram a dimensão do questionário adequada e o tempo médio de preenchimento reportado foi de 3 minutos. Foram realizadas apenas 4 entrevistas aos adolescentes individualmente, havendo uma saturação das respostas no final das mesmas. As respostas foram unânimes relativamente à inexistência de dificuldades na compreensão das questões. A interpretação feita por todos os entrevistados foi considerada adequada às questões. A maioria considerou que as questões são relevantes para a sua condição e todos referiram que não teriam escrito qualquer uma das questões de outra forma.
Na revisão por peritos da área participaram um médico, uma fisioterapeuta e uma enfermeira de saúde escolar, todos com mais de 7 anos de experiência profissional específica na área em estudo. A opinião sobre o instrumento foi unânime relativamente à clareza das instruções, não se antecipando qualquer dificuldade na compreensão das mesmas. Os 3 peritos consideraram que as palavras utilizadas eram de fácil compreensão por parte dos adolescentes, não relataram qualquer situação de ambiguidade e consideraram o questionário claro e sugestivo. Assim, e para além de se ter em consideração os tempos letivos praticados nas diferentes escolas, não houve necessidade de introduzir alterações ao instrumento, obtendo‐se a versão final (Apêndice 1).
2.a faseConsiderando a inexistência de alterações no instrumento resultante do seu pré‐teste, procedeu‐se à avaliação da precisão das medidas fornecidas pela versão portuguesa do MHFAQ‐PT através da consistência interna das respostas (Cronbach's alpha), da correlação item‐item e item‐total e pela estabilidade temporal (teste‐reteste).
Consistência internaO valor de Cronbach's alpha do MHFAQ obtido foi de 0,699, sendo este um valor considerado aceitável18. Com o objetivo de complementar a análise da consistência interna, realizou‐se a correlação dos item‐item e a correlação item‐total com a pontuação obtida na aplicação da MHFAQ‐PT. Os valores obtidos da correlação item‐item foram todos positivos e compreendidos entre 0,313‐0,505, o que demonstrou uma correlação moderada entre os 9 itens da escala. A correlação item‐total apresentou valores entre 0,423‐0,592. Verificou‐se ainda que a eliminação de qualquer uma das questões não provocou alterações significativas do Cronbach's alpha, ou seja, a exclusão de qualquer questão não aumentou a consistência interna da escala (tabela 1).
Valores de correlação item‐total da versão modificada do Hanover Functional Ability Questionnaire para a língua Portuguesa ‐ MHFAQ‐PT
Estatísticas de item‐total | ||||
---|---|---|---|---|
Média da escala se o item for excluído | Variância de escala se o item for excluído | Correlação de item total corrigida | Cronbach's alpha se o item for excluído | |
Item 1 | 7,108 | 12,033 | 0,324 | 0,691 |
Item 2 | 6,513 | 11,513 | 0,313 | 0,686 |
Item 3 | 6,418 | 11,621 | 0,324 | 0,686 |
Item 4 | 6,665 | 10,950 | 0,460 | 0,666 |
Item 5 | 7,013 | 11,694 | 0,339 | 0,685 |
Item 6 | 6,962 | 11,132 | 0,505 | 0,666 |
Item 7 | 7,044 | 11,826 | 0,319 | 0,688 |
Item 8 | 6,994 | 11,242 | 0,497 | 0,669 |
Item 9 | 6,386 | 11,372 | 0,446 | 0,674 |
Ao fim de 7 dias, 39 dos 40 adolescentes voltaram a preencher a escala e a reprodutibilidade teste‐reteste estimada pela correlação entre os resultados obtidos pela aplicação do mesmo instrumento em ambos os tempos pelo CCI foi de 0,973 (IC: 95%: 0,948‐0,986, p<0,01), com uma variação entre 0,785‐1 na reprodutibilidade questão a questão.
