O artigo traça uma sintética análise da greve de 120 dias dos docentes das universidades federais brasileiras, ocorrida em 2012. É conferida ênfase à discussão sobre os projetos governamentais para a educação superior no Brasil atual e a greve é tratada como um enfrentamento que teve como alvo principal justamente a degradação das condições de trabalho docente decorrentes desses projetos. Ao fim, é feita uma avaliação de alguns aspectos do impacto da greve na conjuntura.
El artículo plantea un análisis sintético de la huelga de 120 días que en 2012 mantuvieron los docentes de las universidades federales brasileñas. Se coloca el énfasis en la discusión sobre los proyectos gubernamentales para la educación superior en el Brasil actual y la huelga se aborda como un enfrentamiento que tuvo como tema principal la degradación de las condiciones de la labor docente, derivada precisamente de estos proyectos. Al final se realiza una evaluación de algunos aspectos del impacto que tuvo la huelga dentro de su coyuntura.
This paper provides a brief analysis of the 120 day strike that occurred in 2012 launched by the faculty of Brazilian federal universities. Emphasis is placed on the discussion regarding government projects for higher education in present-day Brazil, and the strike is addressed as a confrontation whose main theme was the decline of the conditions in teaching work, precisely derived from these projects. At the end an evaluation is made of some aspects of the impact the strike had given the circumstances.
Entre maio e setembro de 2012 os docentes das Instituições Federais de Ensino (IFE) representados pelo Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior, conhecido como ANDES-SN, estiveram em greve. Foram quatro meses, mais de 60 instituições (58 das 59 Universidades Federais), cerca de 100 mil professores entre ativos e aposentados e um milhão de estudantes envolvidos na paralisação. Esses números a configuraram como a greve de maiores dimensões da história da categoria.
Avaliar um movimento desse porte exige ir além dos raciocínios lineares e simplistas. A extensão da greve revela tanto a sua força quanto as dificuldades que enfrentou para negociar suas reivindicações com um governo que demonstrou, ao longo de 120 dias, enorme intransigência com a categoria e seu sindicato. Explicar a força da greve e a intransigência do governo deve ser portanto, o ponto de partida de qualquer balanço.
Uma greve forteA categoria docente universitária brasileira possui uma história já longa de movimentos grevistas, iniciada na década de 1980. Porém, desde 2005 não realizava uma greve nacional e desde pelo menos 2001 não vivia uma mobilização com dimensões comparáveis às do movimento deste ano. Esse intervalo sem maiores ações coletivas dos docentes pode ser atribuído tanto ao relativo consenso alcançado pelas propostas do governo no interior das Instituições Federais de Ensino, quanto (e os aspectos se relacionam) às dificuldades do sindicato em mobilizar uma categoria que se renovou muito nos últimos anos. Por isso mesmo, não deixou de surpreender a rapidez com que a greve foi construída e efetivada em praticamente todas as instituições. Os anos de trabalho pedagógico do sindicato pareceram se combinar a uma rápida conscientização dos professores, ante ao descumprimento do governo dos prazos para efetivação do minúsculo reajuste acertado no ano anterior; quanto aos limites que se apresentam ao desenvolvimento adequado de seu trabalho.
Em suma, a greve e sua força podem ser explicadas, principalmente, pelo sentimento nacionalmente espalhado entre os docentes de que a pauta do movimento era justa e representava seus interesses e os de todos que vivem o ensino superior público no país. Uma pauta centrada em dois pontos: a definição de uma nova carreira para o magistério federal e a melhoria das condições de trabalho.
A defesa de uma nova carreira se relacionou à avaliação objetiva de que os professores universitários são uma das carreiras de servidores públicos com formação superior mais mal remuneradas. Relacionou-se também a uma tentativa de reverter a marcha em curso, da precarização da atividade docente, submetida a formas “informais” de contratação (bolsas várias, professores substitutos ou temporários) e a um modelo produtivista de avaliação de desempenho (elevação da carga de trabalho em sala de aula, combinada a cobranças de indicadores quantitativos de publicação, participação em congressos, orientações, patentes).
