A prevalência de pessoas com sobrepeso e obesas tem aumentado dramaticamente em países desenvolvidos nos últimos 20 anos. Existe uma forte associação entre obesidade e infertilidade, a perda de peso pode aumentar a fertilidade em mulheres obesas. A cirurgia bariátrica tem sido relacionada à melhoria da ciclicidade menstrual em mulheres anovulatórias. Além do mais, o risco aumentado de abortamento em mulheres obesas pode reduzir após a cirurgia bariátrica. Entretanto, pouco foi publicado sobre o impacto da perda de peso após a cirurgia nas taxas de gravidez espontânea e pós‐ fertilização in vitro (FIV). O objetivo desta revisão é sintetizar a literatura recente sobre a cirurgia bariátrica e a fertilidade para ajudar o aconselhamento do paciente.
The prevalence of people who are overweight or obese has increased dramatically in high‐income countries over the past 20 years. There is a strong association between obesity and infertility, and weight loss can increase fecundity in obese women. Reproductive age women comprise the majority of bariatric patients, and many may be interested in conceiving after surgery. Bariatric surgery has been shown to improve menstrual cyclicity in anovulatory women. Moreover, the increased risk of miscarriage in obese women may decline after bariatric surgery. However, little is published on the impact of surgical weight loss on spontaneous or in vitro fertilization (IVF)‐treatment‐related pregnancy rates. The purpose of this review is to synthesize the recent literature on bariatric surgery and fertility to help on patient counseling.
A alta prevalência da obesidade nos países desenvolvidos parece ser uma combinação entre sedentarismo, maus hábitos alimentares e alta ingestão calórica1. Nos Estados Unidos e em muitos países europeus, cerca de 60% das mulheres apresentam sobrepeso (≥ 25kg/m2), 30% são obesas (≥ 30kg/m2) e 6% são obesas mórbidas (≥ 35kg/m2), segundo a classificação baseada nos critérios da Organização Mundial de Saúde.1–3
A obesidade aumenta a morbidade e a mortalidade como resultado de uma associação de enfermidades, tais como os problemas cardiovasculares, diabete tipo 2, apneia do sono, osteoartrite e câncer.4 No campo da ginecologia e reprodução, ela pode associar‐se a distúrbios menstruais, hirsutismo, ovários policísticos, infertilidade, abortamentos e outras complicações obstétricas.5
Estima‐se uma incidência três vezes maior de problemas ginecológicos entre as mulheres obesas, a obesidade central é a de pior prognóstico.6,7 Essa associação se deve a alterações endócrinas e metabólicas, tais como uma produção excessiva de estrógenos, distúrbio do metabolismo dos esteroides, alterações da secreção pulsátil do hormônio liberador da gonadotropina (GnRH) e alterações na liberação e ação da insulina, leptina, adiponectina, resistina e grelina.8–12 O conjunto dessas alterações leva aos três importantes pilares da fisiopatologia que explicam a relação entre obesidade e infertilidade: hiperinsulinemia, hiperandrogenismo funcional e anovulação.8–11
Em ciclos de FIV, maiores doses de gonadotropinas, maior duração da estimulação ovariana e maiores taxas de cancelamento por baixa resposta são mais frequentes entre as pacientes obesas, esses piores parâmetros são devidos ao aumento da resistência gonadotropínica encontrada nesse grupo de mulheres. Esse fenômeno se deve a alterações da farmacocinética da medicação usada nos ciclos de estimulação ovariana, seja por um problema de sua absorção ou de sua distribuição.13,14
A qualidade ovocitária também parece estar afetada pela obesidade, que provoca menores taxas de fecundação e um menor número de embriões por ciclo.15–17 Para explicar esses achados, alguns autores têm sugerido que esses piores parâmetros se devam às altas doses de gonadotropinas necessárias para a estimulação ovariana dessas pacientes.18,19
Finalmente, as mulheres obesas apresentam maiores taxas de complicações obstétricas. A obesidade está associada a 18% das causas de morte materna e a 80% das complicações fatais anestésicas.20 Dentro das complicações, as mais importantes são hipertensão, diabete gestacional, pré‐eclâmpsia, tromboembolismo, macrossomia fetal, infecção urinária, prematuridade, morte intrauterina inexplicada, distócia de parto e complicações anestésicas e cirúrgicas.20–23
Embora saibamos que o principal mecanismo de infertilidade em mulheres obesas seja a anovulação crônica, um problema solucionado pelo uso de indutores da ovulação, acreditamos que o melhor manejo desse grupo de pacientes seja o desenvolvimento de estratégias que estimulem o controle do peso, antes de se começar um ciclo de tratamento de reprodução assistida. Para isso, o incentivo à dieta e à atividade física devem ser oferecidos à paciente, reservam‐se os tratamentos farmacológicos e cirúrgicos aos casos de obesidade mórbida.
