covid
Buscar en
Reprodução & Climatério
Toda la web
Inicio Reprodução & Climatério Corpo humano e sexualidade na revista Ciência Hoje das Crianças (2001 a 2010)
Información de la revista
Vol. 32. Núm. 1.
Páginas 19-23 (enero - abril 2017)
Compartir
Compartir
Descargar PDF
Más opciones de artículo
Visitas
2322
Vol. 32. Núm. 1.
Páginas 19-23 (enero - abril 2017)
Artigo original
Open Access
Corpo humano e sexualidade na revista Ciência Hoje das Crianças (2001 a 2010)
Human body and sexuality in Ciência Hoje das Crianças magazine (2001 to 2010)
Visitas
2322
Paola Graciela dos Santos Moraisa, Heloisa Junqueirab, Tatiana Montanaria,
Autor para correspondencia
t.montanari@bol.com.br

Autor para correspondência.
a Departamento de Ciências Morfológicas, Instituto de Ciências Básicas da Saúde, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil
b Departamento de Ensino e Currículo, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil
Este artículo ha recibido

Under a Creative Commons license
Información del artículo
Resumen
Texto completo
Bibliografía
Descargar PDF
Estadísticas
Tablas (1)
Tabela 1. Resultados da análise da presença dos temas corpo e sexualidade na revista Ciência Hoje das Crianças, 2001‐2010
Resumo

É de grande importância que o professor busque outros recursos educacionais além do livro didático para trabalhar os temas corpo humano e sexualidade nas aulas de Ciências. As revistas de divulgação científica poderiam ser usadas como fonte referencial. Neste trabalho, foi analisado como a revista Ciência Hoje das Crianças aborda o assunto e sua adequação como apoio didático‐pedagógico. A amostragem consistiu de publicações de janeiro de 2001 a dezembro de 2010. Os temas corpo e sexualidade foram mencionados em 69% das revistas, mas apenas 15% fizeram referência à sexualidade. Esses temas ocuparam somente 7% do total de páginas. Dessa pequena parcela, 89% das páginas referiam‐se ao corpo. Foram encontradas 133 referências: 113 sobre o corpo humano e 20 sobre sexualidade. Os resultados demonstraram uma abordagem limitada ao corpo biológico ao se tratar da fisiologia e anatomia do organismo e dos processos patológicos. Como os leitores da revista estão na fase de construção de conhecimentos e valores, a discussão sobre sexualidade contribuiria para atitudes mais conscientes e esclarecidas na adolescência.

Palavras‐chave:
Corpo humano
Sexualidade
Educação
Publicações de divulgação científica
Abstract

It is very important that the teacher seeks other educational resources beyond the textbook to work the human body and sexuality issues in Science lessons. Scientific magazines could be used as a reference source. This study analyzed as Ciência Hoje das Crianças magazine discusses the subject and its suitability as didactic and pedagogical support. The sample consisted of publications from January 2001 to December 2010. Body and sexuality were mentioned by 69% of the magazines, but only 15% of the magazines referred to sexuality. These issues were only 7% of total pages, and, in this small part, 89% of pages were related to body. There were 133 references: 113 about human body and 20 about sexuality. The results showed a limited approach to the biological body, concerned to physiology and anatomy of the organism and pathologic processes. As its readers are building their knowledge and principles, the discussion about sexuality would contribute to more informed and enlightened attitudes in adolescence.

Keywords:
Human body
Sexuality
Education
Publications for Science diffusion
Texto completo
Introdução

O livro didático é um artefato cultural que não tem acompanhado o dinamismo da produção científica, não sendo percebida qualquer mudança substancial nas últimas décadas quanto ao conhecimento veiculado. Ele enfatiza o produto final da atividade científica, apresenta‐o como dogmático, imutável e desprovido de suas determinações históricas, políticas, econômicas, ideológicas e socioculturais. Os processos de produção do conhecimento ao longo da história geralmente não aparecem, e o método empírico‐indutivo é tratado como única metodologia, em detrimento da diversidade de métodos na construção do conhecimento científico.1

As revistas de divulgação científica são uma opção para a obtenção de informações mais atualizadas, a fim de ser usadas como apoio didático‐pedagógico na disciplina de Ciências.

