A tromboflebite da veia superficial do pénis é uma doença rara, relativamente desconhecida e que pode originar níveis de stress importantes. Foi inicialmente descrita em 1939 por Mondor como tromboflebite das veias superficiais torácicas e, anos mais tarde, Helm e Hodge descreveram a afeção peniana de forma isolada.
Caso clínicoApresentamos o caso de um paciente de 64 anos, com o diagnóstico de tumor vesical estádio IV em quimioterapia, a quem durante o internamento no serviço de Oncologia foi solicitada avaliação urológica por possível orquiepididimite. Após uma minuciosa exploração física, palpámos um cordão fibroso na localização teórica da veia superficial dorsal do pénis, não doloroso e sem sintomatologia associada.
DiscussãoTrata‐se de uma doença de evolução benigna, relativamente rara e com um diagnóstico simples. Consiste numa induração na face dorsal do pénis, dolorosa ou não, ocasionalmente com sintomatologia inflamatória.
ConclusõesRealçamos a baixa incidência desta doença, que não exime a necessidade de conhecer as suas características em profundidade. Consideramos que a eco‐Doppler é a prova idónea para realizar um adequado diagnóstico diferencial. Em primeiro lugar, limitar a atividade sexual e optar por um tratamento conservador, com anti‐inflamatórios não esteroides, heparina de baixo peso molecular e reservar a opção cirúrgica para casos que não respondem à terapia habitual.
Thrombosis or thrombophlebitis of the superficial dorsal vein of the penis (TSDVP) is an uncommon condition which may be associated with important psychological distress, both to the patient as well as his relatives. It was first described by Mondor in 1939 as thrombosis of the superficial thoracic veins, and years later, Helm and Hodge described it as an isolated penile vein thrombosis.
Case reportA 64 year‐old man going through chemotherapy in our Hospital due to a stage IV bladder tumour was assessed for possible orchiepididymitis. After a thorough physical examination we found a dorsal cord‐like structure on the penis, without associated pain or swelling. We reviewed the physiopathology of the condition and its treatment.
DiscussionPenile Mondor's disease is a rare yet benign clinical entity with a fairly simple diagnosis. Patients feel the superficial vein of the penis like a hard rope and may complain of pain and local swelling. The appropriate treatment should be as conservative as possible, leaving the surgical option as a last resource.
ConclusionTSDVP is a rare condition, nevertheless Urologists should know its main features in order to achieve correct diagnosis and treatment. We think Doppler ultrasonography is an important diagnostic tool, especially if in doubt. Sexual activity should be restricted and anti ‐ inflammatory and anti ‐ coagulant drugs prescribed. The surgical resection of the thrombosed vain may be an option in refractory cases.
A doença de Mondor peniana, também conhecida como tromboflebite da veia dorsal superficial do pénis (TVDSP), é uma entidade rara, de evolução benigna, que pode produzir importante stress psicológico ao paciente1.
Historicamente, a tromboflebite superficial dos vasos toracoepigástricos foi inicialmente descrita por Mondor em 19392. Mais tarde, Braun‐ Falco descreveu a afeção peniana no contexto desta doença e em 1958 Holm e Hedge apresentam, pela primeira vez, um caso de afeção isolada da veia dorsal superficial do pénis3.
A TVDSP é uma afeção rara mas de evolução benigna. O seu diagnóstico é realizado num contexto clínico, como induração palpável na face dorsal do pénis, associado ou não a sintomatologia dolorosa.
A etiologia desta condição não é de todo clara, sendo várias as hipóteses postuladas: atividade sexual intensa ou traumatismos repetidos na zona peniana, abstinência sexual prolongada e estados pró‐trombóticos. Foi ainda descrita como manifestação de um adenocarcinoma pancreático em provável contexto de síndrome paraneoplásico, tumores pélvicos4,5 e como afeção idiopática.
A patogénese pode ser resumida pela tríade de Virchow: lesão da parede do vaso, alterações do fluxo sanguíneo e alteração dos constituintes do sangue6–8.
A análise laboratorial sanguínea não traz qualquer vantagem para o diagnóstico, embora, em casos idiopáticos, poderia ser interessante o estudo dos níveis de proteína S, já que a sua deficiência condiciona um estado pró‐trombótico.
Caso clínicoApresentamos o caso de um homem de 64 anos que, durante o internamento no serviço de oncologia do nosso centro hospitalar, apresenta provável episódio de epididimite, motivo pelo qual nos consultam. Como antecedentes destaca carcinoma urotelial infiltrante, vertente micropapilar com metástases à distância, em tratamento com quimioterapia, à qual associa hidronefrose bilateral de carácter obstrutivo.
À anamnese o paciente nega traumatismo peniano prévio, uso de elementos constritores ou antecedente de infeções venéreas. Nega, igualmente, dor ou febre associada. Refere sintomas de trato urinário inferior de predomínio irritativo. Ao exame objetivo ressalta hábito asténico, com massa suprapúbica palpável, aderente a planos profundos mas não dolorosa. Palpamos em zona dorsal do pénis uma induração tipo corda e nodular que se estende até ao sulco coronal, sem inflamação ou edema cutâneo9,10. É importante também a inspeção cuidadosa do prepúcio, glande e meato uretral, para descartar causas infeciosas, tumorais ou cálculos. O toque retal foi difícil, por hipertonia esfincteriana e induração perineal importante.