Nas duas últimas décadas, a cirurgia bariátrica tem experimentado um grande crescimento entre as pacientes obesas, uma vez que é um procedimento que provoca uma grande e duradoura redução de peso, quando comparado com os demais tratamentos.24 As indicações não se limitam ao tratamento da obesidade mórbida que apresentou falha terapêutica nas demais modalidades, mas estendem‐se aos casos nos quais coexistem graves problemas de saúde, tais como apneia do sono, problemas cardiorrespiratórios, diabete e problemas articulares. Além disso, constitui indicação a presença de instabilidade emocional provocada pela obesidade.25,26
Os benefícios da cirurgia bariátrica na prevenção ou na melhoria das complicações relacionadas à obesidade têm sido mostrados na literatura. Uma metanálise com 22.000 pacientes submetidas a esse tratamento mostrou uma remissão completa do diabete em 76,8%, da hipertensão em 61% e da hiperlipidemia em 70% dos casos.27 Recentemente, Edison et al. (2016), em uma análise retrospectiva que comparou dados de pacientes obesas submetidas à cirurgia bariátrica (n = 15.222) contidos no Registro Nacional de Cirurgia Bariátrica do Reino Unido (National Bariatric Surgery Registry – NBSR) com os obtidos de mulheres obesas (n = 1073) contidos no Arquivo de Saúde da Inglaterra (Health Survey of England – HSE), concluíram que a cirurgia, quando acompanhada de perda de peso, apresenta um impacto positivo sobre a fertilidade e o prognóstico obstétrico das pacientes, uma vez que estava associada a uma regularização do ciclo menstrual e à redução da prevalência de SOP e de diabete tipo 2. Importante salientar que as mulheres incluídas em ambos os grupos apresentavam idade entre 18 e 45 anos, além de IMC>40kg/m2.28 Dessa forma, para as mulheres obesas mórbidas os maiores objetivos da cirurgia bariátrica são a normalização dos aspectos metabólicos e psicossociais, melhoria da fertilidade e redução das complicações obstétricas relacionadas ao sobrepeso.29 Além do mais, estudos têm demonstrado que mulheres que tinham ciclos menstruais irregulares ou eram anovulatórias, antes da perda de peso provocada pela cirurgia bariátrica, apresentaram uma normalização das suas menstruações e uma melhoria das taxas de gravidez após o procedimento.30,31 Entretanto, resultados controversos também são descritos32, o que faz esse tema ser de grande interesse para análise.
No presente artigo, apresentaremos uma revisão da literatura sobre o impacto da cirurgia bariátrica na infertilidade feminina provocada pela obesidade, assim como seus efeitos sobre os resultados dos tratamentos de reprodução assistida e sobre a gestação subsequente.
RevisãoCirurgia bariátrica – ciclo menstrual, ovulação e gravidez espontânea.
Embora a literatura sugira uma melhoria da taxa de gestação espontânea após a cirurgia bariátrica, não existem trabalhos randomizados que comparem os resultados com a feitura desse procedimento versus um grupo submetido à conduta expectante. A grande maioria dos trabalhos é observacional, sem grupo controle e sem diferenciação entre mulheres obesas ovulatórias e anovulatórias.