A divulgação científica é entendida como atividade de difusão do conhecimento científico, que mobiliza diferentes recursos para veiculação das informações científicas e tecnológicas para o público leigo.2 As seguintes características tornam‐na efetiva: aproximar o texto ao universo da criança, formar um vínculo com o cotidiano; fazer referência à cultura popular; ter respaldo na história e na tradição; promover a desmistificação da ciência; usar analogias, metáforas, ironia e humor e reconhecer os erros humanos.3

As crianças na idade escolar, quando a curiosidade sobre o mundo atinge seu apogeu e suas mentes são receptivas a novas ideias, estão na faixa etária apropriada para o desenvolvimento de uma base científica que terá repercussão na vida intelectual.4

Discutir em sala de aula os temas relativos ao corpo humano e à sexualidade, como relações de gênero, orientação sexual, planejamento familiar, doenças sexualmente transmissíveis (DST), gestação precoce e efeito de doenças e substâncias sobre o desenvolvimento embrionário e fetal, é importante para a construção de valores e, por conseguinte, para a tomada de decisões na adolescência e na fase adulta.

Esta pesquisa verificou a incidência de referências sobre corpo e sexualidade na revista Ciência Hoje das Crianças, de janeiro de 2001 a dezembro de 2010, e objetivando identificar a presença/ausência desses temas, a sua forma de apresentação e o seu significado na revista.

Método

A revista Ciência Hoje das Crianças foi criada em 1986, como um encarte da revista Ciência Hoje, a partir de 1990, passou a ser uma publicação mensal independente do Instituto Ciência Hoje (ICH), o qual é vinculado à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). São 11 revistas publicadas ao longo de cada ano, sendo que os meses de janeiro e fevereiro são publicados num mesmo número. Estimular a curiosidade, mostrar uma ciência divertida, que está no dia a dia do leitor, e tornar alguns fenômenos cotidianos compreensíveis são algumas de suas metas.5 A publicação é adotada por 60 mil escolas.6

Os assuntos escolhidos abrangem áreas das ciências humanas, exatas e biológicas, além de temas transversais, como saúde, meio ambiente, pluralidade cultural, tecnologia etc. Os textos são produzidos por professores e pesquisadores vinculados a instituições de pesquisa e universidades; são revisados por um consultor, membro da comunidade científica, e editados pelos profissionais da revista para adequá‐los ao público‐alvo. O conteúdo é apresentado de diversas formas, como, por exemplo, artigos de reportagem, resenhas, contos, lendas, poesias, experimentos e jogos. Embora não seja uma publicação temática, em algumas de suas edições procura manter uma coerência entre o tema do artigo principal e o das demais seções. Há interatividade com o leitor através da seção Cartas.5

Considerando o universo total de publicações da revista Ciência Hoje das Crianças, a amostra da investigação foi composta com base no critério temporal: os exemplares selecionados foram publicados de 2001‐2010.

Foram coletados dados sobre os temas corpo e sexualidade na capa, na quarta capa e no corpo de cada revista, inclusive reportagens, artigos, referências objetivas e subjetivas em notas, quadros e cartas dos leitores. Foi considerado corpo, além da menção da palavra corpo humano, qualquer expressão que fizesse referência à anatomia, fisiologia, saúde, doença, imunologia, histologia, citologia e biologia molecular. Para o tema sexualidade, foram consideradas referências sobre DST, gravidez, métodos contraceptivos e qualquer expressão sobre relacionamento, como namoro, casamento, amor, heterossexual, homossexual, passagem da infância para o mundo adulto etc. O conteúdo abordado foi representado em palavras‐chave para facilitar a identificação e avaliar a frequência de citação. Foi sinalizado quando as referências partiam do leitor e foi registrada a resposta do corpo editorial quando pertinente.

Para agrupar os dados, foram feitas fichas com os dados catalográficos da revista; o número total de páginas da revista; o número total de páginas relacionadas aos temas corpo e sexualidade; o que aparece – título; como aparece – tipo, ou seja, reportagem, nota, sugestão de leitura, carta do leitor etc., número de páginas e as páginas em que as referências são encontradas e palavras‐chave. Contabilizaram‐se o número de revistas com menção a esse conteúdo; o número total de páginas da revista e o número de páginas destinadas ao assunto; o número de referências ao tema; a forma de apresentação e o enfoque dado. Para efeitos comparativos, os valores foram somados para a totalização de cada ano.