A demanda por a melhoria das condições de trabalho relacionou-se basicamente a um programa de expansão das universidades federais posto em prática a partir de 2007 pelo governo de Luiz Inázio Lula da Silva. O Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) é centrado na abertura de novas universidades, novos campi das universidades existentes e ampliação das vagas para estudantes. A princípio, uma reversão do asfixiamento das universidades federais levado adiante pelos governos anteriores. No entanto, se do ponto de vista da expansão parece haver reversão das políticas passadas, do ponto de vista da concepção de universidade há uma continuidade com o projeto de redução no sentido das instituições, adequando-as ao modelo preconizado pelo Banco Mundial para países como o Brasil. Modelo em que a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão —consagrada como princípio pela Constituição de 1988— é repudiada como muito dispendiosa e desnecessária e, em seu lugar, defende-se uma universidade limitada ao ensino, voltada para a formação de profissionais mais “flexíveis”, adequados às demandas do mercado. Assim, os novos cursos abertos com a expansão do Reuni devem ter duração mais curta, com perfil interdisciplinar.
Para receber novos pequenos aportes de recursos e algumas vagas para concursos docentes as instituições tiveram que se comprometer com um conjunto de metas, que esclarece muito sobre o sentido da proposta. Cada universidade federal foi levada a assinar um acordo de “adesão” com o Ministério da Educação, em que se comprometia a criar novos cursos e ampliar vagas, garantindo sempre o cumprimento de três conjuntos de metas: dobrar as matrículas nos cursos de graduação; elevar a taxa de conclusão para 90% e estabelecer uma relação professor-aluno de 1:18, tudo o anterior em um prazo de cinco anos.
Na prática, o que hoje se observa são salas de aula superlotadas, falta de laboratórios, bibliotecas e outras instalações essenciais, pois a expansão física das universidades já existentes foi muito limitada. Quanto às novas universidades criadas desde 2003 e aos novos campi das universidades mais antigas, abertos com o Reuni, pode se dizer que operam em um nível de precariedade insustentável e funcionam em alguns casos, em contêineres metálicos ou muitas vezes em prédios adaptados de escolas de ensino fundamental. Não à toa, docentes e estudantes das novas instituições e áreas de expansão foram dos primeiros a se mobilizar.
Em termos concretos, o que os professores propuseram como pauta da greve foi uma carreira única de professor federal (unificando as atuais carreiras de ensino superior e ensino básico, técnico e tecnológico) com uma única linha no contracheque (incorporação das gratificações e adicionais), organizada em 13 níveis com progressão a cada dois anos. O piso salarial para o professor 20h corresponderia ao valor proposto para o salário mínimo pelos cálculos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE) e a variação entre os níveis seria de 5%. Em cada nível haveria diferentes acréscimos salariais referentes aos percentuais de titulação (especialização, mestrado e doutorado).
No que tange às condições de trabalho, as reivindicações eram menos precisas, mas concentraram-se em exigências de concursos públicos para docentes e técnicos, conclusão das obras de expansão já em curso ou licitadas, garantias de verbas de manutenção e assistência estudantil, entre outras.
O crescimento da greve as respostas do governoA greve se iniciou o 17 de maio de ano 2012 e cresceu nas semanas seguintes, entre os docentes representados pelo ANDES-SN e também entre os estudantes de diversas universidades. Os servidores técnico-administrativos representados pela Federação de Sindicatos de Trabalhadores Técnico-Administrativos em Instituições de Ensino Superior Públicas do Brasil (Fasubra-Sindical) entraram em greve nacional no dia 11 de junho (iniciando-a até mesmo antes em algumas instituições) e os docentes e técnicos de institutos de educação tecnológica e outras instituições de ensino médio, representados pelo Sindicato Federal dos Servidores da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) iniciaram a paralisação dois dias depois, o 13 de junho. Ainda que não tenha existido uma articulação unificada para deflagrar e conduzir a greve, acabou por se configurar uma greve nacional das instituições federais de ensino em seu conjunto.
Atividades conjuntas, não apenas das greves da educação, mas dos Servidores Públicos Federais (SPFs) como um todo, tiveram lugar em Brasília e nos estados. Em 5 de junho ocorreu uma Marcha Unificada dos Servidores Públicos Federais, que levou mais de 15 mil pessoas à Esplanada dos Ministérios. O Fórum Nacional de Entidades dos Servidores Públicos Federais aprovou, após aquela marcha, a indicação de entrada em greve a 11 de junho das 31 categorias que o compunham, o que de fato acabou por acontecer, embora com ritmos e pautas próprias, nas semanas seguintes. Mais duas marchas, em 18 de julho e 15 de agosto, aconteceram em Brasília. Nos estados, diversos atos unificados tiveram lugar, com destaque para a participação dos servidores em greve com uma coluna própria na Marcha dos Povos contra a mercantilização da vida, ocorrida no Rio de Janeiro em 20 de junho, em meio à conferência Rio +20.