O impacto da perda de peso nas pacientes anovulatórias, portadoras de ovários policísticos, também tem sido alvo de estudo. Recentes estudos têm demonstrado efeito benéfico da cirurgia bariátrica sobre a sensibilidade à insulina, ciclicidade menstrual e taxa de gravidez, após a perda de peso provocada pelo procedimento.33–35 Num estudo retrospectivo no qual os autores estudaram 98 pacientes anovulatórias, 71% restabeleceram a regularidade menstrual após a cirurgia.36 Em 2005, Eid et al., em outro estudo retrospectivo, observaram o retorno de ciclos menstruais regulares em 24 mulheres obesas mórbidas portadoras de ovários policísticos.37
Em 2015, Skubleny et al. publicaram uma metanálise em que avaliaram especificamente os efeitos da cirurgia bariátrica em mulheres obesas portadoras de ovários policísticos. Foram selecionados para análise 13 estudos que envolveram 2.130 pacientes. A incidência de ovários policísticos antes da cirurgia era de 45,6%, reduziu‐se para 6,8% após 12 meses de pós‐operatório (p<0,0001). Também foi encontrada uma redução da prevalência de hirsutismo e irregularidade menstrual após a cirurgia. Entretanto, os autores fazem considerações importantes sobre a falta de homogeneização do critério diagnóstico e de classificação da intensidade do hirsutismo entre os estudos existentes.38
Recentemente, dada a escassa literatura que aborda os impactos da cirurgia bariátrica na paciente obesa portadora de SOP, Butterworth et al. (2016) publicaram um artigo de revisão da literatura, foram selecionados os seis trabalhos mais relevantes sobre o tema. Mais uma vez, foi observada a regularização do ciclo menstrual, melhorias do hiperandrogenismo, principalmente do hirsutismo, e aumento da taxa de gravidez espontânea. Entretanto, os autores afirmam que devemos ver tais resultados ainda com uma certa ressalva, dada a escassez de estudos com metodologia adequada e ainda o pequeno tamanho amostral para apoiar tais achados.39
Em avaliação do impacto da cirurgia bariátrica sobre a taxa de gestação espontânea, em 1995 Bilenka et al. relataram gravidez em oito de nove mulheres obesas, após serem submetidas a gastroplastia em banda.40 Marceau et al. (2004), também num estudo retrospectivo, avaliaram 783 mulheres obesas (média de IMC=30kg/m2) e relataram uma taxa de gravidez espontânea de 47% no pós‐operatório.41 Em 2012, Mussella et al. avaliaram 110 mulheres obesas inférteis submetidas à cirurgia bariátrica e observaram ocorrência de gravidez espontânea em 2/3 dessas pacientes no pós‐operatório. A redução superior a 5kg/m2 no IMC foi considerada como preditiva de gravidez (OR 20,2).42 Interessante ressaltar que nenhum desses artigos apresentou um grupo controle nem informações sobre o status ovulatório das pacientes descritas. Mais recentemente, Milone et al. (2016), numa revisão da literatura e metanálise, relataram uma incrível taxa de gravidez de 58% nas 598 mulheres obesas inférteis submetidas à cirurgia bariátrica. Contudo, mais uma vez os autores alertaram que esse achado surpreendente deve ser analisado com precaução, dada a pobre qualidade metodológica dos trabalhos publicados, até o momento, sobre o tema.43
Diante do exposto, o papel da cirurgia bariátrica na melhoria da fertilidade em pacientes obesas permanece incerto. Embora saibamos que a obesidade afeta adversamente a fertilidade feminina e que a redução do peso melhora esses efeitos, os dados sobre a cirurgia que alcançaram esses resultados provêm apenas de estudos observacionais. Dessa forma, são necessários estudos randomizados e controlados que abordem esse tema para que possamos obter conclusões mais embasadas cientificamente.
Cirurgia bariátrica e resultados de tratamento de reprodução assistidaOs efeitos negativos da obesidade sobre os resultados dos tratamentos de reprodução assistida (TRA) já foram citados e comentados no presente artigo.13–19 Uma recente revisão sistemática e metanálise de 33 estudos, que envolveram a avaliação dos resultados de 47.967 pacientes submetidas à FIV, mostrou que mulheres com sobrepeso (IMC ≥ 25kg/m2) apresentaram menores taxas de gravidez (p<0,0001), de parto (p<0,0002) e maior taxa de abortamento (p<0,0001), quando comparadas com mulheres com IMC<25kg/m2.44 Moragianni et al. (2012), similarmente, após a avaliação de 4.609 mulheres submetidas à FIV, encontraram menores taxas de implantação, gravidez e parto entre as pacientes com IMC ≥ 30kg/m2. Os autores concluíram que as obesas apresentavam até 65% a menos de chance de ter um parto do que aquelas com IMC<30kg/m.245