Resultados

Das publicações analisadas da revista Ciência Hoje das Crianças, de janeiro de 2001 a dezembro de 2010, 69% apresentaram alguma referência aos temas corpo e sexualidade, sendo que a incidência mais baixa foi em 2007, com apenas 36% das revistas (quatro) como páginas relacionadas, e a mais alta foi em 2008, com 91%, ou seja, 10 revistas (tabela 1).

Tabela 1.

Resultados da análise da presença dos temas corpo e sexualidade na revista Ciência Hoje das Crianças, 2001‐2010

  Revistas com páginas relacionadas aos temas  Páginas relacionadas ao tema corpo  Páginas relacionadas à sexualidade 
2001  73%  21 (6,4%)  1 (0,3%) 
2002  64%  33 (10%)  4 (1,2%) 
2003  64%  12 (3,6%)  2 (0,6%) 
2004  82%  30 (9,1%)  1 (0,3%) 
2005  64%  22 (7,0%)  0 (0%) 
2006  73%  21 (6,4%)  8 (2,4%) 
2007  36%  7 (2,1%)  1 (0,3%) 
2008  91%  23 (7,0%)  5 (1,5%) 
2009  82%  19 (6,1%)a  1 (0,3%)a 
2010  64%  23 (7,0%)  2 (0,6%) 

Fonte: Morais, 2011.7

a

Referência à sexualidade na mesma página da referência ao corpo.

Cada número da revista tem 30 páginas, 3.300 páginas em uma década. Desse total, somente 236 páginas (7%) apresentaram alguma referência aos temas corpo e sexualidade. Dessas, 89% (211 páginas) fizeram alguma referência a corpo, sendo, portanto, extremamente pequena a proporção de páginas destinadas ao tema sexualidade (tabela 1).

Foram encontradas 133 referências aos temas estudados: 113 sobre corpo e 20 sobre sexualidade. O formato mais recorrente em que esses assuntos foram apresentados foi de reportagem (81). Quando os dados sobre corpo e sexualidade são comparados separadamente, fica evidente a baixa ocorrência de reportagens inteiras sobre sexualidade (duas) em comparação com aquelas sobre corpo (79).

Sobre o corpo, o principal enfoque foi a fisiologia, e o assunto tratado foram o sistema nervoso e os órgãos dos sentidos. Em seguida, predominaram matérias sobre saúde e doenças, explicando como os parasitas e os vermes entram no corpo, o que causam, quais os sintomas, como tratar e se prevenir; cuidados de higiene, e prevenção de queimaduras, intoxicação e lesões. O conteúdo foi geralmente introduzido por frases como: “Para que serve?”, “Por que isso acontece?”, como, por exemplo, nas reportagens “Por que soluçamos?”, “Por que o ouvido produz cera?”, “Por que temos verrugas?” e “Como funciona a inseminação artificial?”

Mesmo que não sendo uma revista temática, em março de 2002 foi publicada a edição especial “DNA – Clonagem – Transgênicos – Projeto Genoma”.

Sobre sexualidade, a Ciência Hoje das Crianças trouxe, em junho de 2002, a reportagem “Quando a gente se transforma”, em parceria com a Secretaria de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde, Projeto Promoção da Saúde. Em quatro páginas, foram discutidas as questões biológicas da puberdade, como: mudanças do corpo, ação dos hormônios sexuais, métodos contraceptivos, gravidez precoce, DST e comportamento social.

As DST ainda foram abordadas na reportagem “Cuidado com a hepatite”, de janeiro‐fevereiro de 2009.

As demais referências sobre sexualidade eram a respeito de relacionamentos, destacando‐se duas matérias sobre casamentos arranjados (“Uma princesa de coração brasileiro” – subtítulo: “Casamento à moda antiga” e “Quem é quem na família real” – subtítulo: “Casada aos dez anos de idade”) e uma sobre casamento como ritual de passagem da infância para o mundo adulto (“Festa da moça nova”). Não foram observadas referências sobre homoafetividade ou homossexualidade.

