O falso aneurisma extrarrenal é uma complicação rara do transplante renal, cujo tratamento implica a remoção do enxerto na maioria dos casos descritos. Os autores apresentam o caso de uma doente do sexo feminino de 49 anos submetida a transplante renal de dador cadáver com anastomose na artéria ilíaca primitiva direita. Na sequência da investigação de quadro de claudicação proximal do membro inferior direito aos 5 meses pós‐transplante objetivou‐se a presença de um falso aneurisma da anastomose arterial com oclusão distal da artéria ilíaca externa. Submetida a ressecção do falso aneurisma e bypass ilíaca primitiva‐artéria renal com veia grande safena, tendo sido isolada Candida albicans na peça operatória e iniciada terapêutica antifúngica de longa duração. No follow‐up ecográfico foi detetado novo falso aneurisma da anastomose enxerto venoso‐artéria renal, de crescimento progressivo até um diâmetro de 24mm. Efetuada exclusão endovascular do falso aneurisma com stent coberto Viabahn (W.L. Gore and Ass. Inc., Flagstaff, AZ, EUA), com bom resultado angiográfico e preservação da função do enxerto. O caso descrito ilustra como a utilização de diferentes soluções no armamentário do cirurgião vascular permite o tratamento bem‐sucedido de complicações do transplante renal, preservando a função do enxerto e contribuindo para o aumento da sua sobrevida.
Extrarenal pseudoaneurysms are a rare complication of kidney transplantation, but result in graft loss in a majority of cases. The authors present the case of a 49 year old female patient who received a deceased‐donor kidney graft with arterial anastomosis to the right common iliac artery. Investigation for intermittent claudication of the right thigh at 5 months post‐transplant revealed an anastomotic pseudoaneurysm with distal occlusion of the external iliac artery. Treatment consisted of aneurysm resection and common iliac‐to‐renal artery bypass with great saphenous vein. The surgical specimen was positive for Candida albicans and the patient started on long‐term antifungal therapy. Routine Doppler ultrasound follow‐up revealed a new anastomotic pseudoaneurysm of the vein graft, with progressive enlargement to a diameter of 24mm. The patient underwent endovascular exclusion of the pseudoaneurysm with a Viabahn® peripheral endograft (W.L. Gore and Ass. Inc., Flagstaff, AZ, USA), with good angiographic result and preservation of graft function. The described case illustrates how the use of different solutions in the vascular surgeon's armamentarium allows the successful treatment of kidney transplant complications while preserving graft function and contributing to a longer graft survival.
As complicações vasculares são o segundo tipo mais frequente de complicação do transplante renal a seguir às complicações urológicas. Dentro destas, os falsos aneurismas representam menos de 1% dos casos1–3 e constituem geralmente complicações da nefrectomia do enxerto ou da anastomose arterial. Embora na sua génese possam estar fatores técnicos, a suscetibilidade à infeção local e fenómenos de rejeição constituem particularidades desta população de doentes que contribuem para a falência anastomótica. A abordagem terapêutica desta patologia é variável consoante a situação clínica e a experiência do cirurgião, tendo sido descritas variadas soluções cirúrgicas e endovasculares. Porém, na grande maioria dos casos relatados, o tratamento desta complicação implicou a remoção do enxerto.
Os autores apresentam um caso de falso aneurisma anastomótico de artéria renal de transplante tratado por cirurgia convencional e por via endovascular com preservação do enxerto renal.
Caso clínicoDoente do sexo feminino, de 49 anos, insuficiente renal crónica por nefropatia hereditária com entrada em hemodiálise em 1993. Recetora de transplante renal de dador cadáver em 1999, tendo reiniciado hemodiálise em 2008 por falência do enxerto no contexto de rejeição crónica. Submetida a novo transplante renal de dador cadáver na fossa ilíaca direita em 2013, com anastomoses aos vasos ilíacos primitivos.
Sem intercorrências até aos 5 meses pós‐transplante, altura em que desenvolve quadro de claudicação intermitente de predomínio proximal no membro inferior direito. Na investigação do quadro por angio‐tomografia foi detetado falso aneurisma da anastomose arterial com oclusão distal da artéria ilíaca externa (fig. 1). Efetuada ressecção do falso aneurisma e revascularização do enxerto através de bypass ilíaca primitiva – artéria renal com veia grande safena a nível do hilo renal (fig. 2). Na peça de ressecção foi isolada Candida albicans (C. albicans) tendo sido iniciada terapêutica antifúngica de longa duração com fluconazol.
No controlo ecográfico realizado ao 1.° mês de pós‐operatório foi identificado novo falso aneurisma da artéria renal do enxerto, cujo estudo angiográfico revelou localizar‐se na anastomose enxerto venoso‐artéria renal (figs. 3 e 4). Permaneceu em vigilância por ecoDoppler, tendo‐se verificado aumento das dimensões do falso aneurisma nos 6 meses seguintes até um diâmetro de 24mm. Durante este período a doente manteve‐se assintomática, sem parâmetros analíticos de infeção e sem agravamento da função renal.
Submetida a tratamento endovascular do falso aneurisma através da colocação de stent coberto Viabahn® 7x50mm (W.L. Gore and Ass. Inc., Flagstaff, AZ, EUA) por via umeral esquerda e após cateterização seletiva do conduto venoso (figs. 5 e 6) com recurso a bainha Flexor® (Cook Medical, Bloomington, IN, EUA). A angiografia de controlo confirmou a exclusão do falso aneurisma (fig. 7).