Existem poucos dados na literatura médica sobre o impacto da cirurgia bariátrica em tratamentos de reprodução assistida. Apenas dois relatos de casos foram encontrados na presente revisão. Em 2008, Hirshfeld‐Cytron & Kim relataram um caso no qual não foram obtidos óvulos durante a punção ovariana (síndrome do folículo vazio) de uma mulher de 42 anos, portadora de obesidade mórbida, submetida à estimulação ovariana convencional. Após a cirurgia bariátrica e subsequente perda de peso, essa paciente foi novamente submetida ao mesmo protocolo de indução da ovulação, foram aspirados 19 óvulos, culminaram em gestação, com parto a termo. Os autores sugeriram que esse fato foi devido à melhor absorção e biodisponibilidade do hormônio gonadotropina coriônica (hCG), que agiu com maior eficácia no processo do amadurecimento final do óvulo.46 Já em 2010, Doblado et al. relataram uma série de cinco casos nos quais foi feita FIV em mulheres obesas pós‐operadas de cirurgia bariátrica. Dessas pacientes, apenas um caso de síndrome de hiperestimulação ovariana foi encontrado e quatro chegaram a parto a termo.47 Finalmente, em 2014, Sim et al. publicaram uma revisão da literatura sobre esse tema. Os autores não se restringiram somente a analisar os possíveis impactos benéficos da perda de peso verificada após a cirurgia bariátrica, mas também por aquela provocada pela dieta e mudança de hábitos de vida. As perdas de peso obtidas por mudanças na dieta e no estilo de vida, dietas de muito baixa caloria, intervenções médicas não cirúrgicas e cirurgia bariátrica traduziram‐se em taxas de gravidez significativamente aumentada e/ou nascidos‐vivos em mulheres com excesso de peso e/ou obesas submetidas a TRA em oito dos 11 estudos revisados. Além disso, foi relatada a regularização do padrão menstrual, uma diminuição das taxas de cancelamento, um aumento no número de embriões disponíveis para transferência e uma redução no número de ciclos de TRA necessários para atingir a gravidez e uma diminuição nas taxas de aborto. Houve também uma série de concepções naturais em cinco dos seis estudos que relataram esse resultado. Os procedimentos não cirúrgicos de perda de peso e a cirurgia bariátrica induziram as maiores perdas de peso, mas seu uso, bem como o de dietas de muito baixa caloria, para a perda de peso antes da TRA requer uma cuidadosa consideração. Apesar de considerarem os estudos de baixa qualidade metodológica, as autores recomendam a perda de peso em mulheres obesas antes de serem submetidas à TRA. Afirmam, entretanto, que estudos com um desenho mais adequado são necessários para confirmar as melhorias dos resultados em tratamentos de FIV feitos em mulheres obesas mórbidas submetidas à cirurgia bariátrica.48
Cirurgia bariátrica e gravidezSabe‐se que a obesidade aumenta tanto a incidência de complicações obstétricas maternas como neonatais. A perda de peso associada à cirurgia bariátrica e seus efeitos sobre a gestação futura têm sido alvo de muitas publicações. Recentemente, uma revisão da literatura publicada por Narayanan & Syed (2016) mostrou que a gravidez obtida após a cirurgia bariátrica apresenta resultados desafiadores. A rápida perda de peso esteve associada a maior risco de crescimento intrauterino retardado (CIUR). Afirmam que o dumping, carências nutricionais e complicações da cirurgia, tais como obstrução do intestino delgado, hérnias internas e colelitíase, podem complicar a evolução da gestação. Dessa forma, recomendam que a gestação ocorra de 12 a 24 meses após a cirurgia49.
As variáveis mais avaliadas pelos estudos são diabete gestacional e pré‐eclâmpsia. Com relação à incidência de diabete gestacional, encontramos dados conflitantes. Enquanto Shai et al. (2014), que compararam retrospectivamente os resultados obstétricos de 326 mulheres submetidas à cirurgia bariátrica com os obtidos em 1.612 obesas sem tratamento cirúrgico, verificaram uma redução da incidência do diabete gestacional no grupo operado;50 entretanto, Karmon & Sheiner (2008), num artigo de revisão, relatam um aumento da incidência dessa afecção nas submetidas à operação.51 Já a incidência de pré‐eclâmpsia parece reduzir após a cirurgia bariátrica. Em 2010, Bennett et al. relataram uma redução de até 75% de incidência de distúrbios hipertensivos entre as obesas operadas.52
Numa metanálise, Galazis et al. (2014) avaliaram os resultados de 17 estudos sobre o impacto nos resultados obstétricos e neonatais. Mais uma vez, a limitação da interpretação dos dados se deveu ao fato dos estudos terem sido não randomizados ou caso‐controle. Observaram uma menor incidência de pré‐eclâmpsia (p=0,007), diabete gestacional (p<0,001), além de uma maior incidência de parto prematuro (p=0,006), de admissão neonatal no centro de cuidados intensivos (p=0,03) e de anemia materna (p=0,002) entre as mulheres submetidas à cirurgia bariátrica previamente.53
ConclusãoEmbora existam relatos na literatura da melhoria da ciclicidade menstrual, retorno a ciclos ovulatórios e aumento da taxa de gestação espontânea, após a cirurgia bariátrica, a presente revisão mostra inconsistência dos dados descritos, uma vez que não há artigos randomizados e controlados sobre esses temas. Com relação ao impacto dessa cirurgia nos resultados de TRA, encontramos apenas dois relatos de casos e um artigo de revisão. Mais uma vez, a ausência de uma metodologia adequada para se permitir alguma conclusão fez‐se presente. Finalmente, os efeitos da cirurgia bariátrica permanecem incertos sobre os resultados obstétricos e neonatais. A presente revisão deixa evidente a necessidade de trabalhos randomizados e controlados para a avaliação dos efeitos da cirurgia bariátrica sobre a fertilidade feminina.
Conflitos de interesseOs autores declaram não haver conflitos de interesse.