Foram 31 referências aos temas corpo e sexualidade nas cartas dos leitores, sendo 23 sobre o corpo e oito sobre sexualidade. Sobre corpo, o leitor geralmente solicitava publicação de reportagens sobre o corpo humano, sem especificar sistema, órgão ou função. Sobre sexualidade, as referências foram sobre relacionamento, envolveram principalmente a sugestão de pares românticos para os mascotes da revista, para qual a revista respondia: “Quanto aos namorados(as), achamos que nossos mascotes ainda estão em fase de brincar e aprontar, mas vamos consultá‐los!” ou (o zangão Zíper) “Não quer saber de namorada agora, talvez quando estiver mais velho”.

Discussão

O conceito de corpo é diferente do conceito de organismo: organismo refere‐se apenas ao aspecto biológico; corpo diz respeito aos significados e sentidos atribuídos a qualquer interação. Portanto, o corpo é o organismo atravessado por todas as experiências vividas, inteligência, afeto e desejo.8

A construção da sexualidade abrange o que significa ser menino ou menina, homem ou mulher numa dada cultura. A manifestação dos sentimentos e a maneira de ver o mundo acabam por refletir as estruturas cognitivas e afetivas construídas ao longo do processo de desenvolvimento.9

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) indicam que o processo pedagógico de educação sexual deve ser formal e sistematizado no espaço escolar e que a intervenção deve ser feita pelos educadores de forma planejada, abordando diversos pontos de vista, valores e crenças existentes na sociedade para ajudar o estudante a encontrar um ponto de autorreferência por meio da reflexão, sem invadir a intimidade e o comportamento de cada pessoa. Os conteúdos devem ser organizados em três blocos: corpo – matriz da sexualidade; relações de gênero; e prevenção das doenças sexualmente transmissíveis/Aids. O primeiro bloco refere‐se à infraestrutura biológica e ao aparato herdado e constitucional dos seres humanos, sendo o corpo entendido como o resultado da aprendizagem através de suas vivências na interação com o meio. Nas relações de gênero, deve ser incluída a discussão das relações autoritárias, a rigidez dos padrões de conduta estabelecidos para homens e mulheres e suas transformações. Por último, devem ser fornecidas informações sobre as doenças com foco na promoção de condutas preventivas e ênfase na distinção entre as formas de contágio.10

Assim, a abordagem curricular da sexualidade precisa ir além das informações sobre anatomia e fisiologia, deve considerar o contexto socioambiental do indivíduo.

Pelo caráter plural, a escola é um importante espaço para a discussão da temática sexualidade e de seus desdobramentos, no intuito de motivar reflexões individuais e coletivas que possam contribuir para diminuir as ações discriminatórias e preconceituosas.11 Para atingir esse objetivo, ela não pode se restringir a ensinar o conteúdo programático, deve educar as crianças e os adolescentes para a prática de uma cidadania justa, valorizar o corpo e respeitar as diferenças.

As dificuldades inerentes à compreensão do corpo encontram‐se presentes no processo educativo. A sociedade e a mídia interferem na construção dos significados de corpo e essas representações estereotipadas influenciam o processo de ensino‐aprendizagem. Por outro lado, o livro didático limita‐se ao corpo biológico, um corpo genérico, sem origem sociofamiliar nem cronologia etária.

Para que outro olhar sobre esse corpo seja ensinado e aprendido, é importante trabalhar questões relacionadas à vida do aluno, ao seu cotidiano e ao seu ambiente. As estratégias de ensino devem ser dinâmicas e interativas, como leituras para além do livro didático, representações teatrais e debates coletivos em sala de aula e na escola como um todo.

O uso de revistas de divulgação científica é importante como apoio paradidático. Esse tipo de material contribui para o processo de ensino‐aprendizagem pela linguagem acessível e motivadora. A revista Ciência Hoje das Crianças, analisada neste trabalho, apresenta um texto atrativo com questões que visam a despertar a curiosidade do leitor e exibe o conteúdo em diferentes formatos, como reportagens (p. ex., “Por que espirramos?”, “Por que sentimos cócegas?”), contos (p. ex., “Jeca Tatuzinho”), poemas (p. ex., “Corpo humano”) e jogos (“O que é? O que é?”, com questões sobre o corpo humano).

