Com o objetivo de explorar as características psicométricas da Posttraumatic Stress Disorder Checklist–Civilian Version (PCL-C) realizou-se um estudo com profissionais de ajuda e segurança.
Material e métodosNo estudo transversal participaram 1215 bombeiros e polícias que responderam à PCL-C em formato papel.
ResultadosOs resultados evidenciam a mesma estrutura fatorial e boas características psicométricas em termos de cluster de diagnóstico e indicador de severidade.
ConclusõesA PCL-C na sua versão portuguesa revela qualidades psicométricas que mostram a sua adequação para utilização em pesquisas futuras.
In order to explore the psychometric characteristics of Posttraumatic Stress Disorder Checklist – Civilian Version (PCL–C) a study was conducted with professional help and safety.
Material and methodsThis study had the participation of 1215 firefighters and police who responded the PCL-C on paper.
ResultsThe results show the same factor structure as well as good psychometric characteristics in terms of diagnosis clusters and severity indicator.
ConclusionsThe Portuguese version of PCL-C reveals good psychometric qualities that seem to be appropriate for use in future research.
Quando alguém passa por uma experiência como um acidente, agressão, assalto, ameaça, sequestro ou violação, é expectável que durante alguns dias, semanas ou meses, sinta níveis elevados de ansiedade. A vivência deste tipo de eventos implica um período de readaptação à rotina diária, que é variável em cada pessoa. O desejável é que mais cedo ou mais tarde haja recuperação da estabilidade emocional, no entanto se isso não acontecer é possível que a pessoa venha a sofrer de perturbação pós-stress traumático (PPST ou PTSD - Post Traumatic Stress Disorder1). Mas não são só as vítimas diretas destes eventos que podem sofrer desta perturbação. Uma pessoa que assista a eventos potencialmente traumáticos, situações que são avaliadas como constituindo uma ameaça para a vida ou como causadoras de lesões graves, também pode sentir dificuldades em libertar-se da ansiedade e sintomatologia associados àquilo que testemunhou.
Apesar da perturbação pós-stress traumático ser reconhecida como uma categoria de diagnóstico na classificação oficial de perturbações psiquiátricas apenas desde 19801,2 os seus sintomas têm vindo a ser documentados há vários séculos, e de inúmeras formas, como resposta a eventos potencialmente traumáticos3–5. Portanto, a ideia de que as experiências perturbadoras podem afetar as emoções dos indivíduos e causar doenças mentais é conhecida há séculos. Porém, a inclusão da PPST no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais6 foi extremamente importante, já que permitiu unificar a investigação e as diferentes conceptualizações teóricas existentes7, o que possibilitou desenvolver uma série de evidências em relação à natureza das reações ao stress traumático, à comorbilidade e ao tratamento desta perturbação. A evolução do conceito da PPST foi sofrendo algumas alterações através dos casos que se foram estudando e validando2,3, havendo sempre uma articulação entre os mecanismos fisiológicos/orgânicos e psicológicos.
De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-IV-TR)6, a PPST tem como característica o desenvolvimento de sintomas específicos a seguir à exposição a um stressor traumático externo, implicando uma experiência pessoal direta, observação ou conhecimento de um acontecimento como a morte, ameaça ou ferimentos, envolvendo uma resposta de medo intenso, incapacidade de obter ajuda ou horror. Os sintomas resultantes da exposição ao trauma extremo incluem o reexperienciar persistente do acontecimento, evitamento persistente dos estímulos associados com o trauma e embotamento geral da reatividade, e sintomas persistentes de aumento de ativação. A duração dos sintomas é um aspeto bastante importante para que não se confunda com outras perturbações, como é o caso da perturbação aguda de stress em que os sintomas duram apenas 4 semanas após o evento desencadeador. Se os sintomas se prolongarem para mais do que um mês provavelmente está a desenvolver-se PPST.
A avaliação dos acontecimentos potencialmente traumáticos é um processo difícil e complexo8. Dependendo do propósito da avaliação existe uma variabilidade de instrumentos que podem ser utilizados para determinar a exposição a acontecimentos potencialmente traumáticos1,9. Desde escalas que questionam sobre a exposição a todos os tipos de acontecimentos catastróficos a escalas de exposição específica que se focam em tipos específicos de acontecimentos, como por exemplo, violência doméstica, exposição ao combate e violação10. Inúmeras entrevistas e questionários também têm sido desenvolvidos e validados para avaliar e diagnosticar a PPST8, alguns dos quais são utilizados especialmente em contexto clínico, enquanto outros são usados sobretudo no âmbito da investigação10. A maioria das medidas tem por base os critérios de diagnóstico do DSM-IV-TR6 e consistem em avaliar os 17 sintomas de PPST descritos nos critérios B (reexperienciar), C (evitamento) e D (hiper-ativação), permitindo aceder à severidade dos sintomas, bem como aos clusters de critérios.