No que diz respeito aos docentes, as respostas do governo foram sempre dúbias. De um lado, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) acabou tendo que ceder à força da greve, “negociar” a carreira e colocar sobre a mesa R$ 4.2 bilhões de reais para reajustar os salários da categoria nos próximos anos (em três parcelas, até 2015). Por outro lado, após algumas idas e vindas, reuniões com o Comando Nacional de Greve (CNG) e o MPOG aconteceram em 12 de junho, 13 e 24 de Julio e o 1 de agosto, o governo acabou por apresentar uma proposta de reordenação da carreira docente que aprofunda a desestruturação atualmente existente. Diante da rejeição da proposta pelos grevistas, o MPOG assinou um simulacro de acordo com a Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior (Proifes), entidade criada e alimentada pelo próprio governo, desrespeitando a totalidade das manifestações de assembleias de base (aí incluídas as das bases que o Proifes alegava representar) que rejeitaram a proposta do governo.
Em uma síntese muito rápida, a proposta que afinal foi enviada ao congresso no interior do Projeto de Lei 4368/2012, que seria aprovado em dezembro, só garante reajuste real (diante da inflação projetada) para os níveis superiores das carreiras, aos quais só uma pequena parcela dos docentes tem acesso. Além disso, mantém a separação entre as duas carreiras existentes, não estabelece percentuais fixos para a retribuição por titulação, mantendo-as como gratificações e não garante a isonomia entre ativos e aposentados. Seu ponto avaliado como mais negativo, atribui ao Ministério da Educação a definição dos critérios para progressão na carreira, rompendo com a autonomia universitária na gestão do pessoal docente.
O confronto entre um movimento tão forte e um governo tão intransigente revelou a quão estratégica é a política para o ensino superior no projeto desse governo; assim como demonstrou o quanto ele está disposto a arriscar para conter o sindicalismo autônomo representado pelo ANDES-SN. Essas constatações ficam evidentes quando se percebe que com outras categorias dos SPFs as propostas apresentadas pelo governo continham o atendimento de algumas reivindicações, avaliadas como conquistas positivas da greve pelos trabalhadores, que por isso respaldaram suas entidades para que assinassem acordos que puseram fim à greve. Para os docentes, no entanto, que iniciaram a onda grevista, a não-negociação efetiva e a insistência em uma proposta que confrontava projetos de universidade foi a resposta governamental.
O envio do Projeto de Lei (PL) 4368/2012 ao Congresso em 31 de agosto e o fim das greves em outros setores do serviço público federal geraram dificuldades para que o CNG do ANDES-SN construísse uma saída unificada da greve, o que afinal se deu na segunda quinzena de setembro. Ainda assim, a luta continuou sendo encaminhada no interior do Congresso Nacional, onde através de audiências públicas e pressão sobre os parlamentares, o Sindicato tentou modificar o Projeto de Lei apresentado pelo governo. Mesmo com o projeto ao fim aprovado sem maiores modificações na proposta original do governo, o processo aberto pela greve ainda não chegou ao seu fim e a avaliação que aqui se apresenta é necessariamente parcial.
Em balançõUm balanço equilibrado do fim da greve deve ter em conta que a categoria docente não conquistou efetivamente ganhos expressivos nos termos postos por sua pauta de reivindicações. O Projeto de Lei enviado pelo Executivo ao Congresso embora tenha alocado recursos que antes “não existiam” para responder à greve, contempla valores de reajuste salarial parcelado que, para a maior parte dos níveis da carreira, mal cobre (em alguns casos, sequer cobre) a inflação projetada para os próximos anos, embora possam significar ganhos reais para os níveis mais elevados da carreira. Porém, o fundamental de uma avaliação das respostas governamentais à pauta da greve é perceber que o governo se moveu a partir da pressão da categoria, mas não cedeu em seu projeto mais amplo de universidade, pelo contrário, inseriu no Projeto de Lei uma lógica de progressão na carreira e uma série de mecanismos que podem ampliar a carga de trabalho docente, ao mesmo tempo em que subtraem à universidade as prerrogativas de autonomia na avaliação desse trabalho. No que tange às condições de trabalho, nenhum compromisso efetivo foi firmado, como ainda se percebe que as consequências do que foi proposto pelo governo sobre carreira docente, tendem a jogar mais água no moinho da precarização da atividade universitária.
Saldo totalmente negativo, então? Avaliar uma greve pela sua pauta e resultados econômicos é inevitável mas não é suficiente. Só o desenrolar dos processos abertos pela greve ou iluminados por ela, nos possibilitará chegar a um balanço mais equilibrado sobre um acúmulo político positivo para lutas futuras, gerado pelo movimento. É possível, entretanto, esboçar uma avaliação a partir de elementos presentes na greve que, tendencialmente, apontam para um potencial de mobilização capaz de manter e alimentar lutas futuras.