3.a faseNesta terceira fase foi utilizada uma amostra de 127 adolescentes com dor lombar de origem não específica. Dos 127 adolescentes incluídos, 72 (56,6%) eram do sexo feminino e 55 (43,3%) do masculino, com idades entre 14‐18 anos (média±dp: 16,13± 0,920). No que se refere à caracterização clínica, a intensidade da dor autorreportada na END, no último mês, variou entre 2‐8 (média±dp: 4,5±1,751). Em termos da frequência, 51 (40,2%) dos participantes referiram ter tido dor entre 2‐3 vezes no último mês e 57 (44,9%) apenas uma vez. A maioria dos participantes, 96 (75,6%), referiu que a dor permaneceu entre 12‐24h e 33 (26%) consultaram um profissional de saúde por causa da dor.
No preenchimento do MHFAQ‐PT não houve itens sem resposta. Todas as possíveis pontuações finais foram obtidas (0‐9) e não foram encontrados efeitos de chão ou teto (valores das extremidades da escala superiores a 15%). A pontuação mínima «0» foi obtida em 5 participantes (3,9%) e apenas para um participante foi encontrada a pontuação máxima (0,8%). A maioria dos participantes reportou pontuações entre «2» e «5», sugerindo um impacto funcional da dor na incapacidade funcional dos adolescentes de moderado a elevado (tabela 2). A média da pontuação total (±dp) do MHFAQ‐PT foi de 3,465 (±1,726).
No domínio da avaliação da validade de construto, procedeu‐se à análise da intensidade e direção de associação entre a MHFAQ‐PT e a END. Após a verificação da normalidade na distribuição das variáveis concluiu‐se que a distribuição das 2 variáveis não era normal; assim, recorreu‐se ao coeficiente de correlação de Spearman para determinar a intensidade da relação entre as 2 escalas. Considerando os resultados do teste de correlação de Spearman e a hipótese colocada a priori, que previa uma correlação positiva estatisticamente significativa moderada entre os resultados da END e da MHFAQ‐PT, concluiu‐se da existência dessa mesma correlação, sendo que o valor obtido (rs=0,591, p<0,01) a classifica como moderada (tabela 3). No domínio da validade discriminante, os resultados do teste de correlação de Spearman (tabela 3) e a hipótese colocada a priori que previa uma correlação negativa estatisticamente significativa moderada entre os resultados da dimensão SM, medida pelo questionário de estado de saúde (SF‐12) e a MHFAQ, concluiu‐se a existência dessa mesma correlação, sendo que o valor obtido (rs=−0,426, p<0,01) a classifica como moderada.
Correlação de Spearman para versão modificada do Hanover Functional Ability Questionnaire para a língua Portuguesa (MHFAQ‐PT), Escala Numérica da Dor (END) e Dimensão Saúde Mental do Medical Outcomes Study Short‐Form Health Survey Instrument 12‐Item (SF‐12: DM)
No processo de tradução do MHFAQ, a natureza das diferenças encontradas pelos 2 tradutores independentes permitiu que o painel chegasse a uma versão de consenso do instrumento traduzido. Por outro lado, o autor original do instrumento foi consultado no sentido de avaliar a versão resultante do processo de retroversão, tendo considerado que a versão refletia os conteúdos dos itens da versão original. Após este processo, o estudo piloto, realizado com o objetivo de receber informação dos potenciais utilizadores do instrumento, culminou com uma alteração mínima e factual no instrumento (duração dos tempos letivos). Pelos adolescentes o MHFAQ‐PT foi considerado globalmente claro, de fácil compreensão e com boa adequação na sua dimensão e ainda no tempo necessário para o seu preenchimento. Pelos peritos da área clínica, foi considerado adequada a terminologia utilizada, bem como a sua adequação conceptual e cultural aos adolescentes portugueses com dor lombar.