Outra qualidade das revistas de divulgação é o caráter atualizador, o que foi evidenciado, durante o período examinado (2001‐2010), pela edição especial “DNA – Clonagem – Transgênicos – Projeto Genoma”, de março de 2002. Em fevereiro de 2001, os periódicos científicos Nature e Science apresentaram as sequências‐rascunho do genoma humano produzidas pela iniciativa pública Projeto Genoma Humano e pela empresa privada Celera Genomics, respectivamente. A Ciência Hoje das Crianças traz o assunto que estava em voga no meio científico e na mídia, e o leitor acompanha um momento histórico para a ciência. A socialização dos conhecimentos científicos e tecnológicos possibilita a formação de cidadãos críticos e reflexivos.

O escopo da revista Ciência Hoje das Crianças é bastante amplo, abrangendo diferentes áreas, como as ciências humanas, exatas e biológicas, além de temas transversais, como saúde, meio ambiente, pluralidade cultural, tecnologia etc.5 Entretanto, isso não justifica a pouca incidência dos temas corpo e sexualidade, que ocuparam somente 7% do total de páginas em 10 anos de publicações, e a ínfima contribuição para a discussão sobre sexualidade, com somente duas reportagens em uma década.

Sobre o corpo, o enfoque principal foi a fisiologia, ou seja, o funcionamento do organismo, especialmente do sistema nervoso e dos órgãos dos sentidos. O conteúdo foi abordado no formato “para que serve?”, “por que acontece?”, linguagem atrativa e adequada para a faixa etária do leitor.

A frequência de matérias sobre saúde e doenças, discutindo parasitoses, verminoses, cuidados de higiene e prevenção de queimaduras, lesões e intoxicação, possivelmente está relacionada à suscetibilidade à contaminação pela imaturidade imunitária das crianças e serve de medida de proteção aos pequenos leitores.12–15

A única referência sobre as questões da puberdade, como as mudanças do corpo pela ação dos hormônios sexuais, os métodos contraceptivos, a gravidez precoce, as DST e o comportamento social, ocorre na reportagem publicada em 2002, em parceria com a Secretaria de Políticas de Saúde do Ministério da Saúde. O texto apresentado é semelhante àquele exposto nos livros didáticos ou em cartilhas encontradas nos postos de saúde: impessoal, dirigido a um adolescente padrão, sem levar em conta fatores determinantes, como onde vivem e como vivem.16

O casamento é abordado como algo distante da realidade de seus leitores, seja ao falar de fatos históricos, com menção à realidade dos casamentos arranjados, seja de outras culturas, como o ritual de passagem da infância para o mundo adulto em uma tribo. Não havia referência a relacionamentos homoafetivos, nem mesmo em 2009 e 2010, quando esse assunto foi muito discutido na mídia. A revista evita um posicionamento que possa ser polêmico.

As cartas dos leitores traziam solicitações de matérias sobre o corpo humano, demonstrando a vontade de conhecer e explorar o próprio corpo, que ainda é desconhecido por eles.12 Os leitores foram responsáveis por 35% das incidências sobre sexualidade, todas sobre relacionamento, ao sugerir pares românticos para os mascotes da revista. O corpo editorial esquivou‐se do assunto. Assim como a maioria dos pais nega o início da sexualidade dos seus filhos, a revista negligenciou o início da maturidade sexual dos seus leitores e perdeu uma oportunidade para discutir temas como o primeiro amor, o namoro, o casamento etc.

O corpo apresentado pela Ciência Hoje das Crianças continua a ser assexuado, desprovido das características inerentes aos leitores, seus anseios e necessidades. A revista aborda apenas o corpo biológico, o que surpreende negativamente. Apesar de ter um público leitor na faixa de idade de descobrir o corpo (seu e o do outro) que ainda é desconhecido e de descobrir a sua sexualidade, a revista evita o tema, não contextualiza o pouco que aparece e mantém uma atitude esquiva nas respostas às cartas dos leitores, negligenciando uma necessidade que surge e urge.