Nessa avaliação, destaca-se a o peso que a greve docente das IFEs teve na conjuntura. Em primeiro lugar, porque não é de pouca monta o fato de que após sete anos sem greves nacionais os docentes das federais tenham-se levantado e enfrentado o governo federal para defender um projeto de universidade que, conforme ficou evidente ao longo do processo, é oposto ao projeto governamental. Além disso, a greve teve um caráter exemplar e mais de 30 outras categorias do serviço público federal pararam suas atividades reivindicando reajustes salariais, melhorias nos planos de carreira e nas condições de trabalho. O resultado desse movimento foi a conclusão de que não só era possível fazer greves, como isso era absolutamente necessário para enfrentar o arrocho salarial, a retirada de direitos e o desmonte do serviço público. E as greves foram feitas muitas vezes ao arrepio da orientação mais governista das direções das entidades sindicais do funcionalismo.
Diante do quadro de avanço das consequências da crise capitalista sobre a economia brasileira e tendo em vista que a receita dos planos de austeridade em todo o mundo é a mesma —retirada de direitos e arrocho sobre o funcionalismo e os trabalhadores em geral—, o fato de os servidores federais terem se mostrado capazes de grandes mobilizações já em 2012 é bastante positivo. Se uma consequência dessas lutas fora retomada dos fóruns intersindicais (papel representado pela Coordenação Nacional dos Servidores Públicos Federais (CNESF), nos anos 1990) e das mobilizações unificadas do conjunto do funcionalismo federal, o patamar de resistência que o setor poderá oferecer às medidas de austeridade que se avizinham será, por certo, mais elevado.
Fundamental na conjuntura foi a greve ter pautado o debate sobre a forma precária com que o governo projetou a expansão das universidades públicas. Nas duas últimas décadas o processo de conversão das universidades federais ao modelo do ensino superior subordinado ao mercado avançou muito. O trabalho docente foi intensificado, mas também hierarquizado e fragmentado, sob a égide de avaliações produtivistas e da desvalorização das atividades de ensino em paralelo à concentração dos recursos para a pesquisa nas mãos de alguns poucos “centros de excelência”. O individualismo competitivo, a valorização de uma meritocracia mensurada por discutíveis critérios quantitativos e a lógica do “empreendedorismo acadêmico” (do professor que vende seus serviços ao mercado) passaram a ser parte do ethos que se pretendeu impor ao professor universitário.
Nesse sentido, o espaço em que a lógica do produtivismo e do empreendedorismo acadêmico se manifesta mais claramente é sem dúvida o das pósgraduações. Nelas, o dilema que a greve ajudou a descortinar é o da confrontação com uma intensificação brutal do trabalho docente, explicada em grande medida pela lógica das avaliações quantitativistas de “produtividade” acadêmica; uma lógica que, porém, não vem apenas “de fora”, mas é acolhida e executada por “pares”, num processo de “servidão voluntária” aos mecanismos impostos pelo governo através das agências de financiamento e avaliação. Não à toa, nos últimos meses e em especial durante a greve, circulou uma série de cartas de descredenciamento voluntário de professores de seus programas de pós-graduação, denunciando o referido dilema. Embora nos anos 1980 e início dos anos 1990 as greves nas universidades tenham sempre paralisado todos os níveis de ensino, desde a segunda metade dos anos 1990 criou-se o mito de que as pós-graduações não poderiam parar suas atividades por conta dos calendários impostos pelas agências. A greve de 2012 paralisou diversos programas de pós-graduação, ampliou o debate sobre o sentido das políticas de pesquisa e pós-graduação no país e levou o Comando Nacional de Greve a se corresponder e realizar atos nas agências, questionando os critérios, calendários e a lógica de avaliação e financiamento dos programas e projetos de pesquisa.
Ao por em discussão todo esse processo, a greve acabou por esclarecer, interna e externamente à comunidade universitária, setores que de certa forma tomavam como “naturais” os mecanismos do produtivismo acadêmico e avaliavam de forma extremamente positiva a expansão das instituições federais iniciada no segundo mandato de Lula da Silva.
Além disso, a greve significou a entrada em cena de um conjunto muito amplo de docentes que ingressaram nas universidades nos últimos anos e se deram conta de que nesse projeto precário de expansão, não há espaço para uma carreira estruturada nem para condições de trabalho que garantam a qualidade do trabalho universitário.