A Posttraumatic Stress Disorder Checklist – Civilian Version (PCL-C) desenvolvida por Weathers e colaboradores em 199311, é um exemplo de uma escala com o objetivo de avaliar a experiência/vivência a um acontecimento potencialmente traumático e diagnosticar a PPST. A PCL-C já foi utilizada em diversos contextos, nomeadamente com veteranos de guerra, vítimas de assédio sexual, vítimas de acidentes de viação e de acidentes de trabalho, bombeiros, polícias, idosos, e mães de vítimas de cancro. Esta escala tem revelado boas qualidades psicométricas11–19, nomeadamente ao nível da consistência interna global dos 17 sintomas (a=0,96 a 0,97) e dos vários clusters de sintomas (Critério B a=0,90 a 0,93; Critério C a=0,89 a 0,92; Critério D a=0,91 e 0,92), à validade convergente (correlação entre a PCL-C e outras medidas de PPST varia entre 0,77 e 0,93) e ao teste-reteste (a=0,96). Ao longo dos anos têm vindo a ser feitas diversas análises fatoriais confirmatórias da escala que se têm apresentado consistentes12,20–23.
Em Portugal, verifica-se lacunas ao nível de instrumentos para avaliar os sintomas e diagnosticar a PPST, razão que justificou a tradução, adaptação e análise das características psicométricas da versão portuguesa da escala PCL-C.
MétodoMaterialA PTSD Checklist – Versão civis (PCL-C11) é uma medida de auto-preenchimento que consiste em 17 questões que correspondem aos 17 sintomas da Perturbação Pós-Stress Traumático (PPST) descritos nos critérios B (reexperienciar), C (evitamento) e D (hiper-ativação) do DSM-VI-TR. As respostas são dadas numa escala de Likert de 5 pontos, em que 1 é «Nada» e 5 é «Extremamente». Scores iguais a 3 ou superiores indicam a presença de sintomas da PPST. A tradução e adaptação da escala para português24 foram baseadas no método de tradução-retroversão, com autorização do autor da escala original. Para avaliar o critério A, de acordo com o DSM-VI-TR, foi ainda utilizada uma questão adaptada do Traumatic Events Questionnaire (TEQ25), «Em que medida é que esse acontecimento foi traumático para si?», a resposta era dada numa escala de Likert de 7 pontos, em que 1 é «Nada» e 7 é «Extremamente».
ParticipantesA amostra foi constituída por 1215 profissionais de ajuda e segurança (830 bombeiros e 385 polícias) de Corpos de Bombeiros Voluntários e Forças de Segurança, a nível nacional. A maioria dos profissionais era do sexo masculino (bombeiros: sexo masculino 81% e feminino 19%; Polícias: sexo masculino 93% e feminino 7%). A média de idades foi de 31,96 anos (desvio padrão = 8,49) e a média do número de anos de serviço foi de 11,08 anos (desvio-padrão = 8,02), não se verificando diferenças significativas entre os 2 grupos de profissionais, quer na idade (t =−1,248; p = 0,212) quer no número de anos de serviço (t = −,037; p = 0,970).
Caracteristicas psicométricasSensibilidadeA sensibilidade dos itens da escala foi avaliada através dos coeficientes de assimetria e curtose. A tabela 1 apresenta os valores do mínimo, máximo, média, desvio padrão, assimetria e curtose para os 17 itens da PCL-C. Nenhum dos itens apresenta valores absolutos de assimetria superiores a 3 ou de curtose superiores a 5 que comprometam a sensibilidade dos itens da escala.