A revista deveria rever suas concepções sobre corpo e sexualidade: em uma época em que muito se discute homossexualidade e homofobia, ela se omite de abordar esses conceitos; apesar da alarmante incidência de adolescentes grávidas, trata sobre gravidez somente em duas situações em uma década de publicações e enquanto aumenta o número de casos de jovens infectados pelo HIV pelo não uso de preservativo, limita‐se a uma cartilha publicada em parceria com o Ministério da Saúde para tratar de planejamento familiar e DST, isentando‐se de uma maior participação no esclarecimento dessas questões.

As crianças leitoras estão construindo seus conceitos de mundo. Portanto, tratar de assuntos referentes ao corpo e à sexualidade com clareza nas informações, naturalidade na abordagem e ausência de preconceitos e julgamentos, contribuiria para a formação de cidadãos conscientes e atuantes.

Conclusões

A análise da presença dos temas corpo e sexualidade na revista de divulgação científica Ciência Hoje das Crianças, no período 2001‐2010, mostrou uma abordagem limitada ao corpo biológico ao tratar, principalmente, da fisiologia e anatomia do corpo humano e dos processos patológicos. Assuntos referentes à sexualidade são pouco tratados. Como os leitores da revista estão na fase de construir a base de seus conhecimentos, a discussão desses temas contribuiria para atitudes mais conscientes e esclarecidas na adolescência.

Conflitos de interesses

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.

Referências
[1]
J. Megid Neto, H. Fracalanza.
O livro didático de Ciências: problemas e soluções.
Ciência & Educação, 9 (2003), pp. 147-157
[2]
S. Albagli.
Divulgação científica: informação científica para a cidadania?.
Ciência da Informação, 25 (1996), pp. 396-404
[3]
L. Massarani.
La divulgación científica para niños.
Quark, 17 (1999), pp. 8
[4]
M.H. Shamos.
The myth of scientific literacy.
Rutgers University Press, (1995),
[5]
Ciência hoje das crianças. Disponível em: <http://cienciahoje.uol.com.br/sobre/quem‐somos>.
[6]
Ciência hoje das crianças. Disponível em: <http://chc.cienciahoje.uol.com.br/sobre‐a‐chc/>.
[7]
P.G.S. Morais.
A revista Ciência Hoje das Crianças e o que ela apresenta ao leitor sobre corpo e sexualidade – Necessidades que surgem e urgem.
UFRGS, (2011),
Trabalho de conclusão do curso de licenciatura em ciências biológicas
[8]
Talamoni ACB. Corpo, ciência e educação: representações do corpo junto a jovens estudantes e seus professores. Dissertação (Mestrado), Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2007.
[9]
E.F. Cruz.
A fala da criança sobre sexualidade humana: o dito, o explícito e o oculto.
Educação & Sociedade, 18 (1997), pp. 203-204
[10]
Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: apresentação dos temas transversais: ética. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A; 2000.
[11]
G.S. Quirino, J.B.T. Rocha.
Sexualidade e educação sexual na percepção docente.
Educar em Revista, 43 (2012), pp. 205-224
[12]
A.M.F. Camargo, C. Ribeiro.
Sexualidade (s) e infância(s): a sexualidade como um tema transversal.
Moderna/Unicamp, (1999),
[13]
S. Herculano-Houzel.
O cérebro nosso de cada dia: descobertas da neurociência sobre a vida cotidiana.
Vieira & Lent, (2002),
[14]
M. Lodo, C.G.B. Oliveira, A.L.A. Fonseca, L.Z. Caputto, M.L.T. Packer, V.E. Valenti, et al.
Prevalência de enteroparasitas em município do interior paulista.
Rev Bras Crescimento Desenvolvimento Hum, 20 (2010), pp. 769-777
[15]
A.D. Pillar.
Criança e televisão: leituras e imagens.
Mediação, (2001),
[16]
R. Moretto, O.M.F.C. Mansur.
Educação da Criança.
Elevação, (2000),
Copyright © 2017. Sociedade Brasileira de Reprodução Humana
Descargar PDF
Opciones de artículo