O aneurisma popliteu é o aneurisma periférico mais frequente. A ruptura é uma complicação extremamente rara com risco de perda de membro e mortalidade.
Os autores apresentam o caso clínico de um doente de 66 anos, com quadro súbito de dor e hematoma no terço distal da coxa e escavado popliteu, anemia, pé pendente e edema do membro inferior esquerdo por ruptura de volumoso aneurisma popliteu (7cm).
O estudo por “ecoDoppler” permitiu o diagnóstico e o planeamento cirúrgico urgente que consistiu em “bypass” femoro-popliteu infra-genicular com veia safena interna após exclusão aneurismática. Aos três meses de “follow-up” o doente encontra-se assintomático e com a revascularização permeável sem complicações.
A intervenção vascular é mandatória para controlo da hemorragia, revascularização e descompressão compartimental.
Popliteal aneurysms are the most common peripheral aneurysms, but its rupture is a rare complication with a risk of limb loss and mortality.
The authors present a case report of a 66-year-old patient with a sudden onset of pain and hematoma on the distal thigh and popliteal fossa, anemia, foot drop and limb edema from rupture of a large popliteal aneurysm (7cm).
Ecodoppler evaluation was the only preoperative imaging investigation, which provided suitable information for diagnosis and urgent surgical planning. The operation consisted on a below-knee femoropopliteal bypass with great saphenous vein graft following aneurysm exclusion. At 3-month follow-up the patient is asymptomatic and the reconstruction is patent without complications.
Vascular intervention is mandatory for bleeding control, revascularization and compartment decompression.
O aneurisma popliteu surge particularmente em homens, de idade superior a 60 anos1, com múltiplos factores de risco ateroscleróticos, nomeadamente, a hipertensão arterial e o tabagismo. É o aneurisma periférico mais frequente e pode surgir em associação com aneurismas em outra localização, nomeadamente na artéria poplíteia contra-lateral (64%)2.
Apesar de 40% serem assintomáticos, a isquémia aguda ou crónica do membro inferior por trombose ou embolização distal e a clínica de compressão de estruturas nobres do escavado popliteu, são as formas de apresentação mais comuns3. A ruptura é extremamente rara (cerca de 2%) e pode associar-se a perda de membro (em média 27% - revisão de séries)3,4.
Caso clínicoHomem de 66 anos, fumador, hipertenso, com insuficiência renal crónica (estadio 4), cardiopatia isquémica e disrítmia, sob anti-coagulação em ambulatório com varfarina. Foi admitido num Hospital Distrital por quadro de instalação súbita de dor, edema e extensa equimose da coxa esquerda.
Apesar de hemodinamicamente estável apresentava anemia grave (Hb 6,5g/dL), creatinémia de 7,6mg/dL e INR de 2,8. Permaneceu internado com o diagnóstico de hematoma espontâneo da coxa (no contexto de anti-coagulação) e agudização da função renal, sob terapêutica médica e suporte transfusional. Por agravamento sintomático do membro foi transferido ao 5° dia para o Serviço de Urgência do Centro Hospitalar Lisboa Norte para avaliação por Cirurgia Vascular.
Objectivamente apresentava extensa sufusão hemorrá gica, associada a volumosa massa pulsátil dolorosa no terço distal da coxa e escavado popliteu esquerdos, com parésia do pé (fig. 1). Apesar da ausência de pulsos distais, não apresentava clínica de isquémia aguda do membro, atribuindo-se o deficit neurológico do pé ao efeito compressivo do hematoma sobre o nervo ciático popliteu externo.
A avaliação por “ecoDoppler” mostrou ruptura de aneurisma popliteu supra-genicular esquerdo com 7cm de diâmetro (fig. 2), permeabilidade da artéria popliteia distal, trifurcação e segmentos proximais das artérias tibiais. A necessidade de cirurgia urgente, a insuficiência renal crónica em estadio avançado e a possibilidade de planear a revascularização com o estudo por “ecoDoppler” descrito, suportaram a decisão de intervir sem outros exames complementares, nomeadamente, com contraste endovenoso, como a “angioTC”
Abordou-se por via interna a artéria popliteia desde o canal de Hunter até à sua trifurcação, com secção dos músculos e tendões da face interna do joelho. Após clampagem proximal e distal, respectivamente, das artérias femoral superficial e popliteia infra-genicular (fig. 3), procedeu-se a drenagem do extenso hematoma, abertura do saco aneurismático, endoaneurismorrafia proximal (artéria femoral superficial) e distal (artéria poplíteia supra-genicular) com identificação e laqueação complementar dos ramos colaterais (figs. 4, 5 e 6).
Realizou-se reconstrução vascular por “bypass” femoral superficial-popliteia infra-genicular com veia safena interna contra-lateral invertida com laqueação complementar da artéria popliteia infra-genicular justa-anastomótica (fig. 7). A angiografia de controlo intra-operatória mostrou exclusão aneurismática, ausência de defeitos anastomóticos e compromisso do sector crural por provável embolização distal assintomática prévia (fig. 8).