Analiticamente, destacamos creatinina no sangue de 2,59mg/dl, em provável relação com hidronefrose bilateral obstrutiva já conhecida, hipoproteinemia e hipocaliemia de 2,61mmol/l, sendo que os restantes parâmetros se encontravam dentro dos limites da normalidade. Na análise de urina, verificou‐se leucocituria com nitritos negativos.
Perante a suspeita de doença de Mondor peniana, solicitámos eco‐Doppler, que mostrou sinais de espessamento de paredes da veia superficial dorsal do pénis, especialmente na sua porção distal com ausência de fluxo venoso.
O paciente encontrava‐se em tratamento com heparina de baixo peso molecular em dose máxima, pelo que decidimos manter terapia e desaconselhámos a utilização de anti‐inflamatórios não esteroides devido a deterioração importante da função renal.
DiscussãoO diagnóstico da TVDSP está alicerçado na história clínica e exame físico. O eco‐Doppler é útil, principalmente nos casos em que o diagnóstico não é por si só evidente, na medida em que pode revelar uma veia não compressível ou ausência de fluxo no interior da mesma (figs. 1 e 2). A trombose pode ocorrer na proximidade do sulco coronal, ao nível da base peniana ou pode estar presente ao longo de todo o pénis11. Na nossa opinião e de acordo com outras publicações, outro tipo de provas complementares mais agressivas, como biopsia da zona, não são necessárias. Provas de imagiologia adicionais podem ser adequadas no caso de recorrência, ou se pretendemos descartar tumoração pélvica.
No caso que apresentamos, considerando a anatomia local venosa, postulamos que o efeito de massa de uma lesão vesical poderia promover a estase sanguínea por alteração do retorno venoso que, conjuntamente com um estado pró‐trombótico da patologia tumoral, explicaria a génese da doença.
O diagnóstico diferencial inclui a doença de Peyronie e a linfangite esclerosante do pénis. Atualmente, a Peyronie é cada vez mais prevalente, também associada a dor e enduração no pénis. Porém, tem um caráter evolutivo que causa deformidades penianas (curvatura, afinamento, redução do tamanho peniano e disfunção erétil). Estes pacientes chegam ao consultório com significativo stress psicológico. É de extrema importância tranquilizá‐los, esclarecer a diferença no diagnóstico e a não evolução para a deformidade peniana, nem disfunção erétil, na doença de Mondor12. A linfangite esclerosante diferencia‐se da TVDSP por apresentar estruturas vasculares venosas permeáveis, sendo que as alterações inflamatórias são evidentes a nível linfático13.
A evolução da doença de Mondor inclui distintas fases; a aguda aparece nas primeiras horas, associada a sinais inflamatórios significativos com dor; a forma subaguda manifesta‐se pela induração do vaso acompanhada ou não por dor, sendo que esta última pode evoluir para a cronicidade14,15. A recanalização espontânea do vaso ocorre geralmente dentro de 6‐8 semanas, com resolução completa do quadro. Uma induração subcutânea rígida pode permanecer durante um ano.
Os anti‐inflamatórios não esteroides podem ser utilizados como terapia sintomática, mas não têm efeito na resolução do quadro. O uso de terapia antitrombótica e anticoagulante, na maioria das publicações, parece ser a opção que melhor resultado tem dado. Em casos refratários a tratamento conservador, a ressecção venosa pode ser eficaz para a redução da dor e em resultados cosméticos. Sem dúvida, a abstenção sexual durante o tratamento é importante ao eliminar o fator traumático sobre o vaso.
No caso do paciente que apresentamos, a ausência de dor ou edema associado no momento da exploração faz‐nos pensar numa evolução crónica da patologia. Da mesma forma que nos casos de traumatismo peniano, a abstenção sexual é chave para eliminar o fator desencadeante. No nosso paciente, diagnosticado com tumor vesical estádio IV, a cistectomia ou ressecção transuretral não estão indicadas, pelo que não podemos eliminar uns dos fatores que postulamos como causa. Desta forma, ao estar assintomático, não causar preocupações estéticas ou de índole sexual, decidimo‐nos por uma atitude terapêutica expectante, mantendo as indicações de oncologia no que diz respeito à anticoagulação que já realizava.
ConclusõesA doença de Mondor peniana é uma situação clínica rara, de evolução benigna, que todos os urologistas deveriam conhecer em profundidade. O eco‐Doppler não substitui a importância de uma correta anamnese, mas revela‐se um exame importante como meio auxiliar de diagnóstico.
Na nossa opinião, explicar de forma clara as características benignas da doença ao paciente, a abstinência sexual e o tratamento anticoagulante, são os pilares fundamentais do tratamento, a não ser que se trate de uma afeção muito sintomática ou persista no tempo. Nesse caso, a utilização de agentes anti‐inflamatórios pode mitigar o desconforto do paciente, relegando, como última opção terapêutica, a abordagem cirúrgica.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflito de interessesOs autores declaram não haver conflito de interesses.