O pós‐operatório decorreu sem intercorrências, com débito urinário mantido e sem elevação da creatininemia sérica basal, tendo a doente alta ao 2.° dia pós‐procedimento.
Aos 3 meses de seguimento a doente mantém‐se assintomática, com função renal estável e sem evidência laboratorial de infeção. Ecograficamente apresenta boa vascularização parenquimatosa e permeabilidade do conduto venoso, sem aparente endoleak.
DiscussãoDado o reduzido número de casos publicados na literatura, a história natural desta situação clínica é ainda pouco conhecida, tornando as indicações para tratamento e opções terapêuticas um tema controverso.
Defeitos técnicos encontram‐se entre os fatores mais frequentemente implicados na etiologia desta complicação4. A infeção local, facilitada pela imunossupressão, é um fator etiológico particularmente relevante nesta população5,6, sobretudo no que concerne à infeção por fungos7–9. Com efeito, no caso descrito foi isolada C. albicans na peça operatória, o que permite supor tratar‐se de um falso aneurisma micótico. Nos casos relatados de falso aneurisma fúngico, o agente infecioso teve origem no líquido de preservação ou no próprio enxerto9–11. O papel de fatores imunológicos, tais como processos de rejeição crónica, permanece por provar. Porém, Bracale et al. demonstraram aspetos sugestivos de rejeição crónica em 45% dos casos observados12.
As indicações para intervenção são presentemente alvo de debate, sendo a rotura a situação que menos discussão suscita. A maioria dos autores advoga ainda o tratamento de aneurismas sintomáticos, com dimensão igual ou superior a 2,5cm ou de crescimento progressivo13, sendo este último o motivo que presidiu à decisão terapêutica no caso descrito. Uma atitude expectante com vigilância seriada de falsos aneurismas assintomáticos e de pequenas dimensões, inclusive de etiologia infeciosa, foi já descrita por alguns autores14,15.
No que concerne à abordagem terapêutica, a cirurgia aberta tem sido a opção mais consistentemente adotada e compreende de forma invariável a ressecção do falso aneurisma, quase sempre acompanhada da remoção do próprio enxerto6,7,12. A reconstrução vascular após aneurismectomia é objeto de discussão, tendo esta sido levada a cabo como tentativa de preservação do enxerto renal numa doente jovem com falência de transplante prévio. A angioplastia com patch venoso e a reanastomose são soluções já aplicadas com sucesso no cumprimento deste objetivo13,16. A reconstrução por meio de interposição ou bypass tem sido associada a elevadas taxas de perda do enxerto renal17, constituindo o caso descrito uma exceção que importa relevar. A opção por esta forma de reconstrução vascular prendeu‐se com a necessidade de revascularizar o rim transplantado a nível do hilo após a ressecção do falso aneurisma, objetivo apenas alcançável através da interposição de enxerto vascular.
À semelhança do que sucede na patologia aneurismática de outros territórios vasculares, as técnicas endovasculares têm igualmente conhecido um alargamento do seu âmbito de utilização neste campo. A sua aplicação carece do preenchimento de critérios anatómicos e conduz invariavelmente à perda do enxerto sempre que haja necessidade de excluir a artéria renal para um tratamento eficaz18. Porém, em situações cuja anatomia permita a selagem completa do falso aneurisma sem comprometer a permeabilidade da artéria renal, a utilização de stents cobertos constitui uma hipótese atrativa, conforme demonstrado no caso clínico. A intervenção endovascular tem também interesse no contexto de urgência como medida de contingência em caso de rotura, com o objetivo de estabilizar o doente para posterior nefrectomia ou drenagem cirúrgica de hematomas ou coleções12,19.
Embora possa parecer controversa a opção por um tratamento endovascular no caso em apreço, em que existia história prévia de infeção local, considerou‐se que uma reintervenção por cirurgia aberta acarretaria dificuldades técnicas acrescidas e um risco ainda mais elevado de perda do enxerto renal. A ausência de sinais clínicos ou parâmetros laboratoriais sugestivos de infeção suportou esta decisão terapêutica. De facto, o tratamento endovascular de falsos aneurismas micóticos em doentes sem evidência clínica de infeção ativa foi já descrito por alguns autores12,18,20. A necessidade de antibioterapia a longo prazo nestes casos, assim como a duração da mesma, não estão claramente definidos. Zavos et al. descreveram 2 casos de falso aneurisma infecioso tratados através da implantação de stents cobertos seguida de um período de 8 semanas de terapêutica antifúngica, sem evidência de reinfecção no follow‐up até 3 anos18. Não sendo possível afirmar a equivalência entre a antibioterapia pré‐ e pós‐procedimento na redução do risco de reinfecção local, a terapêutica antifúngica por um período prolongado antes da intervenção descrita foi eficaz até à data na prevenção da recidiva infeciosa.
ConclusãoO falso aneurisma anastomótico da artéria renal de transplante é uma entidade rara e com particularidades ainda pouco conhecidas, cujo tratamento de escolha não está ainda firmemente estabelecido. No entanto, a familiaridade com múltiplas soluções terapêuticas, quer cirúrgicas quer endovasculares, é crucial para o tratamento bem‐sucedido e pode permitir a preservação do enxerto, com subsequente ganho para o doente.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflito de interesses.
Comunicação tipo póster no XV Congresso da Sociedade Portuguesa de Angiologia e Cirurgia Vascular, 11‐13 de junho de 2015.