Mínimo, máximo, média, desvio padrão (DP), assimetria (Sk), curtose (Ku) para os 17 itens da PCL-C versão portuguesa (n = 1215)
Mín. | Máx. | Média | DP | Sk | Ku | |
Item 1 | 1 | 5 | 2,29 | 1,050 | 0,715 | 0,017 |
Item 2 | 1 | 5 | 1,62 | 0,933 | 1,738 | 2,470 |
Item 3 | 1 | 5 | 1,81 | 1,087 | 1,199 | 0,454 |
Item 4 | 1 | 5 | 2,00 | 1,107 | 1,008 | 0,180 |
Item 5 | 1 | 5 | 1,66 | 1,031 | 1,640 | 1,897 |
Item 6 | 1 | 5 | 1,90 | 1,174 | 1,212 | 0,466 |
Item 7 | 1 | 5 | 1,62 | 1,038 | 1,707 | 2,036 |
Item 8 | 1 | 5 | 1,61 | 0,969 | 1,564 | 1,662 |
Item 9 | 1 | 5 | 1,40 | 0,853 | 2,296 | 4,655 |
Item 10 | 1 | 5 | 1,44 | 0,843 | 2,216 | 4,766 |
Item 11 | 1 | 5 | 1,41 | 0,813 | 2,231 | 4,697 |
Item 12 | 1 | 5 | 1,46 | 0,907 | 2,116 | 3,852 |
Item 13 | 1 | 5 | 1,52 | 0,915 | 1,911 | 3,207 |
Item 14 | 1 | 5 | 1,57 | 0,937 | 1,797 | 2,709 |
Item 15 | 1 | 5 | 1,62 | 0,961 | 1,693 | 2,340 |
Item 16 | 1 | 5 | 1,86 | 1,111 | 1,203 | 0,553 |
Item 17 | 1 | 5 | 1,67 | 1,002 | 1,534 | 1,698 |
A análise fatorial confirmatória da estrutura tri-fatorial do modelo de medida PCL-C foi efetuada com o software AMOS 19 (SPSS Inc, Chicago, IL). Para avaliar a qualidade do ajustamento do modelo usou-se as estatísticas X2/df, CFI, GFI, PCFI, PGFI, RMSEA e a p(rmsea ≤ 0,05). Assim, considerou-se que o ajustamento do modelo aos dados era bom para valores de X2/df entre 1 e 2, CFI e GFI superiores a 0,9, PCFI e PGFI superiores a 0,6, RMSEA inferiores a 0,05 com uma probabilidade p (rmsea ≤ 0,05)26. Apenas se correlacionaram os erros quando o índice de modificação era superior a 11 (p < 0,001). O modelo encontrado confirma uma estrutura tri-fatorial, com os itens relativos a cada um dos clusters colocados em 3 fatores que se encontram correlacionados entre si (tabela 2). Apesar da estatística do X2/df ser elevada, todos os outros valores se encontram aceitáveis, levando-nos a considerar que a análise fatorial confirmatória da estrutura tri-fatorial da PCL-C indicou que o modelo original apresenta um bom ajustamento à nossa amostra em estudo (X2/df = 6,442; CFI = 0,958; PCFI = 0,690; GFI = 0,943; PGFI = 0,604; RMSEA = 0,06; p(rmsea ≤ 0,05) < 0,001).
Análise fatorial confirmatória, consistência interna e correlações entre os fatores da escala PCL-C (n = 1215)
Critério B | Critério C | Critério D | |
Item 1 | 0,58 | ||
Item 2 | 0,67 | ||
Item 3 | 0,78 | ||
Item 4 | 0,78 | ||
Item 5 | 0,78 | ||
Item 6 | 0,69 | ||
Item 7 | 0,70 | ||
Item 8 | 0,61 | ||
Item 9 | 0,65 | ||
Item 10 | 0,67 | ||
Item 11 | 0,66 | ||
Item 12 | 0,70 | ||
Item 13 | 0,73 | ||
Item 14 | 0,77 | ||
Item 15 | 0,82 | ||
Item 16 | 0,68 | ||
Item 17 | 0,83 |
α de Cronbach | 0,86 | 0,87 | 0,88 |
Correlações | |||
Critério B | |||
Critério C | 0,72* | ||
Critério D | 0,66* | 0,76* |
*p < 0,000.
A fiabilidade dos fatores e da escala total foi avaliada pela medida de consistência interna do alfa de Cronbach. Foi encontrado um alfa total de 0,94 para a PCL-C e de 0,86, 0,87 e 0,88 para os critérios B, C e D, respetivamente (tabela 2).