Pela mesma razão, a greve empolgou largas parcelas do segmento discente. O movimento estudantil das universidades federais manteve, em larga medida, uma orientação autônoma frente aos governos do Partido dos Trabalhadores, mas o grau de sua combatividade, evidente na resistência à adesão ao Reuni em 2007, não se repetira nos anos seguintes. A adesão à greve em 2012 deveu-se sobretudo, ao fato de que a pauta centrada na defesa das condições de trabalho dos docentes é, necessariamente, uma pauta de defesa das condições de estudos dos estudantes, que sofrem duramente com as deficiências das instalações, com a falta de professores e com os limites acadêmicos dos novos cursos.
Na maioria das instituições, os comandos de greve não foram compostos apenas pelos militantes de longa data, participantes das greves dos anos 1980-90 e 2000; pelo contrário, alguns desses já estavam, mas havia também muitos novos professores, que pela primeira vez atuaram numa greve docente, mas que assumiram papel de protagonistas do processo. A conscientização desses setores sobre a precariedade das políticas de expansão, em meio as quais ingressaram nas IFEs, explica esse protagonismo. Por tudo isso, pode-se falar, sem medo de usar chavões, que a greve teve um papel pedagógico e conscientizador. Algo que sem dúvida, aproximou o sindicato da categoria.
Por sindicato, entenda-se a organização historicamente construída de maneira autônoma pelos docentes desde as lutas do período final da ditadura militar, ou seja, o ANDES-SN. Criado em 1981 como Associação Nacional (pois a legislação proibia a sindicalização do funcionalismo público) e transformado em sindicato após a Constituição de 1988, o ANDES-SN foi o único representante sindical dos docentes de instituições federais de ensino superior (representa também professores de instituições públicas estaduais e uma pequena fatia dos docentes de instituições privadas) até o governo de Lula da Silva. A partir daí, face à manutenção da linha política de autonomia sindical frente ao governo, setores que antes se apresentavam como oposição no interior do sindicato se constituíram em dissidência e por sua iniciativa foi criado o Proifes, contando com forte apoio governamental e da Central Única dos Trabalhadores (a maior central sindical do país, da qual o ANDES-SN se desligou em 2005, por discordar de seu atrelamento ao governo). A nova entidade se apresentou inicialmente como um fórum, que logo buscou transformar-se em federação de sindicatos e recebeu para tanto respaldo do Ministério da Educação (sempre sendo convocado para mesas de negociação) e do Ministério do Trabalho (que acolheu seus pedidos de reconhecimento).
Com a greve, setores expressivos da categoria docente reconheceram no ANDES-SN, e no Comando Nacional de Greve a ele ligado, a legítima direção do movimento, desautorizando e percebendo o real papel de porta-voz do governo representado pelo Proifes, inclusive naquelas universidades em que a direção local alinhava-se com a entidade fantoche. É claro que esse reconhecimento não se deu sem disputas internas sobre a condução do movimento e sem dificuldades de definir os papéis da diretoria do sindicato, CNG e deliberações de base, algo que em grande medida (mas não só) decorreu de uma distância grande entre esta e as experiências anteriores de greve docente.
No que diz respeito à questão da representação sindical, a greve de 2012 pode ser tomada como um ponto de inflexão. Desde 2005, os esforços do governo e de um setor do movimento docente em fragmentar a representação sindical dos professores, construindo entidades com beneplácito político de Brasília e com objetivos distantes dos de um sindicalismo combativo, pareciam estar sendo bem-sucedidos, na medida em que o Proifes ganhava novas adesões e algumas Seções Sindicais se desligavam do ANDES-SN. A greve interrompeu esse processo e mesmo o inverteu, com assembleias aprovando a deflagração do movimento após enfrentamentos com dirigentes sindicais locais que sequer aceitavam pautar a discussão sobre a greve; comandos de greve que se construíram contra as direções antigreve; a deposição de diretorias que não respeitaram suas bases e a formação de grupos políticos dispostos a recolocar Seções Sindicais antes rompidas novamente no interior do ANDES-SN.
Por fim, mas não menos importante, num ambiente tão fortemente marcado pelo individualismo competitivo do produtivismo mesclado ao empreendedorismo acadêmico, uma das conquistas inegáveis da greve de 2012 nas universidades federais foi fazer (re)emergir outros valores, pautados pela solidariedade de classe, pelo espírito do trabalho coletivo e pelo comprometimento com um projeto de universidade destinada a contribuir para a mudança qualitativa da sociedade brasileira. Manter esses valores de pé é um desafio para o próximo período, mas, em tempos tão sombrios, vê-los (re)surgir está longe de ser pouco.