Durante o pós-operatório o estudo complementar mostrou aneurisma popliteu supra-genicular contra-lateral e aneurisma da aorta abdominal, respectivamente, de 1,7 e 4cm de diâmetro.
Aos três meses de “follow-up” o doente deambula autonomamente, apesar de deficit neurológico residual do pé esquerdo, mostrando o estudo por “ecoDoppler” a revascularização permeável e sem complicações (fig. 9).
DiscussãoO aneurisma popliteu é o aneurisma periférico mais frequente, manifestando-se classicamente por sintomas de isquémia (aguda ou crónica) ou decorrentes do efeito compressivo de estruturas do escavado popliteu (nervosas ou venosas)2,3.
A embolização distal de conteúdo trombótico do saco aneurismático ou a sua trombose são as complicações mais conhecidas. A presença destas pode acarretar risco de perda de membro e comprometer o resultado dos procedimentos de revascularização, pelo que alguns autores defendem uma atitude de intervenção precoce electiva nos aneurismas assintomáticos2,5.
Ilig concluiu, após análise de 16 séries com 1910 aneurismas, que a ruptura é uma manifestação muito invulgar, com uma incidência estimada de 2,1% (40/1910). Apesar da incidência das complicações previamente descritas manterem-se constantes nas últimas séries, a ruptura tem tendencialmente diminuído (11% antes de 1970 e 1% depois de 1980)4. O declínio observado deve-se provavelmente ao aumento do diagnóstico e tratamento de aneurismas assintomáticos associado à generalização do estudo arterial por “ecoDoppler”.
O quadro clínico de ruptura depende da sua localização e dimensão. A apresentação mais comum é a de tumefacção dolorosa no escavado popliteu, associada a sufusão hemorrágica ou hematoma. O efeito compressivo do hematoma sobre a veia popliteia pode causar edema do membro e trombose venosa profunda4. A neuropatia compressiva do nervo ciático ou dos seus ramos pode resultar em parésia do pé, como apresentava o doente deste caso clínico (fig. 1)6. A formação de fístula arterio-venosa por ruptura aneurismática para a veia poplíteia está também descrita7.
A ruptura pode exigir tratamento emergente, quando associada a isquémia aguda grave do membro ou a choque hipovolémico causado pela hemorragia grave. Este último é minimizado pela capacidade de contenção da hemorragia pelo compartimento músculo-tendinoso popliteu.
O diagnóstico pode ser confirmado por “ecoDoppler”, TC, Ressonância Magnética ou angiografia convencional/subtracção. O “ecoDoppler” contribui para o diagnóstico diferencial de forma célere e não invasiva. O exame de eleição provavelmente será a angioTC4, detectando a presença do aneurisma/hematoma, suas relações com as estruturas vizinhas e possibilitando, através do estudo arterial proximal ao aneurisma e do “run off”, o planeamento da estratégia cirúrgica. Actualmente a angiografia convencional/subtracção tem um papel mais limitado e pode contribuir para os casos em que é necessário óptima apreciação do “run off” para selecionar um “target” distal para “bypass” no sector crural ou nas artérias do pé, além da sua utilização intra-operatória no controlo após revascularização.
O tratamento cirúrgico mais comum é a abordagem por via interna da artéria poplíteia, laqueação proximal e distal do aneurisma e revascularização através de bypass com veia safena interna. O controlo proximal pode ser efectuado por clampagem directa ou utilização de técnica de “torniquete”3. O saco aneurismático deve ser aberto, permitindo a laqueação selectiva de colaterais prevenindo o “back flow bleeding”.
Com a utilização crescente de técnicas endovasculares no tratamento dos aneurismas popliteus electivos, têm sido descritos casos de sucesso, em doentes selecionados com ruptura e alto risco operatório, através de implantação de “stents” cobertos (Hemobahn/Viabahn® W. L. Gore and Associates, Flagstaff, AZ, USA)7,8.
Os resultados precoces e tardios da revascularização convencional em contexto de ruptura são pouco conhecidos, mercê da raridade desta entidade clínica, mas provavelmente serão inferiores aos obtidos no tratamento de aneurismas popliteus assintomáticos4,5.
ConclusãoA ruptura de aneurisma popliteu é uma forma de apresentação extremamente rara e pouco descrita na literatura.
Ao mimetizar diagnósticos alternativos (trombose venosa profunda, hemartrose, entre outros), é necessário um elevado índice de suspeição clínica, assumindo o “ecoDoppler” um papel importante na confirmação diagnóstica.
A intervenção vascular é mandatória para controlo da hemorragia, revascularização e descompressão compartimental.
Responsabilidades éticasProteção de pessoas e animaisOs autores declaram que para esta investigação não se realizaram experiências em seres humanos e/ou animais.
Confidencialidade dos dadosOs autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho acerca da publicação dos dados de pacientes.
Direito à privacidade e consentimento escritoOs autores declaram que não aparecem dados de pacientes neste artigo.
Os autores declaram não haver conflito de interesses.