CotaçãoSegundo os autores originais11, a PCL-C pode ser cotada de 3 formas: (1) Medida contínua da severidade dos sintomas de PPST: cotação obtida através do somatório das respostas dos 17 itens, obtendo-se um score total que varia entre 17 e 85; (2) Calculo dos scores dos 3 clusters de sintomas de PPST: cotação obtida através da média aritmética de cada cluster, do item 1 ao 5 para o critério B (reexperienciar), 6-12 para o critério C (evitamento) e 13-17 para o critério D (hiper-ativação); (3) Presença de diagnóstico de PPST: cotação obtida através da inclusão de apenas os itens com score de 3 ou superior (considerados como um sintoma de PPST) e depois seguir as regras de diagnóstico do DSM-IV-TR, ou seja, pelo menos um sintoma do critério B (reexperienciar), pelo menos 3 sintomas do critério C (evitamento) e pelo menos 2 sintomas do critério D (hiper-ativação). Na tabela 3 são apresentados os resultados das 3 formas de cotação na amostra total em estudo.
Formas de cotação da escala PCL-C para a escala total e análise das diferenças entre os 2 grupos de profissionais
Diferenças entre os profissionais | t | p | ||||
Amostra total(n = 1215) | Bombeiros(n = 830, 68%) | Polícias(n = 385, 32%) | ||||
Variação | M (DP) | M (DP) | M (DP) | |||
Severidade de Sintomas | 17-85 | 28,47 (11,95) | 26,76 (10,95) | 32,16 (13,13) | −7,50 | 0,000* |
Critério A (avaliação) | 1-7 | 4,78 (1,85) | 4,96 (1,81) | 4,20 (1,86) | 4,71 | 0,000* |
Critério B (reexperienciar) | 1-5 | 1,88 (0,84) | 1,78 (0,81) | 2,08 (0,85) | 5,86 | 0,000* |
Critério C (evitamento) | 1-5 | 1,55 (0,72) | 1,43 (0,62) | 1,80 (0,83) | 8,59 | 0,000* |
Critério D (hiper-ativação) | 1-5 | 1,64 (0,82) | 1,56 (0,75) | 1,83 (0,92) | 5,38 | 0,000* |
Freq. (%) | Freq. (%) | Freq. (%) | t | p | ||
Com diagnóstico de PPST | 102 (8,4%) | 66 (8%) | 36 (9,4%) | −0,82 | n.s. |
*p < 0,000; DP: desvio padrão; M: média; n.s.: não significativo.
Os resultados indicam que os polícias apresentam um nível médio de severidade de sintomatologia de PPST significativamente superior aos bombeiros, bem como no que se refere aos sintomas descritos nos 3 critérios de diagnóstico (B, C, D). No entanto são os bombeiros que fazem uma avaliação do acontecimento como mais traumático (critério A). Relativamente ao diagnóstico da PPST não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre os 2 grupos (tabela 3).
DiscussãoO objetivo deste estudo consistiu no explorar das características psicométricas da versão portuguesa24 da Posttraumatic Stress Disorder Checklist – Civilian Version (PCL-C)11. Os resultados obtidos permitiram verificar que a versão portuguesa da PCL-C apresenta características psicométricas bastante satisfatórias, quer em termos da confirmação da sua estrutura fatorial original, quer relativamente aos bons índices de consistência interna total e dos clusters de diagnóstico. Tendo em conta as suas características de cotação, este instrumento parece-nos muito útil para avaliar a severidade dos sintomas da perturbação pós-stress traumático, avaliar os diferentes clusters de sintomas, e verificar a presença (ou não) do diagnóstico da PPST, de acordo com os critérios do DSM-VI-TR.
Os dados obtidos neste estudo permitem afirmar que o instrumento revelou ser sensível, válido e fiável para a avaliação da perturbação pós-stress traumático e que pode ter utilização futura em Portugal. Recomenda-se a continuidade da aplicação da escala com outras amostras, nomeadamente com vítimas primárias e secundárias, e de preferência em estudos longitudinais de forma a confirmar as características psicométricas.
Relativamente à análise comparativa entre os 2 grupos de profissionais, sugere-se aprofundamento do resultado paradoxal encontrado, na medida em que a literatura refere que quanto mais elevada é a avaliação do acontecimento como traumático, maior a presença de sintomas da PPST1. Os nossos resultados contrariam esta premissa, no entanto não verificamos diferenças significativas relativamente à presença do diagnóstico da PPST, o que levanta a hipótese de haver fatores moderadores e protetores desta relação que não foram avaliados, como o coping, o apoio dos pares, e a formação.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.