2.a faseConsiderando a inexistência de alterações no instrumento resultante do seu pré‐teste, procedeu‐se à avaliação da precisão das medidas fornecidas pela versão portuguesa do MHFAQ. As medidas de consistência interna obtidas (Cronbach's alpha=0,699) são consideradas dentro dos valores mínimos aceitáveis18 por diferentes autores e a correlação dos itens da escala com valores compreendidos entre 0,313‐0,505, demonstraram uma correlação moderada entre os 9 itens da escala. Os valores de correlação item‐total demonstraram uma correlação moderada entre os 9 itens da escala MHFAQ‐PT e a sua pontuação final, tendo sido obtidos valores superiores a 0,423, oscilando entre 0,423‐0,592. Estes valores encontram‐se dentro dos valores mínimos aceitáveis, o que significa que os itens da escala se encontram significativamente relacionados. Estes resultados são similares aos do estudo de Watson et al., que consideraram que o instrumento apresentou elevados níveis de consistência interna (Cronbach's alpha=0,71) e uma correlação satisfatória dos itens vs. item‐total (0,35‐0,47)7. Relativamente à estabilidade temporal, os valores obtidos (CCI=0,973) indicam que a versão portuguesa do MHFAQ possui elevados níveis de fiabilidade, o que não é igualmente passível de comparar com o autor original pela indisponibilidade de informações.
3.a faseForam analisados os efeitos de chão e teto, concluindo‐se que estes não se encontravam presentes. Considera‐se que estes estão presentes quando mais de 15% dos participantes pontuam no resultado mínimo ou máximo da escala, respetivamente; se estes estiverem presentes é provável que os itens superiores ou inferiores da escala sejam definidos como inexistentes, o que teria um efeito redutor na fiabilidade do instrumento19, o que não se verificou. Na avaliação da validade de construto, os resultados foram igualmente positivos verificando‐se a existência de uma correlação positiva moderada e significativa com a END (rs=0,591, p<0,01), tal como em estudos similares22, indicando assim que ambos os instrumentos medem conteúdos partilhados mas não o mesmo construto. Por outro lado, verificou‐se uma correlação negativa moderada e significativa com a dimensão SM da SF‐12 (rs=−0,426, p <0,01), o que é indicativo de que os instrumentos medem construtos diferentes. Estes resultados não são passíveis de comparar com o autor original, uma vez que os mesmos não se encontram disponíveis.
ConclusãoA avaliação do impacto funcional da dor lombar nos adolescentes é importante, quer a nível da intervenção clínica quer a nível da investigação. A inexistência de uma escala que quantificasse o impacto da dor lombar nas atividades dos jovens levou‐nos à adaptação e validação do MHFQA.
A versão portuguesa do MHFAQ‐PT revelou boa equivalência empírica, semântica, conceptual e idiomática em relação à versão original. Os resultados obtidos demonstraram igualmente que esta apresenta bons valores de fiabilidade e validade de constructo.
Conclui‐se que a adaptação aqui apresentada do MHFAQ é válida para a população adolescente portuguesa com dor lombar e permite a utilização deste instrumento com confiança.
Fontes de financiamentoNão existiriam fontes de financiamento externas para a realização deste artigo.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.
Às escolas, estudantes, pais, aos participantes nas diferentes fases e ao autor original da escala.
As dores ou desconforto na coluna lombar dificultam alguma das tuas atividades do dia‐a‐dia? (Por favor seleciona uma opção para cada questão) | Sim | Não |
---|---|---|
1. Alcançar um livro numa prateleira mais alta? | ||
2. Carregar a mala ou mochila para a escola? | ||
3. Estar sentado numa cadeira durante uma aula de 90 minutos? | ||
4. Ficar de pé numa fila durante 10 minutos? | ||
5. Passar da posição de deitado para sentado na cama? | ||
6. Dobrar‐me para calçar as meias? | ||
7. Levantar‐me do sofá em casa? | ||
8. Correr depressa para apanhar o autocarro? | ||
9. Atividades desportivas na escola? | ||
Total(Apenas para uso do investigador) | □ |